Bokurano
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Womb (Prelúdio: Cristiano)

Ir para baixo

Womb (Prelúdio: Cristiano) Empty Womb (Prelúdio: Cristiano)

Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:43 am

Tivemos problemas em selecionar o melhor lugar para sentar nossa mesinha, estender nosso lençol e deixar nossa comida. É certo que qualquer pessoa de nossa família teria o maior desejo em compartilhar o piquenique conosco se soubesse que pelo menos duas vezes por ano sentamos embaixo de uma cerejeira em flor, em um excelente dia nublado de março, aproveitando aquele que seria o dia mais importante do primeiro semestre, onde alguns dos participantes se despediriam, iniciando uma nova vida, bem embaixo do pé de uma árvore nobre. Pensamos em nos agradar e agradar especialmente o idealizador do piquenique, Cristiano Mamiya (ou Mimizuki, de sua mãe), japonês de nascença, brasileiro de coração, um brasileiro que desprezava descendentes de japoneses. Um quase-quarentão bem disposto gozando de uma perfeita vida profissional disseminando pelo mundo o ensino "Buhuwu", criado pelos antepassados indianos, considerada matéria e motivo de orgulho entre todos os nossos parentes. Acontece que para ele a felicidade batia e voltava e cada vez mais deixava-se envenenar pela depressão. Tanto pedimos, tanto falamos e aconselhamos e o homem não estava nem aí para o que dizíamos, disposto a viver sua própria vida, mesmo com uma mente auto-destrutiva, na qual os acontecimentos em vida trabalhavam como combustível para o seu sofrimento. Veio para a gente com aquela desculpa de que "ninguém me entende", certo, não entendemos ele, mas não quer dizer que tenhamos a obrigação em deixá-lo se sacrificar a troco de nada. Cristiano é da nossa família, obviamente um dos nossos, se alimenta do nosso status e mesmo se fosse um pobretão estenderíamos nossos braços, pois é uma pessoa na qual vale a pena investir. Ele vinha, expunha suas idéias e desaparecia, prosseguindo com seu trabalho, essencial para o custeio de sua misantropia. Nós estávamos embaixo da cerejeira por ele, esperando por ele, pois tínhamos certeza de que mudaria sua decisão de não comparecer na última hora, quase sempre fazia isso. Mas, até agora...

- Cara, não acredito que ele nos deixou na mão. Quer dizer, acredito, é no Cris que estamos falando. Estamos em uma ocasião especial, minha filha está aqui, vocês estão aqui... sempre quis que ele estivesse mais integrado ao nosso grupo, ainda mais em um dia como este, o prenúncio de uma nova vida, pois irei voltar para o Brasil, mas logo depois precisarei conversar com meus familiares em Mumbai. Eu não vou conseguir sair daqui sem ele.
- Não se preocupe tanto, sinceramente, você sabe que ele não se importa tanto com a própria vida quanto você. Há algum tempo, em que Cristiano quase morrera, você esteve lá e cuidou do rapaz até o fim, e se até hoje ele não reconhece o peso que você teve para a vida dele, o que podemos fazer? O cara é misantropo mesmo, todos sabem disso, tá certo que ele é seu parente, mas...
- Não tô cumprindo promessa por ninguém, cuido dele porque o amo, não posso deixá-lo de lado até que me diga com todas as palavras pessoalmente: "eu não quero nada contigo". Sério, não dá pra terminar de forma tão vazia quanto a que as circunstâncias sugerem.
- Eu entendo, mas não percebeu que esta é a forma dele de te agradecer por tudo que fez? Não fica mendigando a amizade dele, ele tinha demonstrado ser seu amigo há muitos anos, se mudou a atitude não quer dizer que necessariamente tinha deixado de ser. Deixa a vida rolar, você tem a sua, tem uma filha pra cuidar, minha preocupação é ver você se foder por causa dele, adoecer. Dá um tempo nisso.
- Falar é fácil, mas fazer...
- Há quanto tempo ele não fala contigo?
- 6 meses. Na última vez em que conversamos, falou pra mim que iria passar um tempo na Namíbia, tinha juntado todas suas economias, estava... apaixonado por uma mulher da etnia himba, tinha marcado encontro e tudo mais, em um destes sites de relacionamento sério, pra casar - relatou o homem, buscando fotos de membros da etnia pelo laptop. - Veja só. É algo que me lembro só porque a ocasião permitiu lembrar, é algo que considero tão inusitado e ao mesmo tempo tão dispensável...
- Hahahah, que coisa, hein? Não imagino um cara como ele casado com uma mulher como essa...veja como são, parece que colocaram uma tinta vermelha no corpo... tranças vermelhas, tanguinha, peito de fora e tudo mais. Consegue imaginar ele transando com uma mulher dessas? Ela deve ser bem quente na cama, hueheheh!
- Hahaha, tá bom. Espero que ele seja feliz nessa relação aí, apesar de ter achado que iria se contentar com essas menininhas indies que ele insiste em puxar saco, meio que sentia pena quando o cabra era desprezado por elas. E insistiu por um bom tempo!
- Foi nesse momento em que persistiu na sua característica mais tosca, mas até serviu pra ele crescer e tomar um tino decente em relação às meninas. E como está essa mulher africana, ele falou alguma coisa além do básico?
- Foi isso, marcaram encontro, se viram pessoalmente, vão acabar casando. Valeu, posso estar exagerando, mas era o que eu sempre quis pro cabra, não? Arrumar uma gostosa pra casar, ter alguém com quem transar sempre que tiver vontade, ter comidinha pronta quando chega do trabalho, o que é bom pra cacete... Não tem nada de assustador em casar-se com uma mulher tribal africana, uiuiui. Inusitado, mas nada que se diga "OH, PUTA QUE PARIU, QUE PORRA É ESSA?". Nada disso.
- Verdade, mas não passou pela sua cabeçorra que ele deve estar ausente este tempo todo por ela? Já devem ter juntado os trapinhos há tempos...
- Possível. Deve também achar que se nós soubermos poderíamos fazer de tudo para complicar. Sempre foi desconfiadaço da gente. Ops, olha só quem chegou - interrompeu a conversa para recepcionar a amiga de trabalho, que logo perguntou o paradeiro de Cristiano. – Parece que ele não virá hoje.

Não sabiam que há 200 metros dali, do outro lado do parque, Cristiano confraternizava com sua irmã, sentados em um lençol rosa bordado por ela, comendo e bebendo enquanto papeavam e tiravam fotos. Cris posava para a última, com a melhor pose, para poder colocar no álbum de sua página pessoal no Facebook. Aparentava estar feliz, fazendo o "V de vitória" na mão direita e segurando um copo de chá gelado na esquerda. Parecia aproveitar aquele momento com unhas e dentes, demonstrando pela enésima vez de que não precisava de um grupo para se sentir bem.

- Fico satisfeita por estar alegre em um momento como esse, finalmente você agiu conforme a paisagem pedia, hehehe - disse a irmã, usando uma calça branca bem justa e camisa folgada multicolorida, além de um colar de madeira feito à mão. Cabelos longos e franjas grossas. - Cara, por outro lado, fiquei triste por mamãe e papai não presenciar este momento. Deve ser porque estão devendo uma grana pra mim e decidiram fugir, justamente num momento em que tive de gastar aos tubos pra reservar este lugar privilegiado pra gente.
- Se o problema é o dinheiro, posso te ajudar - disse ele, voltando a sentar. - Gastei bastante para ir à Namíbia, mas valeu a pena. Estou almejando uma vida nova para quando voltar ao Brasil, além de tomar a casa que foi da obaa-chan (vovó) na praia do Russel... há muito ouço papai martelar na minha cabeça sobre tomar posse daquela casa. Como conheço o lugar e sei que é bem relaxado, perfeito, do jeito que eu quero, farei o que me pediu. Também não estou afim de gastar tanto pra morar no Rio, mas a vantagem é que a prefeitura costuma cobrar menos IPTU para quem mora em residências tombadas.
- Aquela casa tem uns cento e tantos anos, certo? Lembro da infância que a gente passou ali, foi muito divertido. Poxa, você não está comendo nada... então, pretendo me mudar pro Rio quando eu passar na faculdade de Física. Vou fazer uma boa trinca nas Exatas com essa.
- Para quê tanto curso assim? No Brasil eles não dão tanto crédito à universitários quanto aqui. Se voltar, vai morar comigo? - perguntou, comendo um sanduíche.
- Para segurar vela? Sem essa. Pra você, quanto menos gente melhor?
- Isso, só que somos parentes, não teria problema algum pra mim, mas se olhar para um lado mais conservador, seria constrangedor morarmos na mesma casa, com minha esposa possivelmente discutindo contigo, reivindicando um local mais espaçoso pra nossa intimidade... eu e você somos bem abertos em relação a isso desde crianças, todavia... ela não é obrigada a morar junto contigo.
- Você sabia da resposta, então por que perguntou? – perguntou ela, comendo um sanduíche de tomate e queijo – Acabei de falar contigo que odiaria segurar vela, sem contar que tenho quase 30 anos, pega mal ainda morar com o irmão, sem contar também que mamãe odiaria, ela quer que eu me case e tudo mais... certo dia disse pra mim que Sidney seria a pessoa perfeita para dividir a cama comigo. Dei uma risada tão grande que deixou ela sem graça, olhe só... meio absurdo se casar com um sujeito que tenho como irmão. Sempre me deu ótimos conselhos, me ajudou bastante, sempre contei com ele para o que der e o que vier...
- Tudo bem, tudo bem, não precisa falar mais sobre isso, já tomou sua decisão. E não estou com ciúmes – disse, sendo afagado pela irmã, que pensava o contrário do que acabara de ouvir.
- Quel problema teria se eu namorasse o Sidney? -perguntou ela, provocando-o. - Convivemos com ele há décadas, conhecemos seu jeito...
- E o jeito dele consiste em ser mulherengo, metido a engraçadinho, inconveniente... não é uma pessoa decente para ti. E você acabou de dizer que o considera um irmão.
- Já disse isso pra ele?
- Já. “E ele?”, você perguntaria. Não ligou, fez uma das brincadeirinhas de sempre, para abafar. Achou que eu brigaria com ele?
- Não, ué...
- “Não” o escambau – concluiu, levantando-se e deixando a irmã sentada próxima à cerejeira, embasbacada com sua atitude. Cristiano rumou em direção à entrada/saída do parque Yoyogi, e em apenas 40 passos foi avistado por um dos amigos de Sidney, que gritou seu nome, e ele detestava ser chamado daquela forma, tanto que ignorou a pessoa, que não satisfeita andou até ele e tocou seu ombro.
- Ei, estávamos te esperando, cara, por quê não se junta conosco, Sidney está lá falando de você. Falando bem, huehehe – disse o rapaz.
- Tô com a minha irmã, amanhã a gente conversa – respondeu Cristiano, desvencilhando-se dele, sumindo após atravessar o portão principal. Já o outro, foi correndo relatar para Sidney e amigos, que não se sentiram impressionados com a atitude do professor. Sua irmã levantou-se, perguntando para os funcionários do parque se viram uma pessoa com suas feições passar pelo portão. Viram. Sidney e o amigo que abordou o professor avistaram a menina e foram até ela.
- Ele...se esqueceu de resolver uma coisa muito importante – mentiu. - Disse que iria na frente, eu também estou indo, podem me ajudar a arrumar as coisas, por favor?

O maior desejo naquele momento era pegar Sidney pelo pescoço, quebrá-lo, movido por uma sanha assassina há muito guardada. Muitos estavam carecas de saber que a relação dos dois colegas estava insustentável e era certo de que o indiano meteria a cara no piquenique entre irmãos, fazendo suas felicitações, dando seus pitacos e desfiando as mesmas piadinhas de sempre, as piadinhas que Bom – a irmã de Cristiano - suportava com calmaria assombrosa, totalmente oposta ao seu irmão mais velho. Cristiano havia decretado a si mesmo a solidão total até sua volta para o Brasil - especificamente, o Rio de Janeiro -, seu coração e mente não suportavam mais o Japão, ou pelo menos os ambientes em que deixava seus rastros. Claro que qualquer pessoa perguntaria o motivo, mas era óbvio: nutria um desejo imenso em mudar de ares, considerando o momento perfeito para pedir dispensa do emprego, no intuito de arrumar um outro na república da América do Sul - embora estivesse ciente de que as ofertas de trabalho naquele lado do mundo eram difíceis mesmo para quem gozava de ensino superior completo, como ele. Teria de carregar mais uma vez o quesito "Dificuldade" em sua vida, aliada aos sub-quesitos "dificuldade social", e "dificuldade amorosa". Uma formiga acostumada a acrescentar mais um peso à sua carga rotineira. E pouco se importava com o que Bom achava de sua decisão.

Mamiya Bom, a bela jovem, optou em deixar Sidney e os demais amigos, dedicando-se mais uma vez à cuidar de seu parente. Levantou-se do lençol forrado na grama bem cortada, ignorando os pedidos dos vários para que permanecesse. "O que está fazendo? Nem aproveitou a comida e a bebida... você está preocupada com o Cris, mas ele sempre faz isso, não precisa se preocupar, ele sempre faz isso, cara", disse o indiano, praticamente levantando-se com ela, que rapidamente o pediu para permanecer sentado. "Mas... pô, fica com a gente, uma companhia feminina sempre cai muito bem"...

- Você tá vendo que tô preocupada com ele e não vou ficar parada sem fazer nada. Sabe que ele sempre foi daquela forma, mas sabe que eu sempre procurei ajudá-lo. Acha que eu iria ficar jogando conversa fora com você? - perguntou ela, extremamente séria. Sidney a observou surpreso por uma amiga como ela ter se voltado contra ele dessa forma e tão rapidamente. - Preciso ir embora, só fiz esse piquenique por causa dele
- Ei, não acha que tá pegando pesado? - perguntou um dos amigos de Sidney. - Nós gostamos de você e resolvemos deixá-la à vontade para confraternizar este dia maravilhoso sozinha, mas não precisa engrossar.
- Você está me parecendo aquele tipo de pessoa que se dói facilmente, por uma coisinha que não mata a nada. "Ai, que grossa, me feriu gravemente!". Qual é... - concluiu, retirando-se do parque Yoyogi com um saco enorme portando lençol, utensílios e comida. O melhor amigo dos irmãos, ainda surpreso com a resposta dada por ela, manteve-se quieto, pois não imaginava aquilo. Até que dera um pulo com um tapa nas costas estilo "acorda aí!" desferidas por um dos colegas. Levantou-se e correu até a mulher.
- Ok, me desculpa ter sido um insensível. Podemos resolver isto? Se você quiser, te levo de carro até a casa dele.
- Não, não precisa, obrigada. Cara, eu sei que isso é o que menos importa para ti - disse ela, ultrapassando o portão principal do parque.

Tal acontecimento serviu para Bom reforçar ainda mais a hipótese do professor manter-se próximo à alguma pessoa querida - pois ele detestava ser vítima da iniciativa de uma mulher desconhecida - e os pais estavam cientes disso. Estavam cientes também por esta misantropia adquirir um nível irreversível. Ele poderia ter alguém como esposa, poderia ter filhos, mas desde a infância vivia entretido em projetos pessoais, em situações que não requeriam ajuda externa, propositalmente. Não precisava de ninguém além do básico para sobreviver. A hipótese era de que usara Bom em muitas ocasiões, mas ela não acreditava que seu mano poderia ser capaz de perpetrar tal coisa. No momento, a menina tomara um taxi até a estação de metrô de Shinjuku, tomando a linha Marunouchi até o bairro de Ogikubo, o berço do ramen (espécie de macarrão, mui famoso no Japão) em Tóquio. Sentia-se melhor na periferia que no centro da cidade, especialmente em Ginza. Teve seu braço apertado repentinamente na saída da estação, fato que obviamente a assustou. Era Cristiano, com um ramen sabor Camarão extragrande e quente na mão direita. "Você demorou um pouquinho", disse ele. Ambos saíram do local para uma casa de jogos, onde ele foi tentar a sorte em uma máquina de Pachinko (um misto de pinball e slot machine), extremamente popular no país.

- Você sempre foi bom nestas besteiras - disse ela, em pé, observando ele, sentado, esforçando-se.
- É claro, pelo menos nisso eu sou bom - disse ele, recebendo como prêmio 1 CD da banda canadense Plumtree.
- Acha que é suficiente? - perguntou ela, pegando-o pelo braço até a porta de entrada/saída. Logo, o professor fitou uma pequena cabine ao lado da casa, onde servia para trocar os prêmios por dinheiro. Foi lá e fez. Logo após, foram direto para o lar doce lar.

A residência de Cristiano Mamiya consistia em uma casa bege com pequenos cercados, varanda igualmente pequena e uma garagem baixa comportando um carro preto – de sua irmã. A maior parte das janelas portavam grades brancas e no interior, um espaço bem maior que o normalmente esperado ("casca pequena, miolo pequeno"), exceto o quarto, com a típica esteira. Mal adentrou ao quarto e desmanchou-se de bruços na cama. Sua parceira seguiu com ele, depois de largar o saco com os pertences no chão da sala de estar. O abraçou carinhosamente por trás.

- Você tá pensando realmente em voltar pro Brasil? Sabe que mamãe terá de saber sobre isto, certo? - perguntou a menina, em cima dele.
- Sei - respondeu, sacando o celular de seu bolso e teclando os números da mãe, para resolver logo a situação. - É minha última semana aqui, estou querendo mesmo sair fora, não aguento mais Tóquio e toda essa barulheira e preços caríssimos.
- Hahah, você sabe que o problema não é esse, olha pra mim. Eu entendo o seu problema mais do que ninguém. Se é o que você pretende fazer de coração, tem o meu apoio, mas o estranho é que você já tem uma vida formada aqui e quer retroceder indo para um lugar de natureza primitiva. Mamãe também quer que você permaneça aqui, então quer dizer mesmo que eu não posso te ajudar em nada?
- Além de me ajudar em colocar minhas coisas nas malas? - perguntou ele, antes de conversar com a mãe – Okaasan (mamãe), apareça hoje para conversarmos, porque pretendo partir para o Rio de Janeiro amanhã. Já irei comprar as passagens. Claro que vou ficar lá na praia do Russel.
- Nossa, você já planejou tudo... - resmungou para ele enquanto o via conversar ao telefone. - Aposto que já teve sua última noite fora de casa, que já teve sua última conversa com os amigos da internerd, entre outras coisas. Tenho a impressão de que irá meter os pés pelas mãos, e como já passou por tanta situação difícil nessa vida seria péssimo colecionar mais uma. Pensa bem no que vai fazer, aqui no Japão você tem tudo, por quê está querendo ir embora de um lugar que te fornece todas as coisas que precisa? Olha, não me venha com clichês do tipo "o Japão não me deu o amor, não me deu sequer uma pegação com alguma menina", pois...
- Eu iria falar isso mesmo - respondeu ele, ainda ao telefone. - Não direi coisas pra você agora como "você que é mulher, não percebe quão um homem necessita disso tudo", mas isso é apenas parte do que quero conseguir e não consigo. Eu preciso realmente me mudar, não agüento mais, está certo que Tóquio é um local onde você só fica sozinho se quiser, mas estou me sentindo um peixe fora d'água. E não quero mais falar sobre isso.
- Apenas mais uma coisa: você não estava namorando com aquela estudante da Namíbia? O que houve com ela?
- Nos separamos. Está freqüentando a Universidade de Tóquio e anda ocupada durante todo o tempo, achei melhor não importuná-la com meus pedidos para...
- Para... ?
- Vamos parar por aqui – disse ele, engolindo seco.
- Tudo bem - concluiu Bom, levantando-se da cama do anfitrião. - Eu posso tomar um banho e preparar alguma coisa pra comermos?

Cristiano terminara sua conversa com a mãe, desligou o celular e esperou sua irmã terminar a ducha. Adquirira um cansaço repentino, casando com seu estado de espírito, cada dia mais estafado, como se estivesse sendo forçado, uma tristeza forjada e fomentada por aquele homem. Nada o fazia esboçar um riso, muito menos os DVDs velhotes do Monty Python de sua irmã, essencialmente nunca achara graça neles. Ficou na varanda sentindo a brisa incrementada com o crepúsculo, o prazer seria maior se luzes geradas dos prédios ao seu redor não ofuscassem sua tentativa de relaxamento. Voltou e ligou para a empresa aérea no intuito de obter já a passagem - só de ida - para São Paulo, de lá, tomaria um jato em direção ao Rio de Janeiro. Não percebeu a saída de Bom do banheiro, semi-nua e enxugando os longos cabelos castanho-escuros. Teimou em proporcioná-lo um relaxamento vindo subitamente à varanda, e abraçando seu corpo. Sua pele úmida e vapor exalados conseguiam acalmar o professor gradativamente. "Eu me sinto inútil por querer fazer alguma coisa pra te fazer feliz e não conseguir. Por que você não dá mais uma chance a si mesmo e tenta ficar aqui, nem que seja por um mês?".

- Nós já discutimos sobre isso - respondeu, de forma atravessada. Bom adentrou ao quarto, onde trocou sua roupa e foi preparar a janta. "Vai jantar comigo ou lá fora?", perguntou a ele, que se fez de desentendido e saiu de casa.

A verdade é que não tinha muito o que fazer lá fora. Antes de sair, tinha juntado um punhado de dinheiro, não o suficiente para pagar um programa, mas um programa seria impossível ser feito, em qualquer hora, em qualquer dia. Ele poderia voltar para sua residência pegar seu cartão de crédito ou tentar a sorte em uma das maquininhas de Pachinko novamente, poderia trocar os prêmios por dinheiro - como fez ultimamente - e tal, mas era certo de que necessitava de um carinho "especial", longe dos manjados afagos de irmã. Não queria relaxar com drogas, não queria relaxar com bebida, se era para relaxar longe de casa, que fosse, então. Por um bom tempo sempre deitava estes pensamentos no semblante negro da estudante namibiana e no momento em que se encontrava distante desta, relembrava gostosamente os (poucos) momentos íntimos com a garota. Acariciava seus grandes seios e mamilos pontudos, chupava o sexo dela, metia com gosto sua língua pequena na boca carnuda e rósea da mulher, 10 centímetros mais alta que ele. Cristiano não podia ir além das preliminares, para o seu próprio bem. Além de saciar seu desejo sexual que pulsava forte sempre que podia, preenchia aquele corpo apetitoso com fungadas sem vergonhas no cangote, mordia os lóbulos das orelhas, chupava e mordiscava seu pescoço tal qual uma manga e a estudante parecia gostar bastante, mas o gosto pela ciência tragou seus desejos e seu parceiro fora chutado solenemente.

Circulou a cidade por 2 horas ininterruptas, sem parar para nada, remoendo cada vez mais seus pensamentos dentro de si e tentando regurgitar e comer de volta o erro, o causador de toda sua angústia. Tão acostumado em rever as besteiras que fez que ele tinha de vir com essa, precisava sim. Se aproximava de Harajuku, com as luzes da noite ávidas em queimar seus olhos, as pernas doíam, pediam para cessar a caminhada sem sentido. Movia um maço de dinheiro em seu bolso e revezava a mexida na sua bolsa escrotal, mal olhava para a frente. Mesmo tendo adquirido uma pseudo-solução para seus problemas, não conseguia ter coragem o suficiente para voltar à casa e encarar Bom, pois era certo de que a menina o mataria de perguntas, esfaimada por explicações. Resolveu buscar o carinho, sim, mas de uma garota de programa, sabendo que concluir o programa era impossível. Por isto mesmo, adentrou a uma lan house e em 20 minutinhos, puxou um site de confiança, que oferecia as melhores garotas da cidade. Selecionou a mulher na qual obteria o prazer, justamente a menos badalada, com a menor imagem e a menor discrição: Sandara Kujo. 23 anos. Iniciante. Corpo padrão de tábua, mirrada. Característica maior: tranças e testa proeminente. Geralmente tipos como este costumam ser rejeitados pelo cliente médio, como Cristiano. A diferença é que naquela noite tinha deixado de lado as melhores escolhas e estava disposto a focar sua situação na "pior mulher possível", mesmo sendo no melhor site. Sem contar que, pelo menos pela foto, Sandara parecia ser uma guria simpática. Em 20 minutinhos, resolveu o que teria de fazer para completar sua noite, concentrando-se na medida paliativa. Ele não queria dormir com a irmã, não queria dormir sozinho, não queria encher o saco dos amigos de Sidney pedindo desculpas - falsas - , muito menos o do próprio Sidney, pois tinha a impressão de que o indiano não queria vê-lo nem pintado de verde. "Dane-se, não estávamos numa boa mesmo", pensou o professor, sentindo-se vingado. "Essa Sandara vai melhorar meu dia, vai fechar com chave de ouro um dia que, pelo andar da carruagem, parecia ter sido destinado a fechar com chave de bosta", disse, arrebatando um espírito confiante. Tinha dinheiro suficiente para pagar uma noite num motel razoável, longe do movimento intenso e viciante de Harajuku. Sacou o celular - com o professor ainda à frente do perfil de Sandara no monitor - e fez a ligação, levemente empolgado.

"Serviços Haitani, boa-noite. Em que posso ajudar?"
"Boa-noite, quero marcar um encontro com uma das mulheres. Er...Sandara Kujo."
"Sandara Kujo?"
"Sim...ela está ocupada?"
"Não, por enquanto ainda não marcou nada com ninguém. Quer que eu a chame e a coloque na linha?"
"N-não precisa, obrigado, só quero marcar logo de uma vez. Pode ser às 20:00, em frente ao Oriental Bazaar, em Omotesando?"
"Sim, sem problemas. Só me diga o seu nome, por favor."
"Cristiano Mamiya."
"Cristiano... 20:00, em frente ao Oriental Bazaar. Entendido. Anotei o número de seu celular, em 10 minutos o senhor receberá uma chamada de Sandara."
"Ok, muito obrigado."

Cristiano pensou em fechar seu tempo na lan house, mas ainda restavam 30 minutos. Nestes 10, receberia a ligação da garota de programa e com certeza sairia do estabelecimento com o coração na boca, movido pela carência, pelo tempo abismal em que esteve na cama com uma mulher pela última vez. Cultivava um jejum de anos a fio, por conta daquela "condição especial" e por esta mesma condição nunca passara das preliminares com a estudante namibiana. E era melhor não contar sobre seu estado para uma pessoa que nunca mais veria no futuro.

"Oi, Cristiano. É a Sandara. Tudo bem com você?"
"Está...tudo bem, sim. Pretende me encontrar no local que combinei?"
"Isso mesmo. Virei de calça preta, jaqueta verde e claro, com o rabinho de cavalo, hueheh."
"Ok, não vejo a hora de te ver."

Passou pelo Yoyogi Park lembrando da discussão até chegar na região de Omotesando, meio trêmulo, tal qual um adolescente. Marcavam 20:05 e em meio a uma pequena multidão instalada no local - ainda comprando e lotando lojas - avistou a mulher encostando o corpo na parede, próxima a um bar, portando uma pequena bolsa branca, expressão totalmente neutra, sem passar tédio, raiva, alegria ou qualquer outra coisa. Calçava Converse All Star verde - casando com o casaco da mesma cor - , usava uma calça preta folgada e pequenos brincos. Assemelhava-se mais à uma adolescente qualquer, bem menos produzida que uma ganguro (estilo de menina consumista e fútil, conhecida pela pele escurecida por bronzeamento artificial, maquiagem pesada e farto faro ganancioso). Lá estava ela, olhando para os lados, num quê de timidez que não conseguia esconder. Era certo que o status "inciante" dizia tudo, pois isso a guria deixava transparecer como nenhuma outra profissional do sexo. Vai ver, Cristiano "estrearia" a menina de verdade...

- Boa-noite. Sou o Cristiano - disse ele, surpreendendo-a. - E então, tudo bem com você?
- Tudo bem, sim. E aí, primeira vez que anda... procurando alguém assim? Me parece meio chateado com alguma coisa ou é impressão minha? - perguntou ela, tocando sua face como se quisesse lhe dar um beliscão.
- Não, só estou meio excitado, mas para responder a sua pergunta, é a minha primeira vez, sim. Não a que...transo, mas a primeira que contrato os serviços de uma mulher tão bonita quanto você. Me parece ser tão frágil que se bobear, vou acabar quebrando você a a cama juntos, haha.
- Hahaha, você é engraçado, hein? - ela riu, percebendo em seu cliente um olhar melancólico e constrangido. - Mas, é estranho, você me manda uma piada dessas e fica triste. Eu costumo acertar previsões, quer dizer que você quer alguma coisa a mais do que está pensando ter? Eu vou cobrar dobrado...
- Sem problemas, estou pensando em... tornar a minha noite um pouco melhor do que normalmente é. Vem comigo - disse ele, tomando a mão direita de Sandara, com os dois desvencilhando-se do local com relativa rapidez. Não tinha o costume de imitar seu melhor amigo e desferir piadinhas para "quebrar o gelo", esconder o estresse, normalmente deixava rolar e que se dane o que a pessoa ao seu lado ou à sua frente pensaria. Antes, considerara ainda mais o fato de poder soltar-se perante a uma garota de programa, cultivando a idéia de que por ser uma experiente no sexo e nas relações suportaria qualquer mudança de comportamento numa boa. Sandara sorria nada mais que o normal, mais que timidamente, menos forçadamente ou abertamente. A primeira impressão espalhada foi a de ser uma mulher relativamente "quadrada", pendendo para a irritação, na concepção de pessoas mais expansivas. Até o momento estava de bom tamanho para o professor, que emanara o desejo genuíno de divertir-se muito naquela noite. Só não sabia se uma garota mirrada e aparentemente sem sal poderia suportar o rojão. Antes de adentrarem ao prato principal da situação foram ao restaurante de comida brasileira de nome Tucano's, no badalado bairro de Shibuya, não muito distante do ponto de partida. Cristiano observou atentamente as expressões faciais de sua companhia, anotando dentro de sua mente todos os seus maneirismos - mesmo tendo ciência de que não tratava-se de um encontro romântico. O lugar estava meio cheio, pagode de raiz tocando, funcionários felizes e apressados para servir a todos. Ele poderia dar meia volta e procurar um local mais tranqüilo, mas não queria aborrecê-la com idas e vindas. Sentaram-se em um espaço reservado próximo à janela e à parede.

- Ei, cadê aquele jeito maroto de antes? Tá me parecendo mais tenso - comentou ela, sorrindo. Era um fato, certo que Sidney tiraria de letra uma situação como aquela. - Alguma coisa que eu possa fazer agora?
- Está tudo bem comigo, mas foi como te disse, primeira vez que estou nessa situação. Quero que me responda uma coisa com sinceridade... não sei se é possível...
- É possível, sim. Manda - permitiu ela, avistando a chegada do garçom.
- Quantos homens você teve antes de mim? - perguntou.
- Ah, você é o quinto - respondeu com naturalidade. - Você leu no meu perfil do site, sou "inciante" e caso queira saber logo, te respondo que só 1 me penetrou. Os outros apenas marcaram encontro, andaram de mãos dadas, etc.
- Esse cara...que te penetrou... ele usou o... o pênis mesmo...
- Ele não me penetrooooou realmente, só me chupou. Eu iria bat... ei, estamos numa mesa de restaurante, não acredito que queira saber disso na hora da comida!
- Me desculpe, me desculpe, é que eu sou curioso demais, vou pedir a comida - bradou ele, explicitando seu nervosismo. Chamou o garçom e... - Eu quero comer um filé com fritas, e você, Sandara? Quer comer outra coisa...aqui o cardápio...
- O mesmo que você, querido - respondeu, com um sorrisinho estampado no rosto. Com isto, o garçom retirou-se para reclamar o prato.
- Eu estou sendo meio imbecil hoje, não costumo agir desta forma sempre, releve, é porque estou muito nervoso, creio que você entende este tipo de coisa...
- Ora, nada mais normal se informar sobre a pessoa com quem está saindo, não considero ofensivo nem nada - comentou ela. - Eu também costumava ser assim com os meus antigos namoradinhos, toda detalhista. Me ajudou a sair de várias enrascadas.
- E...por quê você entrou nesse serviço?
- Ah, é que o trabalho que faço durante o dia não supre as minhas necessidades. Quero comprar isso aqui, ó - retirou de sua bolsa um catálogo de produtos de moda - esta bolsa da Gucci. Foram feitas apenas 100 unidades para todo o mundo. Olha a textura dela, como deve ser macia. Muito bonita. Tem também estes brincos de rubis verdadeiros, mas no meu caso uma gema verde combinaria mais com a maioria das roupas que uso, quase todas são verde e preto, portanto, pedrinhas como esmeraldas casariam perfeitamente com o conjuntinho. Seria magnífico!
- Não perguntarei se você está falando sério, pois sei que está - disse ele, preocupado. Considerava-se preocupado até demais com uma mulher como ela, que segundo seu próprio raciocínio não deveria ser "agraciada" com sentimentos mais densos e nobres. Tratava-se de uma prostituta, desnecessário enxergá-la com outros olhos que não do sujeito que está com ela para suprir sua sede de sexo, simples assim. Sem contar que o próprio portava uma mania em apaixonar-se por (quase) qualquer mulher bonita disposta a ter algo com ele, por mais frugal que fosse o gesto, patenteando sua carência. - Er... bolsas e roupinhas são coisas tão superficiais que acredito que este seja um desejo passageiro, qualquer dia você vai acordar, refletir e chegar a conclusão de que toda essa adoração que você sente por peças como estas é perda de tempo. Bom, um dia as pessoas têm de amadurecer, certo?
- Nossa, você sempre costuma falar assim quando as pessoas gostam de algo que você não gosta? - perguntou ela. - Não sabia que era tão criança assim.
- Não sou criança, você também não é. Mas, esse apego a coisas tão simples...
- Você também se apega à coisas simples, dá pra ver no seu rosto que sim.
- Tá, mas...
- Somos bem diferentes, querido - forçou ela, dando ao seu cliente uma dor no estômago e uma rápida vontade em desistir de tudo, pagando-a pela hora prestada e indo embora para casa, mas ele precisava do carinho que não fosse de sua irmã e da namibiana. Também queria prosseguir com a discussão, mas temera o afastamento da profissional movida pela irritação. Claro, ele poderia procurar outra, mas estava tão estafado que não perderia tempo. Já se afeiçoara à menina, acostumado. A boa relação por meio de conversações não era obrigatória, mas não queria dar uma má impressão à prostituta. "Ah, mas ela não iria lembrar-se dele em 1 ou 2 horas, porra", alguém poderia dizer. Mesmo assim, educação, seu nome é Cristiano. Chatice, seu nome também é Cristiano.
- Me desculpa, tenho esse costume em...dissecar sobre o gosto alheio, sou bem questionador.
- Tudo bem, sem problemas, mas você se tornou absurdamente chato agora - disse, observando-o com olhar libidinoso, enquanto ele abaixava a cabeça. – Faz favor, nunca mais seja tão mala como foi agora.
- Está certo...

Realmente, vá ser chato assim no inferno.

Cris e Sandara terminaram o jantar, que desceu de forma constrangedora após o pequeno debate. Como planejado, o professor guiou a mulher para um motel já idealizado antes, por meio da internerd. Pagou um pernoite, subiram para o último andar - de 6 - e Sandara já deixou a bolsinha no criado mudo e sentou-se na cama, sorridente. Fitou o companheiro, que calmamente retirou seu casaco, meio trêmulo. "Vem cá. Quer tomar um banho comigo?" Bom, sem problemas, certo?

Ambos utilizaram o modo ocidental de tomar uma ducha, diretamente no chuveiro (quente, nesta ocasião). Ele, ruborizado por ter de tirar a roupa frente a uma mulher e uma mulher "rodada". Ela, curiosa em tocar o corpo do cliente, estimulá-lo, pois desde o fim do jantar o sujeito estava meio para baixo e sabia que o motivo dele estar tão tristonho fora em razão do princípio de debate que tiveram. Por imposição dele, não deixaram a água do chuveiro jorrar por jorrar, pois no fundo de sua alma detestava desperdiçá-la. A prática do ensaboamento revezava-se com beijinhos - dadas por ela a ele - e abraços. O hálito de Sandara não fedia, emanava um leve sabor de drops de maçã verde, certamente utilizado para o momento. Ela segurava o pênis de seu parceiro e tentava masturbá-lo ali mesmo - o que deixava ele ainda mais excitado e constrangido - , mas achara que uma noite especial como aquela teria de terminar melhor. Terminaram o banho e foram para a cama.

Beijou o corpo da mulher enquanto a prostituta não largava a mão esquerda do pênis, estimulando-o todo o tempo. Pegou a camisinha e colocou nele com calma. Cristiano teve a boca coçando, pois queria dizer algo de suma importância e não tinha coragem para tal. Até que...

- Eu... eu não posso transar com você - despejou. - Você pode me chupar, mas não posso penetrar em você.
- E por quê? - perguntou ela, lambendo o membro.
- Eu... eu... tenho namorada...
- E daí? Você me contratou apenas pra ficar de beijinho e abraço? Tô doida pra dar para você e me vem com essa? Você seria o primeiro...
- Me desculpa, me desculpa mesmo... mas, você pode me chupar sem problema algum.
- Ter namorada não é desculpa pra agir assim comigo, não acredito. Não quer me dizer porquê não quer transar?
- Se eu dissesse, você não acreditaria em mim.
- Vamos lá, fala.
- Eu não posso, me descu...
- Tchau, babaca - disparou ela - e não precisa me pagar.

Bateu a porta, deixando explícita mais uma vez a sua insatisfação pelo ocorrido. Considerou perda de tempo e só não cobrou porque se divertiu.

Adentrou à sua residência - claro, pois não queria permanecer no motel e ainda a muito custo, recuperou parte do que pagou pelo pernoite não cumprido, alegando o pouco tempo permanecido lá - cabisbaixo e imerso em tristeza. Lembrou que talvez poderia prender Sandara à sua presença naquela noite se ela pudesse contentar-se em masturbá-lo, mas o desejo em querer ser penetrada por ele era genuíno e incessante. Era certo dela não se satisfazer apenas com uma masturbação, um fellatio, coisas consideradas bem mais simples pela moça, normalmente preliminares que nem deveriam constar no mesmo naipe do "prato principal", até por Cristiano ter um pênis. Só que ela não fazia idéia da dor matadora, da sensação lancinante que seu companheiro pudesse sentir caso transasse. Entendia sua situação, mas não a ponto de enlaçar e controlar seu desejo em ser metida por ele. Caso ocorresse, seria o primeiro cliente a inaugurar de fato o "trabalho" daquela mulher de feições mirradas e testa chamativa. Sentiu-se ainda mais triste por não poder aproveitar aquele corpinho, até que lembrou-se do número dela, guardado no celular. "Se você quer meu piru, então você terá meu piru", resmungou consigo mesmo, mordendo os lábios inferiores e teclando os números no aparelho. Ridículo, não? Estava em frente à sua casa. Sandara atendeu a ligação.

- Sandara, Sandara, me escuta - disse ele, aflito. - Me desculpa mesmo por ter agido daquela forma. Vamos nos ver! Mas, não precisamos ir naquele motel, podemos escolher um local um pouco mais próximo de sua casa, querida. Onde você está agora?
- Mudou de idéia, né? - perguntou ela, emanando decepção em sua voz. - Você me chateou demais com isso. Me diz exatamente o que está acontecendo contigo.
- Quero dizer sim, mas é melhor conversar ao vivo. Onde você está, amor, preciso te ver o quanto antes, por favor.
- Eu já estou pra atender outro cliente, querido. Logo quando saí do hotel liguei para a agência dizendo que estava livre e já fui chamada para outro encontro. Mil perdões, mas já estou em outra.
- Sandara, por favor - suplicou ele, alterando a voz deseperadamente - Eu quero fazer sexo com você!!! Quero muito transar contigo! Se você quiser que eu pague o dobro, eu pago o dobro!
- Olha, não é questão de pagar ou não, simplesmente não sinto mais nada - respondeu de forma seca.
- Eu estou implorando.
- Por quê você implora?
- Porque estou arrependido e estou doido para meter gostoso em você e só em você.

Sandara marcou outro encontro com ele ainda naquela noite, há mais ou menos 1 quilômetro da casa de Cristiano, em um hotel de estrutura mais simples que o primeiro. Aguardou o professor de braços cruzados, levemente impaciente, remoendo em sua mente a possibilidade de presenteá-lo com a frustração indo embora dali, mas concluiu que ele não merecia tal punição. Tratava-se de um homem complicado, mas que poderia conviver bem com qualquer pessoa. Uma pessoa interessante. Avistando-o chegar tão rapidamente ao descer do ônibus, tão apressado, convenceu-se de que ele realmente gostava dela. Quebrou a aflição abraçando-a forte no meio da rua, sob olhares dos muitos passantes na avenida. Também queria dar a impressão de que tratava-se de um casal de namorados, queria ser invejado. Foram embora de imediato e apareceram no hotel, onde se beijaram desde a escada até a cama do quarto, deixando a mulher esparramada enquanto ele retirava a camisinha da embalagem. Após o feito, tirou a camisa de Sandara e chupou seus peitos - pequenos - enquanto a masturbava. Queria proporcionar prazer a ela, também. Tirou a calcinha e abriu as pernas. Cristiano beijou seu pescoço e sua boca enquanto iniciava o "trabalho", metendo, inteiramente colados um no outro, pois ele apreciava o corpo estar bem junto ao da parceira na hora do sexo. Sem pressa, mas temendo o que aconteceria no orgasmo, Cristiano não retirou seu rosto do rosto da mulher, apto a ouvir os gemidos emitidos pela garganta desta, baixinhos e ainda mais excitantes. Eles fomentavam o desempenho do professor na transa, em que ainda praticando o ato pensava ser o melhor sexo que já fizera. Aquele corpinho magro e pele macia não necessitaria ser "rodado" em tudo quanto é pênis, o sujeito já reprovara a prostituta por ser o que ser calcada em um motivo fútil. O que era a estudante namibiana diante disto? Mesmo imerso em prazer, ele não parava de pensar no iminente resultado daquilo tudo. Pensou tanto que tal preocupação acabou subjugando o prazer, e ele parou.

- O... o que você tá fazendo? - perguntou a menina, deliciosamente ofegante. - Tá tão bom... vamos lá, não pára agora, vai.
- Er... - Cristiano sabia que não poderia continuar, temia por sua integridade física. - Tudo bem... tudo bem, fique de lado.

E prosseguiram, com os corpos bem colados. As caras e bocas de Sandara apresentavam um misto de sofrimento e excitação contida, mas era só aparência, pois ela estava gostando muito. Cravando seus dedos esquálidos nas costas do parceiro e contorcendo as coxas de tanto tesão, estava preparada para gozar, quase lá. Ele a abraçou na hora do gozo maior e as costas de suas coxas um tanto peludas sentiram uma pressão vinda das pernas da mulher, seguidas de um grito intenso e seco originado da garganta dela, que lacrimejou e suou bastante. Cristiano beijou sua boca seguidamente enquanto acariciava seus seios. Ela deitou inteiramente na cama e logo em seguida o professor sentiu uma dor crescente nascida em seu abdômen, uma pontada desagradabilíssima. Saiu da cama de imediato e correu para o banheiro, onde não teve tempo para mais nada: a dor tomara todo o seu tronco, proporcionando uma sensação cruciante o bastante, como se seus intestinos e órgãos sexuais quisessem sair para fora. Sua garganta também fora afetada e os olhos ruborizaram, o coração acelerava mais do que nunca e seu corpo fervilhava como um vulção, um vulcão que queria explodir a qualquer custo. Seguiram-se urros de dor, e Sandara correu para socorrê-lo, mas ele tinha trancado o banheiro. Bateu a porta, chamou pelo sujeito, sem sucesso. Sofria muito e ela se deu conta de que a situação era mais grave que pensava quando filetes de sangue trespassaram por baixo da porta. Correu para a recepção, clamando por ajuda. Lá dentro do banheiro, Cristiano fez de tudo para segurar a dor. Entrou no chuveiro - de roupa e tudo, obviamente - e não adiantou. Cada vez mais era consumido por ela até desmaiar e bater de cabeça no chão, abrindo um ferimento na cabeça que complementou com a sangueira extraída de seu nariz, olhos, boca e barriga. Só assim para dar um "sossega" na punição por ter ultrapassado seus limites?

Despertou no dia seguinte, observando o teto, confortável em uma cama. Deu um giro com os olhos e logo entendeu que estava em um hospital. Sendo dia seguinte, sendo domingo, deu-se conta de que já deveria estar preparando as malas para ir embora para o Rio de Janeiro. Deu-se conta também de que Bom estaria se matando de preocupação por ele não ter aparecido em casa na noite anterior. Quase sempre dava satisfações à irmã querida, mesmo sendo bem mais velho que ela, e fazia isso porque a amava, em especial. Ela era mais importante do que qualquer outra pessoa. Mesmo motivo pelo desejo de voltar para casa, estava impossibilitado, pois embora sua saúde estivesse voltando às boas rapidamente - não obstante o sofrimento no hotel na noite passada - suas pernas ainda estavam rijas, não o obedeciam. Não fora entubado, apenas carregava uma bandagem na cabeça feita por conta da queda no chão do banheiro, além do band-aid feito no queixo. Olhou para o estado de sua barriga, também enfaixada, mas sentia-se bem, bem melhor que na hora da crise. Levantou a cabeça e à sua esquerda, deu de cara com Sandara, que dormia toda encolhida em uma cadeira acolchoada, roncando baixinho, como um motor silencioso.

- Dara... acorde, eu já estou bem - sussurrou ele, como se estivesse emudecido por muito tempo. Abriu sua boca sofregamente e a voz mal saía com naturalidade. - Acorda.
- Hum... mmmm... bom-dia - grunhiu ela, esfregando os olhos. Diferente dele, suas pernas estavam dormentes, apenas por estarem na mesma posição por quase uma madrugada inteira. Ao recobrar-se, avançou sobre ele, abraçando-o cuidadosamente. - Você está bem?
- É, estou. Já imaginava que sairia vivo desta. Você não ligou para os meus amigos, certo?
- Claro que liguei, você estava numa situação horrível, achei que iria morrer, acha que eles não teriam o direito de saber como estava? - perguntou ela, visivelmente preocupada. - Poxa, sem contar que precisava de alguém que te conhecesse há mais tempo...
- E eles vieram aqui, chegaram a me ver? - perguntou ele, coçando o ombro.
- Você realmente não se lembra de ter dito pra mim para ligar para eles, fora sua irmã? - Com isto, Cristiano recordou-se de que, antes de perder a consciência comunicou à mulher para ligar para qualquer pessoa de sua lista no celular, especialmente Bom. E ela ligou para a menina, que repentinamente deu às caras para ele no momento. A primeira coisa que fez foi abraçá-lo, beijá-lo em toda a superfície do rosto e acariciar o cabelo.
- Você... você fez aquilo, certo? - perguntou Bom, lacrimejando, com Sandara às costas dele. - Você bem sabe que não pode brincar com sua saúde, Cris. Tá, seu corpo é frágil apenas por esta doença, mas esta mesma doença pode pôr fim à sua vida se você não se cuidar!
- Er... creio que Dara ainda não esteja inteirada da situa...
- Estou inteirada, sim, querido - interrompeu ela. - Deve ser péssimo viver dessa forma, mas... posso te ajudar no que quiser, ajudar vocês no que quiserem...
- Não, obrigada, eu posso ajudá-lo numa boa - respondeu Bom com prontidão, abraçada à ele. - E me desculpe pelo o que houve, não é contagioso, como te disse antes.
- Tranquilo, mas me afastar dele assim seria...
- Não iria se afastar dele de qualquer jeito? - perguntou a irmã, secamente. - Como disse, agradeço imensamente por ter permanecido com ele a madrugada inteira...
- Não trate a Dara dessa forma, Bom - repreendeu Cristiano. - Eu já estou ótimo, precisamos ir embora daqui. Vem comigo, Dara.
- Tá bom - disse ela, seguindo os dois. Ambos foram observados por alguns pacientes e por duas enfermeiras, que pediram (em vão) para que ele retornasse à cama. Para contornar a segurança, desceram as escadas de emergência, saindo pelos fundos e com rapidez.
Chegando em casa, Cristiano não descansou. Tinha a passagem para a linha Tóquio - São Paulo nas mãos e em menos de 3 horas teria de pegar o avião no Aeroporto de Haneda. Sidney não sabia, muito menos os outros colegas, mas na idéia do professor, eles não tinham que saber. Sua despedida do Japão emulava uma espécie de fuga, mas sabe-se lá qual tipo de fuga ele preparava. Uma fuga de si mesmo, uma fuga das dificuldades impostas pelo sistema nipônico de sociedade ou simplesmente uma segunda oportunidade para mudar a de vida? Acertou quem disse “as 3 coisas”.

Tomou um banho rápido e gelado e logo após começou a se aprontar enquanto a irmã e a garota de programa esperavam na sala de estar, fingindo assistir a televisão. Morriam de vontade de conversar, ambos estavam imersas na curiosidade. Cristiano recusara ser auxiliado por Bom, que quase sempre o ajudava, até nas situações aflitivas em que poderia tirar de letra. No momento, tanto Bom quanto Sandara tinham suas bocas murmurando coisas, explicitando o nervosismo que sentiam ao estar de frente uma da outra. A irmã do parceiro sexual, a acompanhante novinha e ainda inexperiente, mergulhadas na sensação de que o professor demorava demais ao se vestir – meio propositalmente, não importando com a hora exata em que deveria estar no aeroporto, importando-se o suficiente para fazê-las conversarem, pois havia um certo desgosto ali. E aconteceu.

- Eu...eu peço desculpas por qualquer coisa que tenha feito e por ter deixado ele estar nesta situação. Digo, ele nem contou minuciosamente sobre sua doença e eu também não queria saber, porque estava doida para...para transar com ele, entende? Foi a única pessoa, destas 5, que mexeu comigo, ele deveria estar feliz por ter tido uma noite bacana comigo – contou Sandara, esboçando um sorriso tímido. - Sério, peço desculpas por isso, ultrapassamos os limites.
- Agora que já foi, não precisamos mais falar sobre isto. Aconteceu. O que eu faria depois disso? Tentaria bater em você? Devemos nos importar com o futuro dele – disse Bom, preguiçosamente com as mãos ao queixo e os braços sustentados nos joelhos. - Teve muito bom senso em ligar para mim, Cris detesta os poucos amigos que tem, porque eles não têm a capacidade de entendê-lo... é o tipo de gente que se importa demais com quem gosta dele, do contrário...é uma atitude extremamente normal, certo? Meio que posso me arrepender de dizer isso, mas você não me parece uma pessoa tão fútil assim. Seguiu ele até aqui. Eles são tão inúteis que mesmo você ligando para eles não apareceram no hospital.
- Não “segui” ele propriamente falando, esqueceu de que fui chamada, também? - perguntou Dara, abrindo as pernas magras, deixando visível seu conforto crescente – E se fui chamada foi porque ele gosta de mim, não apenas como uma parceira sexual de uma noite... tinha que ver quando remarcamos o encontro de ontem, ele, em plena avenida, correndo na minha direção, me abraçando bem gostoso... normalmente um cliente não costuma agir com essa alegria toda para uma acompanhante.
- Então, considere-se sortuda. Se, dentre todos os homens que você teve ele foi o único a gostar realmente da senhorita, é porque viu alguma coisa boa em ti para prosseguir com tudo. E claro, não acredito que seja somente... er... os seus “dons sexuais”.
- Hahaha, ele foi o quinto homem. E o único dentre os 5 que transei. Nos sentimos muito bem, claro, antes do que aconteceu. E agora, o que você deseja que eu faça, no fundo do coração? Quer que eu desapareça da vida dele?
- Você quer brigar comigo ou algo assim? - perguntou a irmã, olhando-a de soslaio ameaçadoramente.
- Não, só quero saber o que você acha que eu deveria fazer.
- E isso importa? Eu poderia dizer pra você sumir da nossa casa e da nossa vida, mas Cris pode querer o contrário e não quero conflitar com ele. Como você própria disse, “se fui chamada foi porque ele gosta de mim, não apenas como uma parceira sexual de uma noite”, ele deve ter planos, mas está ciente de que ele irá para o Brasil e permanecerá um longo tempo lá, certo?
- Eu sei – respondeu Dara, encolhendo-se.
- E não pense em esperar por ele ou algo parecido. Primeiro, ele poderá arrumar outra pessoa lá e te esquecer, o que seria absolutamente normal. Isso será influenciado pela distância, até. Segundo, duvido que você esteja disposta a largar tudo para viver com ele. Duvido também que saiba falar português – explicou Bom, abrindo um sorriso maléfico.
- Que coisa, não? É, eu não sei português, mas eu poderia fazer um curso quando chegasse ou então aqui mesmo no Japão, para vê-lo futuramente.
- Olha só, Cris pode agir de forma amorosa contigo, mas depois vai cair na real e te dispensar. Não estou mentindo para você, mas será assim, pois o conheço muito bem. Vai querer modificar sua vida para seguir um sujeito que se apaixonou por você como se fosse um adolescente? Ele tem quase 40 anos, mas costuma ser fustigado com estes rompantes...
- Mas, eu adoro aventuras! – exclamou Dara, provocando um mal estar súbito e ligeiro no ventre de Bom, que começara a se aborrecer. - Enfim, esperemos o veredicto dele, não adianta ficarmos apontando sobre o que eu deveria ou não fazer.
- Quanto você quer?
- Hã?
- Quanto você quer para sair da vida dele? Não vê que o Cris só está... te querendo porque está extremamente carente e quando suprir esta carência ele irá enxotá-la como uma gata vadia?
- É esse o momento certo em que você se estressa comigo pra valer? - perguntou Dara, meio trêmula. Para ela, a irmã de seu querido apresentava uma capa de bondade vinda especialmente de seu rosto gracioso e gentil, mas que poderia arrojar-se em extrema agressividade em último recurso, a agressividade que, para a acompanhante, viria de forma mais destruidora em pessoas bondosas a maior parte do tempo.

A irmã levantou-se do chão – já que elas sentavam no chão, como normalmente ocorre em lares japoneses – e andou com rapidez até o quarto do professor, entrando sem bater na porta, com a aflição aumentando a cada minuto. Achava que nunca odiaria uma pessoa com tanta ligeireza como naquela hora e queria dar um ponto final na situação o quanto antes. Cristiano era dela e até poderia ser de outras mulheres, se elas seguissem a cartilha do bom e velho conservadorismo, seguidos pela família há séculos. Não havia relatos de uma pessoa de características liberais do clã que houvesse prosperado na vida. Logo, nada mais normal que defender seu querido irmãozinho das garras de mulheres da vida, não importando o que ele sentia por elas. Tratava-se de uma carência que, em seu maior nível, poderia levá-lo a cometer “loucuras”, como na hipótese em viver com uma prostituta, uma mulher que já deitara com meio mundo – embora Sandara tivesse dito que dentre os seus escassos programas, este último foi o único a envolver a boa e velha penetração – e que automaticamente não poderia viver no mesmo espaço, comer da mesma comida e gozar de respeito mútuo, não na família Mamiya. No momento em que fora flagrado demorando propositalmente enquanto colocava seu sapato, ele fitou a irmã visivelmente nervosa, fula da vida – embora não parecia – e transbordando em decisões. Queria acabar logo com aquele “conto amoroso estilo “Uma linda mulher'” de uma vez por todas.

- Não pense em querer levar esta mulher para o Rio de Janeiro contigo – disparou Bom, com seus pequenos punhos fechados. - Não vai querer fazer mal a mim e a si mesmo tomando uma decisão como essa. Me diz o que ficou decidido entre vocês dois.
- Eu entendo o seu ciúme – disse ele, enlaçando logo o cadarço do pé direito. - Mas, é aquela coisa, eu tenho quase 40 an...
- Então, você não me entende completamente – interrompeu ela. - Me diga, o que ficou decidido?
- Ela não irá comigo, Bom – respondeu, aliviando a irmã de pronto. - Mas, não deixaremos de entrar em contato mesmo assim. Acha que teria como ela voar para o Brasil comigo se considera aquele país tão atrasado que só a prejudicaria financeiramente? Claro que eu poderia ensiná-la a viver numa boa, sem esta gana imensa por dinheiro, mas seria perda de tempo. As pessoas nunca mudam. Fique tranqüila, que não pretendo jogar no lixo o estilo de nossa família. Mas, veja que eu estando bem longe de você não teria como me vigiar, sabe disso, certo?
- Sim, sei disso, mas eu acredito em você. Nunca me enganaria.
- Não mesmo. Bem, eu já estou pronto, se não me engano meu vôo sai em 40 minutos, vamos logo para o aeroporto – disse ele, pegando-a pela mão e fechando o quarto. Ao adentrarem a sala de estar, deu-se conta de que Sandara estava ausente. Ficou aflito. Desfez-se da mão macia e miúda da irmã e correu para todos os cômodos da casa enquanto chamava pela mulher, não a encontrando. Verificou o lado de fora pela janela e flagrou-a tomando um taxi. Não teria tempo para persegui-la, mas ainda tinha o número dela em seu celular. Sua irmã encontrou um bilhete posto na mesinha da sala de estar, teve o impulso instintivo de tentar rasgá-lo, mas entregou ao irmão, sob arrependimento silencioso em sua mente. - Você a pressionou para desaparecer?
- Sim – respondeu a guria, firme. - Sei que você tem o número dela, mas só fiz minha parte como irmã. Não ficarei seguindo seus passos, a partir de agora, você faz o que quiser, mas nunca terá minha aprovação se conseguir ter algo sério com essa mulher.
- Sei... - Cristiano leu o bilhete por duas vezes, escrito: “é melhor nós terminarmos por aqui. Tivemos uma boa noite, apesar do que ocorreu depois. Como você está melhor, não tem porque eu continuar correndo contigo e também não pretendo entrar em uma briga com sua irmãzinha. Tenho uma vida pra tocar. A melhor notícia que poderá te fazer feliz é que eu dei meus serviços por encerrado de uma vez. Claro que ainda sou apaixonada por roupas e bolsas chiques, mas trabalharei decentemente para tê-las nas minhas mãos. Como você tem meu número, me avise algum dia se pintar em Tóquio novamente, pois poderemos beber e comer alguma coisinha. E melhoras para sua doença, que creio não haver cura. Mas, haverá, acredito nisso”.
- O que você acha disso, onii-chan (irmãozão)? - perguntou ela, escondendo o sorriso.
- Vamos embora.

30 minutos depois, estavam no Aeroporto de Haneda, no bairro de Ota, com a passagem na mão. Correram como nunca. Não tinham como despedirem-se sob muitas firulas. Em frente ao embarque, com 2 malas pesadas e uma menor, Cristiano e Bom preparavam-se para deixarem de desferir olhares apaixonados um para o outro por um bom tempo. Mas era isto mesmo, viviam apaixonados, mesmo com a inclusão fugaz de Sandara na vida deles, mas era um amor diferente, o típico amor parental. Mesmo tratando-se de uma despedida rápida, a irmã fez questão de vestir-se da cabeça aos pés de sentimentos positivos. Trajava uma saia rodada rosa por cima de uma calça colante escura e uma camisa branca, apenas uma camisa, mesmo ciente do frio que fazia na cidade – frio este aparentemente incapaz de incomodá-la – , além dos cabelos longos presos por um lado da cabeça, quase no topo, formando um rabo de cavalo. Lápis nos olhos, o que só aumentou sua “fofura”. Aqueles cílios grandes não eram postiços. Com toda esta fácil produção Bom fora, por alguns minutos, alvo de olhadelas dos demais homens, pois era tão jovem e tão bonita a ponto de parecer recém-saída de um desenho animado japonês. Quanto mais era fitada, mais ela enlaçava seu braço ao braço do irmão, como se jogasse na cara dos passantes o quão estava ligada ao seu amado. Próximo à cabines telefônicas, resolveram ter sua conversa final, escondidos do grande público.

- Eu vou entrar na internet amanhã e perguntar como você está – disse ela. - Você está sabendo que Sidney...
- Eu sei que ele mora no Rio, ouvi dizer que ele retornará hoje à noite – interrompeu ele. - Se eu pudesse, moraria no interior ou em Sampa, mas nossos parentes moraram lá e também tem a casa da obaa-chan (vovó), está praticamente tudo preparado pra mim. Qualquer dia desses terei de falar com ele, infelizmente.
- Por quê não resolve logo essa situação? Vai ficar eternamente bronqueado com o sujeito, como se ele fosse seu inimigo mortal? Sabe muito bem que está fazendo errado – pressionou Bom, abraçada a ele.
- Estou fazendo errado e sei que ele se dá conta deste mal estar, mas ainda não é o momento certo para botarmos as cartas na mesa.
- E por quê não é? Até quando vai ficar alimentando esse ódio no seu coração? Sabe que está tudo numa boa para ele, creio que ele não deve estar quebrando tanto a cabeça quanto você, querido – disse, acariciando a testa dele. - Resolva logo, acabe com esta sensação horrível que sente. Eu não vou poder cuidar de você pra sempre, em especial, nesta sua nova vida lá no Brasil. Pode ter certeza que irei te visitar daqui há alguns poucos meses, mas prometa que resolverá logo isso e que não se meterá em encrencas.
- Resolverei logo e não me meterei em encrencas. É uma promessa de homem e não é da boca para fora.
- Não me decepcione. E tem uma coisa que quero te dar, amor – disse ela, que em seguida, o beijou amorosamente na boca. Aquele beijo doce estimulou Cristiano em todos os sentidos, excitou-se a ponto de querer retribuir o ato enchendo-a de beijos a tarde inteira, mas o boeing 747-500 não poderia esperar. Sem contar que... porra, era sua irmã. Aquela era apenas mais uma prova de que estava apaixonada por ele, uma das demonstrações diversas na qual o professor sempre se sujeitava e permitia, contrastando com a característica conservadora da família. Óbvio, gestos como aquele viviam enclausurados entre os dois, ninguém mais sabia. Bom sabia quando surpreender.

Despediram-se em definitivo quando ele entrou no avião e logo após aconchegou-se em uma poltrona próxima à janela. Estava tudo certinho para viver uma vida nova na América do Sul, uma experiência – na opinião estereotipada de Bom, que só visitou o Brasil quando criança e permaneceu pouquíssimo tempo – cercada de desafios e perigos por todos os lados, com animais selvagens e tudo o que tinha direito, como num episódio dos Simpsons. Mal sabia ele que sua batata assaria melhor naquele lado do mundo.
Admin
Admin
Admin

Mensagens : 33
Data de inscrição : 01/08/2010

https://bokurano.directorioforuns.com

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos