Bokurano
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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:44 am

Sidney acompanhou CL até o fim. Menos na sala de cirurgia, quando teve de ficar na sala de espera, aguardando o andamento das coisas. Estava sinceramente aflito. Queria fumar, mas lembrou que não fumava. Queria tomar um trago, mas tinha medo de sair à rua, pois achava que o médico podia chamá-lo a qualquer momento. E agora, o que podia fazer? Seus pensamentos foram interrompidos quando tocou seu celular. “Bonnie. Eu estou com uma amiga aqui, ela sofreu um acidente e vou demorar um pouquinho para chegar em casa. Tem comida na geladeira e no forno, como você sabe cozinhar não vai ter problemas em separar qualquer coisa. Não, não tenho hora certa pra chegar, amor. Eu vou che... espera aí, o médico está me chamando”, disse Sidney, acompanhando o profissional chamá-lo num canto.

- Senhor, ela sofreu... ela está com o fêmur direito fraturado e 2 costelas quebradas, o impacto acertou um dos órgãos – disse o médico. - Creio que a senhora... Chae Rin Lin tenha que permanecer aqui por alguns dias sob observação, não podemos deixá-la sair mesmo se a cirurgia terminar. Vai demorar um pouquinho até que ela se recupere por completo.
- Tudo bem, tudo bem – disse Sidney. - Ela não corre risco de vida, então claro que fico mais aliviado. Posso vê-la? Também sou médico, sou presidente da Clínica Bhaga, certamente você já ouviu falar...
- Sim, já ouvi falar, tem alta reputação e tudo mais, mas estamos executando um trabalho difícil, o senhor pode ficar aqui que serviremos chá, refrigerante, revistas, livros, qualquer coisa para deixá-lo à vontade, se o senhor entrar na sala é capaz dela...
- Ah, qualé, cara, acabei de dizer que sou médico – disse Sidney. - Deixa eu entrar, vambora!

Sidney higienizou suas mãos, pôs o uniforme de cirurgião e adentrou a sala. Presenciou CL respirando com a ajuda de aparelhos enquanto os demais profissionais faziam o trabalho. CL moveu os olhos e o viu, em pé na sua frente. Seu celular tocou novamente e ele teve de se afastar para atender.

- Eu estou ocupado! - bradou ele.
- Ei, é o Júlio – disse o estilista. - Precisava muito falar com você.
- O que aconteceu?
- A Vlada, ela deu entrada no hospital porque passou muito mal na preparação de um desfile. Está anoréxica. Me desculpa, mas acabei dispensando ela da firma. Despedi ela.
- Você fez certo – disse Sidney. - Onde vocês estão agora? Na Rússia?
- Em São Paulo. Quer vir até aqui?
- Claro, mas estou com uma visita inesperada aqui, a CL. Aconteceu uma coisa muito ruim, então estou aqui dando suporte pra ela.
- Aconteceu exatamente o que?
- Ela foi atropelada. Teve umas costelas quebradas, feridas internas, entre outras coisas. Eu tô morrendo de vontade de aparecer aí, mas vou demorar um pouquinho.
- Sem problemas, mas ela está precisando muito de você. Dá uma passada aqui ainda essa semana, pode ser?
- Claro, até amanhã darei alguma resposta, me passe o endereço daí.

Sidney estava ainda mais aflito por querer ver Vlada, mas teria de decidir em ficar ali e cuidar de CL ou rumar para São Paulo, para ver o estado da russa, que assim como a norte coreana vivia em uma situação crítica. Provavelmente estava no hospital, logo ele não teria liberdade o suficiente para se divertir com qualquer uma das duas meninas – “se divertir” daquele jeito. Retornou ao cirurgião chefe, que estava momentaneamente desocupado. Puxou ele no mesmo canto e disse: “Eu preciso viajar agora, preciso visitar uma pessoa, quanto tempo você acha que CL ficará sob a responsabilidade do hospital?”. “Alguns dias, pelo menos uma semana, no máximo, mas ela estará melhor progressivamente, com toda a certeza”, respondeu o médico. “Seja para o que for, fique tranquilo, mas precisamos que você assine um formulário. Diremos a ela que você voltará. Voltará mesmo, não é?”. Claro que sim. Sidney ainda gostava dela – não da mesma forma que antes, mas ainda gostava muito. Mais aliviado, respirou fundo, tirou o uniforme de cirurgião e irrompeu pela porta, em direção á saída do hospital.

Ele não pagaria sua passagem naquele momento, pois precisava dar satisfações à filha. Retornando ao Castelo Sidney entrou sorrateiramente em casa, e viu Bonnie dormindo no sofá novamente, a televisão ligada e o seu pequeno pijama insuficiente para cobrir suas pernas pálidas. O indiano desligou a televisão e quando ia pôr a guria para a cama, ela acordou.

- Eu tava te esperando – disse ela, abraçando-o. - A Grace tá dormindo quentinha, eu tinha feito comida pra gente.
- Oh, beleza, então. Ah, quero te dizer uma coisa, eu tô indo pra São Paulo agora.
- Por que?
- Por causa da Vlada, ela tá lá, tá anoréxica, então ela precisa de mim, o agente dela precisa de mim, vou pegar o próximo voo, então eu pretendo voltar daqui amanhã ou depois de amanhã. Consegue viver um pouquinho sem mim, né?
Claro que sim, mas não pensa que vou ficar feliz com isso – respondeu ela. - Mas, o senhor vai agora mesmo?
Vou fazer algumas ligações, depois vou dar uma cochilada, pegarei o avião pela manhã.
- Posso ir?
- E a escola? Você tem seus afazeres, amor – respondeu ele, acariciando o cocoruto da filha. - Sabe ir e voltar pra cá, então pode se virar sem maiores problemas. Te juro que não vai passar de 3 dias.
- Ah, em 3 dias eu morreria... - disse ela, fazendo manha. - Deixa eu ir contigo...
- Não dá, você tem a sua obrigação, que é estudar. Faz uma coisa: pense em mim no menor tempo possível, assim você não sente tanta saudade.
- Não é assim tão fácil, e eu também não quero pensar no senhor – disse ela, teimando. - Pelo menos dorme comigo aqui no sofá, não tô afim do caixão hoje.
- Ok, ok, mas primeiro vou passar algumas ligações.

Sidney sentou de frente ao computador instalado na sala de estar e começou a falar com algumas pessoas, preparando a pauta para os próximos dias, desmarcando e adiando as coisas. O prefeito queria falar com ele sobre a parceria de melhoramento no Castelo, Marcelo precisava de sua ajuda para custear sua passagem por 15 dias – já que a nova empresa onde trabalhava não iria bancá-lo logo de início – , Rihanna queria marcar um cinema no fim de semana e por aí foi. Ele se sentia feliz por estar ocupado e por estar presente em uma roda de tantos amigos. Queria que Cristiano passasse pela mesma situação, mas era provável que o resultado seria o oposto. Ele não gosta de tanta gente e sentiria-se desconfortável com tanta gente zumbindo em sua cabeça. Na última conversa com Júlio Valeretto este último disse que estava instalado no bairro do Ipiranga, na casa de uma amiga de Vlada e que ele não podia estar lá por muito tempo, já que necessitavam do seu auxílio no mundo da moda. Ligou o computador e clicou em Minhas Imagens. Clicou na pasta Vlada e viu as fotos da menina. 3 fotos que tirou com ela, além das 6 que mandou para ele, tiradas de webcam. Após a última ligação, espreguiçou-se na cadeira, de pernas cruzadas e deu uma boa olhada nas fotos enquanto pensava. CL no hospital e Vlada na casa da madrinha, as duas passando um perrengue desgraçado. E precisavam dele. Deu vontade de se dividir em dois.

Minutos depois saiu da cadeira e deu uma olhada em Bonnie. Sidney tirou os sapatos, o casaco e deitou no sofá, colado a Bonnie. Esta abraçou-o e fechou os olhos com tranquilidade. Apagaram-se as luzes e os dois também.

4 horas depois Sidney já estava de pé. Bonnie ainda curtia o quinto sono e obviamente o homem não tinha a menor intenção de acordá-la, pois retardaria sua preparação e assim perderia o voo para São Paulo. Falando naquela cidade, Sidney estava lembrado que São Paulo estava sendo muito mais visada pelos estilistas e donos de agências de modelos, então mais cedo ou mais tarde Vlada passaria por ali, passaria sempre que pudesse, fazia parte de seu trabalho. Sidney não gostava tanto de São Paulo. Apesar dele mesmo ser um imigrante, não simpatizava com outros com a mesma origem que a sua, e a terra da garoa estava ficando apinhada deles. Teria que se acostumar, não apenas ali, mas em qualquer lugar do Brasil onde os imigrantes estariam instalados. Também – como Cristiano – alimentara certa birra com sotaques diferentes, mas não abraçava o preconceito propriamente dito. Achava que estava apenas... ressabiado com as diferenças culturais, embora soubesse que alguns cariocas também andavam ressabiados com sua presença e seu sotaque, seu português – que, embora seja eficientíssimo – esquisito. Bonnie dormia tão aconchegadamente que o indiano teve de não olhar para o rosto sardento da guria, porque não queria fraquejar em sua “missão”. Logo depois, se arrumou todo, fez rapidamente uns sanduíches naturais, enfiou uma garrafa térmica com chá dentro da mochila, achou – com custo – sua cartola e despediu-se da filha (sem antes pegar um livro dela, “Admirável Mundo Novo”) e da quinta.

Não saiu de carro. Caminhou até o largo da Misericórdia, de lá tomou uma diligência e rumou ao aeroporto internacional.

- Deu 20 contos – disse o cocheiro, após chegar à entrada do aeroporto. Sidney o pagou (“fica com o troco, cara”) e andou apressadamente até o terminal. Pegou a passagem e minutos depois tudo estava resolvido. O aeroporto tinha pouco movimento, ainda nem amanhecera, mas ele havia combinado com Júlio que estaria antes das 10 da matina. O estilista concordou e disse que Vlada estaria esperando por ele.

Seu jato já iria partir em 10 minutos, então ele entrou dentro e sossegou, tomando um achocolatado enquanto folheava o livro de Bonnie. Fazia um tempo que gostaria de lê-lo, mas só o fato de tentar ler um romance infligia dores em sua cabeça e tremeliques pelo corpo. Há tempos não lia um livro. Há tempos considerava-se burro e de fato o era, mas tinha como rever o processo lutando contra a maré. Sabia que podia fazer isso. E quando os pilotos preparavam-se para partir ele tentou, abrindo nas primeiras páginas, tranquilo e de pernas soltas. Tinha a certeza que se divertiria em sua mirrada 1 hora de viagem.

Chegando no aeroporto de Congonhas, precisou ser acordado pela aeromoça, pois dormia como uma pedra. Aeromoça bem bonita, aliás – tanto que usou a situação para cantá-la. Sidney pegou sua mochila e ajeitou a cartola em sua cabeça. O terno marrom casava perfeitamente com seu corpo comprido e magro, os olhos foram esfregados pelos dedos, ávidos em retirar as poucas remelas de suas vistas.

Saindo do aeroporto, verificou o papel com o endereço da casa. Ainda estava muito longe do bairro Ypiranga (digo, Ipiranga), então ele teria de pegar uma diligência até lá. Contou com o serviço de táxis, ali ao lado. Logo ao requisitar os serviços de um taxista gordinho este disse para ele: “O senhor não tem cara de que vai trabalhar para os Jafet”. Sidney visivelmente não entendera. “Os Jafet, os libaneses que estão empregando todo mundo que quer trabalhar em fábrica, eles começaram com uma na rua dos Sorocabanos, e... ah, é carioca?”

- Sou. Me leve para este endereço, por favor – disse Sidney, que mostrou o bilhete a ele. - Conhece?
- Sim, antes de ser taxista queria trabalhar numa empresa lá, dos Sacommani, não sei se já ouviu falar.
- Sim, já ouvi – respondeu o indiano.
- O senhor fala esquisito, é mesmo carioca?
- Tá, sou indiano.
- Ah, estrangeiro! - exclamou o gordinho. - Seja bem vindo à minha cidade!

Sidney se mostrara aliviado pelo taxista ter encerrado aquele papo, que certamente ficaria irritante. Não conseguia ler o livro na diligência, balançava um pouco, então tentou fazer algo tão difícil quanto: dormir. Morria de sono, ainda não amanhecera e a viagem provavelmente demoraria mais algumas dezenas de minutos. Não tinha como o sujeito voltar a encher seu saco, já que estava conduzindo o veículo do lado de fora – como todo cocheiro o faz – , os ruídos feitos pelo sacolejar não perturbavam o cliente, então Sidney cochilou numa boa. Já pensava em Bonnie, em Vlada e em CL. Estava totalmente dividido, pensou em querer acabar logo com sua visita à São Paulo e levar Vlada em definitivo para sua casa. E casar com ela.

Dezenas de minutos depois após passarem pela região Central da capital a carruagem adentra o bairro do Ipiranga. Passam pelo centro do distrito, cortando a estrada de ferro Santos-Jundiaí e o Museu do Ipiranga. A própria área servia como passagem para viajantes que subiam da Baixada Santista – litoral do estado – para a capital.

“Já chegamos na sua rua!”, gritou o taxista. Sidney acordou como se estivesse sido vítima de um pesadelo, mas não, em seus sonhos estava acompanhado por Vlada e CL em uma cama, transando os três ao mesmo tempo. Praguejou pelo taxista tê-lo acordado, mas sabia que uma hora precisava sair da carruagem. Ajeitou sua cartola e pegou a mochila, antes de pôr o pé direito no solo empoeirado do Ipiranga. Caminhou uns centímetros até o motorista e pagou o sujeito. “Valeu, cara, eu pediria pra você ficar esperando aqui, mas vou demorar um pouquinho”, disse o indiano. O taxista cumprimentou-o e saiu fora. Depois, ao vê-lo sumir na fina névoa que permeava o bairro, Sidney observou tudo em um giro de corpo. Não chovia, garoava, estava em um campo aberto, com poucas casas. À sua frente, estava um rio. Sidney observou a caixa de correios situada próximo à estrada e do outro lado do rio a casa, uma construção de alvenaria marrom de 2 andares. Relacionou o número presente na caixa de correios e a casa. “É, essa é a casa onde tá a Vlada”, pensou ele, que pegou o celular e ligou para a infeliz. “Espero que ela atenda, cacete”.

- Sid... - murmurou ela, como se estivesse com areia em sua garganta. - Tudo bem, querido? Não pude te ligar, pois estou realmente mal nestes dias.
- Eu sei disso, amor – disse ele, tenso. - Eu já cheguei, achei que o Júlio iria me pegar no aeroporto. O que houve com ele?
- Está bem ocupado preparando roupas para as próximas modelos – respondeu ela. - Onde você está?
- Estou na frente de sua casa – respondeu ele, observando a casa embebida pela névoa. - Eu já estaria aí, se pudesse nadar, não sei se esse rio é fundo, como vou fazer pra chegar aí, tem alguma ponte, algo assim?
- Não se preocupa, a Jéssica vai rapidinho para aí – respondeu ela. A voz estava mui embargada, o que preocupava Sidney ainda mais. Este aguardou impacientemente, pois suas mãos estavam coçando para abraçar Vlada, tê-la por completo, precisava beijar seus lábios finos e pequenos a qualquer custo. 10 minutos depois Sidney pôde presenciar uma menina de madeixas cacheadas atravessar o rio à base de barco, remando com tranquilidade. Seus lábios carnudos brilhavam e os olhos grandes fitavam o visitante, que tinha as mãos grossas no bolso e andando para lá e para cá. Sua mochila descansava na madeira que sustentava a caixa de correios. Logo depois Jéssica chega. Uma menina de 1,55, calça rosa e preta quadriculada e camisa em um prata reluzente. Rosto redondo. Não aparentava a menor cara de sono.
- Oi, bom-dia, desculpa a demora, tá? - disse a menina, sorrindo constrangedoramente. Era uma fofa.
- Tudo bem, dá um abraço aqui, lindinha – respondeu Sidney, surpreendendo a mocinha, que não hesitou em tê-lo nos braços (na verdade, foi o contrário, pois Sidney, obviamente, tinha muito mais corpo que ela), e Jéssica sentiu-se muito bem ao receber aquele peso aconchegante em seu corpinho. Depois disso, Sidney perguntou pela russa. - Demorei bastante pra chegar aqui

É, não perguntou.

Ambos entraram no barco e atravessaram o rio. Poucos minutos depois Sidney e Jéssica andaram em direção à casa, foram surpreendidos por Vlada abrindo a porta principal. Abriu e se manteve em pé ali. Os cabelos bagunçados e soltos, os olhos azuis claro observando Sidney e a boca movendo-se para compor um sorriso. E sorriu convincentemente. Ele já tinha ciência de que ela sofria, e injetou em si mesmo mais ânimo para ter com ela, que certamente esperava bons sentimentos dele. Não aguentou muito tempo presa à porta e correu até ele, com dificuldades, até que o abraçou fortemente e se beijaram. Jéssica engoliu seco antes de um risinho. Vlada trajava um shortinho preto e uma camisa cinza, de tom bem metálico. Seus cabelos estavam mais louros que de costume. Suas olheiras, medonhas. “Tive preguiça de me cuidar”, disse ela. “Se importa?”

- Claro que não – respondeu ele. Após isto adentraram a casa.

Jéssica Sula estava curiosa a respeito de Sidney. Dias antes dele aparecer em sua casa – sim, toda aquela casa era sua, e não de sua família – Vlada tinha falado maravilhas sobre ele, e sobre outras coisas nem tanto. Também tinha exposto suas fragilidades e defeitos, o fez porque precisava ser justa numa conversa, especialmente para não fazer uma discrição maravilhosa de uma pessoa que sua amiga veria futuramente. Jéssica abraçava a solidão com tal força que não a fazia diferente de um outro misantropo, Cristiano. A possibilidade dos dois se darem bem – se fossem postos frente a frente – era alta. Vlada, naquele momento, estava feliz e queria ter Sidney ali mesmo, na sala de estar, mas em respeito à amiga – e por vergonha – resolveu fazer as coisas de um jeito simples e devagar até chegar a concretizar seu desejo ardente. Sidney sabia disso e sentia o mesmo desejo que ela, como se estivessem juntos após 1 ano, morrendo de saudade um do outro – isto não era nenhuma suposição – , como um casal normal e cheio de vida precisavam extravasar este amor e desejo mais cedo ou mais tarde. Mas, claro, Jéssica Sula empatava a situação. Mas, o que fazer, se a casa era de sua propriedade, inteira propriedade?

“Jéssica irá para a escola daqui a pouco”, sussurrou Vlada ao pé do ouvido do namorado. “Mas, além dela você verá outras pessoas nessa casa. Minhas amigas virão e meu médico também, naturalmente. Espero que não vá se importar”. Sidney compreendeu e respondeu com um sorriso. Ele havia levado Vlada no colo da porta principal da residência até o quarto, cortando a sala de estar – sala de estar essa que deu curiosidade aos olhos indianos: papéis de parede multicoloridos, uma vitrola que parecia ter mais de 50 anos funcionando com perfeição (tocava “Melody”, da banda Blonde Redhead, que Sidney reconheceu no ato, fazendo-o ainda mais feliz e inspirado). Jéssica compreendeu rápido o gosto dele pela faixa e sorriu. “Eu já vou fazer o café, qualquer coisa, dêem um grito. Vou me lembrar que ainda presto pra alguma coisa hoje”, disse ela.

- Não fale assim, querida – disse Sidney, afagando sua cabeça encaracolada. – Me desculpe, é que eu queria...
- Eu sei, estou brincando, Vlada sabe que é uma brincadeira – disse a pequena, tremelicando com os carinhos do visitante, tal qual uma gata. – O senhor veio de longe pra cá, então vou dar um tempo pra vocês ficarem sozinhos, naturalmente. E eu já estou me arrumando para a escola e depois vou trabalhar.
- Você trabalha de que, tão novinha assim? – perguntou Sidney.
- Sou maquinista, todos os dias faço o trajeto Luz-Mogi das Cruzes, chego à noitinha. Antes que me pergunte, eu tenho minhas amigas, mas elas só querem saber de curtir.
- Jéssica já tem a responsabilidade que eu não tinha na idade dela – disse Vlada, abraçada à Sid por trás. – É como se fosse minha filha.
- Ah, e eu espero que minha filha tenha essa responsabilidade a partir de um tempo, tem muito o que aprender contigo, coração – disse Sidney para a garota, que fitava o chão envergonhada. – Que tal depois de você chegar nós jantarmos fora?
- É uma ótima idéia – disse Jéssica, sorrindo abertamente. – Agora, vou deixar vocês sozinhos, pois preciso me banhar. Olha que eu vou cobrar, hein? – e precipitou-se em direção ao banheiro. Sidney e Vlada entraram em um quarto pequeno, com duas camas, um tapete com pena de pombo, a janela aberta recebendo vento, um criado mudo repleto de comida e bebida, além de uma caixa de papelão cheia de revistas em quadrinhos e variedades. Prostrado na cama, um joystick de Playstation 1, atado em um fio que começava no console, posto embaixo da tv. Sidney sentou-se na cama e Vlada fechou a porta, triunfante. Sorria para ele indiscriminadamente, ajoelhou-se entre as pernas grossas do homem e se beijaram ardentemente, com as duas línguas entrelaçando-se, as mãos de Sid roçando suas costas delicadamente e Vlada fazendo o mesmo com as coxas dele.
- Que saudade de você – disse ela. – Metade dos meus “amigos” me deixaram na mão. Só as colegas que consegui na sucursal da agência principal aqui no Brasil continuam se importando comigo. E você.
- Sempre vou me importar, delícia – disse Sidney. – Mas, claro que você não se sente bem. Está anoréxica.
- Sim, isso aconteceria mais cedo ou mais tarde – disse ela. Como sabe, estou expulsa até aprender a reequilibrar minha alimentação, eu preciso estar 30 quilos mais cheia para voltar ao trabalho.
- Você disse que ia desistir. Ainda não é a hora, né?
- Ah, eu estava querendo me divertir mais – disse ela, sorrindo. - Ainda farei 23 anos, não creio que devia encerrar meus afazeres em tão pouca idade.
- Tem coisas mais divertidas para fazer que ser modelo – disse Sidney. - Viver comigo seria bem divertido. Tudo o que eu quero é que você termine bem estes dias para vivenciar outros ainda melhores. Vai poder ter uma vida decente comigo, não precisará voltar àquele lugar friorento ou obrigar a si mesma a se casar com um milionário imbecil e totalmente dispensável. Sabe que este é o destino de muitas modelos, sabe que não precisa ser assim contigo (tá certo que eu sou milionário, mas não chego a ser tão imbecil quanto a maioria destes caras), estará mais do que salva comigo.
- Eu sei. Queria dizer uma coisa... você nunca se sentiu vazio?
- Sim – respondeu Sidney, observando Vlada sentar no chão e inclinar suas coxas esqueléticas para o lado. Estava pensativa, como nunca esteve antes, já que a maioria maciça das modelos são retardadas. - Eu confesso que minha vida foi assim desde que saí da casa dos meus pais... toda a trajetória no mundo da moda correu desse jeito. Eu me diverti, mas a sensação que se tem após o divertimento me deixava... como vocês dizem aqui? Deso... deso...
- Desolada.
- Isso. Fiz umas amiguinhas e tudo mais, mas ainda foi pouco. Cheirei, fumei um pouquinho... nada disso serviu para suprir minha carência.
- Carência de que?
- De tudo. Especialmente de amor, de afeto. Afeto é o que não tem no mundo da moda, eu estava acostumada com isso, mas chega uma hora em que a água transborda do vaso e tudo mais... mas daí, conheci você e...
- E sua vida começou a ter sentido.
- É, mas eu sou desconfiada, acredito que todas as pessoas podem me prejudicar um dia. Em todo o caso sempre achei que seria melhor das pessoas mani... manifestarem seu “lado B” logo no começo, pois não gosto de brigar e me decepcionar com alguém que eu depositei uma certa confiança.
- E você insinua que eu poderia te decepcionar no futuro?
- E por que não? - indagou ela, virando o rosto pálido e encovado para ele. - Eu também poderia te decepcionar.
- É claro, mas embora não pareça somos iguais neste aspecto: temos o mesmo temor.
- Sério? Pois você parece tão seguro de si... - ao dizer isto para ele, Sidney levantou-se e circundou o quarto.
- E sou, mas não a ponto de ser imune a qualquer decepção.
- “Imune”? Não lembro do significado dessa palavra.
- Uma pessoa isenta, livre – respondeu Sidney. - Então, eu ia dizer pra você não se preocupar com isso, mas não adiantaria. Só peço que não se deixe levar tanto por essa preocupação. Ah, é quase a mesma coisa...
- Eu... eu vou desistir mesmo – disse Vlada. Sidney agachou-se e a abraçou por trás. Acariciou os pequenos seios da menina, os mamilos endureceram, sua boca pequena voltou a encontrar a boca carnuda dele e novamente se beijaram com fervor. Lentamente caíram no chão do quarto, Vlada manteve-se de costas para o solo e Sidney vasculhava com a boca o pescoço fino da guria enquanto os dedos de sua mão esquerda tateavam a altura do ventre dela, descendo até chegar aos pelos pubianos. Vlada pôs a perna esquerda nas costas dele e prosseguiu com os beijos, a camisa prateada foi para o chão, assim como o paletó e a blusa do visitante. Ambos cessaram os beijos e olharam-se com amor genuíno, Vlada tocou o rosto oleoso de Sidney, permaneceram olhando um para o outro por alguns segundos.
- Você vai desistir e vai fazer um esforço pra comer direito – emendou Sidney, sorrindo. Vlada assentiu.
- É uma promessa – após isto Sid deitou sua cabeça colado na da Vlada, que tornou a beijá-lo.

Sidney adormeceu, após alguns minutos. Vlada permaneceu abraçada a ele, até que Jéssica Sula reapareceu em uma fresta da porta do quarto, onde disse que teria de estudar e que o médico apareceria em poucos minutos. Vlada assentiu, dizendo ainda que podia cuidar da situação sem o menor problema, e assim a porta se fechou. Quando Sidney acordou, estava embaixo da cama. Verificou o relógio, marcavam 2 horas da tarde. Tirou a cabeça embaixo da cama e viu se Vlada estava deitada ali. Não estava. Saiu dali, levantou-se e cortou a sala de estar com suas leves passadas, procurando a menina sem emitir uma palavra, além os ruídos mínimos produzidos por sua respiração ofegante. Ele tinha medo de perdê-la. Sabia que havia a maior possibilidade da russa não despirocar e sumir no mapa, seria mais fácil ela retornar ao mundo da moda que desaparecer, mas tanto isso quanto aquilo o perturbava. A casa não era tão grande, ela podia estar no andar superior, mas não estava. Sidney fitou a loura tentando fazer o almoço dos dois – e de Jéssica, que voltaria em mais ou menos 2 horas. Encostando o rosto e parte do ombro na parede, o indiano observou a magrela preparar o arroz, já estava cozinhando o feijão – ele se penitenciava por não ter visto aquele ato, nem sabia como uma anoréxica como ela podia suportar o cheiro forte dos grãos cozinhando – e no momento fatiava uma série de verduras variadas. O indiano ficou firme e forte, vendo o desempenho da namorada – que estava apenas com seu shortinho preto. Não vestia nada no tronco e seus cabelos voltaram à coloração natural, que era castanho claro – até que ela cortou dois dedos de sua mão direita com a faca. Emitiu um gritinho gélido ao sentir a dor, largou o instrumento na pia e inclinou o corpo. Sidney estava atento à aquilo. Fitou as gotas de sangue pingar dos dedos da russa, e para Sidney estas mesmas gotas batiam no chão como tambores. Uma mudança repentina em seu corpo e mente aconteceu. Seu estômago revolveu, sua boca encheu-se com saliva abundante, seus dedos grossos arranhavam a superfície da parede, deixando marcas tal qual um gato marca um sofá, os ruídos de sua respiração ressurgiram num crescendo amedrontador, o coração bateu ainda mais rápido. Vlada gemia baixinho, e quando abriu os olhos azuis, milésimos de segundo após fechá-los em uma piscada qualquer, surpreendeu-se com Sidney lambendo sofregamente a pequenina mancha de sangue estirada no piso da cozinha. Sidney comportava-se como um digitígrado bebendo água, as unhas das mãos mulatas levemente fincadas no chão de madeira, o corpo ridiculamente curvado e os ruídos respiratórios cessavam. Vlada o observou em um misto de medo e surpresa. Ele tinha lhe dito sobre seus problemas. Ela o compreendera. Mas não imaginava ser pega de supetão tão depressa.

Vlada queria tocar os cabelos dele, mas não o fez, imaginando que seria atacada se mexesse. Ficou estática, sem ter o que fazer, sem ter o que pensar. Após sorver 90% do sangue no chão, Sidney levantou a cabeça – com parte da boca suja de vermelho – e levantou-se. Ainda ostentava selvageria em seu rosto, o que amedrontava ainda mais a namorada, que queria afastar-se dele, mas temia em ser culpada de “abandoná-lo”. Sidney voltou ao normal em segundos. “Foi mal”, disse ele. “Não aguentei”.

- Vem cá – Vlada queria abraçá-lo, mas foi rejeitada. Sidney pôs as mãos nas penaleas e talheres, resolveu ajudá-la a cozinhar.
- Nem fico surpreso por você não saber cortar umas verdurinhas – disse Sidney, como se nada tivesse ocorrido. – Pode deixar que eu farei nossa comida, pode ficar sossegada.
- Você... você acabou de passar por uma coisa esquisita agora, e age como se nada tivesse acontecido – murmurou Vlada para ele. – Me disse que tem uma condição especial. Isso faz parte dela?
- Sim, mas achei que você já iria absorver esse meu jeito – respondeu Sidney, sinceramente tranqüilo. Logo depois, largou a faca de cozinha e as verduras, e olhou para a guria. – Me desculpa se te assustei. Você sabe que eu gosto de sangue e que tenho de tomá-lo pelo menos uma vez ao mês. Então, já que você vai ficar comigo, espero que você se acostume o quanto antes... não quer dizer que eu seja um monstro ou coisa parecida, longe disso, sou um ser humano normal, mas com uma condição bem peculiar. Está certo?
- Tudo bem... mas, fiquei ainda mais medrosa quando você agiu com naturalidade para mim – disse ela. – Como você disse, não estou acostumado com isso... mas, irei me acostumar. Você... já tomou o suficiente neste mês?
- Não... tá querendo me oferecer seu sangue? – perguntou ele, pasmo. – Sem essa, você já está magrinha, eu estou responsável por você, mas não quero te fazer mal, não quero que nada de ruim te aconteça. Agora, pare com essa idéia maluca e se afaste um pouco... não vai querer me tentar.
- Ah, então é tão fácil tentá-lo assim? – indagou Vlada, que riu. – Eu te aceito do jeito que é.
- Eu sei. – e Vlada se mandou para a sala de estar.

A russa sabia que o indiano não gostava de sangue por gostar. Para ele – como foi dito algumas vezes – tratava-se de uma necessidade, tanto ele quanto para Bonnie. Tentando esquecer o fato ocorrido na cozinha, a ex-modelo sentou-se no sofá e abriu uma revista de variedades. Nçao bastou muito tempo para que ela desistisse de ler sobre o último eliminado do reality show, e ligou o computador. Começlou a procurar as vagas de emprego existentes no Rio de Janeiro. Estava tão entretida que não percebeu quando Sidney apareceu atrás – aplicando um beijo em sua garganta – dizendo: “não se preocupa com emprego, você terá um quando chegarmos no Rio, amoreco”. Mesmo assim não foi o suficiente para ela sossegar. Arrumar um trabalho sem depender dos outros configurava em uma boa dose presente de independência, uma banana para a submissão. No momento, iniciando oficialmente o relacionamento com ele, o sujeito saberia que estava diante de uma mulher que gostava de batalhar e de ter o seu espaço. E ela lutaria para permanecer com este espaço até o fim.


Ambos ouviram o ruído de um automóvel, que cessou em segundos. “Acho que é ela”, disse Vlada, mas ela não estava se referindo à Jéssica, e sim à médica que iria atendê-la naquele dia. Tinha pago uma razoável soma em dinheiro por um atendimento domiciliar, a russa não queria que seu problema ficasse ainda mais patente na cabeça alheia. A verdade é que ela não tinha muita vergonha de sair por aí como um saco de ossos, mas preocupava-se com o que as pessoas iriam pensar. Já tinha perdido seu emprego por causa disso e cada vez mais era tratada como uma anomalia, pelos outros. Ainda tinha muito o que fazer na vida, sua recaída refletida na vontade de retornar ao mundo da moda não poderia prevalecer em sua mente, pois havia dado a palavra de que encerraria suas atividades. Mas, o que Vlada sabia fazer na vida além de desfilar em uma passarela e ser bajulada por um monte de gente? Uma supermodelo, sim, mas de terceira categoria, comparando com Giseles, Karolinas e Kates da vida. Ela também não desejava ter mais do que merecia – segundo ela, já alcançara um patamar respeitável e suficiente entre as modelos – , mas como sabia, por conta de sua magreza seus feitos seriam esquecidos e sua presença marcante ruiria mais cedo ou mais tarde. Passou mal, vomitou, não conseguia pôr nada na boca, acostumada a viver – por opção – com 2 maçãs por dia, um sanduíche pequeno de alface e muita água. Achava o bastante, era adorada pelos estilistas nostálgicos – os que vivenciaram e participaram da época em que as modelos eram conhecidas por seus corpos esqueléticos – , estes mesmos nostálgicos, homossexuais que passaram a ser rechaçados com o tempo. Tendo Sidney perto de si, tão perto que estava coladinho, Vlada achava que a vida lhe dava uma segunda chance. A verdade é que não saberia o que fazer, se ele não estivesse com ela. Voltando a morar com os pais configuraria em um retrocesso – segundo ela – , onde o destino diria que todo o seu esforço para estar sedimentada ao sucesso e a boa vida seriam em vão. “Mas, eu vou desistir de qualquer jeito, não?”, pensou consigo, mas concluiu que ficar com Sidney, casar e ter uma filha com ele – sim, pois ela prefere meninas que meninos – não seria a mesma coisa que ajudar com a mãe na lavoura ou voltar a tricotar. Sidney significava a renovação em sua vida, a possibilidade de prosseguir de cabeça erguida com a trajetória da pequena loura de olhos assustadoramente azuis.

A médica, uma mulher de 20 e tantos anos, cabelo preto com rabo de cavalo e usando jaleco, a cumprimentou de longe. Vlada, claro, precisou pegar o barco e remar até o outro lado do rio, tendo de pegar a doutora e voltar para a residência. Sidney assistia a tudo. Ele já tinha terminado de cozinhar e certamente convidaria a moça para o almoço. Jéssica teria chance de provar de sua comida, já que provavelmente sobraria muito daquele rango bem temperado. Vlada trajava um vestido esvoaçante branco, que lhe conferia um decotão até o umbigo. Estava descalça, suas unhas eram pintadas de azul. A doutora elogiou sua peça de roupa e Vlada respondeu que “Jéssica quem tinha feito”. Sidney a cumprimentou e depois sentiu-se inútil, pois elas estavam preparadas para sentar-se na sala de estar e conversar. Ele não tinha o que fazer. Para fazê-lo sentir-se mais útil Vlada pediu licença à mulher e foi até ele. “São só 30 minutos, amor”, disse ela, há centímetros do rosto dele. Acariciava seu peito. Sidney não se importava com isso. Ele se importava com a possibilidade de finalmente voltar a transar com Vlada, depois de um tempo longe um do outro. Se penitenciava por não ter aplicado uma bimbada na magrela logo de início, mostrando para ela a potência de seu desejo sexual, sua libido era a marca registrada. Nas poucas investidas que tiveram naquela casa Vlada mostrava-se excitada o bastante para sair das preliminares e ir direto para a transa. Afinal, o que estava acontecendo? Sidney estava esmorecendo? Qual o motivo, o peso da idade? Nah, não poderia ser. Talvez a preocupação intensa por Vlada tenha maquiado a verdadeira intensidade de seu desejo. Por isto mesmo sua relação com ela – pelo menos naqueles dias – resumia-se a um beijo, abraço, uma carícia... Estava preparado para suportar estes momentos mais “tranquilos”?

Vlada passou 1 hora conversando com a médica. A russa não se achava gorda, se achava bastante magra, mas não a ponto de se incomodar tanto com isso. Na verdade, ela se incomodava eram com as pessoas que zombavam de seus ossos balançando e as que se assustavam com esta mesma fisionomia. Dependesse dela continuaria desfilando magrela que estava, mas sempre soube que era uma piã naquele jogo. Sempre comeu pouco e pensava em tentar não conflitar com o indiano naquele dia, que preparava o rango da tarde. Depois de terminar, Sidney foi para fora, sentou-se à beira do riacho do Ipiranga e respirou fundo. Seu desejo era de estar no alto de uma colina, contemplando a paisagem, mas sentia-se preguiçoso demais para dar mais um passo antes de descansar. Deitou-se na grama e fechou o olhos. Dormiu. Vlada caminhou até ele, o viu deitado de barriga para cima e beijou seu pescoço. Ainda trajava o vestido branco.

- Já acabamos, querido – disse ela, acariciando os cabelos ondulados do indiano. Após dizer isto a doutora se aproximou, levando no braço direito uma pasta bege e relativamente grossa. – Acho que vou te atrapalhar mais um pouquinho.
- Sidney Silvestre, é o senhor? – indagou a doutora, acertando os óculos. Sidney fitou a mulher e disse que sim. Ela prosseguiu. – Eu sou a doutora Márcia Medeiros, ajudo a senhorita Vlada para resolver seus problemas alimentares... nossa, me desculpe, mas eu nunca imaginava que uma pessoa de seu gabarito estaria tão à vontade à beira de um riacho, mas meus amigos, que acompanham seu trabalho, dizem que o senhor é, além de um profissional competente, é uma pessoa verdadeiramente feliz. E isso eu invejo em ti.
- Ah, não precisa me invejar, linda – disse Sidney, imóvel. Vlada estava com as costas em seu peito e observava a doutora. – Não costumava vir pra São Paulo, daí acabei dando uma passadinha por causa de Vlada e conheci uma pessoa muito bacana, que é a amiga dela, a Jéssica. Você teve sorte em me pegar, hein?
- É, foi muita sorte mesmo – respondeu a doutora, sorrindo. – Sabe, eu sou fã de seu trabalho social, leio o seu blog religiosamente e concordo com o senhor que o poder público não deveria ter o direito de se apropriar de seu trabalho porque foi o único que começou a dar um sentido de vida para o pessoal do Castelo. Está certo que a cidade melhorou bastante depois do começo da gestão do César Sampaio, mas ele também é mais um interesseiro. Ou então, caiu na real ao concluir que o povo do Castelo também é gente.
- Eu prefiro ser bonzinho e pensar que ele caiu na real. Mas de qualquer jeito irá pegar uma carona no meu trabalho – disse Sidney. – Mas, e daí? Eu dei uma pesquisa pente fino na trajetória e história dele, se bem que normalmente qualquer carioca o faria, já que ele é político bem conhecido naquelas bandas. Se fizer merda é claro que vou dar uma prensa nele, e por aí vai.

- Eu acredito que você não irá se bandear para o lado desses caras. Nós temos péssimos políticos, e sei que a situação da capital está ainda mais pior. Pretende ser prefeito do Rio, algum dia.
- Claro, por que não? Mas não quero ser o homem de uma tecla só, só falando e cuidando do social, há muito mais coisas que poderia resolver, o Rio é tão grande, tem alguns lugares que nem conheço direito e outros que só passei uma vez e olhe lá. Como no caso da Zona Rural e seus bairros com aldeias indígenas. Eu sempre quis estar mais próximo dos tamoios, estou me devendo isso, sem contar que simpatizei com alguns deles nos anos em que fiz morada na cidade.
- Nossa, você vai conseguir tudo o que quiser. Digo, o senhor pode conseguir tudo o que quiser, é um dos mandantes da cidade! - disse ela. - Tenho certeza de que fará uma parceria considerável com a prefeitura.
- É aquilo, chega uma hora que a gente têm de dar o braço a torcer, e não ficar de mimimi... só que eles terão de saber em qual terreno estão pisando, certo?

A doutora cumprimentou Sidney com um beijo no rosto e um abraço, e a Vlada com um abraço com menor pegada. Depois a russa levou a profissional até o outro lado do rio enquanto Sidney levantava-se e se espreguiçava. As nuvens cinzentas percorriam aquela área ampla do Alto do Ipiranga, e se adiaram a chuva em um momento a certeza era de que não fariam por tanto tempo. O bom era não abusar da paciência do tempo. Quando Vlada atracou o barco novamente saltou deste, caindo direto nos braços de Sidney. “Ela é sua fã”, disse a ex-modelo, referindo-se à doutora. “É capaz de eu encontrar um fã seu no Acre”. Sidney desconfiava que a guria nutrira uma pontada de ciúme, mas se enganara. Por enquanto a relação de Sidney com fãs e amigas não se mostrava intensa o suficiente para fazer a namorada bufar e trincar os dentinhos.

Adentrando a casa, Vlada disse: “Estou muito preocupada com Jéssica, será que ela conseguirá chegar do colégio com essa chuva?” Sidney notou o avanço medonho da enorme nuvem por cima da casa da pequena, o que poderia fazer além de esperar e torcer para que Jéssica retorne numa boa? “Que eu pegar a Jéssica na escola?”

- Não se preocupa, ela já está vindo – respondeu a loura.

2 horas depois já chovia bastante. Sidney e Vlada estavam enfurnados em cima da cama, abraçados, mudos. Ela lia uma revista de fofocas entre famosos, precisava treinar ainda mais o seu português ao seu modo – sabendo sobre os últimos babados dos atores e atrizes nacionais. Já ele, tentava dormir, mas não conseguia, pois Vlada, não obstante a magreza extrema, movia-se o tempo inteiro e imprensava seu corpo no dele, as coxas esqueléticas em cima das coxas carnudas dele e as costas pequenas roçando no peitoral do parceiro. Sidney reclamaria, mas estava cansado demais para abrir a boca. Em dado momento conseguiu obter uma posição mais confortável e os roçados da bundinha da russa em seu pênis passaram de incômodos a reconfortantes, além de excitantes, é claro. Estava quase que totalmente debruçada nele, que moveu os dois braços, mandou o sono à merda e acariciou as coxas da menina, enquanto esta ainda vivia entretida na revista – havia uma pequena pilha próximo a eles.

Sidney se sentia um inútil e pior, sentia-se indigno de estar na casa duma pessoa de forma tão preguiçosa. Estava certo que Jéssica Sula permitira passar uns dias ali – e permitiu adormecer em sua cama, e tomar banho em seu banheiro, e abrir sua geladeira, tudo isso por ele ser namorado da ex-modelo, além de uma pessoa legal – , não se importava, pois sabia que o sujeito, por ser adulto, não abusaria da boa vontade da menina. Mas, mesmo assim o incômodo nele adquiriu um crescendo que tornava-se insuportável. Pensou que já deveria estar arrumando suas coisas para sair dali, mas algumas coisas impediam que fizesse uso desta decisão: Jéssica ainda não tinha voltado, chovia muito...

- Onde ela estuda? - grunhiu ele. - É longe daqui?
- Estuda na Olavo... Olavo Bilac, acho que é este o nome da escola – responde ela. - Sei onde fica. Está pensando em pegá-la? Espere acabar de chover.
- Parece que não vai acabar hoje – disse ele. - Vocês têm bicicleta?
- Acho que não sobrou nenhuma – respondeu ela, que virou-se para ele. - Aguarde mais um pouco, é provável que ela vá retornar tarde por causa desse temporal. Aguarde um pouquinho, está bem?
- Ok.

Sidney se incomodava também com o que a menina estava fazendo naquela chuva. Onde estava, se não morreu afogada ou coisa semelhante. O corpo da magrinha posicionou-se de forma tão deliciosa e aconchegante que finalmente fez o indiano dormir. Quando Vlada perguntou uma coisa ele já estava adentrando ao segundo sono.

Era noite quando Sidney despertou. Não viu Vlada na cama. Caminhou até a sala de estar, também não estava. A chuva não cessou. Como estava apertado, foi ao banheiro. Foi aí que fitou Vlada e Jéssica sentadas na banheira, a água quente até o ombro, as duas batendo papo nas extremidades.

- Então, vocês estão aqui – disse Sidney, observando da fresta da porta. - Posso entrar?
- Claro – disseram as duas. Sidney sentou-se próximo à pia do banheiro.
- Antes que me pergunte, quase morri para chegar aqui, estava caindo tanta água que tenho certeza de que poderia ser levada pelo riacho, ele está transbordando – disse Jéssica, apontando para a janela. Sidney deu uma olhada e viu que a água ultrapassara a altura do barco atracado e que, diante disto ninguém poderia sair de casa por um tempo. Aliás, a casa ainda não corria perigo de inundação, já que estava no alto da colina. - Acho que vocês terão de dormir aqui hoje, é provável que a água abaixe a partir de amanhã de manhã.
- Eu sei, a água invadiu até a estrada... - disse Sidney. - Isso me faz lembrar das enchentes que minha cidade natal passara, não sei como está a situação agora, mas ver toda essa água me dá uma lembrança bem ampla do que passei. Como consegue aturar isto?
- Pra mim, sem problemas, já que minha casa nunca foi inundada – respondeu Jéssica. - É assim mesmo, eu não tenho condições de sair fora daqui, sem contar que gosto do lugar. Daqui, dá pra ver boa parte da cidade, sem contar que eu não gosto muito de burburinho.
- Você me lembra um amigo meu... ele também não curte muita gente – disse Sidney. - Não se sente mal estando sozinha?
- Não, já tô bem acostumada. Desde que saí fora da casa dos meus pais, a situação é essa. Também não posso sair porque, se isso acontecer o governo vai pegar minha casa e meu terreno.
- Como assim? - indagou Vlada. Sidney também queria saber.
- Simples. O nome dessa casa se chama “Casa do Grito”, é um imóvel tombado, originalmente foi construída a pau a pique, mas muita gente morou aqui e reformou ela. Essa casa assistiu a cena da Proclamação da Independência do Brasil, em 1822, pelo D.Pedro I. Não apenas ela, mas o riacho Ipiranga também. O Estado tentou tomar essa casa de mim e da minha família diversas vezes. Ofereceram muito dinheiro, porque sabem que ela é importante e fundamental patrimônio histórico nacional. Eu não quis.
- Está falando sério? - indagou Sidney. - Você podia aceitar a grana, pois acho que com ela você poderá comprar diversas casas, não precisa endurecer o seu coração.
- Mas eu não quero, morei aqui quando criança, depois que os meus pais saíram resolvi ficar, porque amo esse lugar. Dinheiro nenhum pode comprar isso.
- Ah, temos mais uma nostálgica aqui – disse Sidney, sorrindo, após cruzar os braços. - Me diga o que posso fazer por você? Eu te devo uma, por estar nos hospedando aqui.
- Não precisa fazer nada, acredito que o senhor não tem muito poder de mando aqui – disse Jéssica, constrangendo Sidney e Vlada. - Ah, desculpe falar assim, é que... o governo deste estado é totalmente desgarrado do governo fluminense...
- Mas, eu moro na capital federal, então eu posso fazer alguma coisa – insistiu Sidney. Vlada o observava.
- Ah, não precisa não, eu já falei com algumas autoridades, eles não podem fazer nada – disse Jéssica, antes de brincar com a água com suas pequenas mãos.
- Então, o que vai fazer? Pretende ficar nessa queda de braço com os caras? - indagou Sidney.
- Eu... não sei o que fazer – disse Jéssica, cabisbaixa.
- Eu não tenho uma opinião certa sobre tudo isso... iria dizer pra você vir morar conosco, mas você pode não querer – disse Sidney, tirando a roupa. Depois disto Jéssica não disse mais nada. Vlada permaneceu no seu lugar. - Tem que aproveitar que eu tenho um coração de mãe, haha. Bom, não precisa me dar a resposta agora. Dá uma pensada. Amanhã nós vamos embora, então você tem a noite toda pra refletir, querida.
- Ok... - Jéssica observou Sidney entrando na banheira e fechando os olhos enquanto relaxava encostado. Vlada entrelaçou suas pernas nas dele, e envolveu seu braço esquerdo nas costas dele, respirou fundo e também fechou os olhos. Já Jéssica, sentindo-se particularmente sozinha, aproximou-se deles e manteve-se perto, colada no casal, enquanto o braço de Sidney (que tinha ciência de que Jéssica ficaria próximo a ele bem antes dela pensar nisto) envolvia o ventre da moreninha. Descansaram.

No dia seguinte Jéssica Sula fora a última a despertar. Tinha passado um bom tempo à noite refletindo sobre a proposta de Sidney, que mostrava segurança e estava longe de se arrepender de suas palavras. Jéssica também pôs na balança a sua solidão, e sabia que se pelo menos ficasse mais perto do indiano tinha a certeza de que teria um porto seguro, uma pessoa disposta a ajudá-la sem apunhalá-la pelas costas – como costumava acontecer em sua vida até pouco tempo atrás. Realmente lutava com o Estado para prosseguir com a posse da Casa do Grito, ela sabia que o valor histórico que a residência emanava era imenso e de suma importância, mas foi ali onde seus pais moraram, parte de sua vida também montou uma história naquele lugar. Sabia ainda mais que, comparando com a importância do cenário da Independência, sua vida passada ali não significava nada para boa parte das pessoas. Não equivalia sequer à importância do riacho do Ipiranga, que no momento abaixava com lentidão – pois ainda chovia, embora fino. Como ocorreu diversas vezes, o fantasma da insegurança e do medo de ficar no olho da rua de qualquer jeito passeava na mente da guria. Um dia ela iria perder a batalha, pois era apenas uma contra diversas pessoas. Jéssica pensou ainda que fora uma boa oportunidade conhecer Sidney, visto que ele era considerado uma das pouquíssimas pessoas que estenderia a mão para ela a ponto de oferecer uma cama em sua casa. Estava diante de um homem bom. E que ela deveria aproveitar a chance, mas claro que não seria tão fácil se desapegar da Casa do Grito.

Sidney e Vlada já estavam prontos, Jéssica ainda se arrumava, então, eles foram bem pacientes para aguardar. Sidney já percebera a aflição de Jéssica em ficar ou não ficar no Ipiranga. Tinha a escola, uma trajetória na qual já se acostumara a alimentar. O casal entenderia com perfeição se a menina decidisse continuar ali. Sidney já começava a numerar a quantidade de burocracias que teria de lidar caso adotasse Jéssica – certo que seria mais fácil, visto que tratava-se de uma personalidade poderosa na capital federal – e no que Bonnie pensaria sobre isto. Mais uma criança na casa, junto com Bonnie e Grace Kelly. Uma grande família que por enquanto não deixaria de crescer. Vlada era jovem – 22 anos – e com intenções claras em unir os trapos com Sidney – 40 anos – , ambos vigorosos em todos os sentidos, esbanjando juventude e habilidade. Jéssica Sula ouvira todos os detalhes do indiano. Este não deixou de dizer que ela não precisaria partir para o Rio de Janeiro naquele dia, mas se tratava de uma menina decisiva, que não deixava as coisas importantes para depois. Então, o que decidira para seu futuro?

- Imaginava que ela aceitaria – comentou Vlada, dentro do avião com destino ao Rio. Sidney nada disse, manteve-se quieto a maior parte da viagem. Mesmo com a recusa, lembrou de que Jéssica aceitou recorrer a ele sempre que precisasse de ajuda, para qualquer coisa. Sidney achou que não voltaria completo ao Rio. Pegou Vlada, mas sentiu que também precisava da menina.

Sidney recordou dos últimos momentos em que o casal esteve no Ipiranga, despedindo-se de Jéssica, após cortarem o riacho do Ipiranga de barco. Jéssica contatou uma amiga – uma ex-empregada da prefeitura, dona de um coche – , que apareceu por ali disposta a colocar Sidney e Vlada no ponto de ferro carril exato até o Aeroporto Internacional de Guarulhos. Jéssica vestia uma calça prateada e bastante justa, além de uma jaqueta branca folgada, que fora aberta no meio, dando visualização ao seu sutiã branco e seus seios pequenos. Seus cabelos estava soltos, estava toda produzida, como se estivesse preparada para sair. Na verdade, estava: além de rumar com eles até o ponto para o aeroporto Jéssica iria para Mogi das Cruzes, na casa de uma amiga. Precisava de um espaço para pensar, mas longe da paisagem manjada do bairro onde vivia. A tal empregada apareceu, conduzindo um pequeno coche preto e um cavalo castanho-claro. Cumprimentou todos. “É uma honra uma pessoa como o senhor aparecer nesse fim de mundo”, disse ela para Sidney. “Nem a própria prefeitura quer saber desse lado da cidade, a única coisa que se importam é com a casa da Jéssica. E sabe aquele museu ali?”, perguntou, apontando o dedo magro para o Museu da Independência, há poucos metros da Casa do Grito, “É a prova cabal de que eles estão pretendendo mudar estas bandas só por causa do que aconteceu aqui em 1822.E particularmente acredito que Jéssica não poderá vencê-los”. A pequena ouvira o comentário, mas não protestou, manteve-se calada. Vlada sentia-se inútil naquele bate papo. Sidney fitou Jéssica e disse: “Vou te lembrar de novo, sempre que precisar de alguma coisa, até de uma moradia nova, você terá a minha casa. Liga pra mim, sempre que precisar”. Após isso, Sidney acariciou o topo da cabeça encaracolada da menina, que suspirou, de sem graça que estava.

Chegando lá, a cocheira despediu-se do casal. Jéssica permaneceu dentro do veículo, mas desceu para abraçar Sidney e Vlada.

- Vou pensar com carinho sobre o que o senhor disse, te juro – disse a menina.
- Não seria melhor ir conosco agora? - indagou ele. - Sejamos francos, você não tem mais nada pra fazer aqui e não tem como ganhar essa disputa aí com a prefeitura daqui. Vamos, venha com a gente...
- Sidney – Vlada interviu. Jéssica Sula aproveitou o momento e pediu para a amiga se retirar dali, então, a cocheira acordou o cavalo, indo embora levando Jéssica junto. Era evidente que a pequena não queria ter a cabeça feita naquele momento. Não queria tomar decisões precipitadas. Demoraria um tanto para ela se desapegar do Ipiranga, mas achou que não era a hora apropriada para isto. - Você estava pedindo por isto.
- Que merda... - lamentou ele, que logo após sentou-se no banco do ponto. Vlada ficou de pé, com as mãos no bolso da saia, sem dizer nada, até que repentinamente, com toda a delicadeza, sentou no colo de Sidney e passou a beijá-lo. Este pouco respondia à altura. Vlada adormeceu e Sidney permaneceu acordado, pensando em CL. Ninguém ligou para o seu celular, muito menos ela, então o que teria acontecido?


















Cristiano terminara a conversa com o psicólogo da família Banerjee. Todos estavam convencidos sobre o fato dele ter inventado a doença e carregado a crença de que a tinha dentro de si. Não tinha. Claro que, diante dessa descoberta seguiu-se a expressão pasma, a negação, o sofrimento crescente que também se manifestava em uma dor aguda na barriga, no peito, na cabeça... a sorte era que sua mente ainda gozava de saúde e poderia ser revertida ao “estado normal”. Ele tinha 40 anos, a crise correspondente ao seu período cronológico não atacara seu cérebro e sua personalidade, o que realmente assolava sua mente era a mentira proveniente da hipocondria. De nada adiantava preocupar-se em não fazer sexo. Ele sim, podia fazer sem o menor problema. O fato de Sidney ter omitido a verdade – como se Cristiano estivesse brincando ao dizer que estava sim sofrendo com a doença imaginária – contribuiu para que cada vez mais o cérebro do nissei ter mergulhado no “caô”. Ele agora tinha sido assistido pelo psicólogo indiano e acompanhado pelos familiares de Sidney – este não sabia o que acontecia com o amigo pelo menos há algumas semanas. Se importava, mas não a ponto de ligar para o “raparigo” perguntando como estava sua saúde, sua vida, se já pegou alguma mulher, entre outras coisas. O que faria de sua existência agora, além de retornar para o Brasil? Ou seja melhor retornar para o seio de sua irmã Bom Park, em Tóquio? Com certeza bom significava uma companhia especial, injetava um carinho semelhante ao carinho materno, aliado ao amor de irmã e a preocupação de qualquer componente feminino em uma família (mãe, avó, etc). Se voltasse ao Brasil teria de lidar com Laura trancafiada e Elizabeth querendo tê-lo a todo custo.

Cristiano estava sentado em um dos sofás da sala de estar, transtornado, fitando o chão, não dando importância para o que Bijitha dizia. Esta chegou a sentar à centímetros dele, beliscou seu rosto, mas ele estava dopado demais pelos próprios pensamentos para esboçar alguma reação. Jesminder estava à frente dele, pediu para que a empregada trouxesse um chá (tchai), ficou de pernas cruzadas e preocupação visível no rosto. Seus longos cabelos negros como o piche eram presos por uma presilha dourada e seu sári branco e dourado causava inveja à Bijitha por estar tão limpo. Elas já se acostumavam à mudez repentina do nissei quando este abriu a boca, surpreendendo-as.

- Então, agora terei de frequentar o psiquiatra 1 vez por semana? - indagou ele, ainda fitando o chão.
- Sim – respondeu Bijitha. - Já estamos enviando uma carta de recomendação à um psiquiatra que atendeu Rajendra... Sidney lá no Rio, ele é nosso amigo de muitos anos. Tenho certeza de que você vai melhorar com o tempo.
- Sidney... fez consulta com um psiquiatra? - indagou ele, surpreso.
- Sim – respondeu a jovem. - Nós passamos por uma situação muito complicada, eu e ele, quando crianças e adolescentes. E embora não pareça o Sidney já sofreu bastante e já foi muito amargurado.
- Eu sei, eu não devia colocar um estereótipo nas pessoas – disse ele. - Eu realmente estou impressionado. Não tenho doença alguma. A tal “dor” que crescia na minha barriga e passava pelo meu corpo inteiro era mentira, um engodo que... a minha mente criou e fomentou.
- Isso mesmo. Você não é o primeiro a passar por isso – disse Jesminder, observando a empregada trazer chá e biscoitos. - Eu entrei em contato com sua irmã e ela me contou parte de sua situação. Você vive uma espécie de crise, e até onde ela sabe, lá no Rio de Janeiro não há pessoa alguma que possa te dar um conforto sentimental ou espiritual. Você está ostensivamente sozinho. Eu pensei bastante e decidi que você poderia ficar em nossa casa o tempo que quisesse. Seria bom para você, teria uma família de verdade, poderia ajudar com os negócios daqui, entre outras coisas, seria uma experiência interessante para todo mundo. Antes que recuse, queria saber se poderia ao menos tentar.
- Está brincando – murmurou Cristiano, fitando o chão. Ele queria voltar para o Rio, pois, além de ter sua casa própria ele não teria de dar satisfações à família por qualquer coisa. Sabia que, se vivesse com os Banerjee ele não voltaria a ser um homem solitário, muito pelo contrário, possivelmente não deixariam que ficasse sozinho, o conceito Família para os Banerjee significava muito. Cristiano sabia disso, mas pensou que, se Sidney não aturou (um sujeito liberal como Sidney!) como o nissei iria aturar? “Ah, mas você tem uma personalidade diferente”, alguém poderia dizer, mas só a hipótese de ser sufocado pelo amor e preocupação familiar o fez estremecer de temor. - Eu quero voltar para o Rio.
- Por que? Por causa do Sidney? Quer acertar as contas com ele por ter omitido a “verdade” pra você? - indagou Bijitha.
- Depois dessa não tem porque acertar as contas – respondeu o nissei. - Mas, eu realmente faria isso, se ainda estivesse pensando que teria a tal doença. Mas, me respondam uma coisa: por que Sidney tem uma condição especial e eu não?
- Simples, você sabe que a doença existe de verdade, mas ela não te pegou. Dessa geração só pegou ele.
- E a filha dele, Bonnie Wright, dizem que ela está nas mesmas condições...
- Sinceramente, não sabemos o que aconteceu com Bonnie – disse Jesminder. - Pior, ela é filha adotada, então, não teria como ela ter a mesma doença que ele. Aliás, por incrível que pareça não sei muito sobre a doença além do básico. Não há muita coisa que eu posso fazer contigo além de te hospedar na minha casa e custear um tratamento psiquiátrico. E então, pretende ficar conosco, ir embora para o Brasil ou está pensando em retornar à Tóquio?
- Hum... - Cristiano não tinha considerado a ideia de retornar à Tóquio. Na verdade, considerava, mas retornar para lá seria o mesmo que nada. Ele podia rever momentos passados (como por exemplo, forçar um encontro com Sandara, a prostituta), mas seria insuficiente para deixá-lo satisfeito. Refletindo sobre isto, chegou a conclusão que sim, que deveria retornar ao Rio de Janeiro, cuidar de sua casa, procurar um emprego o quanto antes de se decidir com quem ficar: ou com a presidiária Laura Socha ou com Elizabeth. Ambas precisavam ouvir sua decisão como nunca, o coração delas estava em suas mãos. Bom, nem tanto. Laura não se mostrara apaixonada, ou algo próximo a isto. O desejo de retornar ao Rio fervera ainda mais forte pelo fato de não ter mais o que fazer na Índia. Sua trajetória no país dos Banerjee terminara ali. - Eu quero voltar para o Brasil.
- Tudo bem – disse Jesminder. - Só não se esqueça que, ao contrário de Sidney nós estamos ao seu lado para o que der e vier – ao dizer isto aproximou-se do nissei e tocou levemente sua coxa. - Outra coisa: sabemos que você está precisando de dinheiro, então...
- Não precisa me ajudar nisso – disse Cristiano. Estava mais do que na cara que tratava-se de uma falsa modéstia.
- Preciso sim. E vou ver o que posso fazer quanto ao emprego. Bijitha queria que você ficasse aqui conosco, mas você vivenciou realidades diferentes, não vamos te condicionar a passar pela situação braba que tem aqui – disse Jesminder. - Tenho uma amiga de anos, uma socialite carioca que poderá te ajudar nisso até você andar com suas próprias pernas. A gente sabe que você quer ser ajudado.
- - É, a quem quero enganar, né? - disse Sidney, emitindo um sorriso constrangido. - Quero ser ajudado sim, preciso de dinheiro. Eu aceito, e agradeço desde já.

Foi só Jesminder dizer “socialite” que Cristiano chutou a possibilidade de ganhar uma grana alta com o altruísmo das coroas. Ele não estava tão ganancioso quanto antes, mas estava certo de que dinheiro significava tudo em sua vida, ao menos 99% de qualquer coisa poderia ser resolvido com dinheiro, especialmente tratando-se de sua vida. Também sabia que a ajuda seria temporária e que ele não poderia abusar da boa vontade alheia ou demonstrar entusiasmo exagerado acerca disto. Neste caso ele só perderia tudo se quisesse. Já pensava debandar para o “Lado Afro Negão da Força”, por conta da dificuldade financeira. Bom Park também poderia ajudá-lo, mas, como Jesminder e família, a garota iria sufocá-lo com seu carinho exagerado. Ele não tinha nada para fazer além de aceitar a ajuda dos indianos.

O que ocorreu depois disso? Cristiano dormiu em um quarto improvisado preparado por Bijitha e a empregada. Vivia perguntando sobre o pai de Sidney – seu tio – e o que ele estava fazendo. “Ele não mora mais aqui”, disse a jovem. “Mamãe pediu o divórcio, porque ele estava traindo ela com uma atriz de Bollywood, que participou de um reality show na Inglaterra e tudo mais”. Sidney sabia disso? Era provável de que, se soubesse não estava nem aí – visto que não entrava em contato com os familiares há um bom tempo, e por decisão própria. Cristiano pensou que talvez eles precisavam de um novo Sidney, mas estamos falando de um cavalão de 40 anos de idade, a saudade de sua casa no Rio de Janeiro apertava e a vontade de ter Laura nos braços também. Como concluíra anteriormente, não tinha mais nada para fazer ali, seu lugar não era na casa dos Banerjee.

Às 4:00 ele foi despertado por Bijitha. “Vamos, se arrume, o senhor não pode se atrasar”, disse ela. “Digo, até pode, mas é sempre bom não cair na preguiça”. O nissei rumou apressadamente para o banheiro, tomou uma ducha fria e rápida, pôs roupas novas. Perguntou pela matriarca. “Mamadi está em seu quinto sono e fica muito brava quando é acordada por alguém, ela já deixou tudo preparado para ti”, enquanto Bijitha tagarelava, Cristiano a acompanhava até um armário negro. De lá ela retirou a mochila dele, mais cheia, e ofereceu a ele um café da manhã, antes de juntar as roupas doadas para ele em uma maleta. Fora isto, deixou 2 pares de sapatos. “Nós já depositamos uma quantia razoável na sua conta”, disse ela. “Não venha me dizer coisas como 'não precisava', sabe que precisa de dinheiro, e como amamos você não podíamos te deixar passar necessidade. Poderá pagar suas passagens para procurar emprego por um bom tempo. Também pensamos em lhe dar uma... ahn... uma mesada até tudo estar certo contigo, até você conseguir ficar seguro financeiramente. Ah, também já contatamos uma psiquiatra lá do Rio de Janeiro, quando o senhor chegar ligue para ela avisando que já está por lá. Ela marcará a primeira consulta na mesma hora”.

Cristiano não teve o que dizer. Aliás, estava praticamente mudo, como de costume naqueles dias impressionantes. Um “obrigado” não bastaria, pensou q
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Mensagem  Admin Qui Jan 20, 2011 10:56 pm

que poderia oferecer algo que saciasse quem lhe ajudava, mas o que. “Fique tranquilo, todos aqui já passaram por dificuldades, embora não pareça. Ah, falando em emprego, mamadi irá contatar mesmo a socialite, então você nem precisará gastar passagem para rodar por aí! Olha que legal”, disse ela, apertando sua mão. Bijitha não vestia nada além da camisola branca e de babados, até a altura do joelho. Passou uns segundos acariciando o rosto do nissei, que de pronto já se imaginava beijando a boca carnuda e vermelha da garota, colocando-a no sofá para fazer amor com ela. Bijitha ostentava beleza por dentro e por fora. Se o nissei não estivesse tão encrencado com Laura e Elizabeth, ele poderia ao menos tirar uma casquinha da indiana. Pensou mesmo em fazer isto – não obstante sua situação – , mas conteve-se. Bijitha envolveu suas pequenas mãos nas costas do visitante e o beijou docemente no rosto. Ficaram abraçados por uns minutos.

Passar pela Índia não foi tão ruim assim.

2 dias depois.

Sidney já inserira Vlada Deslyakova em seu ambiente familiar. Já combinou uma primeira consulta com a psiquiatra e nutricionista de sua clínica – ao aparecer em sua empresa depois de alguns dias ausente fora ovacionado pelos funcionários como um chefe de estado. Estava tão feliz consigo mesmo e com os seus cupinchas que não sentiu-se pressionado quando uns e outros perguntavam sobre a ex-chefe de enfermaria, Geórgia, o que ela estava fazendo, onde trabalhava, entre outras coisas. “Não sei, ela nem veio pegar o pagamento”, respondeu ele, enquanto enchia o copo de chá gelado. “Ela certamente deve ter feito amizades aqui, ou vão me dizer que ninguém sabe ao menos o bairro onde a criatura vive?”. Não, ninguém sabia, e ele se impressionou. Vlada conversava com a psicóloga e Sidney retornava ao ambiente reconfortante, seu porto seguro, sua sala, portando a urna na qual entrava de vez em quando, para recobrar as forças. Desta vez, colocava um novo papel de parede, colocava acima de sua geladeira novos pinguins multicoloridos, e quando se achou no tempo oportuno para ler os livros emprestados de Bonnie bateram com delicadeza em sua porta. “Pode entrar”, assentiu ele, de pés descalços na mesa, gozando da liberdade e chefia.

- Tem mais gente mandando currículos, estou passando diretamente para o senhor porque a Pietra (moça do Departamento de Recursos Humanos da clínica) não veio hoje, passou muito mal, não sei se o senhor está sabendo... - disse uma funcionária morena magrela, e que aparentava 20 anos ou menos.
- Tranquilo, passa pra mim – disse ele, estendendo a mão. Após ter os currículos em posse, colocou-os na mesa, tomou um gole de seu chá e sentou o copo molhado em cima daquela papelada. - Sério que ninguém sabe onde mora a Geórgia? Cês tão de brincadeira comigo, né?
- É sério, nesse tempo todo que ela esteve aqui nunca falou muito da sua vida pessoal – respondeu a moreninha. - Ela até teve um certo... coleguismo com a Rihanna, mas só para falar mal da Riana pra ela. Nunca disse sobre si mesma, mas... me desculpe dizer, mas sabemos que ela gostava muito do senhor. Daquele jeito.
- Meu pai... pega a ficha dela, por favor – disse Sidney, apontando para 3 gavetas metálicas do outro lado da sala. A funcionária rapidamente debandou para lá, abriu e em segundos localizou a ficha de Geórgia. Passou para ele com toda a delicadeza do mundo. Sidney virou agressivamente as páginas, antes de focar seus olhos nos dados pessoais de sua ex-empregada. Já colhera o telefone e o endereço. Não havia mais nada para fazer além de ligar para ela e pedir que se apresentasse para ele, mesmo já estando fora do esquema.
- Ela era antisocial pra caramba – murmurou a moreninha, com o corpo esticado. Sidney ligou.
- Geórgia? - disse o indiano. - É, é o Sid que tá falando. Olha, estou querendo muito falar contigo, dá uma passada aqui na clínica. Ah, qual é, não faz isso, sabe que a gente tá precisando de você aqui. Não, não botei ninguém no teu lugar... ainda. Hehe, essa ocupação é sua. Dá uma passada aqui hoje, a gente tem muito o que conversar. Sério, eu estarei aqui, sem pegadinhas. Aparece. Valeu, um beijo na xoxota. Tchau.
- E então, ela virá?
- Claro, meu poder de persuasão é excelente – respondeu Sidney, sorrindo. - O Marcos taí? Pede ele pra marcar uma entrevista com todo esse pessoal dos currículos, pra amanhã, valeu? Pode ir, coração, mas primeiro, dá um bico aqui.
- Tá – a moreninha aproximou-se com naturalidade de Sidney. Trajava (como todas as funcionárias do RH) um shortinho preto e meia calça igualmente preta, além de um mini blazer branco e preto, com gravata quadriculada e crachá (na qual aparece sorrindo de orelha a orelha). Suas mãos pequenas tocaram o peitoral do patrão, que moveu os seus braços dizendo “Essa é a última vez que estamos fazendo isso”. Apalpou a bunda da menina, entuchou dois de seus dedos no ânus. Depois, a funcionária abaixou-se e o beijou ardorosamente, tentando afogá-lo com a sua língua triangular (Sidney achava línguas triangulares muito esquisitas), tirou seus sapatos com os pés, roçou seus peitos pequenos no tronco do parceiro e subiu em seu colo. Segundo seu ponto de vista, teria aquele dia como o último de sua promiscuidade, pois Vlada não merecia ser vítima de um possível adultério, pois “era perfeita e magnífica demais para tal”. Sem contar que queria se levar a sério e constituir uma verdadeira família.

Sidney despachou a morena de volta ao RH. Tinha vontade de adormecer em sua arca, mas teria de falar com Vlada e receber Geórgia na sala. Passou o tempo inteiro experimentando Guitar Hero, um jogo presenteado por por fã. Detestou, contatou um guarda, e este apareceu quase que prontamente. “Joga isso no lixo”, ordenou o patrão. Como não tinha nada para fazer no momento resolveu acessar a internerd. Foi aí que seu telefone fixo tocou. “Sidney falando”.

- Sidney – disse uma mulher. Ele logo reconheceu que tratava-se de Jesminder, sua mãe. - Há quanto tempo.
- Acho que a senhora confundiu o número, está falando com outro Sidney – disse ele, temeroso.
- Deixe de palhaçadas – disse a mulher, em malaiala. - Cristiano esteve aqui há uns dias atrás, se queixando da suposta doença que tinha. Por que não o ajudou quando ele o procurou?
- Ué, todo mundo sabe que ele inventou a doença, sabe-se lá porque fez isso, deve ter algum distúrbio psicológico ou algo assim, não pude fazer nada, e não sou idiota o bastante para entrar na dança dele e dizer: “ah, você tem uma doença, sim”. Sabe que eu não gosto de participar desse tipo de gracinha.
- Quem te conhece acha que está sendo sincero – disse a mulher. - Eu tive de ajudá-lo da forma definitiva: colocando na cabeça dele que não existe doença nenhuma. Ele me disse que não consegue fazer sexo, pois com o orgasmo sente dores no ventre, que depois passam para o corpo todo. Tinha te falado isto, também.
- Sim, e isso quando éramos jovens adultos, caramba – respondeu Sidney. - Sinceramente, naqueles tempos eu sequer imaginava que ele arrastaria isso por muito mais tempo. Eu sei que isto é uma das coisas que o mais faz sofrer, além de ser um baita pobretão, mas o que eu posso fazer? Já tentei contatar o sujeito, mas ele não quer conversar, vive carregando também uma raivinha desnecessária que sente por mim, pensa que eu não quis ajudá-lo, algo assim.
- Mas, você realmente não quis.
- Eu já disse, mamãe, não iria cair nessa brincadeira imbecil. Com o tempo ficamos de lado, até porque eu tive de crescer na vida, enquanto ele, parecia estar acomodado na condição de morar em um casebre, sem ter um dinheiro no bolso, sem ter ninguém... eu sinceramente quero ajudá-lo, mas onde está o cabra neste momento? Eu não posso correr atrás dele só porque a senhora quer, tenho um monte de coisa pra fazer, estou atolado, e olhe que ainda estamos no começo da semana. Tem outra coisa, vou me casar em breve.
- Com quem? CL?
- Não. Falando em CL, ela me viu semana passada numa rua aí e quando foi atravessar pra me abraçar foi atropelada. Tentei aparecer lá no hospital depois de pegar minha namorada em São Paulo, mas ela não estava lá. Estou falando sério, sem mentira.
- Onde CL estava, antes de te ver?
- Não sei, sabe que ela costuma tomar uns chás de sumiço, assim, do nada. Daí, estou procurando por ela agora – na verdade Sidney mal pensava em CL naquele dia.
- Sei... e essa sua nova namorada, é de São Paulo mesmo? Ou uma estrangeira...?
- Uma russa, ex-modelo, que tava na casa duma amiga em Sampa – respondeu ele. - Gosto dela de verdade, totalmente diferente de qualquer garota que já conheci até hoje. Por isso mesmo que penso em me casar com ela.
- Qualquer pessoa diz isso – murmurou a mãe. - Está certo disso, vai realmente se casar? Qual o nome dela?
- Elena Deslyakova – respondeu ele. - Mas, ela gosta de ser chamada de Vlada Deslyakova.
- E sua filha, Bonnie?
- Está muito bem, está estudando, no momento. A senhora sabe que tanto eu quanto ela é que “sofremos” verdadeiramente com a doença. Mas, estamos sabendo contornar os maus efeitos numa boa, sabe que sendo clínico consigo minha alimentação rapidamente. A guriazinha parece um gárgula quando tem sede, devia ver, fica ainda mais bonitinha e assustadora. Ela tem saudades da senhora e da Bijitha.
- E eu tenho dela, talvez até mais que tem por mim. Então, o que pretende fazer com o Cristiano? Vai fazer agora o que devia ter feito há mais de 25 anos. Eu contatei uma psiquiatra para ele aí no Rio, e enquanto está desempregado me achei no direito de ajudá-lo financeiramente até ele arrumar um emprego decente. Tem uma pessoa que me auxiliará nisso. Não deixe ele voltar à vida de antes. Ele é tanto meu filho quanto você. Cuida dele, e que dessa vez seja de verdade. Passou do tipo de você não ser mais egoísta, não foi isso que te ensinei.
- Eu sei, foi o meu pai de merda.
- Isso mesmo. Um beijo para você. Eu te amo, e por aí vai, huehe. Olha, quero que cuide bem de Cristiano, pois ele sempre precisou de sua ajuda, e gosta de você. Deixe de ser egoísta e cuide dele. Aí no Rio de Janeiro ele não tem ninguém além de você. Por favor.
- Tudo bem, farei isso. Também amo a senhora. De verdade. E manda um abraço pra Bijitha – disse Sidney. Em seguida aguardou a mãe desligar o telefone, para desligar o dele. Pôs o telefone no gancho suavemente e logo seus pensamentos foram inundados pela presença de Cristiano e o que ele sentia na pele. Não custava absolutamente nada ajudar o amigo (sim, ainda o considerava um amigão). Cristiano realmente precisava dele, então, para que negar ajuda? Foi nisto que Sidney refletiu em pé, na mesma posição, por quase meia hora, remoendo, embaralhando os pensamentos referentes a Cristiano, à trajetória que os dois tiveram na vida, o quão permaneceram juntos, amando um ao outro em nome da amizade. Eram “fodendo” primos. Irmãos. E o indiano deveria atualizar este sentimento, torná-lo recíproco, como era antes.

E então? Sidney sentiu pena de sua omissão. Não do que Cristiano passou, mas da omissão do indiano. Pois, se não fosse omisso e se não deixasse de ser participativo o nissei não sofreria tanto quanto sofreu de décadas até os dias atuais. Depois disso, Sidney passou uma ligação para o celular de Cristiano. Estava desligado. Ouvira passos finos e crescentes em direção à sua sala, possivelmente era Vlada, ele teria de cessar seus carinhos por um tempo até achar o sujeito. Vlada, mais magra e pálida do que nunca – trajando um vestido negro de bolinhas brancas e botas de couro negras sem salto, e tinha os cabelos presos atrás da nuca – esgueirou-se na parede próxima à fechadura, fitando Sidney e sorrindo discretamente. Em sua mão esquerda, uma pastinha com papéis. “Terminei a primeira consulta”, disse ela. “Não foi tão ruim quanto pensei. Nem venha me dizer o que ela disse, falou apenas o básico, que terei de regularizar minha alimentação a partir de hoje, e a nutricionista me passou um pequeno relatório do que eu deveria fazer daqui para frente. Sei que tanto você quanto sua filha comem muito, parece que terei de me acostumar com isso, haha”.

- Na mosca – confirmou Sidney, ainda em pé. Vlada se aproximou dele, exalando um perfume fraco à base de limão. Não deixou de caminhar como uma modelo, movendo bizarramente suas finas coxas para a frente e os braços balançando como bambus sendo chacoalhados. Sidney estalou o pescoço para os dois lados e surpreendeu-se quando a russa pulou em seu colo, envolvendo de pronto suas pernas na cintura dele. Apesar de magras, as coxas ostentavam sensualidade.
- Você... tem 40 anos, mas parece ter 20 e poucos – disse ela, tocando a face de seu amor. - Não tem uma ruga sequer, nenhum cabelo branco – tocou os cabelos ondulados do indiano – é incrível, o que você usa?
- Sabe que eu não uso nada – respondeu ele, sorrindo como um bobo. - Vamos para casa. Tem uma pessoa que iria vir falar comigo, mas ela já está demorando demais, vou pedir pra que retorne amanhã.
- Aguarde mais um pouco – pediu Vlada.
- Sem essa, tô com saudade de casa, a gente nem passou lá quando voltamos – disse Sidney. - E você precisa conhecer a Bonnie, ela estará de volta pra casa daqui a pouco, vou pedir pra secretária dizer pra moça voltar amanh... - ele terminaria a frase, caso não fosse surpreendido com a presença de Geórgia, na frente deles.
- Boa-tarde – disse a ex-chefe de enfermaria. Cabelos curtos, jaqueta preta, calça jeans, All Star rosa e camisa branca com decote. Engoliu seco quando viu o casal abraçado, intimamente colado. O jogo já estava perdido para ela desde o momento em que decidiu fazer “cu doce” para se declarar. Bastava Geórgia compreender isto.
- Boa-tarde, criança, estava com saudades de você – disse Sidney, descolando-se de Vlada e abraçando Geórgia convincentemente. Esta nem pôde retribuir do mesmo jeito, visto que ainda estava chocada ao ver a russa com suas longas coxas em volta do indiano. - Vamos lá, vista seu uniforme, tem um monte de trabalho pra você fazer, docinho de coco.
- Parece que o senhor não entendeu – disse Geórgia. - Não estou mais trabalhando aqui, pedi demissão. Só estou aqui porque o senhor me pediu, já resolvi tudo o que tinha para resolver. E então, do que precisa, agora?
- Preciso de você aqui, só isso – respondeu ele. Logo, olhou para Vlada. - Vladinha, pode nos dar licença por um pequeno momento? Estava querendo falar com minha funcionária há um tempo, e como ela está aqui, como se trata de um assunto de suma importância, gostaria que conversássemos a sós. Por favor, tá?- a russa ouviu tudo aquilo com a sensação clara de que estava sendo posta de lado, mesmo que não tivesse o menor interesse em querer saber do que os dois estavam tratando. Ficou sentida por Sidney ter pedido para que saísse por uns minutos, mas não teve escolha. Saiu, desceu as escadas e ficou na sala de espera. Sentou-se cuidadosamente, com as mãos aos joelhos, tentando relaxar, enquanto lá em cima Sidney e Geórgia papeavam. - É besteira você deixar de trabalhar aqui por causa disso. Olha só, posso te promover, o que você acha?
- Você não pode me comprar com isso – disse Geórgia, séria. - Vou aproveitar que estou aqui para pegar o resto das minhas coisas. Sidney, eu te parabenizo por você querer ficar com uma pessoa a sério, ninguém esperava isso, me disseram sobre o romance seu com aquela magrelinha. Espero que vocês não pensem em romper tão cedo.
- Tá, tá bom, eu aceito suas congratulações. Digo, não aceito. Só aceitarei se você voltar a trabalhar com a gente – disse Sidney, sorrindo. Geórgia aproveitou que estava sozinha com ele e caminhou em sua direção, cessando os passos há poucos centímetros do seu rosto.
- Acabou, Sidney – disse ela, concluindo a efêmera conversa que tiveram. Ele não pôde fazer mais nada. Recostou-se na mesa e cruzou os braços, observando Geórgia irromper pela porta de sua sala. Passou por Vlada como um espectro, tanto que esta demorou para perceber.

Sidney rumou atrás de Geórgia, mas esta, percebendo que estava sendo seguida, apressou seus passos ao descer a escada. Vlada não ficou aguardando o fim daquilo tudo, recostada na parede, andou atrás deles. Geórgia irrompeu pelo corredor da clínica com pressa – e com isso chamando a atenção alheia – quando, à sua frente, um homem louro e magro chutou a porta de entrada/saída e, portando um revólver calibre 38 saiu atirando a esmo, sem um alvo específico. As seguranças se esquivaram e comunicaram imediatamente a Sidney sobre o que estava acontecendo, além de acionarem a Polícia por meio de algumas funcionárias, escondidas em seus setores por causa dos tiros. O tal louro trajava uma touca ninja – dava para saber que era louro pela mecha de cabelo ao lado do olho esquerdo, mas podia muito bem ser uma peruca – , jaqueta e calça preta. Vlada finalmente alcançou-os, os três parados no último degrau da escada que dava para o corredor. “Cadê o Sidney?”, “Cadê o Sidney?”, bradou o atirador. Todos os pacientes corriam e Sidney tentou se esgueirar para ver quem atirava, mas foi contido por Vlada e Geórgia. “Não faça isso!”. Até que ele conseguiu se soltar dos braços magros e encostou a maior parte de seu rosto na parede, em direção ao lugar de onde vinha o atirador. “Cadê o Sidney, cadê ele?”. Claro que, se o indiano aparecesse tomaria uma bala nas fuças. Ele diria a si mesmo que não tinha inimigos, mas mesmo assim vasculhou em sua mente qual fonte de toda aquela balbúrdia. Logo, o atirador foi surpreendido por uma segurança, que quase acertou um chute nas genitais, batendo com a sola na parede. O atirador não a matou, mas disparou em sua perna, deixando-a incapacitada de alcançá-lo novamente. Voltou a olhar para a frente, mas teve de olhar para trás, já que uma outra segurança apontava uma arma (não letal) para ele. “Qual é, o que é pior, tomar choque ou levar um chumbo na cara?”, indagou o atirador, que com o 38 apontado, estava decidido a atirar na profissional. Sidney interrompeu tudo ao bradar “eu tô aqui, não atira nela!”. Vlada e Geórgia estavam bem atrás, bastante preocupadas com o futuro estado de saúde do médico. Todos naquele corredor – e fora dele, encostados em parte das paredes – observaram atentamente a situação.

- Pronto, sou o Sidney, e aí? - disse ele, com as mãos para o alto. - Adianta botar todo esse terror, o pessoal não tem nada a ver com isso. Quem é você, e o que eu te fiz? Pode me dizer?
- Que bom que apareceu, eu iria matar todo mundo se você não estivesse aqui! - bradou o encapuzado. - O que você me fez, advinha o que você me fez, desgraçado!
- Advinhar... - Sidney relaxou seu corpo, todos olhavam para ele. O cheiro do invasor atiçava as narinas do indiano, chamando sua atenção até conseguir ajudá-lo na identificação: o encapuzado já apresentava traços finos de rosto e corpo (a roupa sobrava e os gestos esbanjavam delicadeza), mecha loura bem cuidada e... perfume de jasmim. Sidney sorriu com o canto da boca. - Joana, não acredito que esteja fazendo isso.
- Que “Joana”, você comeu merda? Ei, se me dispararem isso eu atiro nele! - disse o atirador, gritando ainda mais alto à segurança com o taser. Sidney percebeu o tremer gradativo da mão feminina com a arma, as pernas bambeando... - Não fica viajando na maionese, eu tenho uma coisa muito importante pra tratar aqui.
- Tá fazendo tudo isso porque eu venci aquele duelo? - perguntou ao atirador. - Se eu não o matasse, ele iria me matar, tava bem na cara, né?
- Pare de me confundir, seu viado!
- Bom, se você for realmente a Joana eu iria te ajudar a pagar a fiança, quando você for presa daqui a pouquinho... OLHA, É A POLÍCIA! - Ao ouvir o grito de Sidney, o encapuzado virou o rosto bruscamente para trás, dando a oportunidade ideal para o médico pular em seu tronco de forma tão rápida que praticamente tornou-se um borrão para os que presenciavam tudo. Nesta mesma forma de “borrão” tirou o atirador do recinto, sumiram. Tudo o que podiam ver era a porta de entrada/saída balançando. Olharam para fora, eles não estavam lá, apenas o revólver no chão.

Ambos estavam no terraço do hospital. Joana revelou-se para ele – que tinha tirado sua máscara – , os cabelos louros empapando seu rosto, seu corpo semi deitado no chão, a perplexidade, o medo de ter sido descoberta. Sidney estava em pé, com uma garrafa d'água na mão direita, sorrindo, como se nada tivesse acontecido.

- Já chega, né? - indagou ele. - Você sabe que duelos são permitidos, sem contar que, eu não seria imbecil pra deixar ele me matar. Devia ter chamado alguém para prender o teu brother quando ele pensou em me chamar para aquilo. Agora, você quer seguir os mesmos caminhos dele? Não vou dizer que você devia esquecer, até porque é impossível esquecer aquilo, mas você deve aceitar o resultado. Não complique a si mesma, e você não pode me matar.
- O senhor... o senhor é um filho da... - Joana trincou os dentes e desatou no choro. Abriu abertamente o berreiro.
- Vamos, não prejudique a si mesma – disse Sidney, tomando um gole d'água. - Eu posso deixar você passar dessa sem te prejudicar, o que acha? Posso te colocar do outro lado da cidade agora, por enquanto ninguém além de mim viu seu rosto. E vou fazer isso porque gosto de você, foi uma boa empregada durante todo este tempo. E então?
- Você... o senhor faria isso por mim? - indagou ela. Sidney assentiu.- Eu... me desculpe, mas eu estou... estava querendo vingar meu irmão...
- Duelo é duelo, por que as mulheres são sentimentais? - indagou ele. - Entenda que eu não tenho culpa de nada, seu irmão botou na cabeça que deveria me matar, propôs um duelo, e achou que iria acabar comigo, mas eu sou melhor do que ele, e deu no que deu. Mas sua visão sentimentalista nunca vai entender. Vamos, saia daqui enquanto é tempo, aquela portinha ali vai dar nos andares inferiores – disse, apontando. - Vai logo!
- Muito... muito obrigada – disse, engolindo o choro. Levantou do chão e correu até a porta de entrada/saída do terraço, entrando nela.

Joana desceu as escadas desesperadamente, tropeçando por duas vezes. Não tinha ninguém além de si mesma, cada vez mais se arrependia do seu ato louco ao ultrapassar as dezenas de degraus. Ela, evidentemente, não queria ser presa, pois achava que sua vida terminaria ali na cadeia. Era certo de que não aguentaria o tranco, por isso, movera-se rápido em direção à saída. Pedia ajuda por deus, queria sumir dali e tentar uma vida nova.

Foi quando atravessaria a porta principal do prédio – uma imobiliária – quando foi parada por 4 policiais de arma em punho apontadas para ela. “Parada, você está presa!”. Atrás, um dos policiais com a arma do crime posta num saco plástico. Joana sentiu-se perdida.

Algemada e posta dentro de uma viatura, Joana voltou a chorar. Clamou por Sidney. Este, observou de longe Joana se debulhando em lágrimas. Sua única resposta àquilo foi um sorriso muito do safado.

Em pouco tempo eu já estava me acostumando à condição de que tinha inventado a doença durante quase 40 anos. Eu poderia me chamar de louco – até por ter motivos suficientes para tal – mas achei que as coisas não seriam tão fáceis assim, o rótulo ainda não caberia tão bem na minha cabeça. Eu não me lembro exatamente o dia que comecei a acreditar nessa merda, mas lembro o dia em que Sidney, rachando o bico indiano de tanto rir, deixou de lado meu primeiro questionamento público sobre o mau que eu achava sentir. É claro, quem daria ouvidos para uma pessoa como eu? Por um longo tempo ele foi um dos poucos. Nem meus pais prestam para ouvir os meus lamentos. E também obviamente não prestam psicólogas, aquelas enganadoras de 20 aninhos que, só porque concluíram uma faculdade, já acham que estão segurar o o bastante para ouvir as pessoas e dizer o que elas deveriam fazer. Já tive experiências desagradáveis com psicólogas, especialmente as mais jovens. Nelas vive implantado o gene do incômodo, que costuma sair por todos os poros de seus corpos, mas não posso perder meu tempo falando sobre elas, o assunto é sobre mim. A doença não existiu este tempo todo, mas não a usei como forma de fugir da realidade ou de me sentir mais relaxado, muito menos significava um pedido de ajuda aos outros. Eu sou uma pessoa incurável. Tudo o que queria era conseguir realizar meus desejos e me trancafiar na minha casa, de frente à praia. Com isso eu teria tudo e não precisaria dos outros. Até veria se conseguisse um trabalho que requeria ficar na internerd durante todo o tempo, mas eu tenho saudades dos meus anos como professor. O tempo em que eu era mais valorizado, mas abraçar este emprego está tão difícil que a burocracia ofende, até demais. Então, seria melhor sair do Rio de Janeiro definitivamente, né? A capital federal não precisaria de mim para nada. Eu já desfiz diversas amizades – nem ouso dizer que naturalmente elas vão e vem, ora eu desfaço, ora elas desfazem – meu destino é incerto e sofreria se fosse para o Japão novamente.

Sidney não quer saber de mim, justamente neste momento tão delicado. Jesminder, minha tia, me mandou para uma psiquiatra no Rio, mas não sei se aguentarei o tranco. Uma socialite só serviria para eu comer o dinheiro dela por anos a fio, o que é ruim, pois quero ser tremendamente independente. Eu deveria aceitar o que a vida está me dando, deixar o passado – porque eu acabei “renascendo” após a descoberta de que a existência da doença é fajuta” - e tentar ser uma pessoa feliz seguindo uma consciência paralela que manda em mim? Parece que sim, mas os fantasmas do passado – isso soou tão clichê, nem Sidney gostaria disso – insistem em bater um papo comigo, enquanto que os do presente clamam para terem um desfecho na minha vida. Laura, Elizabeth... particularmente já me decidi quanto estas duas, mas vai ser difícil o outro lado não se magoar quando for rejeitado. Afinal, qual mulher gosta de ser rejeitada? Nenhuma! Mas, será meu papel de homem decidir com qual delas ficarei em definitivo. Eu deveria agradecer, levantar as mãos para o céu por não ter a doença, mas não consigo. Me acostumei tanto com isso que vai demorar para eu expelir tudo, jogar tudo para fora tal qual um vômito. É também difícil pensar que estas duas meninas gostam mesmo de mim. Sou um cara que normalmente desprezo gente dando iniciativa para vir falar comigo, pois eu quem costumo cair para cima, mas agora terá que ser diferente. Devo aceitar a ajuda dos outros, devo aceitar fazer aquele emprego que não gosto porque é o que tenho no momento, devo me acostumar com minha plena saúde – e quase sempre estive são – devo me acostumar a não ser impulsivo, paranoico e imbecil comigo e com os outros. Será A renovação de Cristiano Mamiya.

Eu tinha passado na farmácia e comprado alguns drops de limão para chupar, além de 3 caixas de efervescente, tenho um vício tremendo em tomá-los com água ou chupá-los a seco mesmo. Também gosto de sal de frutas. Já tinha retornado à minha casa, passava uma brisa tão gostosa que arrepiou minha espinha, o sol se escondia nas nuvens, havia parado de nevar na semana passada e cada vez mais me sentia sozinho ao sair da Glória para minha casa. As ruas se estreitavam, as casas diminuíam a quantidade e cada vez mais me embrenhava para o mato, para a volta – a trilha – em direção ao bairro do Flamengo. A praia do Russel, cada vez mais estreita e vazia. Na mão direita, o saco plástico com dois frangos congelados, meu almoço e janta. Entre eles, o saquinho com o sal de frutas e o efervescente. Eu já ajeitava o molho de chaves para abrir a porta de casa, quando dou de cara com uma mulher na frente da minha residência: negra, tranças longas, trajando uma calça jeans justa, tênis Addidas branco e camisa igualmente branca. Olhou para mim como quem não quer nada, e logo depois seus olhos cresceram consideravelmente e seus lábios carnudos balbuciaram: “Cris, finalmente!”.

Era a estudante namibiana, Cecilia.

Minhas pernas bambearam, a respiração ficou mais pesada, comecei a expelir ainda mais saliva e tive de pô-la para dentro, porque eu já estava começando a babar. A presença da Cecilia ali se dividia entre uma dádiva de Deus e uma maldição. A primeira porque me fez ressuscitar meu afeto por ela – despertando também o meu grande desejo sexual por ela, por um bom tempo foi a pessoa na qual queria perder a “virgindade” - e a outra por ter de confrontá-la novamente. Era mais nerd que eu, tanto que me desprezou para fazer história com seus estudos científicos, ela é cientista de uma universidade conceituada do Japão. Certamente tinha tirado alguns dias de folga só para me ver. Que consideração, esta... eu não esperava que fizesse isso, talvez Sidney não tivesse o mesmo nível de consideração por mim do que ela teve, então eu deveria aproveitar cada momento que seu corpo gostoso e quente estivesse em minha casa. Eu achava que Cecilia já não se importava comigo, mas se veio é porque quer alguma coisa – dinheiro não é, pois eu sou um baita dum pé rapado – , que eu acabarei tendo de tentar oferecer a ela. Cecilia me observava com ternura nos olhos, como se quisesse amolecer meu coração, a guria sabe que este olhar manhoso sempre me deixou fora do prumo, eu sempre fazia suas vontades por causa da recompensa: os beijos calorosos, abraços firmes e roçadas intensas no meu corpo – só roçadas porque segundo minha paranoia eu não podia transar, se tivesse transado com ela nos 2 anos em que estivemos juntos com certeza eu seria um cara mais feliz. Uma deliciosa namibiana da etnia Himba, quase tão inteligente quanto Einstein, na minha frente e eu, entorpecido por sua presença repentina. Demorou alguns segundinhos para que meu cérebro movesse meus pés. Eu costumo desprezar mulheres que não aceitam namorar comigo ou que terminam, não consigo ter uma relação amiga com elas, mas eu não podia dispensar Cecilia, já que eu a queria perto de mim.

- O que você faz aqui? - perguntei, em tom ameaçador.
- Eu vim te ver – respondeu ela, com simplicidade. - Você reclamava tanto que eu não tinha tempo para você, agora que estou de férias vim de visitar. Até mandei algumas mensagens para o seu email, mas... você deletou o seu email e sua página no Orkut ou algo assim? Se bem que vou entender, ninguém usa Orkut hoje em dia...
- Eu quis te esquecer – respondi, aproximando-se dela. - Pensei: se não tinha tempo pra mim, então tá, então não vai precisar de mim em hipótese alguma. Aliás, não foi assim sempre? Eu me enchi, sabe?
- Tá bem, eu errei, errei ao te deixar de lado, mas era por uma boa causa, era muito importante, tá? - disse ela. - A vida da minha família dependia do meu empenho, acho que você entende isso agora, mas não entendeu quando te disse isso antes.
- Tranquilo, tudo bem, não vou mais discutir contigo sobre isso – falei, realmente não disposto a brigar, pois não queria perdê-la de novo. - Então, você veio me ver... quando você volta pro Japão?
- Amanhã... - ao responder, notou minha expressão de surpresa e logo depois desanimadora. - Não fica assim, podemos passar o dia juntos, aliás, eu te visitei justamente com esse intuito. Comparando de uns meses pra cá você está... mais magrinho, tá com o rosto encovado, tá mais maltratado... o que houve contigo? - aproximou-se de mim e começou a tocar minha face, apertou com leveza os ossos das maçãs do meu rosto e o meu queixo, como se estivesse me examinando antes de aplicar alguma injeção. Enquanto fazia isso focava meus olhos em seus lábios e em seus seios... pareciam ainda maiores quando vistos de cima. Pude sentir o cheiro de seu perfume, ela não usava perfumes doces, o que era bom, realmente eu estava diante de uma pessoa inteligente. - Parece estar mais fraquinho do que nunca, sabe?
- É, tô fraco porque perco tempo demais me preocupando com emprego e com outras pessoas, então, sobrou pouco tempo para mim, agora vou fazer com que seja diferente – disse para ela, que passou a alisar meu rosto. Eu já paudurecia, mas seria vergonhoso me excitar no meio da rua, e eu estava sem cueca, então... - Olha, vamos entrar, não gosto de bater papo aqui fora. - Eu realmente não gosto.

Cecilia entrou maravilhada na minha casa, como se nunca tivesse cheirado aquele odor peculiar lá de dentro ou nunca tivesse dormido naquela cama antes. Mas, foi a saudade, certo? Dei uma olhada no céu e relaxei ao ver que não estávamos sendo espreitados por uma nuvem cinzenta, o Rio – pelo menos aquela parte do Distrito Federal – estava em céu claro, o que era melhor para Cecilia e muito melhor para mim, porque ela se aborrece facilmente em dias chuvosos, e se saísse dali eu voltaria a amargar minha depressão. Estava mesmo precisando dela. Disse para mexer na geladeira, se quisesse, a guria já era da casa há um bom tempo. Me senti feliz por estar junto de alguém, o plano agora era agir certo para não assustá-la. Aliás, do que estou falando, se Cecilia me conhece de cabo a rabo? Observei ela sentar na cama e tirar lentamente seu calçado e retirar o que carregava. Desmanchou o rabo de cavalo, deu uma coçadinha na perna com a sola do pé... estava à vontade, do jeito que eu queria. “Você já preparou o almoço?”, perguntou para mim, e respondi que não. “Pode deixar que eu faço, sempre gostei de cuidar de você”. É? Legal. Nos poucos momentos em que ela se dedicou a mim, verdadeiramente me enchia de carinho. Ou não? Minha memória é um lixo.

Me senti um inútil, observando a Cecilia assar um dos frangos. Ligou o rádio, circulou descalça pela casa, como se fosse minha esposa. Muito bom pensar nisso, um fracassado que se torna marido de uma das cientistas mais conceituadas da Universidade de Tóquio, uma africana da Namíbia que provavelmente é a pessoa mais famosa de seu país. Chapado nestas ideias deitei de bruços na cama, só de bermuda e tentando não dormir, pois eu ainda precisava muito desfrutar do momento. Eu podia me esgueirar entre as paredes para ver Cecilia fazendo nosso almoço, sua bunda empinada e suas belas pernas ensaiando timidamente passos de uma dancinha. Há quanto tempo ficamos em desarmonia, tão desunidos? Por isso mesmo que vivenciar o contrário – como acontecia ali – me fazia gozar litros de alegria. Ela já estava mais importante que Laura e que Elizabeth, eu queria tê-la de volta em definitivo, de todo o meu coração. Notei Cecilia caminhar em minha direção com um copo de suco, sentar na cama, ordenar para que eu pusesse minha cabeça em suas coxas grossas e me oferecer. Tomei, e ela acariciou meu cabelo palhoso e negro.

- Eu estava pensando em passar alguns dias aqui, para cuidar de ti – disse ela, me deixando ainda mais ligado.
- Você sabe que não pode fazer isso, não faça troça de mim – disse a ela, sério. - Aliás, se você ficasse comigo eu tentaria fazer alguma coisa, como por exemplo, te fazer a minha mulher, minha esposa.
- Eu sei. Por que você não volta para o Japão? - indagou. - Ficaria mais perto de mim. Podíamos... formar uma família de verdade. Isso é, se você...
- Eu já posso transar.
- O que?
- Eu já posso transar. Digo, eu sempre pude transar, minha tia descobriu que eu tinha hipocondria – expliquei a ela. - Por incrível que pareça, fiquei estes 30 e poucos anos alimentando uma doença imaginária. Foi isso, todo esse tempo. Parece coisa de retardado, não sei se é ou se não é, mas agora só resta viver a vida acostumado ao fato de não ter tido a doença.
- Meu pai... - murmurou ela. Pode notar sua mudança brusca de expressão. Estava realmente impressionada, e eu rezando para que não saísse fora da minha casa. - Esse tempo todo... esse tempo todo...
- É, eu também fiquei atordoado com a notícia, mas fazer o que? Eu realmente não tenho doença alguma, me examinaram de todas as formas, foi a palavra da ciência contra a minha, vou passar a frequentar psiquiatra, entre outras coisas. Não vão me deixar redescobrir o mundo sozinho.
- Sabe, isso é tão difícil de acreditar... nunca imaginei que você estaria bem, digo, você sempre esteve bem, e então achou que estivesse adoecido por uma doença rara, que segundo você mesmo só acometia a sua família, mas era tudo uma coisa inventada por você? Meu pai, como é possível, como é possível você se enganar e enganar os outros dessa forma... - Cecilia lamentou, levantou-se rápido da cama, fazendo minha cabeça bater na madeira do móvel, já que suas coxas se moveram. Eu ainda temia que ela fosse embora, eu não poderia mais ficar sozinho na minha vida, precisava das mulheres, precisava dela. Por isso mesmo que levantei da cama e foi até a namibiana, que passou a chorar, com o corpo recostado na parede, em frente à janela.
- Cecilia... - eu não poderia vê-la assim. Tá certo que sempre é legal ter uma mulher chorando por você, mas depende do que a mulher chora, e tudo o que eu queria era confortá-la, não apenas tomar seu corpo, mas tomar sua mente também. Queria estar na máxima sintonia. Cecilia chorava e enxugava as lágrimas simultaneamente, as pernas meio entrelaçadas, ajudando a gerar um formato de pêra com suas nádegas firmes. Eu me dividia entre a vontade de acarinhá-la e de fazer amor com ela. Cheguei controlando meu bufo quando me aproximei de Cecilia e entrei com meus braços envolvendo sua cintura, por trás. - Eu sei muito bem que é chocante, agora, só temos que nos acostumar com isso, amor. Eu quero você, agora que estou totalmente livre a gente pode ficar numa boa para sempre – disse a ela, acariciando seu rosto escuro. Cecilia virou-se, ficou cara a cara comigo. Seus lábios grossos paravam de balbuciar sabe-se lá o que e o resto do seu corpo relaxava, como se esperasse que eu tomasse a dianteira dali em diante. Foi isso mesmo que fiz.

Beijei seus lábios bem devagar e fiz minhas mãos roçarem suas nádegas, cada vez mais eu me excitava, e tenho certeza que ela também. O beijo estava tão gostoso que me estimulou a “brigar” ainda mais com sua boca, eu entrei com minha língua e a fiz entrelaçar na dela, a troca de salivas se fazendo maravilhosa, do jeito que eu preparava há um tempão para ela, pois quase sempre esteve presente no primeiro plano dos meus desejos. Sem olhar, percebi que Cecilia moveu suas mãos lentamente até grudar nas minhas costas, e alisou-as. Eu estava envolvido com o poder caloroso da sua boca, minhas mãos firmaram-se na sua bunda, até que deixei apenas a esquerda e com a direita entuchei na região de sua virilha, deixei em sua vagina e passei a alisar, a tocar firme e alisar, podendo ouvir gemidos deliciosos no meu ouvido. Cessei tudo e peguei-a no colo – pesada demais para uma mulher de corpo atlético, quase morri – , coloquei-a na cama e a beijei novamente, toquei em sua vagina novamente, fazendo-a gemer de forma mais intensa. Cecilia tirou minha bermuda, minha “barraca” estava assustadoramente armada, com mais intensidade que com Laura e Elizabeth. Enquanto Cecilia pôs seu pé direito na minha glande, massageando-a, tirou sua calcinha vermelha e retirou uma camisinha de sua bolsa. Eu estava paralisado com sua “massagem”, me deixando cada vez mais com tesão. Depois avançou em meu pênis para encaixar o preservativo, masturbou-o para deixar ainda mais duro e quando ia chupar, afastei sua cabeça tocando sua testa. Eu não estava nem aí para a “entrada”, queria logo o “prato principal”.

Cecilia abriu as pernas e respirou fundo, após lamber os beiços. Voltei a estimular sua vagina com meus dedos, já estava me acostumando com aquilo. Depois, ela tentou me abraçar, mas eu queria experimentar o sexo estando solto da cintura para cima. E comecei a meter e a fazer os movimentos de vai e vem. Cecilia passou a gemer um pouco mais alto, mas não perdendo o timbre fino e feminino de sua voz. Inclinei meu rosto próximo ao dela e a beijei algumas vezes enquanto metia gostoso. Enquanto transávamos eu pensava em uma série de coisas sem desviar o foco e sem perder o prazer: pensei no que eu faria da vida no futuro, se realmente ficaria com a Cecilia ou se dispensasse ela e voltasse para Laura ou Elizabeth, mas cheguei a conclusão de que ainda vivia encrustado em uma capa de confusão. Deixei de pensar nisso e foquei meu pensamento na Cecilia. Cada vez mais suas coxas grossas batiam nas minhas, eu me esforçava mais e me entusiasmava com meu desempenho. Eu estava chegando lá, Cecilia sentia o poder do meu membro e gemia cada vez mais, pedindo para que eu a abraçasse, como se só assim pudesse aguentar o tranco, mas não cedi, eu era egoísta, só pensava em si mesmo, queria adquirir o prazer sozinho, tão confiante de que conseguiria ter o orgasmo sem morrer que me esqueci da minha parceira. Eu era Superman, Hiperman, Ultraman, Megaman, porque o melhor momento da minha vida estava chegando. Estava chegando... chegando... chegando... eu gemia, Cecilia também, tanto que um nervo parecia querer irromper de sua testa. Estávamos nos tornando um, até que eu – finalmente – a abracei e emiti um grunhido sofrido – enquanto Cecilia desmanchava-se na sua voz fina. Gozamos ao mesmo tempo.

Daí, não descansei. Estava tenso, pois aguardava as dores intensas no meu tórax, que passariam para todo o meu corpo e comeriam meu cérebro, eu havia passado dos limites, era chega a hora da minha morte... mas não. Passaram-se 3 minutos. Cecilia tinha os olhos entreabertos, a boca aberta, os braços de ébano nas minhas costas como uma armadura. Continuava tenso quando Cecilia acariciou minha nuca e suspirou “fique tranquilo... fique tranquilo...”. Me tranquilizei. 5 minutos depois, nem sinal das dores. Eu começava a sorrir quando senti uma pontada forte no meu coração. “Começou”, disse a ela, como se tivesse uma agulha espetando o centro do meu órgão. “Começou, caralho!”

Fustigado pela (suposta) dor, me debati como um epiléptico, Cecilia moveu-se ao meu lado e pulou em cima de mim, prendendo minhas pernas com as suas e segurando meu braços de tal forma que achei que seriam destroçados por ela. Muito forte. Eu começava a babar como um porco e a girar a cabeça a 360 graus, quando senti o poder de seu dizer “Você não tem a doença, para com isso! Você não tem a doença, você acabou de me dizer, Cristiano! Não tem a doença, você não tem a maldita doença, ela não existe, você a inventou! Agora, pare de palhaçada e aprenda a agir como uma pessoa normal! Vambora!”.

Disse fitando meus olhos, como se os seus fossem duas adagas prontas para trespassar meu crânio. Minha mente fora dominada por ela, me fez agir perfeitamente como a namibiana queria. A doença, além de ser uma manifestação de minha hipocondria, me fazia ser um escravo. Um filho da puta de um escravo. Mas ali, eu era escravo da minha Cecilia. E devia obedecê-la. Foi o que fiz, aliado à minha crescente força de vontade. Respirei o mais fundo que podia respirar, me senti ainda mais solto. Cecilia não tirava os olhos de mim, eu me sentia seguro. Eu não sentia dor alguma, como Deus sabia era tudo inventado, tal qual um dispositivo aceso em minha mente para me manter aprisionado na neurose. Eu estava “curado”, então não precisava implantar este maldito sofrimento em minha cabeça e em meu corpo. Passei a chorar quando caí na real e percebi que não estava mais sozinho. Chorei como uma menininha.

Bonnie estudava para uma prova iminente, em sua sala de aula. Todos os demais alunos estavam compenetrados como ela, mas a professora não sabia era que, enquanto sua aluna inglesinha estava tentando quebrar a cabeça para resolver umas questões relacionadas à Física seu ouvido direito recebia sons de música clássica ininterrupta, como se fosse um alento, uma mediação branda e calma para equilibrar com o outro lado de sua mente pegando fogo. Bonnie sempre detestava a política de números na educação, mas se achava na obrigação de não decepcionar a si mesma e de não decepcionar o seu querido papai, visto que não queria perder o amor do sujeito nem se passassem mil anos. Ele precisaria estar realizado com o bom desempenho da filha nos estudos, até por motivos bem óbvios (futuramente Bonnie tomaria a linha de frente nos negócios da família, e por aí vai). Fora isso a ruivinha não encontrara algo diferente para fazer no fim de sua adolescência em diante. Ela ainda gozaria de bom tempo na barra das calças do pai – e claro, estar dependendo do papai era deveras reconfortante – e com certeza ajudaria a prosseguir com o sucesso dos Silvestre, mas não era tudo. Tinha que realizar algo por si mesma, algo não gerado por uma ordem alheia, mas sim de si. Já estava farta de seus longos cabelos rubros, queria cortá-los até a nuca, deixar curtos, queria renovar seu guarda roupa – combinou consigo mesma de dar uma passada na loja quando saísse da escola – , queria pintar o cabelo de louro e... arrumar novas amigas, porque sentia-se carente. Os 13 anos se aproximavam e ela, desesperadamente, procurava mais um sentido para a vida.

O sinal havia tocado, os demais alunos irromperam de suas carteiras alvoroçados, porque queriam se retirar daquele ambiente o mais rápido possível. Fofocar, comer besteiras, paquerar aquele (a) garoto (a), baixar aquele filme que nunca chegará no Brasil, cada ação destas era valorizada pelos alunos. Bonnie terminou seu dever direcionando seus pensamentos a Sidney, se ele a levaria para o cinema ainda naquela semana, se parassem para tomar um sorvete no caminho, cada vez mais se enchia das boas expectativas, aquela ruivinha linda. Concluiu pela enésima vez que dependia demais do pai – que por um lado era bom, pois tinha a natural segurança garantida, além do amor real e incondicional. Mesmo tendo também seus “baixos” - não ser tão independente – continuaria a apreciar da proteção dele, não tinha motivo algum para se rebelar. O amor era mútuo, mas Bonnie pensou que, em algum momento da vida este amor excessivo poderia prejudicar sua vida.

Bonnie trajava o novo uniforme – saia vermelha até o joelho, paletó negro com o emblema do liceu, blusa branca de manga comprida e gravata vermelha e preta. Seu cabelo estava preso atrás. Percebeu que nem todos usavam uniforme, muitos optavam por roupas multicoloridas e descoladas, tênis fofos e grandes, calças legging amarelas, ombros desnudos, umbigos à mostra... já achava que seria tachada de “esquisita” ou de “sem graça” qualquer dia daqueles e que novamente, teria de decidir ou em reagir à altura ou “contar tudo para a sua mãe, Quico!”, digo, contar tudo para a Diretoria.

Saiu da sala por último e rumou diretamente ao refeitório, pondo seus livros apressadamente na mochila. Entrou na fila e verificou se não estava sendo sondada por alguma metida a engraçadinha, pois depois dos acontecimentos passados obviamente teria de manter uma certa desconfiança acerta da convivência escolar. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde estaria gozando de uma boa trajetória no liceu, mas até chegar onde se deve sofreria mais um tanto. Ao pegar a bandeja e a comida – arroz, feijão, purê de batata, bife acebolado e salada de alface – sentou-se não em uma mesa distante da galera, mais no centro do refeitório. Em seus fones de ouvido, trocou a música erudita da italiana Cecilia Bartoli – do disco “Sospiri” - para a banda de rock eletrônico estadunidense Le Tigre. Ela estava preocupada sobre os rumos do conjunto, o último disco deles foi “This Island”, depois disso entraram em hiato. Tinha entrado no Twitter de Kathleen Hanna (vocalista e líder do grupo) comentando sobre o hiato, mas não foi respondida. Queixava-se por ter boa parte de suas perguntas não respondidas naquela rede social. Atores famosos, atores de segunda linha, cantores, raros eram os que respondiam suas perguntas, e mesmo assim não gostavam de travar uma conversa. Então, para que serviam o 30 users que ela seguia? Ah... ela seguia, não eles a seguiam. O erro começava aí, pois eles podiam achar que, só porque ela teve a iniciativa de segui-los eles não deveriam ter a obrigação de respondê-la, visto que ela que os contatou primeiramente, não o oposto. Bonnie sofria com esta suposta arrogância dos seus “ídolos”. Queria fazer alguma loucura para chamar a atenção deles, mas depois achou que não mereciam um tostão de seu esforço. Queria deletar os malacos, mas não conseguia, pois gostava muito deles. Ela matutava tanto sobre esse assunto enquanto comia que não notou quando uma descoladinha loura de olhos azuis e cabelos longos sentou-se ao seu lado, cumprimentando-a.

- Oi, boa-tarde, estou falando contigo – insistiu a lourinha, tão sardenta no rosto quanto Bonnie, mais alta, também trajava um short colado azul até o joelho, um vestido preto com manchas brancas – imitando uma vaca – e um sem número de penducarilhos nos dois pulsos. - Tem espaço para mais alguém nesse seu planetinha?
- Ahn? - murmurou Bonnie, observando a adolescente no canto do olho, sem virar o rosto. Depois, voltou a fitar o bife suculento que fatiava sem dó nem piedade. A lourinha reagiu com uma careta quase imperceptível, pousou sua bandeja na mesa e tratou de estudar a novatinha.
- Disse “bom-dia” pra você... sabe, não é todo mundo que consegue ter a ousadia de ouvir música no meio da aula. Eu sou da tua saca – prosseguiu a loura. - Não sei como a professora não notou. Ah, agora sei, seu fone de ouvido é incolor, tudo nele é incolor, parece que foi feito sob medida. Foi?
- Foi o que? - indagou Bonnie, ainda fitando o bife. Finalmente conseguiu cortar uma parte, pôs a boca e mastigou gostosamente.
- Tô perguntando se seu fone foi feito sob medida... talvez tenha sido, pois você parece ser bem singular – disse a lourinha, interessada.
- Foi, sim – respondeu Bonnie. - Papai quem me deu.
- Que coisa, então, você não curte estudar? Acho que estamos nos dando bem.
- Mais ou menos, destesto qualquer coisa que envolva números – respondeu Bonnie. - Só isso que eu posso dizer.
- Ah, então você é das minhas, acho que essa sua postura é apenas uma capa, ela não revela seu verdadeiro “eu” - disse a loura, mostrando os dentes com aparelhos verdes, ao sorrir. - E é a coisa mais normal do mundo!
- É? Legal.
- Claro que é legal!
- Você não quer comer?
- Hein?
- Tô dizendo se você não quer comer – repetiu a ruiva, olhando-a no canto do olho. - Você tá falando tanto que deixou a comida de lado.
- Ah, foi mal, é que quando eu desembesto a falar demora pra que eu termine. Você me parece uma menina meio... meio “macho”, não quer saber de conversar, talvez não quer saber de amizade ou algo assim, mas aqui na escola a aluna só sobrevive se ter amizade com alguém, nem que seja com uma pessoa. Não é obrigação, mas...
- Quando eu achar que for necessário, tudo bem – disse Bonnie. - Mas, é sério, quando eu achar que esteja carente demais pra ser amiga de alguém, vai acontecer naturalmente. É isso.
- “É isso”... - murmurou a lourinha, finalmente tocando em sua comida. - Tá bom. Meu nome é Mini, digo, esse é o meu apelido, desde criancinha me chamam assim. Você pode estar se perguntando: “nossa, como o apelido ela é 'Mini' se é uma garota alta?”, o pessoal dizia isso pra ser o contrário mesmo. Eu era a mais alta em todos os concursos de modelos que já participei, aliás, por isso mesmo que acabei sendo cortada em diversos deles... que chato.
- Eu estava realmente começando a pensar nisso – disse Bonnie, ente uma mastigada e outra. Ainda não olhava Mini nos olhos, mantinha sua postura arrogante e individualista. - Meu nome é Bonnie.
- Bonnie é um nome diferente, nunca vi uma brasileira com esse nome, tem certeza que não é apelido? Huehe – perguntou a lourinha, sorrindo graciosamente com seu chamativo aparelho dentário.
- Sou inglesa. Não tá vendo meu sotaque?
- Você não tem sotaque... juro que não tem – disse a lourinha, ainda sorrindo.
- Ok – disse Bonnie, comendo mais um pedaço do bife. - Eu preciso ir, eu vou dizer a desculpa de que minha mãe está me chamando e sair fora daqui.
- Ah, tá bom – disse Mini, observando Bonnie se retirar em direção ao lixo, onde despejaria o resto de seus alimentos.

Bonnie irrompeu pelo refeitório após a refeição e iria retornar para a sala, caso não tivesse uma porrada de alunas fofocando, zoando e fazendo seus trabalhos lá dentro. Só ficaria relaxada caso estivesse sozinha em algum lugar. Pensou no terraço do liceu, mas primeiro teria de descobrir o lugar, não daria lugar a sua impulsividade naquele dia, para arriscar ser pega e repreendida, além de não poder mais retornar à seu “best place” dentro do colégio. Deu uma volta nos corredores, saiu do lado de fora, percorrendo a copa das árvores, tentando estar invisível aos olhos humanos – e realmente conseguia – , escalando paredes, descendo de barriga na grama, até deitar na mesma e respirar fundo. 30 minutos depois levantou e sentiu-se atraída pela conversa gostosa que alguém travava do outro lado do colégio, na entrada, em um pátio repleto das gurias novinhas e gostosinhas. Pôs parte do rosto na parede e observou quem falava, a voz soava como um maldito sonar em seus pequenos e pálidos ouvidos: a mesma guria que a importunou no refeitório – Mini – em pé com mais duas amigas, papeando sobre a vida e a morte, sorrindo e interagindo com a maior naturalidade, dando uma pontadinha de inveja na cabeça de Bonnie. Desta vez, Mini trajava outra roupa (um short justíssimo e dourado, um vestido preto e furado por baixo do paletó azul marinho e brilhoso), a mais baixinha usava um blazer azul por cima de um vestido balão cinza e rodado, além de meias amarelas e azuis até as coxas. Tinha os cabelos cacheados presos atrás e uma expressão de extrema serenidade. A outra menina usava um vestido rabo de peixe amarelo por baixo de uma camisa azul extremamente larga até a cintura, uma bolsa reciclada escrita “Save the Animals” e os cabelos alisados jogados para a direita do crânio. Mini usava um tênis salto alto bege e preto, a pequena usava uma sapatilha preta e branca, e a outra mulatinha calçava um All Star Basket Low branco. Bonnie estava entorpecida pelo modo gostoso da baixinha de falar, e dentro de si suscitou um desejo intenso de fazer parte daquele trio, de falar com ela, com elas e de finalmente ter uma referência naquele lugar, amigas, alguém que se importasse com ela dentro e talvez fora dali. Chegando nelas, chegaria – mesmo que indiretamente – em Mini, teria que aturá-la. Quem sabe não gostaria dela no futuro?

Bonnie mordeu os lábios de raiva. É, teria que falar com Mini de qualquer forma, se rechaçasse a menina seria rejeitada pelas outras, evidentemente. Saiu do canto e caminhou em direção às meninas. Sabia como chegar junto delas... Mini seria bem útil. “Ei, você”, disse Bonnie para a loura, próximo às garotas, que olharam a ruivinha com naturalidade. “Eu tava te procurando, resolvi dar uma chance... pra gente, preciso de amigas”. Após dizer aquilo sentiu-se tão suja e falsa por dentro...

- Ah, Bonnie – disse Mini, sorrindo abertamente para ela. - Está mais calminha agora? Eu ia te apresentar minha amigas, se você ficasse mais um tempo comendo lá no refeitório, mas como você está aqui, melhor pra todas.
- Ah, ela é a novata, o pessoal anda falando de você, por causa da confusão que aconteceu lá na Franz Kafka – disse a pequena, movendo seus pequenos lábios carnudos, fitando a ruivinha com seus olhos castanhos. - Fique tranquila que ninguém vai implicar contigo por aqui.
- Até porque eles não durariam muito – disse Bonnie, levando todas aos risos. Também riu. - Cheguei meio desconfiada...
- Sem problemas, é totalmente normal – disse Mini. - Agora, já pode relaxar, está entre amigas. Ah, esta é a Graça (tocou o ombro da baixinha, que cumprimentou a inglesa) e a Olívia (esta fez como a Graça e beijou o rosto de Bonnie, que retribuiu).
- Agora que estamos em quatro ninguém vai poder se meter contigo – disse Olívia, fisicamente mais forte que todas no grupo.

Bonnie, Mini, Olívia e Graça riam, conversavam e vice versa. Bonnie sentia-se à vontade e sua desconfiança acerca de Mini se dissipava como o vapor de uma panela. Ela estava nas mãos de boas colegas, futuras amigas e pessoas que lhe passavam um bom astral, que era o que mais precisava, pois, como pensava, tinha uma vida própria além de pensar na do pai. Ela já não estava mais sozinha.

Sidney saiu sozinho da delegacia – tinha levado Vlada para casa e deixou ela ali – após prestar depoimento. “Bom, acho que depois dela não tem mais nenhuma pessoa disposta a se vingar”, disse ele para si mesmo, pensando na prisão de sua ex-serviçal Joana. Depois lamentou não ter mandado a guria embora. Mandou, mas depois pôs a Polícia em cima dela, como todo bom sacana, e sorriu ao vê-la algemada dentro do carro, rumando em direção à delegacia. Tinha desenferrujado sua malandragem, pensou que não podia se distanciar da sua natureza malandra, independente disso ferir as pessoas ou não. Não apenas o sangue saciava seu coração, mas a prática da tramoia e dos trambiques, sem isso não era Sidney. Era provável que as coisas iriam mudar agora que colocara definitivamente Vlada em sua casa – com o intuito de formar uma verdadeira família com ela, Bonnie e Grace Kelly.

Atravessou a rua olhando para cima, começava a chover fino. Queria fumar um cigarro, mas qual foi a última vez em que pôs um tabaco na boca? Nunca fumou. Teve fome. Se aprochegou em uma barraca de churrasco grego e pediu dois para pôr no bucho. Pediu mais um, para CL – estava próximo do hospital onde a norte coreana jazia. Andou mais um pouquinho, comprou um buquê de margaridas.

Precipitou-se pela porta do hospital, identificou-se e rumou direto à sala de CL. Encontrou-a acordada, apreciando a chuva, tentando dormir. “Rin-Lin”, disse Sidney, em um terno e calça negros. “Posso entrar?”

- Cara, eu estou péssima – murmurou CL, pondo a mão direita na nuca.

Sidney não disse mais nada. Apenas se aproximou de CL (que tinha pinos na sua perna direita e parecia estar bem melhor) e beijou sua boca, além de acariciar seus seios pequenos, passando a ponta de seus dedos nos mamilos endurecidos da norte coreana, acarinhando-a da forma que ela mais gostava, mas as coisas não correram tão fáceis assim naquela noite: CL aturou os carinhos em pouco tempo, depois repeliu os “dedos mágicos” do indiano em um sutil empurrão. Dava para ver que ela não gozava de felicidade e relaxamento como ele, queria dizer alguma coisa, mas Sidney não estava nem aí, queria afogar o ganso, transar com ela como nunca tinha transado antes, pois, segundo seus próprios pensamentos, ela devia uma noite intensa de sexo, pagando todo esse tempo em que esteve ausente dele e de sua quinta. Mas, quem disse que seria fácil para o médico? Ele não queria conversar, apenas agir, mas obrigatoriamente teve de quebrar seu “modus operandi” naquela noite. CL sentou-se na cama e Sidney também, ao seu lado. Pôde sentir o nervosismo da norte coreana transparecendo a cada segundo, ela tinha ciência de que convencê-lo a agir como ela queria não seria bolinho. “O que tá acontecendo contigo?”, perguntou ele.

- Você já tem outra pessoa – respondeu CL. - , então, como quero o seu bem não vou dar gostinho para você ficar com outra mulher. Vai dizer pra mim que nós já fizemos o que faríamos agora um monte de vezes, mas os tempos são outros, você tá com a sua vida arrumada, vai se casar, e eu preciso ver a minha vida, agora. Me desculpa.
- Ok, você está certa, mas o que custa uma transa amiga, em homenagem aos bons tempos? - indagou Sidney. - Sem compromisso algum, você disse que eu estou pra casar com outra pessoa, beleza, mas o que a gente tem por enquanto é bem maior do que isso. A gente tem uma relação de anos e anos e você poderia estar no lugar dela, se não desaparecesse o tempo todo. E sabe muito bem que eu te mandei diversos emails e telefonemas, só ficou naquela merda de “ah, já tô voltando, querido, tô doida pra esfolar o seu pau”, e acabou que deu nessa merda aí, tá me rejeitando.
- Eu estou com outra pessoa.
- Mentira.
- Veja aqui – CL pegou seu celular dentro da bolsa e entregou a Sidney, com as mensagens de texto escritas por outra pessoa. Um homem negro e magro mais semelhante a um britânico que um brasileiro. Estiloso e aparentemente muito feliz, o que também podia refletir-se em suas mensagens. Sidney aborrecia-se cada vez mais ao ler as mensagens, revezava seu olhar revolto para CL, que já previa o pior, caso ele não aceitasse a despedida decentemente.
Beleza... - murmurou Sidney, que invés de devolver o celular para CL, esmagou-o com sua mão direita. - Regulando a buceta por causa de uma coisinha de nada... nós sempre tivemos um relacionamento aberto.
- Agora que você arrebentou meu celular é que não vou dar nada mesmo.
- Me preocupei contigo esse tempo todo à toa – disse o indiano, aproximando-se dela. - VÁ SE FODER!

Sidney irrompeu pela porta do quarto e bufou até chegar ao estacionamento, onde tirou seu carro e dirigiu perigosamente até sair do bairro. Não viu quando CL regurgitou um novo celular.

Estacionou próximo a um bar, pediu um copo de vinho e uma porção de bolinhos de bacalhau. Manteve-se afastado dos demais e da balbúrdia feita por eles. Não disse mais nada além disso, e rechaçou a amizade descartável de um bêbedo. Tocava algum sucesso do Benito de Paula. Sidney esticou as pernas, e, apesar de não estar disposto a conversar com qualquer pessoa estava disposto a acariciar um cão vira lata que se aproximou e cheirou seu mocassim. “Lembrei que a Bonnie queria um animal de estimação, só que ela tem preferência por gatos”, murmurou para si mesmo. Há quanto tempo não falava sozinho? “Mas a Grace pode gostar de você, hein?”. Não precisava se preocupar em como carregá-lo, poderia colocá-lo no banco de trás de seu Modelo T e pronto. Apesar disso, seus pensamentos em CL não cessavam de forma alguma, ele precisava implantar pelo menos um paliativo para afastar o corpo gostoso da sua ex de sua cabeça. Falando em “corpo gostoso”, cada vez mais que sentia raiva e nojo da norte coreana sentia mais desejo em penetrar em sua vagina e chupar seus seios pequeninos, como sempre pôde fazer. Não seria melhor forçar a barra? “Ela iria acabar chamando a porra da Polícia”. Não seria melhor implorar mais um pouquinho? “Eu tenho orgulho, filho da puta”. Não seria melhor então matá-la, para reposicionar a sua honra? “Não, aí já seria demais”...

Sidney ficou mais um pouco no bar, não saindo do vinho branco, evoluindo para um bife acebolado – com cebola até demais. De Benito de Paula passaram para Alcione, a cantora que o traumatizara na infância com suas músicas românticas. Vez ou outra foi reconhecido por algum executivo, falou pouco, concentrou-se na comida, despediu-se secamente, vendendo o oposto de sua personalidade. Ele já surpreendera a si mesmo se aborrecendo com o “nega fogo” de CL. É, ele teria que se conformar com a situação, ela não queria mais nada com ele, agiu exatamente como as meninas que, segundo Cristiano, somem inexplicavelmente durante um longo tempo e retornam com namorado. “Mulher sempre faz isso, é preciso ter cuidado”, disse o nissei, em um de seus raríssimos conselhos dados ao primão. Ao sair fora do boteco foi procurar o cachorro, mas este já tinha dado pinote há muito tempo. Sidney não tinha paciência para percorrer um ou mais quarteirões à caça do pulguento, portanto, só pôde lamentar sua falha, pois tinha realmente se afeiçoado ao cão. Entrou no carro e voltou para casa.
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Mensagem  Admin Seg Jan 31, 2011 6:52 pm

Mandaram uma mensagem de texto para seu celular: “Oi, Sidney, tudo bem contigo? É o César. Não vejo a hora de conversarmos novamente, pois estou sinceramente preocupado com os rumos da nossa cidade. Não se esqueceu do horário, certo? Amanhã, no meu gabinete, às 13:00. Por favor, não falte, será muito importante para nós”. Fim. Era o prefeito, claro. Sidney já notara que o alcaide não estava interessado apenas no bem estar social do Distrito Federal, mas no corpo do indiano também – reiterando que o prefeito era um viado assumido e deveras conhecido – , o que provocava no médico um misto usual de constrangimento e nojo, mas ele tinha de resolver as questões com o cara de qualquer forma, afinal, César Sampaio foi eleito para cuidar da cidade e certamente iria se aprofundar cada vez mais no território de Sidney – já que o Castelo englobava a cidade do Rio de Janeiro. Pensaram que foi melhor agir juntos que separadamente, culminando em uma talvez inevitável guerra, uma rixinha entre os dois, e como nenhum dos dois queria estar numa situação desconfortável optaram pela parceria. O melhor para eles e para todos. Cada vez mais que pensava em ter de ceder parte de seus poderes ao alcaide Sidney sofria uma formigadinha na barriga. Mas, não representava o constrangimento e nojo, mas o medo primitivo em ter de se dobrar para alguém politicamente mais forte. Como já refletira sobre o assunto, mudanças seriam feitas. Aborrecimentos também poderiam ser feitos. Se se aborrecera de forma tão genuína ao ser rejeitado por CL – e em toda a sua vida adulta ser rejeitado por meninas era algo raro – se aborreceria de forma tão genuína ao observar o dedo bicha de César Sampaio penetrar fundo demais no seu bolo. Teria de se preparar a todo custo.

Sua trajetória até a própria casa passaria numa boa, caso não tivesse o carro parado e abordado por criminosos, bandidos com toucas de meia na cabeça e ternos desbotados e sujos. Sidney ficou surpreso por ainda existir este tipo de meliante na capital. Como o local onde estavam tinha pouco policiamento ele deveria fazer o que normalmente um ser humano se sujeita nestes momentos extremos: render-se e dar qualquer coisa que o assaltante deseja... menos o cu, claro. Sidney estava com a mãos para o alto, verificando as expressões intimidadoras dos 2 assaltantes, cada um segurando um revólver calibre 38, que apesar de ser a arma padrão para assaltos e assassinatos no país fazia um estrago imenso onde quer que disparasse. E Sidney não queria testar mais uma vez seu “fator de cura” sofrendo um rombo no meio da testa.

“Bora, burguês de merda, sai do carro, sai dessa porcaria de carro!”, ordenou um dos assaltantes, baixinho, em sobrepeso e de rosto bem redondo. O mais alto e magro mantinha a postura fria com a máscara, fitando seus olhos pequenos e castanhos nos olhos grandes e castanhos de Sidney, além dos movimentos que este poderia fazer bancando o espertinho. O magro queria atirar, só esperava alguma desculpa para que fizesse. Enquanto o baixinho... “Quanto você tem aí na sua carteira?”, perguntou, bradando. Bandidos verificam quanto de grana tem na carteira? Eles não saem logo pegando o objeto? “Tem joia, quero ver se tem joia nessa porra, mete a mão aí, se tentar um movimento brusco que seja eu juro por Deus que acabo com a sua vidinha de riquinho agora”, vociferou. Sidney aliviou-se, tentando dissipar o resquício de nervosismo que tinha em mente, mas se demonstrasse calmaria seus algozes se aborreceriam ainda mais. Pôs a mão direita no fundo do carro, próximo ao volante, procurando algo de valor que não tinha ali, e ele evidentemente sabia disso, mas o que faria? Cada vez mais que mexia em vão o magrelo se aproximava apontando o trezoitão para ele, e cessou os passos quando o mais baixo pediu – com um aceno – para que esperasse.

“Peraí, acho que achei uma coisa aqui, mas está difícil de tirar!”, gritou Sidney, pondo-se de corpo inteiro no interior do Modelo T, aborrecendo e atiçando ainda mais a curiosidade dos assaltantes, que por alguns segundos ouviram o indiano repetir “peraí” para aguardarem. Quase 1 minuto depois o magrelo chegou ao limite de sua paciência, queria enchê-lo de chumbo. “Que porra ele ainda tá fazendo aí dentro?”, gritou ele, espumando pela boca – pelo rabo que não seria. “Ele tá pegando alguma arma, aposto, vamo acabá com esse filho da puta!”. E quando se aproximaram prontos para atirar na lata do indiano, este já desaparecera do interior do carro, assustando-os com um pisão no teto, do lado de fora. Quando foram ver, Sidney corria até um beco escuro há 3 metros do veículo. “Pega esse viado!”, gritou o maior, que correu na frente, enquanto o outro dava cobertura sabe-se lá do que.

Lá no beco, o mais alto nutria raiva pelos olhos, de tão vermelhos que estavam. As lágrimas caíam, explicitadas pela adrenalina que correra em seu corpo tal qual um raio, arrepiando-o dolorosamente.

Não demorou muito para que gerassem gritos desesperadores daquele lugar, pondo o bandido baixinho em pânico. Gritos estes que eram impiedosamente abafados por um rugido de animal carnívoro e assassino, provocando ainda mais terror no parceiro do lado de fora, tão amedrontado que deixou a arma cair no chão, correu até o Modelo T e tentou ligá-lo, mas não sabia como iniciar a ignição – já que Sidney havia trocado o sistema na semana passada, por motivos misteriosos. O grito seguiu-se de um gemido final e o ruído que configurava em algo sendo trespassado, lambuzado com líquido e sendo mastigado ecoou no ar, e o bandido sobrevivente – já que o outro obviamente estava morto – saiu do carro e correu, mijando nas calças, chamando a mamãe, caindo no clichê que tanto Sidney quanto Cristiano detestavam. Sumiu da avenida, vazou, desapareceu. Os passantes corriam dali ou davam meia volta, não tiveram coragem nem de chamar os PULIÇAS. A noite não era deles, não aquela noite.

Sidney havia escalado a parede do prédio – de 3 andares – com extrema habilidade, mas sua subida deixava um rastro assustador de sangue e vísceras humanas, que caíam de cima abaixo como fezes. Certo segundo ele parou e observou seu carro, além de tudo que estava no campo de visão. “A barra tá limpa”. Ainda. Sidney tinha o terno marrom empapado de sangue, além deste líquido abundar em sua boca. Aquela era a aparência deplorável que odiava ter, aliás, odiava fazer o que tinha feito naquela noite. O pegaram em um momento em que ele estava mais forte do que nunca – passara a tomar sangue regularmente – , mas mesmo assim sentia pena de quem era subjugado por seu poder. Sentia-se mal, mas não a ponto de afundar em arrependimento e pena, ele não era como Cristiano – apesar de verdadeiramente amá-lo detestava o excesso de humanidade deste, em algumas ocasiões. Evidentemente, se considerava melhor que ele, mas não era a hora certa de pensar em suas qualidades, ele tinha que se recompor do terror que ele próprio proporcionara e sair dali o quanto antes. Sabia que os passantes iriam se amontoar no beco e no carro para saber o que aconteceu de fato, é claro. E ele não podia dar este gostinho aos curiosos. “Eu como cu de curioso, isso sim”, disse Sidney para si mesmo, manifestando pela enésima vez seu ódio contra quem não se aguentava de curiosidade. Abutres, baratas, pombos que só vivem para cagar na cabeça alheia e que em nada ajudam. Sidney pulou no vazio, pousando na parede de outro prédio, o mais próximo do Modelo T. Não tinha ninguém tão próximo do carro, mas olhavam de longe, como se esperassem a poeira baixar – realmente – para depois meter os olhos nos fatos. Sidney desceu ao chão, correu de forma fugaz e imperceptivelmente até o carro, ligou-o e partiu em disparada com destino ao Castelo.

No beco, jazia o corpo desmembrado do bandido altão e valentão. O sangue que sobrou da sua carcaça ia direto para o ralo, misturando-se com o esgoto recheado de merda e de outros componentes apetitosos.

Vlada era ensinada por Bonnie a cozinhar. Esta última não via a hora de Sidney chegar para abraçá-la, além de poder dar a ele as rédeas da situação. Como seu pai, não gozava de tanta paciência, mas teria de se acostumar com a ex-modelo, visto que eles iriam se casar, ela evidentemente também teria aquela quinta como sua, mas do pouco que se conheciam, já simpatizavam uma com a outra. Vlada era uma mulher esforçada no preparo dos pratos, falhava de vez em quando, mas Bonnie sempre estava ali para direcionar, dar uma forcinha. Já Grace, a outra parte do clã Banerjee, prosseguia com sua diversão assistindo a desenhos, além de efetuar gravuras desnorteadas no caderno antigo de Sidney – este ainda não sabia que ela fazia isso – , dado por sua mãe quando cursou a quinta série em uma escola lá em Thiruvananthapuram. Bonnie também ajudava com a arrumação da casa, mas, como o pai, achava que já passara a da hora em que teriam de contratar uma empregada, mas de que tipo? Qualquer uma que não fosse “gostosa”. Mas, questão de “gostosa” é deveras relativo, pois Joana, uma menina magrela de tudo e que só exalava sensualidade em seus seios grandes, era gostosa para Sidney, tanto que sempre fora assediada por ele no tempo em que trabalhava naquela residência. Com a promessa dele de não trair a russa o certo seria não contratar ninguém, ou então contratar uma mulher bem feia – porque, não obstante Sidney não caía em cima de todas as mulheres. Quando chegou o ruído do Modelo T chamou a atenção das crianças. Vlada demorou um pouco para captar a mensagem, mas quando Bonnie parou tudo para recepcioná-lo ela foi junto. “Boa-noite, família!”, disse ele, eufórico, como se a contenda sofrida anteriormente não tivesse ocorrido.

- Papai, olha o desenho que eu fiz pro senhor! - disse Grace Kelly, mostrando o caderno rabiscado para ele. Sidney tivera um baque ao presenciar seu caderno todo fodido pela filha que ficou estático. Logo depois, voltou ao normal, não iria brigar com Grace por causa daquilo... - Gostou do meu desenho?
- Adorei – respondeu Sidney, sendo abraçado por Bonnie.
- Ela fez um belo estrago no teu caderno, hein? - murmurou a ruivinha, segurando o riso.
- Tô ligado, onde está a Vlada? - disse ele. Bonnie disse que ela estava na cozinha, mas quando chegaram lá, não acharam a russa. Talvez, estava no quarto, situado no andar de cima. Sidney subiu as escadas, sorria, já sabia o que viria depois.

Sidney abriu a porta de seu quarto e viu Vlada tirando a roupa, mostrando a calcinha e sutiã verdes, porém, um tanto grandes, e que tampavam mais do que suas partes íntimas. Sua calcinha parecia um calçolão e o sutiã poderia muito bem ser um “top” qualquer. Mesmo assim ainda mostrava sensualidade. Suas coxas longas e magras ainda excitavam Sidney, e ele transaria com ela naquela hora, caso não pensasse em visitar uma pessoa.

- Eu tenho que ver o Cristiano.
- Depois você volta, né?
- Claro – concluiu, tomando Vlada nos braços e a beijando calorosamente. Depois, despediu-se de todas e rumou com seu carro até a Praia do Russel.

Cristiano ainda dormia, mas Cecilia tinha acordado e estava preparando a refeição. Acordou-o com um beijo no pescoço, fazendo o sujeito tremelicar como uma bicha louca, funcionou, fazendo-o abrir os olhos como se tivesse passado por um pesadelo. Cecilia deu de ombros e voltou à cozinha, preparando as comida e assoviando. Cristiano deu uma olhada no céu escuro e murmurou: “É difícil eu dormir tanto assim”. Levantou-se e se espreguiçou. “Pelo jeito, Cecilia ainda está aqui, que ótimo”, pensou, sorrindo abertamente. Já se sagrava vencedor, pois tinha a estudante namibiana nas mãos novamente, e pelo jeito, ela também havia optado ficar com ele. Mas mesmo assim, tinha ciência de que as coisas não seriam tão fáceis assim. Tinha certeza de que ainda iria sofrer. Já que aparentemente as coisas com Cecilia estavam resolvidas Cristiano iria ligar para Elizabeth pedir seu afastamento, além de visitar Laura no fim de semana e dizer que tudo tinha acabado. Ou seria melhor aguardar mais um pouco? Mulheres mudam de opinião como quem muda de roupa, então, não seria melhor esperar? Era um momento em que tomar conclusões precipitadas seria fatal. Ele não podia mais sofrer, se aborrecera só de pensar. Decidia o que iria fazer quando a campainha tocou. Cris abriu a porta. “E aí, Cris? Há quanto tempo!”.

- Você... - Cristiano balbuciou ao ver Sidney Silvestre à sua frente, sorridente, de terno novo e tênis All Star verde. Ele já sabia que mais cedo ou mais tarde um veria o outro novamente, mas foi pego de uma maneira inesperada, além de não se sentir apresentável o bastante para a ocasião (embora estivesse na sua casa). Sidney era seu primo de grau longínquo, seu irmão, seu melhor amigo por muito tempo. Cristiano sentiu um crescendo de constrangimento, mas não podia fraquejar perante o indiano. Ele sempre fraquejou, durante um bom tempo, não iria proporcionar um repeteco disso ali, ainda mais por Sidney esbanjar o mesmo Sidney de sempre: confiante, de cabeça erguida e decisivo, enquanto que Cristiano era o total oposto. O nissei não conseguia segurar o treme treme de suas pernas, o que seria mais um motivo para Sidney voltar a subjugá-lo, mas ele não faria isso, os tempos eram outros, eles já eram quarentões, não mais adolescentes, adultos jovens.
- Posso entrar? - perguntou Sidney, após sentir uma lufada gélida de vento ressoar na sua nuca. Cristiano manteve-se parado por mais alguns segundos, até cair a ficha completa. Com a visita de Sidney talvez as coisas poderiam se endireitar ou piorar, mas se deixasse, iriam mudar, pois sempre foi desse jeito, Sidney era considerado por muitos uma força da natureza, rejeitado apenas em sua própria família, por seu pai repressor e sedento por negócios e dinheiro. Fora da tutela do pai, atingindo a emancipação, transformara-se em nova pessoa, disposto por toda a vida a conquistar o pódio naturalmente. Cristiano era apenas um “macho beta”, comparando com o indiano, que por um bom tempo conquistara a independência de todas as coisas. Sua condição especial só ajudou, enquanto que a ilusão da existência da condição especial em Cristiano inibiu e prejudicou muitos desejos, que naquela hora já estavam carecas de ser mortos e enterrados. Obviamente que Cristiano almejava uma vida normal (e isto foi dito aqui por muitas vezes), mas ele também precisava exorcizar os seus demônios. Sidney, a tal força da natureza, configurava em um destes demônios.
- À vontade – respondeu Cristiano, ressabiado. Cecilia saiu da cozinha atraída pelo pouco barulho vindo da porta e deu de cara com Sidney sentando-se no sofá. Cris pediu para que a namibiana preparasse duas xícaras de chá, e ela virou-se prontamente para fazer. Sidney demonstrava estar totalmente desprendido e qualquer coisa, como sempre. Cristiano, tenso, como sempre. Não sentou-se ao seu lado, mas sim à sua frente, olhando nos olhos. Abriu a boca de lábios finos. - Antes que diga qualquer coisa, eu já sei que você sabe que fui à Índia à toa. Você sempre sabe de tudo sobre mim. Fui lá tentar achar a suposta cura, mas dei de cara na parede. Eles me disseram que eu tinha inventado tudo quando era pequeno e fiquei carregando isso por quase 40 décadas. Uma coisa que eu queria saber de ti: por que, quando eu falei se havia uma cura para a minha “condição”, você não disse nada, resolveu deixar me foder sozinho?
- Por um motivo muito simples, cara, qualquer pessoa sacaria que essa tal doença que você disse era balela, e que você estava tirando uma com a cara de todo mundo – respondeu Sidney, cruzando as pernas. - Vamos falar sério, apesar desse seu jeito você costumava zoar na época quando éramos crianças. No pouco tempo que te conheci notei que era um cara metido a engraçadinho, totalmente diferente de hoje. Bom, não sei como está exatamente a sua personalidade, mas acredito com todas as minhas forças que você não mudou de algumas décadas pra cá. Continua dependendo dos outros, na pindaíba e de vida totalmente irregular. Mas, eu não vim aqui te deixar pra baixo, eu tô afim de te ajudar.
- Me ajudar em que? - indagou Cristiano. - E você não vai me deixar pra baixo mesmo, os tempos são outros, estou um pouco mais seguro, só o fato de eu ter a iniciativa de sair daqui pra Índia buscar a minha suposta cura é prova de que eu estou mais decisivo que antes. Não mudei totalmente, claro, mas mudei. Mas, a sorte nossa é que eu não sou mais o extremamente cabeça quente de antes, pois não levaria na boa o que você acabou de me dizer sobre sua omissão.
- Qual é, vai bancar o machinho pra cima de mim? Você? E eu não me omiti em nada – disse Sidney. - Boa parte da galera que andava com a gente sabia que você tinha inventado a doença. Até a Bom, digo, é provável que tenha engolido, porque ela é um poço de bondade e ingenuidade, mas a maioria da galera sempre pensou que você estava de zoação. Agora, se eles souberem que você levou essa “zoação” por décadas a fio eles vão cair da cadeira. Te achavam um doidinho na época, o rótulo era esse, não sei se você lembra, mas era chamado de “maluco” por algumas pessoas, retrucava, zoava de volta, mas eles zoavam ainda mais, entre outras coisas. Na época, como eu disse, você era brincalhão, mas chorava quando alguém zoava mais forte. Eu sempre te defendi, dei porrada sempre que foi preciso, mas depois, quando você vazou voltou diferente. Sumiu, ficou meio sorumbático. Pensei: “ah, ele não quer conversa”, e deixei quieto por um bom tempo. Imagina se esse pessoal que te zoou e que te tratou como retardado soubesse que você arrastou essa merda de doença por anos e anos?
- Eu tava muito confuso – disse Cristiano. - Você sabia que eu frequentava o psiquiatra, mas eu acredito que esse pessoal, pelo menos a maioria destes “profissionais” só querem arrumar uma maneira de conseguir uma grana ouvindo o problema alheio e respondendo coisas como “ah, tá bom...”... eu fiquei um tempo longe de psicólogos e psiquiatras porque achava que eles não valiam nada, mas alguns prestam. Depois que saí de Mumbai sua mãe me indicou para um novo psiquiatra, sem contar que tem uma pessoa que me ajudará com emprego.
- Emprego? Ah, você ainda está com dificuldades nisso – disse Sidney. Cecilia trouxe os chás. - Posso te colocar em algum cargo lá na minha clínica ou chamar algumas pessoas na “chincha” pra elas te darem uma chance, sem problemas. Agora, voltando ao assunto, você entende que essa questão da doença não é culpa minha? Cara, quem tem a doença sou eu, mas é daquele jeito que você pensa, ela só me beneficia. O único senão eu ter de beber sangue pelo menos uma vez por mês, mas não tem problema, cansei de dizer que sou dono da Bhaga, então tenho sangue à disposição a hora que eu quiser. Eu vou fazer o possível pra te ajudar, arrumar emprego com a idade que tem é muito difícil, porque tem que competir com jovens...
- Eu já vou arrumar um emprego por meio dessa pessoa que sua mãe me passará – disse Cristiano. - Mas, se eu não conseguir nada vou falar contigo.
- Melhor aceitar minha proposta, aposto que esse emprego com essa pessoa não tá certo. E quem iria te dar um trabalho seria eu, teu parente, teu melhor amigo (você ainda me considera como seu melhor amigo, né? Você ainda é o meu melhor amigo), vai querer crescer às custas de uma pessoa que nunca te viu na vida?
- Não vou ficar nas custas de ninguém – mentiu. - Preciso ter alguma referência até para arrumar emprego.
- E por que eu não posso ser sua referência?
- Porque você me conhece até demais – respondeu Cristiano, fazendo Sidney se calar por um momento.
- Ok, então, não vou insistir. E essa garota, quem é? - perguntou ele, apontando com a cabeça para a cozinha.
- Minha namorada, Cecilia, ela veio da Namíbia. A gente já namorou, quando eu estava em Tóquio. Ela me ajudou a afastar o pensamento de que eu tinha a doença.
- E ela deve ter feito um bom trabalho, hein? Com todo o respeito, é uma preta muito gostosa – disse Sidney, sorrindo abertamente. - Parabéns para você. Mas ela foi a sua única durante esse tempo todo que você saiu de Tóquio pra cá? Responde na sinceridade.
- Não, depois que ela me dispensou eu tive um... romance com uma garota chamada Laura e uma outra chamada Elizabeth, que queria ficar comigo à sério, queria que eu deixasse a Laura porque...
- E acha que essa aí é a certa pra você?
- Que?
- Lembro que você sempre foi indeciso nessas coisas – disse Sidney. - Então, quer dizer que essa é a garota certa mesmo? Vai deixar as outras duas pra ficar com essa.
- Hum... - Cristiano refletiu sobre. Se achava bastante influenciável por Sidney, mas ele tinha razão em certo ponto. Laura era tida como a “pessoa certa” pra ficar com ele, e isso se manteve, apesar de Elizabeth ter chegado e querer tomado ele da presidiária. Agora, Cecilia retorna de seus estudos para namorar a sério com o sujeito, quando já o tinha chutado anteriormente, numa demonstração clara de “não quero te ver mais na minha frente” - afinal, o que era o beijo, o abraço e a pegação diante dos estudos? Sidney não era de todo burro. Digo, só era burro quando queria.
- Não tô colocando merda na tua cabeça, você está certo em querer ter alguém, estamos quarentões e precisamos nos casar, além dos filhos, mas tem que ver direito as coisas para não se arrepender depois. Não diz pra ela que te disse isso, cara, só não quero ver você sofrendo novamente – disse Sidney. - Agora, mudando de assunto, eu quero que você me desculpe... pela minha “omissão”. Você encarou como omissão, então tá, vamos botar assim.
- Tudo bem, te desculpo. Incrível como quase 40 anos se resumem a poucos minutos conversando aqui... - disse Cristiano. Sidney levantou-se e foi até ele, pediu para que levantasse. Ao atender o pedido do indiano, este o abraçou fortemente, em aparente sinceridade.
Tranquilo, você quem passou por dificuldades aqui, mas não sinto pena de você. Preocupação e alento é coisa diferente de pena, você não vai estar mais sozinho a partir de agora – disse Sidney. - e aceita a porra da minha proposta de emprego, ou você vai me magoar.
- As coisas não são fáceis de resolver assim...
- Só se você optar por ficar carregando essas murrinhas do passado – disse Sidney, acariciando o crânio de seu primo. - Bom, eu preciso vazar, preciso dormir pra trabalhar amanhã. Me dá teu número de telefone, a gente não pode mais perder contato. E quanto à você ficar com a guria ou não, pense que você já se arrependeu muitas outras vezes, certo?
- Tudo bem, vou pensar no caso – Cristiano respondeu. Sidney já estava se encaminhando à porta, quando notou uma mudança de ar súbita vinda do nissei. Em milésimos de segundo Sidney viu o punho cerrado de Cristiano indo rapidamente em sua direção. Parou o rosto. Recebeu o soco na maçã deste.

Sidney não caiu no chão, sequer dobrou os joelhos ao receber aquele murro. Cristiano mostrava uma expressão irada, manifestando a vontade guardada há muito tempo. Para ele, realmente Sidney omitiu a verdade, mesmo Cristiano tendo “inventado” a doença. Sidney não insistiu e o deixou de lado, por isto mesmo, para Cris, ele teve sua parcela de culpa ao deixá-lo carregar a mentira por anos e anos e anos. Cecilia correu para a sala e os viu, ficou tensa. Sidney se recompôs, tirou a poeira do terno e acertou o cabelo ondulado penteando-o para trás. Abriu a porta e concluiu, com um olhar sereno e isento de arrogância: “Cômodo demais botar a culpa em alguém que não teve nada a ver com a sua neura. Continue assim”. E fechou a porta cuidadosamente.

Cristiano deitou os joelhos no chão e desabou em prantos, sendo prontamente confortado por Cecilia. Emily, sua amiga imaginária – que observava tudo – , flutuou até a janela, adquiriu uma forma de brisa e desapareceu, triste. Depois daquilo eles nunca mais se falariam.

Ao sair dali, Sidney fora abordado por uma coisa muito "especial" enquanto retornava para a quinta. Fora atraído por uma luz estroboscópica azul e amarela gerada nas encostas da colina que compunha a região da Praia do Russel – Glória, antes mesmo de pegar força em seu carro para sair do bairro, antes mesmo de chegar no Largo da Glória e na ladeira homônima, dando para o Outeiro. Sidney sabia que aquela luz tinha a ver com ele, e também chamou a atenção desta quando gritou: “Eu sei que é você, pode parar com essa palhaçada, saia daqui e venha até aqui!”.

Era o Rokurokubi fêmea, que de imediato engoliu a própria luz que gerava de seu peito e voltou à forma humana, desta vez emprestando sua morenice em um vestido igualmente negro, para mimetizar propositalmente com o breu daquele pedaço de Mata Atlântica. Andou até ele com calma, tendo ciência de que Sidney iria aguardar, pois também tinha o que conversar. “Então, acabaram não fazendo as pazes”, disse o monstro. “E agora?”

- “E agora” o que? - indagou Sidney, tirando as mãos do volante. - Não se preocupe com a gente. Você me disse para ajudá-lo, eu fiz o que você me pediu e o que minha mamadi também me pediu, mas se ele não aceita, não posso insistir... sou orgulhoso demais para insistir com isso, então, nem vem.
- E vai deixar seu melhor amigo amargar o pior da vida? Ele já sofreu demais – disse o rokurokubi. - Apesar da raiva que sente por ti, ele também o ama, não custa nada voltar à casa dele e insistir com a ajuda...
- Você é surda? Não posso fazer isso, se ele quiser, que venha até mim – disse Sidney. - Minha casa estará aberta para ele o tempo que quiser, ele sabe que o tenho como um irmão, só que não tenho sangue de barata para insistir uma coisa, sendo que ele não quer, e ainda me soca na cara. E em socou porque eu deixei, se eu revidasse, ele estaria morto.
- Por favor, ajude ele – insistiu o monstro, enquanto Sidney observava o decote saído daquele vestido fino e negro que o rokurokubi trajava.
- Vou ajudar, sim... se você der uma “rapidinha” comigo.
- Você... só pensa nisso?
- Hum... boa parte do tempo.

Após Sidney respondê-la, a criatura arqueou as costas, abriu as pernas e mostrou seus dentes, O indiano tinha quase certeza de que as coisas com ela terminariam dessa forma. “Por que você não o ajuda, se gosta tanto dele?”, perguntou o médico, saindo da poltrona e indo para fora, já que precisaria de espaço para lutar. Sim, eles iriam lutar, por isso a criatura posicionou-se ameaçadoramente. O rokurokubi esticou seu pescoço elástico e avançou com sua cabeça para o indiano, tentando mordê-lo, mas este prontamente segurou-a pelos caninos – bastante lerdo para um ser sobrenatural. Vendo estar sendo subjugada ali, a criatura tentou voltar com a cabeça ao comprimento normal, mas não deu, pois Sidney, além de prendê-la pelos dentes, evoluiu a defesa aplicando-lhe uma gravata, com o mesmo braço. Então a “mulher” avançou o resto do corpo para ele, dando-lhe chutes com a perna direita, atingindo as costelas de Sidney, até este prendê-la com o outro braço, mas pensando que os dois braços dela estariam livres para bater nele. Foi aí que Sidney forçou uma rasteira, e teve sucesso, fazendo os dois caíram no chão daquele breu em que eram iluminados apenas pela luz da lua.

Sidney pôs seu braço direito contra o braço esquerdo dela, e, tendo-a dominado, desceu com sua mão esquerda em sua vagina – enquanto usava sua boca para beijar o pescoço, a face e a boca do monstro, que deixara de se debater, estava cedendo aos encantos e ao ardor sexual do indiano. Este tinha a batalha ganha,e por um momento achou se transar com ela sem camisinha dava algum tipo de doença sexualmente transmissível. Mas, ele transaria com um ser sobrenatural, certo? O uso do preservativo valeria para estes seres?

Cada vez mais que estimulava a boceta dela com seus dedos fora possível soltar do rokurokubi um gemido semelhante ao de uma humana, mas que se confundia com um guincho que só um animal poderia exprimir. Sidney lambia sua boca e seus lábios grossos – ele realmente estava enfeitiçado por aqueles lábios tão grossos como os de uma negra – e. mais relaxado, descera a face sobre os peitinhos dela, chupando-os como se fossem suspiros, doces de confeitaria, e não tirava os dedos da vagina, masturbando-a até se ver pronto o suficiente para penetrar com seu lembro. Mas ele já estava preparado. Dos guinchos esquisitos seguiu-se um “Pare com isso... pare... pare...” murmurado de forma monstruosa pelo ser, que mesmo assim se desvencilhava pateticamente das investidas do indiano. Este, tirara a calça com rapidez, e com o membro extremamente rijo, penetrou na vagina do Rokurokubi com toda a normalidade. Segurou o braço direito e fino do ser, que tinha as pernas bem abertas e saiu metendo. Enquanto isto, estava curioso com o fato dela nem ter usado uma calcinha debaixo daquele vestido fino, como se estivesse pronta para o sexo e que sua recusa fosse apenas manha simples de mulher. Cada vez mais que praticava os movimentos de vai e vem Sidney requisitava um enorme esforço. “Puta que pariu, como ela é fechadinha”, pensou, vendo a criatura contorcer-se num misto de prazer e dor, com seus lábios quase virando do avesso. “Nunca peguei uma mulher desse jeito!”. Sidney a tinha nas mãos, e percebeu que o desconforto seria menor se unisse seu corpo com o dela, foi aí que a abraçou. Beijou sua boca, mas, além do sabor da saliva que sorvia dela os murmúrios ecoavam no céu da boca dele. Mesmo tendo dificuldades em meter gostoso, não foi rude, seguiu-se transando com delicadeza, como se tivesse copulando não com um Rokurokubi, mas com uma elfa. As mãos delicadas do monstro tocando seu peitoral, numa tentativa falha de afastar seu corpo do dele, que logo depois passou a alisar o ombro e as costas do parceiro, numa demonstração total de entrega. Ela já estava sendo “enganchada” por ele, já era. Sidney também vencera o desconforto e prendera – não tão forte – seu braço direito no braço esquerdo dela, além de sua coxa colar na dela enquanto metia. Mesmo assim os guinchos prosseguiam, não da mesma forma gutural de antes, mas finos. Os mamilos do Rokurokubi estavam endurecidos e cada vez mais que seus seios roçavam no peitoral de Sidney, no calor do sexo, pulsavam vermelhos, assim como o resto do corpo.

Sidney e a criatura chegaram a um orgasmo uníssono. No ato, seus corpos quase se fundiam, suas pernas, que estavam totalmente entrelaçadas e se esticaram, como varas de bambu. Embebidos por um suor frio, Sidney desabou nos peitos dela, que emitiu um som semelhante a um canto de canário, rachou – com o indiano observando tudo imóvel – e se “quebrou”, se dissipando para juntar-se ao sereno da noite. Sidney, bastante cansado e momentaneamente impossibilitado de se mexer muito, moveu a cabeça para trás – observando o pó que revestia o Rokurokubi espalhar-se no ar – dizendo... “Pronto, agora ela não me enche mais”.

Logo depois, recomposto, Sidney retornou para a casa envolto por muitos pensamentos. Achou que tinha sido melhor Cristiano prosseguir com sua mágoa de caboclo, pois não jogaria debaixo do tapete o que sentia pelo amigo de tanto tempo para cá. Não que o indiano torcia para que os dois não voltassem às boas, mas achava que essa era a ordem natural das coisas. Cristiano era um homem amargurado – totalmente diferente do estilo genuinamente feliz de Sidney – e ressentido.

Chegou na quinta, pôs seu carro na garagem e foi de encontro às filhas e Vlada. Esta última estava cansada e com sono, mas não queria fazer feio e permaneceu na sala de estar, aguardando Sidney voltar. Bonnie foi a primeira que o recepcionou, dando um abraço e um beijo nele. Pulou em seu colo, Sidney a carregou enquanto Grace Kelly corria até ele para fazer a mesma coisa. Vlada sentou a bunda magra no sofá e observou como ele lidava com as crianças e pensou por um momento que não teria chance de “competir” com elas em atenção. Sidney iria alegar estar indisposto para jantar, mas resolveu comer pensando na felicidade das filhas e de Vlada, mas a ex-modelo não estava tão feliz quanto elas. Sentaram-se na mesa, Grace brincou de orar – provocando risos na irmã mais velha, enquanto Vlada não disse nada – e comeram. Sidney cortou uma parte do frango, preparando o prato para Grace, quando Vlada foi intervir, dizendo que iria preparar em seu lugar Sidney respondeu: “ah, aqui sempre foi assim, eu sempre servi as garotas”, mas depois, arrependeu-se e deixou que Vlada participasse da situação. Queria a todo o custo inseri-la em sua família. Era de Jéssica Sula. Pedia arrego e – por enquanto – pedia “asilo” no Rio, mais especificamente em sua casa.

Depois da janta Sidney ia cair em seu caixão, mas resolveu ter a primeira noite com Vlada em casa dormindo na cama. Seria difícil para ele, mas era um sacrifício bastante válido, pois ela contava com sua companhia a partir dali. Vlada viu Sidney deitado na cama, de bruços e sem camisa. Fechou a porta e pulou em cima dele – provocando risos nele – , aplicando pequenos beliscões na costela dele, fazendo-o gargalhar ainda mais, com os beliscões evoluindo para cócegas nas axilas. Se beijaram. “Como foi com ele?”, perguntou ela.

- Uma merda, como eu já previa.

Dia seguinte. O dia final, ui, ui ui!

CL tinha acordado feliz. Já estava se acostumando com os pinos em sua perna, sabia que hoje seria o dia em que tiraria alta, não via a hora e que sairia do hospital. Em mais ou menos meia hora foi o que aconteceu: CL tomou um banho, tomou café, pegou suas coisas e assinou os documentos necessários antes de sair dali. Irrompeu pela porta de entrada com o sorriso aberto, mas consciente de que deveria prosseguir com o andamento de sua vida. Achou estar totalmente sozinha, não precisava mais alimentar uma preocupação falha em Sidney, considerava-o oficialmente como parte de seu passado, uma página virada, água passada. CL já não ganhava mais dinheiro por conta de sua participação no reality show, não era mais convidada para debutantes ou eventos em boates, a fonte secara, ela teria de arrumar um trabalho o quanto antes. Aproveitaria de sua dupla cidadania para constituir moradia fixa na cidade do Rio – ou longe dela, visto que, se prosseguisse com seus planos no Distrito Federal Sidney tornaria a ver novamente, um passo para novas abordagens, novas conversas, novos pedidos e novas seduções. Não iria proporcionar a volta ao passado, ferindo seus propósitos futuros e perdendo tempo requentando comida. Uma quarentona baixinha como ela ainda tinha muito asfalto para queimar. E atravessou a rua – observando atentamente os dois lados, óbvio – confiante e determinada.

Em um quarteirão bastante próximo, Sidney tinha as mãos ao volante, o olhar diabólico e os dentes roçando leves uns nos outros. Ele esperava CL atravessar a avenida principal para acabar com a história de uma vez. Embebido por um desejo genuinamente maligno, Sidney tinha excelente visão, já notara – abastecido de sanduíches e sucos naturais feitos por Vladinha – CL atravessando a rua, há 100 metros de seu Modelo T, que tinha a lataria da frente coberta por uma placa de aço. “A puta tá aí”, disse a si mesmo, terminando de comer o último pedaço do sanduíche francês, antes de pôr a mão na alavanca. Ligou o veículo. Sabia que CL daria mais uma voltinha até voltar a atravessar a rua, completando o trajeto onde perfeitamente passaria os carros, e o carro de Sidney. Saiu dali. CL andava rápido – nem tão rápido, porque usava bengala – , pois chovia. Sidney deu a volta no quarteirão, calculando os segundos em que CL atravessaria novamente, e quando terminou a volta, acelerou selvagemente, utilizando-se bem do motor absurdo de tão silencioso de seu carro. Daria a última volta, onde ficaria de encontro com CL, que reviu os dois lados e quando foi completar sua segunda travessia sofreu um choque violento contra o Modelo T.

BUM! Sidney gargalhou como um louco, vendo o corpo pequeno de Chae Rin Lin, depois de gravemente ferido, ficar suspenso no ar em uma altura de 10 metros. Caiu no asfalto há 100 metros de distância do impacto. CL tentou respirar, mas foi atropelada por um ferro carril. Seus gritos desesperados foram rapidamente abafados pelo efeito compressor e metálico das rodas do bonde lotado.

Sidney fugiu em disparada, sem parar de gargalhar, mas atento às vias onde passava com seu carro, até que ligaram em seu celular. “Luís? Claro, tô na boa. Beleza, estou indo aí agora, mas vai ser rápido, pois hoje tenho um encontro com o prefei...”, não terminou a frase, pois fora interrompido ao ser atingido por um caminhão de lixo. Seu carro foi lançado capotando para a parede de uma confeitaria e o estrondo proveniente do choque no local assustou e chamou a atenção de funcionários, fregueses da confeitaria e passantes.

Uma pequena multidão se formou em torno do carro parcialmente destruído, tentando ajudar o condutor. Os lixeiros desceram do caminhão – também meio baleado no processo – para ajudá-lo. Tocaram o ombro de Sidney e seus braços, mas ele gritou “não me toquem, idiotas!” por duas vezes. Sim, ele podia sair dali sem a ajuda de ninguém, e foi isso o que aconteceu: Sidney usou parte de sua força afastando a ferragem – um dos ferros penetrou sua barriga, e para retirá-la foi necessária dureza e sangue frio para retirá-lo. Seguiu-se um grito brevíssimo e seco. Enquanto todos se impressionavam com a disposição do atingido, este já saíra totalmente do carro. Limpava a sujeira de seu terno branco e gravata preta, voltava os cabelos para trás e todos fitaram o momento em que suas feridas desapareciam por conta própria, com o sangue retornando para dentro da carne e esta se fechando, tão normal e simples como se ferir-se daquela forma fosse corriqueiro.

“É, vou ter de comprar um terninho novo”, disse ele, baforando.

Cristiano amanhecera o dia sozinho. Após a conversa com Sidney e após cair no berreiro, ele brigou com Cecilia, fazendo esta voltar para Tóquio e seus tubos de ensaio. Apesar de não gostar do indiano – e de amá-lo ao mesmo tempo – pensou bem no que este disse quanto às meninas. Por isso mesmo que ligara para Elizabeth, e mesmo caindo na secretária eletrônica concluiu suas “atividades” com uma única frase: “Eu não posso ter nada com você porque amo Laura. Se for para tocarmos nesse assunto, nunca mais me dirija a palavra”.

Sim, ele ainda amava Laura Socha. Por isso mesmo que esperou o fim de semana para visitá-la. Durante os dias úteis restantes até o sábado Cristiano pôde sorrir novamente, pois fora admitido em um serviço – motorista de ferro carril – e passou a falar mais com as pessoas, mas não de forma tão aberta, uma coisa de cada vez, certo? Carteira assinada, salário razoável, entre outras cositas más. Em um dos intervalos para o rango respirou fundo ao ler a manchete estampada em um famoso jornal carioca de repercussão nacional:

“2011, BAPTISMO DE FOGO: O ANNO DO MORRO DO CASTELLO. O DEOS DOS POBRES E O DEOS DA CLASSE ALTA EM EXHUBERANTE PARCERIA”

Entrelinhas:

“Sidney Silvestre (40), o medico fammoso nascido na India e instauradhor da 'monarchia' benefica ao Castello, cedhe parte de seus poderes ao prefeito do Districto Federal, Cesar Sampaio (35), promovendo assim uma exhibição magnifica da parceria entre o altruismo inphormal e o phormal na scena carioca. Uma victoria de trajectoria difficil”.


No sábado, Cristiano apareceu no complexo penitenciário onde Laura estava presa. Esta tinha acabado de tomar banho, e voltou para a cama antes de ser chamada pela carcereira: “Laura, visitinha pra você”, disse a mulher, enfatizando o “inha” por óbvio sarcasmo. Fazia tempo que Laura não via Cris, e por isso mesmo, antes dele adentrar à sala onde o receberia, avançou para cima dele com beijos e abraços, até ser contida. Depois que a porta fechou Cristiano e Laura se beijaram ardorosamente e ele aproveitou o momento para encher as mãos nos seios fartos e poderosos da presa. Trouxe uma cartela de camisinhas, eles tinham 20 minutos para fazer e acontecer. Laura deitou no colchão instalado no chão e tirou sua roupa e Cristiano voou em cima da mulher, que impressionada com a aparente felicidade do nissei (que dizia amá-la, o que era verdade) disse: “Porque está tão feliz?”

“Por nada, como todo bom idiota".




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