Bokurano
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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:22 am

“Puta que pariu!”

Este xingamento caiu com perfeição à ocasião. Os passageiros de um ônibus eram maltratados sem dó pelo piso acidentado e empoeirado daquela parte de Paty do Alferes, município do estado do Rio de Janeiro. Todos estavam acostumados, já que moravam nas cercanias, construíram suas vidas ali. Tal xingamento fora dito por um visitante, melhor, um viajante obstinado, ávido em conseguir chegar ao seu objetivo, por isso que veio de tão longe, da capital. Naquele momento, não estava de passagem por simples brincadeira – apesar de considerar como tal – , o que queria não era representado em cédulas, moedas, a coisa simplesmente nutria um valor inestimável, motivo maior de cobiça do carioca postiço nascido na Índia. Mesmo acostumado a percorrer quilômetros em quase todo o mundo, nunca conseguira sentir-se totalmente à vontade em locais desconhecidos. Paty do Alferes, conhecida por seu tomate – e por sua festa homônima - configurava em mais um local bacana a explorar, mesmo na hora errada. Saíra do centro daquele município e tomara um ônibus ao distrito de Avelar, um tanto mais distante do bairro Arcozelo, zona rural e com pessoas dispostas a convidá-lo para tomar café no interior de suas casas. Só encontrara gentileza assim em Lumiar, do outro lado do estado. Apesar da exclamação inicial, sentia-se extasiado e ansioso ao chegar em seu destino. Chegando em Avelar, o indiano saíra da condução batendo os pés e limpando a calça preta, castigadas pelo excesso de poeira do interior do coletivo. Também deu uma limpada rápida na mochila. Tinha em mãos o endereço devidamente anotado em um papel vermelho. Horário, ok, estava certinho. Alguém o esperaria naquele pequeno terminal rodoviário. Pelo jeito ainda não chegou, visto que nosso visitante verificava cada espaço referente ao terminal e à praça principal, até ser surpreendido com um grito ensurdecedor, vindo da goela de uma ruiva gordinha com seios enormes e baixa estatura. Virou o rosto para ela com um sorriso constrangedor.

- Bom-dia, Sidney. Me desculpa não ter te esperado no terminal, tive que voltar pra casa ajudar a preparar o almoço – disse a senhora, de olhos bem azuis, segurando a mão do indiano com suas mãos gordas e pálidas. - Está esperando há muito tempo?
- Bom-dia, Margarete. - cumprimentou ele, abrindo ainda mais o sorriso. - Não, eu acabei de chegar, veja lá o ônibus. Fico imaginando o quão vocês sofrem com os coletivos daqui, saí todo empoeirado dele. Eu iria morrer se tomasse mais um chazinho de cadeira.
- Hihihi, ainda bem que nos encontramos rápido. Vem comigo, vamos aproveitar que o João está com o trator encostado ali na banca para pedir uma caroninha – segurou-o firmemente, ao mesmo tempo em que acariciava as costas da mão dele com seu polegar. - Nunca achei que você teria coragem de vir aqui, o pessoal lá de baixo não costuma aparecer em Avelar nem pintado de verde, a festa do tomate ultimamente não costuma atraí-los. Como estão as coisas lá no Rio de Janeiro?
- Estão mais suportáveis, depois da Grande Crise Carioca político ladrão acabou se fodendo, e a saúde passou a prosperar porque todo mundo caiu em cima pra cuidar...sempre achei a coisa mais importante, mas, pô, não quero te chatear com estes papos chatos pra caramba.
- Não, não vai me chatear, do contrário! Estou bastante interessada, sem contar que gosto de te ouvir falar! - exclamou ela, com os olhos brilhosos ao fitá-lo apaixonadamente. Logo, o viajante notara que Margarete nutria uma alegria bastante “estranha” para com ele. - O senhor bem que poderia aparecer na Festa do Tomate em maio, eu e minha família ficaríamos mui felizes ao recebê-lo, poderia dormir lá em casa...
- Entendo, mas não seria abuso? Eu não quero abusar da hospitalidade...
- Não se preocupe, hoje você conhecerá meus pais e também terá uma boa conversa com Bonnie antes de levá-la daqui – disse ela, sorrindo a cada frase entoada. Sua mão continuava a acariciar a do visitante. Fomentado pelo ato, queria retribuir, até porque, já estava ligado – Sabe, eu trabalho na prefeitura de Paty, mas hoje tive folga...estou pensando em me mudar daqui...
- Se mudar? Achei que gostava daqui.
- Eu amo, mas tenho maiores ambições. Bom, ambições de morar em uma cidade maior, claro – Ao mesmo tempo em que conversava, notava os passantes de esguelha, pois queria ver se estava provocando inveja. - Veja, lá está o João.
- Bom-dia, senhor – cumprimentou Sidney ao caipira com chapéu, camisa de flanela e calça surrada. Além do cumprimento, ouviu deste homem um “Este é seu namorado, Margarete?”
- Não, não é, é um amigo de longa data vindo do Rio – respondeu ela, fingindo vergonha. - Eu to levando ele para minha casa conversar com meus pais, portanto, gostaria de saber se é possível nos dar uma caroninha até lá.
- Tudo bem, podem subir – disse o homem, sorrindo de forma irônica. Sidney recebera uma ajuda da mulher para subirem no trator, tremendamente sujo de lama. Saíram da praça de Avelar aos solavancos, enquanto a ruiva segurava-se nele para não cair. Sidney, levemente excitado, acariciou as costas de sua guia, que virou os olhos para ele, mordendo os lábios. 20 minutos depois, embrenhados em uma das vias rurais do distrito, soltaram em frente à cerca do sítio da família Wright. Agradeceram a carona (com João, o motorista, prosseguindo com seu sorriso irônico ao dar meia-volta) e Margarete puxou o molho de chaves após abrir e fechar a cerca. Caminharam uns 10 metros até a entrada da residência e ao ouvir da ruiva que os pais certamente estavam fora ele sentiu-se meio frustrado, ao mesmo tempo que aliviado. Portanto...
- É, Bonnie saiu com papai e mamãe para Paty, mas vão voltar ainda hoje – disse ela – Eu preparei uma coisa gostosa pra comer.
- Hum...vou querer provar disto – disse ele, sorrindo marotamente.

Adentrando a residência, Margarete pediu para que o visitante deixasse a mochila repousar na cadeira, pois ela iria ver se preparava um suco de limão, além de cortar um pedaço de bolo de fubá, que estava dentro do forno. Percebera que seu pai e sua mãe já planejaram dar as boas vindas necessárias – no caso, boas vindas ao estômago de Sidney – , já que estariam fora de casa quando ele chegasse. Ele rapidamente sentira-se em casa, melhor ainda, aspirando um ar puro e sentindo na pele o ambiente tranqüilo no qual estava instalado. Correu-lhe pela cabeça a idéia de mudar-se para Avelar e se manter ali para sempre com sua filha, era certo que a anfitriã ruiva e gordinha adorasse vê-lo todos os dias, mas isso não faria a mulher mudar de idéia quanto a sair fora, pois como ela própria dizia, tinha maiores ambições. Ele não considerava que aquela interiorana gentil fosse um tipo de megera em sua ausência ou que ao menos cuspisse no prato que comeu – no caso, na terra em que nasceu – , mas havia patenteado seu desejo em sair fora da cidadezinha, assim como muita gente. Não era local para prosperar em qualquer área que não fosse a agrícola, e Margarete desejava prosseguir com os estudos relacionados a eletrônica, algo escasso no local. O Rio de Janeiro estava lá para realizar seu sonho. Se não vingasse ali, poderia migrar para outro lugar, sem problemas e morando no Rio, estaria mais próxima de Sidney de qualquer forma, ainda mais pelo fato de ser uma pessoa pública, muita gente o conhecia. Lá no sítio, sentia-se melhor, sempre definira a serra como um local melhor para morar que a praia. Bonnie apreciava o oposto, então, eles ainda discutiriam bastante sobre isto e outras coisas, estava preparado. O indiano sentou-se na cadeira de braço da varanda – composta também por uma rede feita à mão por Bonnie e Margarete – e a moça apareceu em sua frente segurando um prato fundo com 4 grossos pedaços de bolo e um copo grande de suco de limão. “Você deve estar com muita fome, por isso caprichei neste lanche, coma sem pressa”, disse ela, sorrindo de orelha a orelha. “E desculpe a demora, eles já estão vindo para cá, passei uma ligação pra eles e já estão saindo de Paty”.

- Sem problemas, eu podia dormir aqui se quisesse – disse ele, comendo um dos bolos. – De Paty para cá não é muito longe, também. É uma pena, pois eu tinha uma coisa importante para fazer, além de vir encontrar minha filha.
- Que coisa? – perguntou, na frente dele. Depois da indagação, Sidney fitou os olhos azulados da moça enquanto comia o pedaço de bolo sorrindo. Terminou o primeiro pedaço e invés de prosseguir com o segundo, estendeu sua mão para ela, que prontamente aproximou-se de seu rosto, estando há centímetros dele. Logo, as mãos do visitante pousaram com firmeza às nádegas da anfitriã, acariciando-as, enquanto os dois trocavam olhares lascivos. Ela moveu também sua mão esquerda e mexeu no tórax dele, que a fez abaixar alguns centímetros para se beijarem. E se beijaram sem pressa, enquanto as 4 mãos viajavam pelos corpos, tateando qualquer camada de forma frenética. Eles precisavam cessar a agarração para que manifestassem seus desejos em um local reservado. Foram até o quarto de Margarete, de coloração azul e repleto de roupas, CDs de bandas de rock e retratos dos locais onde passou neste ano.

Plumtree, Beck, Emily Simon. Deitou a mulher na cama, retirou a camisinha de sua mochila pesada e pôs no membro com rapidez, já estava bem acostumado a manusear preservativos. Encheu a gordinha de beijos no pescoço, na boca e nos seios, estes inclusive, foram mamados enquanto Sidney estimulava o prazer da companheira a masturbando. Durante o ato, seus braços pareciam querer rasgar o edredon de tanto tesão e o visitante aproveitou o momento para começar a penetrá-la. Subiu em cima dela e começou a meter, colando os corpos, o movimento frenético do sexo e a sensação a fazia revirar os olhos e gemer alto, mas não a ponto de se fazê-la ouvir longe – melhor, pois detestariam ser interrompidos. Sidney mantinha sua tranqüilidade na transa, mas o mesmo não poderia dizer de sua parceira, revirando-se, explicitando o tempo imenso sem aquela experiência. Queria falar, mas fora impedida por um dedo em sua boca, no qual ela fez questão de chupar. Deixou-a de lado e agarrados, Sidney meteu nela desta forma, proporcionando ainda mais prazer. Margarete gozou em 20 minutinhos e seu parceiro, chegou lá alguns segundos depois. Tratou de mamar aqueles seios enormes e sardentos, experimentou o leite que saíra – escasso – de um dos mamilos. Ele queria mais uma rodada, mas além de não terem tempo para tal Margarete estava estafada, muito cansada. Conseguiram o que queriam.

Tomaram um banho juntos rapidamente até que a fechadura da porta principal da casa fora aberta, além do grito “Marga, já chegamos, venha nos ajudar com as compras!”, entoado por sua mãe. De fato, próximo à cerca que dava entrada ao sítio, havia um taxi com o porta-malas aberto e o taxista e o pai da gordinha ruiva – além de Bonnie – ajudaram a retirar as compras e colocar dentro de casa. Sidney preocupava-se em reagir àquela situação embaraçosa, ele, cumprimentando os donos da casa totalmente à vontade, como se já estivesse incorporado à família. Ok, Margarete dera o sinal verde para sentir-se em casa, mas e a opinião dos outros? E o que Bonnie pensaria ao vê-los molhados?

Os dois não tinham planejamento para evitar situações como aquela, além do que, perderam a noção do tempo enquanto transavam, mas seria chato e frustrante não aproveitar a oportunidade. No momento, Sidney vestia-se com rapidez enquanto pensava em uma maneira decente de ser visto por eles sem ser alvo de perguntas sobre o que ocorreu ali enquanto a família esteve fora. Obviamente perguntariam, mas havia uma forma de evitar a propagação de dúvidas nas cabeças dos pais? No pior dos casos, o indiano seria expulso e impedido de levar a pequena para casa, pois seria tachado de pervertido – mesmo com o consentimento de Margarete – , enquanto a própria receberia uma punição exemplar (desde uma “chamada” daquelas até ser expulsa do convívio familiar por tempo indeterminado”, não obstante ser a primeira vez em que seria julgada pela safadeza, se descobrissem). A gordinha tratou de sair de casa para ajudá-los com as compras e topou com Bonnie, sorridente e indagadora. “Meu papai já chegou? Meu papai já chegou?”, perguntou ela, aflita. “Sim, ele acabou de tomar uma ducha, está lá dentro”, respondeu a mulher, fazendo a guria largar a bolsa plástica com mantimentos no chão e correr até o interior da casa, à procura de seu amado pai, segundos antes de retirarem todos os sacos do porta-malas e o taxista despedir-se. Tanto o pai quanto a mãe andaram em direção à residência, com mãos ocupadíssimas, enquanto falavam com Margarete. “É sério que ele já chegou?”, perguntou a mãe, uma senhora de vestido bege, tamancos rosa e cabelo ruivo armado. Ao receberem a resposta positiva, o pai (grisalho de blusa branca e calça marrom, além da sandália de dedo preta) deixara escapar um arfar aliviado, como se quisesse resolver logo a situação relacionada à Bonnie. Não que desgostasse da menina, mas os tramites viviam arrastados por um bom tempo, entretanto, não a ponto de estressá-lo. Também nutria a curiosidade de ver e conversar com Sidney, pois há muito não se viam – mais ou menos 4 meses. Lá dentro, a pequena – com shortinho azul, camisa branca e cabelo preso – chamava o pai e verificava cada canto da casa, até nos locais mais improváveis – como no fundo de um pote de biscoitos. Soube que ele já chegara, entrou em desespero, pois a imagem de seu querido automaticamente amenizaria seus problemas no dia a dia – que eram poucos, tratando-se de uma criança com tudo do bom e do melhor – , ela precisava extravasar e despejar toda a sua carência nele, assim como Margarete o fez, quebrando nele o jejum de sexo e carícias. Achou que seria brincadeira e a alegria já estava dando lugar à tristeza quando tomou um susto dele – ao entrar no banheiro. “PÁ!”, respondido por um grito agudo vindo da pequena ruivinha, que jogou-se nele segundos depois, rindo bastante. Foi levantada até o tórax do indiano, e o abraçou fortemente, com todo o seu carinho. Beijos seguidos, pele colada na outra, respirações trocadas e olhos azuis de Bonnie encarando os olhos castanho-escuros de Sidney como pedras preciosas, tamanha a vontade em fitá-los. Soltou seus cabelos – presos, terminados em um pequeno rabo de cavalo – para que o papai pudesse senti-los em sua totalidade nas mãos e cheirá-los. Emanavam aroma do campo, como já imaginava.

- Quanto tempo a gente não se vê – sussurrou ela, sorrindo de orelha a orelha. – O senhor demorou demais, sabia?
- Sim, e eu peço desculpas por isso – respondeu ele, acariciando seu rosto. – Você cresceu bastante em pouco tempo. O que anda fazendo? Está prosseguindo com os estudos? Não quero filha minha pagar de burrinha pra ninguém, hueheh.
- Sim, eu passei de ano, agora, posso me gabar bastante porque estou no primeiro ano (do Ensino Médio) – disse ela, fazendo cara de arrogante. – Mas, suei pra caramba pra chegar onde cheguei.
- Essa fala é minha, não copie de mim – brincou ele, desferindo cócegas na menina, segundos antes de serem observados pelos pais e de Margarete, que entrara com eles. Terminada a brincadeira, Sidney levantou-se e cumprimentou-os, com aquelas perguntas simples e manjadas: se está tudo bem com você, como foi a viagem, como as coisas estão no lugar onde mora, etc. Ainda ajudou-os a pegar e guardar os mantimentos, frios e carne em seus devidos lugares. – Eu lembro de sempre adorar fazer compras do mês, mesmo sendo apenas eu e CL consumimos muito. Uma pequena parcela do que compramos em supermercados comemos no caminho, putzgrila...
- Ah, eu iria perguntar sobre a CL – disse o pai, fechando uma das gavetas da cozinha. – Você realmente se acertou com essa moça? Com todo o respeito, ela me parece meio avoada e sem perspectivas de vida.
- Bom, ela continua desaparecida, mas me acostumei com isso. Mas é aquela coisa, ela sempre volta e eu sempre estou disposto a abrir a porta pra que ela fique o tempo necessário – explicou Sidney, sentando-se em uma poltrona. – Tô acostumado com estas idas e vindas, sinto que não posso controlá-la, mas...nunca fui de controlar nem a mim mesmo, então, o que eu posso fazer com ela?
- Seria interessante se ela o obedecesse de uma vez – disse a mãe, sentando-se ao mesmo tempo que o pai. – Sabe como é, ela deve ter uns 30 e tantos anos e não pode eternamente agir como uma moleca, prejudicaria todo mundo - Isso mesmo, não quero que Bonnie se espelhe nela ou coisa parecida – nesta, Sidney fora interrompido pela menina, que disse “não me espelho em ninguém além do senhor” – Ah, eu sou uma péssima pessoa para se espelhar, na boa.
- E por quê? – perguntou a guria. – Sempre ouço e vejo coisas boas do senhor, por enquanto ainda não me decepcionei, nem nada...
- Digamos que eu não seja um sujeito tão certinho assim, mas mantenho o meu caráter limpinho e cheiroso – dissecou ele, recebendo-a em seu colo. Margarete não quis sentar, permaneceu em pé no canto da sala de estar – Isso é o mais importante, não é?
- Isso mesmo – respondeu o pai. – Mudando bruscamente de assunto, lembro da vez em que apareci no Rio, digo, fiquei um bom tempo trabalhando naquele lugar, construí uma fortuna suficiente para voltar bem para Avelar, mas não sei como estão as coisas, o que se passa na cidade neste momento. Tudo que sei é que o prefeito francês resolveu a situação dos desabrigados de enchentes e da população de rua, e olhe que o povo reclamou tanto da escassez de abrigos na cidade. Pelo menos nisto e na questão da saúde as coisas estão melhores. O senhor é médico, sabe exatamente como está a saúde pública carioca. Como anda sua clínica?
- Bom, indo de vento em popa, andamos fazendo muitas cirurgias recentemente, além de dar uma forcinha a quem não tem condições de pagar, sem problema algum, me sinto bem ajudando as pessoas, vocês sabem que a população de classe D e E no Rio de Janeiro é altíssima e a prefeitura ora não quer, ora não consegue dar conta de todos, por isso reservo pelo menos 50% dos serviços de minha clínica aos mais necessitados, mas não tô esperando ser reconhecido e ganhar uma medalhinha por isso – explicou ele, gesticulando bastante, como sempre – A situação lá embaixo lembra um pouco a do meu estado natal, mas em Kerala buraco é mais embaixo e a dificuldade é bem maior que a instalada no Rio. A Índia inteira é mais problemática que o Brasil.
- Eu sempre quis viajar para a Índia, está entre um dos meus sonhos – assumiu o pai. – Sempre achei que aquele país tivesse uma cultura maior e mais diversificada que a brasileira. Ok, não pode ser a mais diversificada, mas é a mais chocante, no bom sentido. Eles ainda não se enraizaram tanto nos costumes europeus que os brasileiros, seu estilo próprio nunca será cerceado, além do que, eles têm milhares de anos de história. O que significam os mais de 500 anos do Brasil?
- Hahaha, eles ficariam lisonjeados com essa sua puxação de saco – disse a mãe, enquanto gargalhava. – O que acha dessa rasgação de seda, Sidney?
- O senhor meio que tem razão, mas o pouco que os britânicos mexeram, mexeram bem. Os portugas, também – disse o indiano. – Veja bem, como vocês sabem, nasci em Thiruvananthapuram. Mas, aprendi a língua portuguesa em Goa, desde criança. Mamadi (mamãe) já me preparava para seguir os negócios da família, mas foi muito bom quando me desvencilhei deles.
- Se desvencilhou deles com consentimento? – perguntou Margarete.
- Hum...não – respondeu ele, engolindo seco. – Mas, tive de sair, não agüentava mais toda aquela marcação e eu já carregava uns 25 anos na carcaça. Conquistei tudo o que quis tardiamente, mas ainda tá dando para aproveitar, sem contar que sou um verdadeiro “mão aberta”, tô ajudando muitas pessoas, recebendo uma boa notícia sobre suas vidas de troco. Claro, pois você não pode ajudar alguém, em especial continuamente, sem que ela tome uma atitude para melhorar a própria vida. Será bom para ela, porque tomou um tino e pode descansar tranqüila na cama, e pra mim, também tranqüilo porque quem ajudei, fez por onde.
- E seus pais? Não pensa em voltar a falar com eles? – perguntou Bonnie, no colo dele. – Eu queria conhecê-los.
- Falo com eles de vez em quando. Procuro manter uma certa distância pra ninguém sair magoado. E você irá conhecê-los com o tempo. Ainda esse ano, certo?

Os pais cessaram a conversa para que servissem o almoço. Margarete ajudou-os e Bonnie manteve-se próxima a Sidney, abraçada a ele. Logo após, fora dito por ele para que lavasse as mãos e sentasse à cadeira para que comessem, e Margarete observava o visitante com um sorriso bobo, como se pedisse mais pelo sexo que teve com ele. Sidney se mostrava bem à vontade, mas não a ponto de fazer brincadeiras à mesa. Achava-se feliz por todos estarem inteirados sobre sua situação, portanto, não era considerado um novato, sequer um estranho naquela casa e concluíra que se pedisse para ficar ali teria o sinal verde. Era adorado – não no sentido de “venerado” - por eles e naquela altura do campeonato poderia contar com a família para tudo, mas não a ponto de abusar da boa vontade alheia se convidando para passar a noite ali. Precisava retornar ao Rio e precisava mais uma vez resolver as coisas com CL, uma bomba humana ambulante e causadora de problemas como nenhuma outra pessoa na vida de Sidney seria. Depois do almoço o indiano visitou o pomar e plantação de tomate da família, circulando pelos pés e verificando o espaço com a mesma curiosidade de uma criança. Se pudesse, poderia passar a noite deitado ali, pois já se sentia incorporado à plantação. Há muito o campo não tinha um significado tão grande para ele, que tivera sua infância nas florestas tropicais de Kerala, sul da Índia. Mas o clima de Paty do Alferes tinha a amenidade como vantagem, comparando com as temperaturas quentes de seu estado natal. Para divertir-se ainda mais, praticou um pique-esconde com a pequena ruivinha, em que fora encarregado da contagem e da procura, correndo e soltando risos macabros enquanto acompanhava passo a passo aos risos abertamente espontâneos e divertidos de Bonnie, que corria como nunca. Tudo o que ele queria presenciar naquele momento era aquele sorrisinho coberto de dentes de leite e agitá-la no ar como nunca fizera antes. Merecia extravasar toda a alegria e receber da mesma carga. Chegou próximo a uma grossa mangueira e circundou-a, procurando pela menina, sem sucesso. “Talvez ela poderia estar lá em cima”, pensou ele, maroto. Tentou subir, mas ao colocar o pé no tronco, sentiu uma fisgada intensa na bunda, e gritou. Virou para trás e viu Bonnie, morrendo de rir, tentando abraçá-lo. Ambos chegaram ao chão e gargalharam. Sidney, deitado, teve sua testa acariciada por ela, fitando-o firmemente. “Seu feioso”, sussurrou rindo. “Estou doida pra morar com o senhor”. Há metros dali, Margarete os observava, com uma pitada de ciúme e inveja da filha de Sidney estar onde está, esquecendo que “filha” é diferente de “namorada”.

Aquele momento não era tão familiar quanto se pensava. Desconhecia. Sidney permanecera deitado, queria dormir no solo sentindo o calor relaxante do campo e o vento apaziguador, juntamente com sua querida filha, mas tinham um ônibus e um trem para pegar – na verdade, em Paty tinha ônibus direto para o Rio de Janeiro, entretanto, por motivos puramente nostálgicos, deixara de lado a opção mais fácil – sem pensar na decisão de sua filha, que poderia detestar longas e cansativas viagens. Ao crepúsculo, Bonnie retirara sua cabeça ruiva do peito de seu pai – ainda dormiam estirados próximo a mangueira – e levantando-se, retornaram à casa, onde encontraram apenas Margarete e a mãe, que depararam-se os dois de rostos e corpos amarrotados. As duas sabiam que eles tinham cochilado entre a enorme tomateira.

- Você está indo embora agora? - perguntou a mãe, terminando de preparar a janta. - Fique para jantar. Eu até iria dizer para dormirem aqui, mas creio que meu marido não gostaria disso. Digo, ele foi e sempre será bem receptivo com você, mas até certo ponto. Não sente ciúmes em visitar e terminar o processo de adoção referente à Bonnie, até porque ele sabe que é um dever o que está fazendo, mas, mesmo assim é muito restritivo. Todos nós temos uma ótima relação contigo, mas sabe como é...
- Tudo bem, entendo perfeitamente – respondeu o indiano, endireitando o queixo. - E fico surpreso por ele não ser ciumento em relação à minha filha, isso até corre a favor dos tramites, odiaria ter que ser mal interpretado ou ser tachado de desafeto, hahaah. Nós tivemos um excelente dia mesmo, não é, Margarete?
- Excelente dia – respondeu ela, mordendo os lábios. - Não vejo a hora de repetirmos esse dia depois.
- Bom, acho totalmente válido. Posso tomar um banho? - perguntou ele à mãe, que de pronto mandou o sinal verde, mas logo após deixou para a pequena se banhar primeiro que ele. Sentou-se na poltrona da sala de estar, vendo televisão e logo quando a mãe anunciou que iria terminar de preparar o almoço (voltando para a cozinha) Margarete aproximou-se dele, sentando-se há centímetros do homem.
- Quando eu posso aparecer na sua casa pra te visitar? - perguntou ela, ao pé do ouvido alheio.
- Nos dias úteis, quando CL está trabalhando – respondeu ele, que avançou silenciosamente sobre ela e a beijou enquanto acariciava sua coxa. Ele tentou afastar-se, mas fora impedido por ela, alongando o beijo por mais alguns segundos. - Está querendo realmente tentar a vida no Rio? Eu posso ajudá-la indicando-lhe a algum amigo meu, meus contatos são numerosos.
- Eu sei disso, mas ao mesmo tempo tentarei procurar alguma coisa por mim mesma, não quero dar impressão de estar sendo um fardo para você, antes mesmo que chegue a este ponto, tratarei de dar um ponto final...
- Não diga isso, não custa nada receber ajuda de quem quer ajudar. Não se preocupa com isto. Você com certeza deve achar toda esta rotina tediosa, o local tedioso, mas eu adorei isso aqui. No alto de onde moro há uma paisagem mais ou menos parecida, era bem melhor quando o morro do Castelo não era tão povoado. Um pedacinho do campo no centro do Rio de Janeiro. As coisas seriam piores se eu não pusesse restrições a quem mora ali.
- Quer dizer que você é uma espécie de manda-chuva no bairro onde mora? Agora que eu vou precisar mesmo da sua ajuda, hahaha!
- Huehehe, sou só o presidente da associação de moradores – disse ele, esbanjando naturalidade. - Meu conselho pra ti seria: arrume algo mais próximo daqui, não é porque o Rio é grande e mais propenso a oferecer empregos que...
- Mas, você disse que iria...
- E se eu não conseguir? - perguntou ele. - Não veja apenas pela melhor das hipóteses.
- Na pior das hipóteses, eu volto pra cá, mesmo que seja com o rabo entre as pernas...não custa nada tentar me ajudar.
- Ok. - na verdade, Sidney não queria ajudá-la. Concluíra de que tratava-se de uma guria que ainda não sofrera o suficiente na vida e que estava disposta a deixar de lado a boa vida vivenciada no interior de Paty para inserir-se em uma rotina mui movimentada e viciosa no Rio de Janeiro. Ela queria, sabe-se lá por puro arroubo juvenil (já tinha passado da juventude em décadas, então não significava isto) ou por pura vontade de melhorar o status quo, dando sentido a sonhos manjados como ser rica (ou algo próximo disto), ter a independência que sempre quis e colocar homens aos seus pés. Porém, na concepção de Sidney, ela já gozava destas duas capacidades: como qualquer mulher, qualquer mulher, poderia ter homens aos seus pés, pelo menos um deles. E a independência há muito já batia sua porta, pois como mulher adulta, poderia sair de casa quando quisesse para dar ou não um trato em sua vida. Não obstante ser uma cidade mais apta a dar trabalho a quem quer, morar na capital federal não era fácil. As vantagens estavam lá para quem quisesse desfrutar, mas e as desvantagens, como ousam esquecer-se delas? Uma parte de sua mente fomentava o pensamento de “deixa ela se foder”, mas juntamente a isto, tinha a possibilidade de se arrepender. Sua vida ainda não era fustigada de problemas insuportáveis, insustentáveis – e este nem seria, se fosse posto na prática – , mas o que ele menos queria era uma pessoa mendigando sua presença, mesmo sendo numa cidade grande como no Rio. Já tinha a idéia de que o caso que alimentava com ela começaria e terminaria ali, mas até poderia ser revivido em qualquer encontro – que até seria bom, mas ele não investiria em nada mais além disto. O desejo de Margarete em viver pulsava vivo no coração, mas qualquer hora em que poderia enlouquecer em uma discussão com Sidney, poria a boca no trombone. Ele sabia que algumas mulheres poderiam desestabilizar qualquer pessoa se quisessem.

“Você pode dormir aqui, sim”, decretou o pai, para o visitante. Sabendo da impossibilidade do mesmo de repousar por muito tempo em camas propriamente ditas ele já havia construído – junto com Margarete e Bonnie – um caixão para Sidney. Bonnie também tinha o seu próprio, deixando cair por terra a hipótese de idiossincrasia por parte dele. Após a janta – bem servida de frango grelhado e peixe assado, todos repetiram os pratos – Sidney e o pai adentraram ao quarto deste último, que retirou o caixão embaixo da cama, impressionando o indiano pela simplicidade com que foi feito: o recipiente media 2 metros de comprimento com 70 centímetros de largura e 70 de altura, com coloração bege e estofado precariamente com almofadas reforçadas e lá fora, as alças de plástico resistente. Em sua superfície, desenhos de Bonnie feitos em canetinha hidrocor, alguns retratando ela e o indiano, em traços circulares e sorrisos sinceros. Ao vê-los, tratou de soltar um sorriso. O de Bonnie tinha a cor magenta e estrutura mais elaborada, obviamente o ataúde de Sidney fora montado improvisadamente, movido pela iminente visita. Agradeceu-o com todo o coração. O pai aproveitou o ensejo para levantar-se e retirar do armário da família mais um travesseiro e um cobertor, pois Paty do Alferes fazia muito frio, penetrante até mesmo dentro do caixão. Após verificarem tudo, retornaram à sala de estar, onde assistiram televisão, comeram um pudim de leite distribuído pela mãe e foram dormir, um após um, em poucos minutos. Sidney e Bonnie foram os últimos. Ela, dormindo em seu colo como um anjinho. Babava, a coitada. Levou-a para seu esquife no colo, dando-lhe um beijinho na face como despedida. Foi para o seu, em segundos.

3 horas depois, Sidney fora acordado. “Tem um lugar bacana que quero que conheça”, sussurrou o pai, aprontado com uma blusa listrada, calça preta com suspensório e tênis All Star. Rumou direto para a porta de casa enquanto o indiano levantava, lavava o rosto, penteava o cabelo e voltava a calçar seu sapato. Por um lado, estava levemente aborrecido por ser acordado no meio da noite, mas por outro, tinha em sua cabeça a curiosidade, pois se tratava de algo bacana, esperava que não fosse algo que ferisse sua índole ou que duvidasse de sua sexualidade. Estava atento quanto a isto. Fechando a porta, o visitante foi surpreendido, pois o pai tinha preparado dois cavalos – parados em frente à residência – para serem usados.

Não recordava em ter aprendido a andar a cavalo, então naturalmente pediu ao pai para que lhe guiasse, mesmo que fosse rapidamente, pois o indiano tinha pressa em chegar ao destino, para logo depois voltar a dormir tranqüilamente – já que há 3 dias não deitava gostoso em um caixão, devido a sua ocupação ininterrupta na clínica. O pai o observava atentamente, como se já quisesse resguardá-lo no caminho para que não caísse do equino. Sidney lembrou que não tinha a mínima experiência nos galopes, visto que em seu país natal o máximo em que montara em um animal foi nos elefantes, comuns em seu estado. Era um amigo sincero dos paquidermes desde a infância, a ponto de sempre se saía ileso das crises de fúria dos mesmos, ou das bebedeiras – um ou outro elefante costumava invadir fábricas de bebidas e bebericar destilados, normalmente postos em grandes tonéis – , que como resultado final, deixavam um saldo de mortos pisoteados ou arrebentados por suas trombas nas regiões. Sidney e sua família sempre se mantinham ilesos. Lá atrás, encostada na porta principal da casa, Margarete fitava-os cortar a noite com os cavalos em direção ao centro da cidade, tornando-os a desaparecer com rapidez, sumindo bem depois. Movida pela curiosidade, rumou para a pequena garagem aos fundos da residência e tomou uma lambreta negra, ligando-a e sentando em cima, no intuito de segui-los à distância. “Vou me divertir com isso”, pensou ela, sorrindo no canto da boca.

Gradativamente Sidney adquiriu certo controle sobre o animal, após uma rápida aula sobre como movê-lo e pará-lo. Sentiu-se ainda mais confiante por sua facilidade de aprendizado. Os dois correram o centro de Avelar em direção a Arcozelo, na mesma estrada em direção ao centro do Paty do Alferes, mas logo quando o visitante pensou que iria ao centro com o fazendeiro, este guiou-o a uma pequena estrada situada próxima ao terminal rodoviário dali, onde ouviram risos e músicas crescendo cada vez mais em que se aproximavam. O médico sentiu-se excitado cada vez mais, pois achava que certamente poderia cair de boca na trinca mulheres + bebidas + comida e até aquele momento seu sono foi para as cucuias. “Já estamos chegando lá”, avisou o pai, tendo parte do corpo cortado pelas folhas das árvores devido à corrida. A lua brilhava livre, com o céu isento de nuvens, o que seria mais um motivo para festejar – o que quer que fosse – de forma livre e despreocupada. Até que por fim, chegaram e fizeram parar os cavalos.

Sidney vira à sua direita um estacionamento improvisado apinhado de pick ups e carros de passeio. Ao lado, poucos cavalos. À sua frente, um grande restaurante repleto de cowboys falsos, derramando cerva no chão, rindo aos borbotões e beijando-se uns aos outros. As mulheres eram poucas e ao fundo, uma grande área circular arenosa cercada por madeira, onde no momento exato havia um homem a cavalo tentando enlaçar um boi. Ao redor, uma platéia gritalhona e uma arquibancada improvisada, com apenas 3 (altos) degraus. A música era alta, provindo de 4 caixas de som posicionadas logo ao lado da casa, atiçando cada vez mais a balbúrdia instalada no local. O médico sentiu-se instigado a participar – não a beijar homens, mas a mulheres, claro – , parte daquela bagunça era íntima à sua personalidade. Desceram dos cavalos e ajeitaram as roupas. Só depois que percebera que o pai estava vestido a caráter, como um cowboy falso-padrão. Logo, olhou para si mesmo e viu que suas roupas também lhe seriam cabíveis para fazer frente àqueles mauricinhos – até porque, ele mesmo era um mauricinho propriamente dito. “Foi até bom que o senhor não tivesse me antecipado sobre esta vaquejada, gosto de locais como este, bem me sinto em casa”, disse ele, sorrindo. “Estes festivais ocorrem sempre por aqui”?

“Não, apenas 1 vez por 3 meses, tem o aval da prefeitura, nada tem de irregular”, respondeu o pai, prendendo os equinos junto com o amigo e tomando o caminho. “Eu não tenho a menor vontade em descer a Xerem para experimentar um festival destes, nós patienses somos autosuficientes, também não vivemos apenas de tomate. Vou lhe apresentar meus amigos, certo que eles lhe farão companhia nesta noite”. Acontece que Sidney não quisera companhia qualquer naquela noite fora o pai. Sempre teve trato com as pessoas, mas estranhamente esta característica não o tocava no momento, talvez fosse o frio do lugar – tremia levemente, mas não queria encher o pai com preocupações fúteis e contornáveis – , mas ele não precisava desanimar-se, pois além do calor natural emanado pela festa, poderia desfrutar do calor natural emanado pelas mulheres, em sua maioria portando pouca roupa, previsivelmente. Adentrando de vez à festa, o pai tratou se chamar seus dois amigos, que estavam sentados como se destacados da multidão instalada na casa e ao redor do pátio, conversando algo de natureza íntima. Acima da mesa de metal, porções de batatinhas fritas, lingüiça e 3 garrafas de cerva (duas vazias e uma cheia). “Márcio, Mario”, disse o homem. “Este é meu amigo do Rio de Janeiro, Sidney Silvestre. Veio nos visitar e está aproveitando para passar a noite conosco, é uma pessoa especial e que tenho em alta conta”.

- Olá, Sidney – disse Mario, um baixinho louro com blusa de flanela e como o amigo, trajando calça apertadíssima e cinto com fivela enorme e chamativa – Posso te chamar de Sid?
- Hum...pode – respondeu o indiano, já definindo o sujeito como homossexual só por ouvir sua voz. - Vocês sabem como se divertir, creio que já temos algo em comum...pelo menos em parte, huehehe.
- Com toda a certeza. Boa-noite, rapaz – emendou Márcio, moreno alto e com cabelo curto, com blusa amarela. - Seja bem vindo ao “Aquecimento da Trigésima Vaquejada do Arcozelo”, como o próprio nome diz, é apenas uma prévia, o melhor está por vir no próximo fim de semana. Mas, já dá pro gasto, certo? Temos tudo o que se pode imaginar.
- Tudinho mesmo – emendou Mario, rindo marotamente. - E então, está gostando de Paty? Está há quanto tempo na cidade?
- Ainda completará 1 dia, mas pelo visto a vontade é de permanecer mais tempo. Sei que sempre irão me receber quando eu pisar por aqui, e isso é bão, porque eu quero aumentar as minhas amizades. Bom, já tá grande pra caramba, hahaha.
- Ah, é certo que não é obrigado ser amigo de todos e vice-versa, mas somos todos legais ao nosso jeito, e comece comendo alguma coisa, está com uma carinha de fome, hehehe – disse Mario, chamando o garçom. - Diga a ele o que pretende comer.
- Sério? Mas, quem vai pagar? - perguntou Sidney. - Não trouxe a carteira comigo...
- Fica por nossa conta, peça algo para beber, também – disse o pai, sorridente.
- Uma porção de queijo prato e um copinho de caipirinha, por favor – disse o visitante. De pronto, o garçom, saiu em disparada para o interior da barulhenta residência.
- Fique à vontade, eu preciso muito conversar com eles, pode se ocupar em qualquer área daqui, ou então, pode permanecer ao meu lado – disse o pai, que no mesmo segundo em que terminou, ouviu um seguro “deixa eu dar um giro por aí” dito pelo amigo.

Então, ele tratou de se embrenhar no local, adentrando à sala de estar do casarão, com os ouvidos irritando-se pela música alta e os olhos brilhando por observar mulheres doidas “descendo até o chão” e literalmente jogando-se nos braços dos homens, que não eram poucos. Aliás, percebeu que o número de mulheres era baixo, dando um giro pelo térreo da casa contou 10 mulheres para mais de 30 homens presentes ali. Talvez haviam mais nos cômodos superiores, possivelmente dando as bucetas e as bundas para os cowboys, mas ao mesmo tempo intrigava-o deparar-se com a quantidade de homens abraçados e beijando-se. Logo, concluíra que as mulheres eram o menos importante naquela festa, mesmo que informalmente, e que a mesma fora idealizada e organizada para o deleite maior de homossexuais, já que diversos homens revelavam sua “opção” fazendo o que os olhos de Sidney fotografavam com atenção. Justamente por aquilo tudo que a quantidade de mulheres era ínfima, óbvio, mas tal fato não o incomodava de todo. Eram poucas, mas tinham. Seu trabalho era procurá-las, paquerá-las e conseguir fazer o que tanto queria. Olhou para trás e viu uma morena de cabelos longos dançando praticamente para a parede, pois os homens postos à sua frente conversavam ignorando-a, sem a menor preocupação. Resolveu cortejá-la quando à sua frente uma mulher saltou até a moça, já puxando assunto e arrancando sorrisos. Tinham alguma relação, sim. Esta mesma moça que saltou em sua frente – como se estivesse descido de uma moto – trajava uma bermuda de ginástica colada ao extremo, com estampa de desenhos em quadrinhos, e um top marrom-claro. Seu cabelo era castanho-claro e descaradamente moldado à chapinha. Seu rosto era agradável, nem mesmo a pequena verruga posta à direita de seu nariz incomodava os olhos daquele médico. Já a morena, pele pálida, seios obviamente siliconados – pois não combinavam com ela – e sorriso extenso estilo Coringa. Suas bundas, iguais em volume e massa. Poderiam ser garotas de programa, poderiam ser lésbicas ou apenas amigas coloridas, mas qual problema em tudo isto? Poderiam fazer gostoso em qualquer cama, em pé ou até mesmo embaixo d'água, danem-se o que eram. Tais particularidades apenas atiçavam o desejo do indiano em tê-las consigo, nem que fosse para desferir de selinhos a beijos calorosos. E fomentado pelo tesão, foi até elas, que trocavam taças de vinho branco embaladas em conversinhas picantes.

- Olá, lindas – disse ele, sorrindo de orelha a orelha para as meninas. - Dá para sacar pela cara de vocês que detestam cantadas baratas, ahahaha.
- Mas é óbvio, olha pra nossa cara de recepção – disse a de shortinho de ginástica. - Ainda bem que você não será o enésimo cara a desperdiçar a saliva. Em todo caso, se desperdiçar, tome um copo de vinho, de preferência o branco, porque é mais gostoso.
- Puxa, não é sempre que encontramos anjas bem-humoradas, é raro – disse ele, esbanjando confiança. - Considerem-se pedras preciosas, que pelo menos aparentemente nem precisam ser lapidadas.
- Claro que não, já estamos feitas o suficiente – disse novamente a mesma. - Não me imagino melhor do que já sou, nem mesmo a Anamara. Pô, consegue imaginar como seria uma evolução de mim?
- Bom, isso é difícil, pois você chegou ao limite – disse o indiano, apontando para ela. - Você e sua amiga. Simplesmente não consigo imaginá-las mais evoluídas, cês deveriam se pôr no pedestal máximo, pois são o que há de mais evoluído no ser humano?
- Mesmo? Tá brincando, cara – falou a mulher. - Mas, esse é um lugar péssimo pra isso, pra se mostrar pra galera. Veja só, aqui só tem viado e os poucos héteros que tem são casados, etc e tal. Mas, não tô procurando homem não, eu tenho meu personal trainer dormindo como um anjinho lá em casa.
- E a senhorita Anamara? - perguntou ele, que segundos depois percebera que a morena era muda e esta mesma gesticulou avisando sobre sua dificuldade. - Ah, me desculpa, foi mal mesmo.
- Ah, é melhor que a Anamara não fale nada mesmo, quando éramos crianças berrava como um carneiro, você sabe que sotaque nordestino costuma ser irritante. Mas, qualquer sotaque é irritante, depende muito do gosto e do ouvido de quem ouve, certo?
- Exatamente, querida, tirou nota 10 nesta prova – respondeu Sidney, bem à vontade. E então, o que anda ouvindo ultimamente?
- Tá falando de gosto musical? Na maioria das vezes, axé e pagode. Maroca gosta de rock, mas não tem o menor prazer em fazer parte desse bando de gente, roqueiro hoje é tudo fedido, não toma banho, certo que nem lavam o pinto quando acabam de bater punheta. Nem adianta vir esta caralhada de “indies”, nunca vi gente tão arrogante, meu deus. Digo, eu não sou nada se comparar com eles.
- Não é nada mesmo, também não suporto indies. Mas geralmente, quem faz parte duma tribo não gosta da outra e nem é preciso declarar-se para isto.
- E a qual tribo você pertence? - perguntou, e logo após sua indagação notou Anamara tocar o queixo de Sidney. - Ah, ela achou sua covinha no queixo muito sexy. Ó, não pensa que ela é uma vagaba ou coisa assim, ela não costuma agir assim com todos.
- Sem problemas, se assim quiser também posso manifestar o que mais gostei em vocês – disse ele, paudurecendo novamente. Sua sorte é que a cueca que trajava tinha grosso tecido. Após dizer esta frase, a falante mulher utilizou linguagem de sinais para transmitir o que ele disse à Anamara, que desde o começo o observava com crescente conveniência. Maroca abriu um sorriso.
- Se quiser mostrar o que você mais gostou na gente, vá em frente – decretou a mulher, que ainda não dissera seu nome.
- Ok – Sidney, recebendo o sinal verde avançou lentamente sobre a muda e a beijou na boca, provocando um esgar hilário na falante. Mesmo após o beijo, os dois olharam-se nos olhos, transferindo lascívia um para o outro. Já a outra, desconcertada, mordera parte do lábio superior, demonstrando seu nervosismo e sede de uma coisa que não era exatamente por bebida. Ainda mais em vê-lo utilizar a linguagem de sinais para Anamara, dizendo algo como “Gostou da minha demonstração? Sei que curtiu”, surpreendendo-a.
- Hum...você sabe como tratar pedras preciosas lapidadas. Meu nome é Lia. - cumprimentou a mulher, aproximando-se ainda mais dele. Tratou de utilizar a linguagem de sinais a partir daquele momento, para que Maroca entendesse de pronto - Mas, acontece que não estamos lapidadas o suficiente, ninguém aqui mantém um disco de ferro realmente potente para tal, sabia?
- Isso foi até previsível, pois, dá uma olhada no que temos nesta festa – contou Sidney, girando o dedo indicador ao redor do térreo. - Mesmo assim, vocês já se encontraram e estão em boas mãos. Vamos sair desta balbúrdia e dar as caras em algum espaço mais calmo e reservado, pode ser?
- Claro. Peraí que vou surrupiar uma garrafa de Weissburgunder/Pinot Blanc. Caralho, não acredito que consegui falar isso.

O trio encaminhou-se ao primeiro andar da casa, ainda insuficiente para se ver livres da barulheira originada no térreo. Resolveram subir mais alguns andares, ávidos em achar um quarto vazio. No último andar, já se viam livres de parte do barulho, mesmo assim o chão e as paredes tremiam, mas não tanto quanto lá embaixo. Sabe-se lá porquê como conseguiram começar e segurar uma conversa por tanto tempo naquela sala. Anamara pôs a mão na maçaneta e abriu, encontrando o vazio dentro de um quarto apenas composto de Uma cama de casal com lençóis brancos e um travesseiro. O criado mudo caía aos pedaços, mal conseguia sustentar o pequeno abajur. Apenas isso, mas o suficiente para fazer sexo e passar a noite. Lia adentrara o local segurando sua garrafa de vinho branco e sentou-se na cama enquanto observava os dois recém-conhecidos beijarem-se colados na porta, com Anamara rendendo-se totalmente aos beijos de Sidney, que a imprensava na parede com leveza enquanto mergulhava sua língua na dela e acariciava sua vagina. Lia, encorajando-se – como se nunca tivesse passado por uma situação daquelas – tomou mais dois copinhos da bebida e foi até eles, onde retirou a camisa do médico e começou a beijar seu cangote e os ombros. Suas mãos mantinham-se ocupadas no pênis do sujeito – ele mesmo era parte de um “sanduíche humano” naquele momento – e Anamara aproveitou o momento para tirar sua camisa, naturalmente queria estar preparada para a transa. Caminharam até a cama, onde desabaram e Sidney, pensando na camisinha, teve sua preocupação cessada quando Lia retirou uma cartela de 10 de sua bolsa. Colocou em seu parceiro e Anamara resolveu chupá-lo enquanto Lia, em pé, arreganhou sua vagina para ele fazer o mesmo. Contorcia-se de prazer na felação – e já tinha previsto que Anamara soubesse trabalhar muito bem com aquela bocarra – e Lia, bambeava suas pernas – seguradas e alisadas por ele – segundo após segundo, obtendo considerável tesão com a chupada. Lá embaixo, o serviço cessara, pois Anamara queria sentar nele e assim o fez: virou de costas e sentou-se no membro, iniciando movimentos frenéticos de cima-embaixo e Lia não parava de ser chupada por Sidney, que queria desistir desta ocupação para dedicar-se a penetrar fundo nas duas. Tinha a convicção de que a noite não seria completa se não fizesse isto. Terminou por fazer a falante mulher chegar ao orgasmo, em apenas 10 minutos – esta sentou-se na cama, massageando seu órgão enquanto via os outros dois metendo. Anamara virou de frente para ele na cama, com as pernas abertas e de corpos colados, iniciaram a meteção. Lia observava tudo, com pensamentos numerosos tomando sua cabeça, uma consternação crescente, dúvidas. Queria transar com ele, mas sentia-se suja por dividir a cama com outra mulher. Tinha a predileção em não ser vista enquanto fazia sexo e mesmo Anamara sendo sua amiga, seu desejo era de expulsá-la do quarto quando chegasse sua vez, não por timidez, mas por sentir que travaria se fosse observada ao transar, especialmente por uma mulher. Mantinha as coisas separadas, por isso, iria pedir para a morena retirar-se do recinto quando terminassem – e isso, se o indiano tivesse pique para tê-la bem depois. Não acompanhava o vai-e-vem feito pelos dois, sua curiosidade foi engolida e não seria salva. Do pouco que viu, percebeu que Sidney e Anamara estavam tão entrelaçados e sorrindo que a falante se achou diminuída com aquilo. Não queria bater em retirada – precisava fazer sua parte – , mas sentia-se deslocada e incapaz de fazer melhor que a amiga, e sentimentos como este iam e vinham de sua cabeça para praticamente todas as coisas. Deu mais uma olhada tímida e vira Sidney dando mordidelas na morena enquanto esta arfava e desferia pequenos guinchos a cada metida, que adquiria rigor momento a momento. Chegou a hora em que Anamara arqueou suas costas, colocando-se mais colada ao parceiro, comprimiu suas pernas – postas nas costas dele – e junto à contidas caretas feitas pelo indiano – e as dela, que ao fazer força para suportar, avermelhara-se por completo, expondo contornos de uma veia em sua testa – , chegaram ao orgasmo. Anamara sorria para ele, enquanto Sidney devolvia a mesma expressão enquanto acariciava as coxas grossas de sua parceira. Ainda não se “descolaram”, o que aumentava ainda mais a ânsia de Lia em querer transar logo de uma vez.

- Vamos acabar logo com isso – disse Lia, explicitando certo nervosismo.
- Calma, amor, acabei de acabar o primeiro tempo – respondeu ele, ainda em cima de Anamara. – Putz, isso foi muito gostoso, vamos repetir mais uma vez algum dia desses – gesticulou para a morena, que respondeu “claro, depois vou te passar meu telefone” ao seu modo.
- Aposto que vocês vão acabar namorando. Ela realmente gostou de você – disse Lia. – Você tem algum compromisso?
- Sim, estou pretendendo me casar e tenho uma filha. E vocês?
- Eu estou começando um namoro e a Anamara é casada, mas ela botou o anel no bolso quando veio pra festa, hahaha – respondeu Lia, que se aproximou deles (a amiga ainda tentava levantar-se) – Agora é a minha vez, chega pra lá, Ana.
- Vai ter que esperar alguns minutinhos, estou esgotado – disse ele, levantando-se. – Vou pegar alguma coisa pra gente comer e depois a gente inicia o segundo tempo, certo?
- Vai fugir? Se não for, coloca alguma coisa sua aqui pra ter certeza de que voltará – e ele pôs o relógio em suas mãos, terminando por dar um beijo em sua boca e saiu do quarto, fechando a porta em seguida.

Sidney descera dos andares sorrindo, lá embaixo o som diminuíra e já dava para conversar numa boa, mas isso não o interessava mais. Aquela transa com Anamara lhe alegrou fortemente, visto que o desempenho (tanto dele quanto a da parceira) fora melhor e mais aproveitável que com Margarete, mas não esnobara esta última, que tinha um charme e gostosura pessoal, embora mais contida. Valia tanto quanto qualquer outra mulher que passara por Sidney, por isto mesmo que se deitaria com ela a qualquer hora, se necessário, era uma companhia indispensável na cama. Sempre que pedia, ele poderia estar lá. Sidney aproveitava a situação para procurar o pai e ver como ele estava se virando naquela festa. Parecia que, embora as pessoas tivessem se acalmado no casarão, o número de participantes aumentou consideravelmente. Não ficaria surpreso se o andar onde as meninas estavam instaladas, fosse invadido por mais casais dispostos a afogar o ganso, de qualquer sexo. Embora Lia tivesse à sua mão um relógio falsificado Sidney não tinha o desejo de deixá-las plantadas naquele quarto, especialmente por conta do sexo maravilhoso que teve. Não mereciam isto, mas antes de pegar comes e bebes, foi ver o homem que o colocou ali. Acabou Sidney sendo achado por ele.

- E então, está gostando da festa? – perguntou o pai, abraçado a Mario, bêbado. – Acho que não voltarei. Você voltará para casa agora ou ficará até amanhã?
- Ficarei mais umas 2 horas e depois voltarei pra casa – respondeu Sid. – Melhor você colocar Mario em algum lugar menos barulhento, ele bebeu demais e nem está conseguindo me olhar direito. Tá fazendo também uma cara hilária, hahaha!
- Vamos prum lugar menos barulhento sim, cara – disse Mario, trôpego. – Vamos para atrás do armário, oras! Ele ainda está me devendo uma chupada!
- Fique quieto – censurou o pai, que logo após observou a reação de Sidney, que fazia força para não gargalhar. – Bom, como você vê, não poderei voltar hoje. Pode aproveitar tudo, este crachá te faz membro da festança! – disse, apontando para o crachá na sola do pé do amigo.
- Tudo bem, mas mudando de assunto: eu realmente achava que o senhor era hétero – comentou o indiano.
- E eu realmente achava que você era fiel à relação que tem lá no Rio! – devolveu o pai. – Pensa que não vi você subindo com duas mulheres? Mesmo assim, boa sorte. Ninguém é de ninguém aqui.
- Que coisa... – concluiu Sidney, vendo o pai e Mario beijando-se ao adentrar o casarão. Certamente, iriam subir para algum quarto. Bom, não era problema dele. Terminou por rir, e após pegar um saco com sanduíches e água gelada voltou ao quarto. Surpreendeu-se com a ausência das duas. Seu relógio estava em cima do criado mudo. “E o telefone da Ana?”, pensou ele. Em parte alguma.


Última edição por Admin em Ter Out 26, 2010 12:36 am, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:31 am

Recordou que, embora estivesse no rala e rola com Anamara, tinha percebido a mudança de comportamento em sua companheira Lia. Sentia-se inquieta, como se quisesse alguma coisa, não manifestava apenas ansiedade em fazer sua parte naquela hora. Obviamente, quando ele saiu do quarto para ver os comes e bebes tratou de conversar com sua amiga, lhe inserindo qualquer idéia ou impressão que estava instalada em sua cabeça e ela cedeu, talvez por bem ou por mal. Teve tempo suficiente para fazer sua cabeça – não exatamente “fazer a cabeça” - e pedi-la para que se retirasse junto com ela, explicitando finalmente o ápice de seu descontentamento. Claro que foi uma baixa para ele, porque queria experimentar de Lia e já juntara forças para isto, mas frustrado, terminou oficialmente o ato sentado na cama, comendo e bebendo o que levou para alimentar as duas gurias. Não tinha a tristeza em seu coração, até porque conseguiu transar com uma delas, logo, a experiência não fora tão falha assim. Nem foi falha, ainda mais comparando com aquela multidão homossexual que se mostrava majoritária naquela celebração, colocando-o como um estranho no ninho. Circundou-os por alguns momentos, incomodado por ver tantos homens por metro quadrado. Concluiu que não conseguiria o que queria ali e andou até as cercanias do casarão em busca de uma mulher, por mais simples que fosse. Até que achou uma cozinheira cheinha e mulata, despejando um balde de água para os cavalos. Seus seios enormes atiçavam o homem e este, excitado, decidiu cortejá-la quando repentinamente foi pego pelo braço, por mãos leves, mas ao mesmo tempo rígidas.

- Está querendo pegar alguém nesta noite? - perguntou Margarete. - Você não se agüenta, impressionante?
- Boa-noite pra você também – disse Sidney, calmo. - Tinha imaginado que eu e seu pai seríamos seguidos, obrigado por confirmar, sim?
- Onde está ele? Aposto que não está fazendo a mesma coisa que você quer fazer. Isso é, se já fez e quer fazer novamente.
- Quer saber mesmo a verdade? Espero que não vá prejudicar a mim quando saber de tudo. Venha comigo, acho que sei onde ele está – disse Sidney, que teve seu braço largado por ela e por fim, segurou sua mão enquanto os dois adentravam ao casarão e subiam os andares, no intuito de procurar o pai em cada um dos quartos.
- Acha mesmo que ele estaria por aqui? Certamente está lá atrás, festejando com os demais cowboys, comendo um churrasco...meu pai não é das safadezas que está pensando, você está me ofendendo!
- Engraçado, você diz isso tudo como se fosse uma freira – disse ele, sorrindo maliciosamente. - Mas sabe bem que transamos recentemente e que poderemos transar novamente, não precisa vestir esta casca, se abra comigo. E antes que pergunte, não contei e não contarei a ninguém o caso que estamos tendo.
- Ora, não estamos tendo caso algum, apenas tive vontade de ficar contigo e fiquei. Qual o problema? - perguntou ela. - Você gostou muito de me ter e eu gostei de te ter, então...
- Então você não precisa agir como uma beata, não para mim – interrompeu Sidney, que colocou-a na parede, a fim de acariciar suas nádegas. - E não se preocupa se seu pai estiver em um destes quartos, dando ou comendo para não sei quem, a vida é dele.
- O quê??? Está insinuando que ele seja...
- Sidney! - bradou o pai de Margarete, saindo abraçado com Mario, sorridente. Mudou a expressão quando notou a presença de sua filha naquele antro. - Marga, eu...eu espero que...
- Não precisa me explicar nada, nem foi preciso Sidney me dizer que você é gay, ou bi, sei lá – murmurou ela. - Tudo...tudo bem.
- Hum...tudo bem mesmo? - perguntou o pai.
- Sim. Se eu não concordasse, o que mudaria? Mas, acho que o senhor deveria ser honesto com mamãe e despejasse tudo isso.
- E acha que seria tão fácil assim?
- É mais fácil sair dando por aí enquanto pensa qual dia seria mais propício para revelar à mamãe? - perguntou, aborrecendo-se. - Olha, Margarete, não te dou o direito de falar dessa forma comigo... - e mal terminara sua frase para ver a filha sair daquele lugar, descendo para voltar para casa. “Ela nos seguiu”, disse Sidney, que complementou com “concordo com ela no sentido de que deveria revelar pra sua esposa o quanto antes. Virá o divórcio, disso o senhor pode ter certeza”. Deixou Sidney e visivelmente triste, desceu com Mario. Tinha a certeza de que não se safaria desta.

Sidney retornou para casa antes do amanhecer, pois não sentia-se bem em continuar a angariar casos naquele lugar, em especial pela revelação de Margarete presenciada por ele. Preocupava-se em como Bonnie e a mãe de Marga reagiriam à situação, certo que careciam de um carinho e ombro amigo naquelas horas. Poderia permanecer o tempo que quisesse no local, visto que era dono de uma clínica e sendo o que é, não precisaria se policiar quanto a horário e dia de chegada. Ainda mostrava disposição para rodar a noite inteira se quisesse, mas preocupava-se com Bonnie – esta repousava no caixão dele – que, extremamente carente de sua presença, iria enchê-lo de perguntas sobre o que fizera durante a noite. Bom, ela saberia de qualquer forma, logo, não teria como contornar. Sidney verificou o quarto do casal. O pai não estava lá. A mãe dormia e sua expressão serena fomentava ainda mais a opinião dele de que ela não merecia passar pelo iminente sofrimento, mas tal qual as dúvidas de Bonnie, seria impossível contornar a situação.

E ao despertar junto ao ar morno que saía da boca de sua filha, Sidney ouvira uma discussão, um falatório agressivo protagonizado pelo casal e que descambaria para algo pior se não fosse controlado. Retirou-se do caixão – manteve a filha ali – e foi ver o que estava acontecendo. Margarete, encostada na borda da porta principal, assistia tudo com os braços cruzados e cara de poucos amigos. O pai e a mãe trocavam ofensas e ameaçaram agredir-se fisicamente. Antes de porem a idéia na prática, foram contidos pelo visitante que disse o evidente “parem com isso” e não parou por aí.

- Provavelmente a senhora já deve estar ciente de que eu e seu marido fomos ao aquecimento da vaquejada, no Arcozelo. Ele me chamou e eu fui de curioso. Mas, assim como a senhora e Margarete eu não sabia que seu marido era homossexual, bissexual ou o que seja, mesmo assim, vamos resolver este impasse como pessoas civilizadas, tá certo?
- Mas, o que você pode falar, você traiu CL na festa, ficou com duas mulheres que eu vi! - acusou o pai, exaltado.
- Mas foram mulheres, não homens – disse a mãe, tão exaltada quanto ele. - Quem não pode falar nada é você. Como sabes, estou pedindo o divórcio e estou te pedindo para que saia de minha casa agora!
- Espere, eu...
- Você tem seus parentes – interrompeu a mulher. - Pegue pelo menos parte de suas coisas e vá para a casa deles, não agüento mais olhar para essa sua cara. - Por fim, o pai virou-se para seu quarto, afim de esvaziar parte de seu armário colocando em suas malas. Sidney fitou Margarete, que disse “eu contei” sem emitir voz. Logo, a mãe falou com ele – Foi até bom você ter ido com ele e Margarete tê-los seguido. Agradeço profundamente, pois, pelo que o conheço, não iria revelar sua opção sexual tão cedo. Mas, quero que volte para o Rio, preciso ficar sozinha nesta casa.
- Tudo bem, vou acordar Bonnie e prepará-la – respondeu Sidney.

Já sabia que Sidney apreciava uma esbórnia e que não punha na prática a fidelidade, soube antes que seu marido denunciasse e que com isto, o indiano poderia ser uma das últimas pessoas a ter de sair impune naquilo tudo – até por ter participado da festa – e que era uma pessoa particularmente egoísta e superficial em alguns aspectos, mas não tinha culpa do que ocorreu, sem saber ajudou a revelar o que possivelmente não seria revelado – ou se fosse, seria após grande espaço de tempo – sua ida àquela festa instigou a curiosidade de Margarete, que o seguiu e viu com seus próprios olhos a opção sexual do pai. Nem precisou flagrá-lo fazendo sexo ou coisa parecida para chegar àquela conclusão e claro, o próprio pai reforçou o que o pensamento da baixinha ruiva insinuara, bastou apenas uma única frase para encaixar a peça nas outras, resultando em toda aquela discussão. Sidney acordou Bonnie, que levantou assustada com a gritaria posta na sala de estar, mas por enquanto não teve resposta às suas perguntas básicas, o porquê de estarem brigando e se isso começou há muito tempo. Queria estar no meio da linha de tiro para resolver as coisas, sabia que se dessem ouvidos aos seus apelos o fariam apenas por ser Bonnie: uma ruivinha linda pré-adolescente e com alto valor sentimental para ele e para aquela família. Mesmo se funcionasse, cessariam a briga por ora. Estava bem além de sua distância e controle e por isso mesmo foi colocada de lado, a fim de deixar passar aquele turbilhão tão incomum na casa. Margarete descruzara os braços e foi auxiliar o médico a dar banho e trocar a pequena – fora convidado a se retirar do banheiro nesta primeira atividade. Ouvira da mulher um “Pra mim foi até bom isso acontecer, ninguém aqui estaria capacitado para viver esta mentira”, e concordou com ela. Fechou a porta e Sidney esperou na varanda, sentando-se na rede, presenciando nuvens mal encaradas se aproximando da área. Poderia pedir para permanecer na casa, mas em respeito ao casal não poderia mais ficar ali. Margarete e Bonnie saíram do banheiro 10 minutos depois, e com elas um vapor quente. Foram direto ao quarto, onde abriram o armário e retiraram algumas roupas, jogando-as na cama, a fim de escolhê-las a dedo. “Peço desculpas por você estar passando por isso”, disse a mulher. “Digo, você não está no olho do furacão desta vez, mas qualquer sofrimento é sempre uma merda, né? Ah, desculpe ter xingado.” “Papai disse que eu tenho de me acostumar com o sofrimento, senão eu me torno uma 'ulu', uma estúpida, e isso seria péssimo pra mim e pra ele”, disse a pequena. Um xingamento indiano posto na boca de Bonnie como se a mesma tivesse a obrigação de passar para a posteridade quando crescer, mas fora os xingamentos ano após ano a pequena ruiva abastecia sua mente com os ensinamentos feitos por seu pai – e ele sempre ensinava alguma coisa sobre seus costumes indianos, seja no trabalho ou em casa. Bonnie tivera uma pequena estada no país natal do médico, tendo a oportunidade de visitar a família do mesmo, recebendo de presente uma família dissimulada e um tanto receosa quanto a conhecê-la a fundo – e não aproveitavam o escasso tempo em que a menina passou na casa deles, bastante atenta nos costumes hinduístas passados de geração para geração naquela família. É certo que, sob a tutela da outra família em Avelar, tinha aprendido a prática de plantar, colher, fazer sua própria comida – algo que não tinha aprendido na Inglaterra nem na Índia – , mas pensava que poderia sucumbir à adaptação dos 3 países. Sempre tinha de aprender alguma coisa...se achava fraca o suficiente para poder assimilar todo o ensinamento referente aos costumes de Inglaterra, Índia e Brasil, todas aquelas viagens, mudanças de fuso-horário e costumes diferentes poderiam afetar a cabeça daquela pequenina, estava sobrecarregada disto, mas não aconteceu. Mesmo vivendo em tão pouca idade decretou a si mesma que não passaria por mudanças radicais de costumes e comportamentos em tantos países diferentes, queria descansar seu couro em um local fixo e permanecer ali por anos e anos, construir uma casa com suas próprias mãos e manter-se trancada ali, em sua cidade, em seu estado, em seu país. Viajou tanto que já estava saturada e não desejaria sair do Brasil novamente. Decidiu viver com seu pai até a vida adulta, quando tiver maturidade sentimental e independência financeira o suficiente para construir seu próprio lar.

- Eu lembro de te ver muito feliz quando reviu seu pai, e sinceramente, acho que ele não sente a mesma coisa por você – revelou Margarete, vestindo-a. – Digo, até poderia achar da mesma forma, mas...ele meio que não demonstra isso, parece meio falso, sabe? Não estou dizendo isso para fazer sua cabeça, mas a impressão é que ele finge com você, querida.
- Ah, muita gente pensa isso do meu pai, isso é normal – disse Bonnie, penteando o cabelo. – Dizem que ele é dissimulado, mas ele nunca me decepcionou em nada e também pensei a mesma coisa que você há um tempo atrás, depois vi que estava enganada, pois assim como existem pessoas que parecem ser suas inimigas, mas são suas amigas, aquela é a forma corporal de demonstrar sua felicidade.
- Não digo isso, é que, parece que ele veio te levar de volta por conveniência. Parece que ele fica amigo das pessoas por conveniência. Tipo, ele não decepcionou meus pais até agora, mas deve estar pensando em alguma coisa, preparando alguma coisa para se satisfazer... – Margarete pusera o vestido na pequena, até que a guria repelira a mão da mulher posta em seu ombro.
- O que ele fez contigo pra você falar desse jeito? – perguntou Bonnie. – Aproveita que estamos sozinhas e desembucha.
- Não, ele não fez nada, só desconfiei. Sou uma mulher observadora, você sabe disso. Bom, peço desculpas por ter falado isso tudo...
- Tudo bem, vou esquecer daqui a pouquinho, hahahaha! - A verdade é que não se esqueceria tão rápido assim.

Bonnie, já arrumada, saiu do quarto junto à Margarete, indo em direção à Sidney, ainda preguiçosamente sentado na rede, esperando a menina juntamente com os donos da casa. A mãe, envergonhada por um “homem de fora” ter presenciado a briga com seu marido, manteve a cabeça baixa na maior parte do tempo, mesmo sendo a vítima na situação. Já o pai, esteve de crânio ereto enquanto abraçava a pequena e apertava as mãos do indiano, que ouviu um “apesar de tudo tivemos uma boa diversão, isso o que importa”, mas recebeu um “aí, você está redondamente errado. Não quero posar de sentimental, mas o que realmente importa é a pessoa que está atrás de ti”, sussurrado por Sidney. O pai virou as costas e observou sua esposa, cabisbaixa. Prontamente Margarete a confortou num abraço. Bonnie afastou-se de seu pai e também foi até ela, formando um cercado humano repleto de carinho para a mulher. Sidney sorriu. “Não terá como consertar esta cagada, certo?”, perguntou para o pai, que fez um sinal negativo com a cabeça. Por fim, desfeito o abraço-sanduíche, Margarete, sua mãe e seu pai despediram-se dos dois, que andaram a pé até o centro de Avelar para tomar a condução. O indiano tinha a convicção de que ainda naquela semana eles tramitariam o divórcio, o que provocaria certa mudança na vida daquela gordinha ruiva. Já Bonnie, tinha sorte de não participar daquele furacão, já estava rumando ao Rio de Janeiro e, embora bastante preocupada – naturalmente – não poderia fazer nada além dos mesmíssimos votos de recuperação e palavras conciliadoras. Tinha ciência de sua inutilidade quanto àquela situação. E não adiantava conversar com seu pai a respeito daquilo, pois ele lhe responderia as mesmas coisas, que ela não estava interessada em ouvir. Não imaginava que sua despedida de Paty de Alferes – e em especial, da família que a acolheu por anos – fosse tão ruim e tão lamentável. Sidney estava disposto a injetar uma “vida normal” – palavras dele – em uma grande cidade.

Chegando ao centro de Paty do Alferes, Sidney e Bonnie resolveram tomar um sorvete antes de seguir viagem. Ainda tinha muito tempo até chegar ao Rio de Janeiro, portanto resolveu fazer hora, mesmo tendo a ciência de que sua filha quisera o contrário. Seu motivo era que mal conhecera a cidade, então ao menos percorreria o centro. Foi negociar a venda de uma moto usada, até que Bonnie chegou repentinamente, enroscando-se no seu braço.

- Está realmente tudo bem com a CL? – perguntou ela, entre uma colherada e outra. – Não quero ter de me decepcionar com ela de novo.
- Tá tudo sobre controle, pode afastar esta preocupação da sua cabeça – respondeu ele. – Prometeu ficar conosco de vez, mas mesmo se mentir, o que poderei fazer? Eu e você, não estamos lidando com uma criancinha impossibilitada de tomar decisões por conta própria, é claro que não é uma pessoa decidida, mas pelo jeito, desta vez, não pretende nos dar um banho de água fria. Mesmo se der, mesmo se mentir, dane-se. Vamos fazer nossa parte. Espero que, se ela for embora de verdade, que seja definitivamente, pois nem sempre estarei à disposição para permiti-la adentrar à nossa casa. Minha paciência tem limite, mesmo sendo uma pessoa bem legal. Você sabe disso, querida.
- Sim, eu sei – disse a ruivinha. – Mas, sempre soube que a CL não gostava de agir como mãe. Sempre foi uma mulher soltinha, do tipo que não perde tempo com preocupações e deveres...sei que, apesar de tudo o senhor não pretende terminar seus dias com uma mulher desse tipo, até por minha causa. Mas realmente, está sendo mui paciente.
- É, até eu estou surpreso com minha paciência, pois já fui enganado por ela diversas vezes – complementou ele – , mas um dia a fonte vai acabar secando e CL vai acabar se ferrando e tentando passar seu charminho para outra pessoa. Ainda bem que você tem pelo menos a metade de um “básico”, coração: um pai, tem uns parentes atenciosos e dispostos a te ajudarem no que for preciso, especialmente quando a chapa esquentar e eu estar impossibilitado. Agora, você precisa de uma mãe de verdade, que vai fechar essa metade e aí sim, seremos uma família decente.
- Minha impressão é de que CL nunca poderá nos satisfazer – disse Bonnie. - Se o senhor estivesse falando com uma pessoa fria e insensível eu diria para extirparmos esta mulher de nossas vidas, mas mesmo se o fizesse me arrependeria depois. Sabe, mesmo o senhor tendo excelentes contatos e uma alta gama de amigos, não poderíamos dispensar uma pessoa tão íntima à nossa vida. Como prevejo, vai dizer que estou certa.
- Precisa? - perguntou ele, enfiando uma colher de sorvete na boca. Eles realmente não precisavam tanto de CL, qualquer mulher poderia preencher o papel de mãe para Bonnie, mas como ela mesma disse, a mulher já gozava de alta intimidade para com a dupla, o suficiente para que pudesse se instalar na casa deles o tempo que fosse necessário, além de participar do dia-a-dia destes com toda a liberdade possível. Certamente, a pequena ruiva teria parte de sua vida reconstruída na capital, desfrutando de experiências em um novo – e caro – colégio, cursos profissionalizantes, além do básico ensinado por seu pai.

Era natural de que a deixasse preparada para a posteridade ao mesmo tempo em que pesava na menina sua mão controladora e ciumenta, maquiada em uma personalidade extremamente gentil e compreensiva. Era tudo o que ele tinha naquele tempo e o amor de CL – obviamente – nada significava perante ao que a pequena ruiva poderia oferecer. Ambos sentiam-se muito bem em aproveitar diversos sabores de sorvete, até porque Avelar fazia calor e precisavam dar um refresco. Para completar, tinham o amor um do outro. “Ela saberá segurar as pontas”, refletiram simultaneamente, não obstante a genuína preocupação – que se esvaia hora a hora. Sidney enfim comprou a moto (uma vespa amarela com sidecar) e saiu feliz do brechó, com Bonnie entrando no carona e testando a resistência da lataria. Pôs o capacete, o pai também, e logo logo ambos tomaram a estrada para descer.

Desceram a RJ – 125 , passando pelo município de Miguel Pereira. Bonnie amedrontou-se com o fundo dos vales ao olhar para baixo. Apertava ainda mais as costelas de Sidney, que efetuava risadinhas por isto. Toda aquela paisagem bonita e maravilhosa significava pouco para a menina, exatamente pelo temor sem sair do veículo, rolando montanha abaixo e quebrando a cabeça em algum local ou afogando-se em algum rio. Tratou de afastar estes pensamentos ruins e só focou a “beleza” de seu pai e todos os seus (bons) feitos, considerava a melhor coisa para espantar os maus pensamentos. Terminando de descer a serra, passaram pelo bairro de Arcádia – ainda em Miguel Pereira – e pelos outros de nome Conrado e Mangueiras. Adentraram ao município de Japeri, passando direto pela entrada da estrada em direção à Paracambi, município vizinho. Nuvens carregadas circundavam a região, oriundas de Miguel Pereira e de Engenheiro Paulo de Frontin, acima da serra. Os três poderiam fazer uma pausa no centro de Japeri para comer alguma coisa, mas como saíram de Paty do Alferes há poucas horas – apenas 1 hora – consideraram perda de tempo. Tinham comido lá em cima e os alimentos ainda não tinham sido digeridos. Sidney parou a moto para aguardar a passagem do trem, anunciada pelo apito da passagem de nível. Aproveitou para fazer charme e acariciar seus cabelos para as colegiais ao seu lado, que riam timidamente – mal sabia ele que para as gurias seu jeito galanteador beirava o ridículo. Passado o trem, seguiram caminho, cortando o centro de Japeri – um minúsculo centro, composto por poucas casas e que passaria despercebido não fosse sua imponente estação de trem, maior que qualquer construção feita no local. Foi passando por ali que Bonnie pediu descanso, pois tinha fome e sede, mesmo tendo se alimentado há poucos minutos.

Sidney encostou sua vespa próximo a um restaurante, que tinha os preços das refeições estampadas do lado de fora, num quadro negro. Bonnie decidiu comer um prato feito, com arroz, feijão, frango assado e salada com tomate e cebola. Seu pai resolveu acompanhá-la na comilança, então ambos ficaram em uma mesa, e viram que estavam sozinhos no recinto. Minutos depois, à base do refrigerante, Bonnie raspou o prato fundo. Queria descansar antes de seguir viagem, e Sidney brincou com sua preguiça, mas por dentro estava muito impaciente. “Você poderá dormir à vontade quando chegarmos no Rio, vamos, não faça hora”, disse ele. “Em 30 minutinhos vamos chegar lá. Fez manha, puxando o braço do pai e batendo as perninhas, até que Sidney fora surpreendido pelo semblante de Anamara, caminhando em direção à estação de trem. “Olha só o que temos ali...uma conhecida”.

- Quem é aquela mulher? – perguntou a menina. Sidney não respondeu e andou até ela, arrastando a menina, que não desgrudava de sua perna. – Responde.
- Ana, tudo bem contigo? – indagou o indiano, observando primeiro os seios da mulher e depois seu rosto. – O que aconteceu que você tomou chá de sumiço ontem?
- Olha, eu adoraria falar contigo, mas... – quando ouviram “Maroca, vambora!” gritado por um homem careca e musculoso subindo a rampa da estação Sidney teve um pequeno baque. Anamara sorriu para ele constrangedoramente e sussurrou: - não posso fazer nada, nem ao menos passar meu número agora. A gente se esbarra por aí.
- Claro – disse Sidney, observando a morena juntar-se ao parceiro, que a abraçou assim que se ela se aproximou dele. Bonnie e seu pai retornaram à porta do restaurante, onde pegaram a lambreta e retomaram a estrada.


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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:32 am

Saíram do município de Japeri, tomando a Presidente Dutra, até seu final – na divisa entre os bairros cariocas de Jardim América e Irajá. Não foram agraciados com tantos carros, portanto, puderam relaxar na maior parte do trajeto.

Cruzaram a Avenida Brasil, a principal via rodoviária da cidade do Rio. Em poucos minutos estariam no centro da cidade, voltando a apreciar em abundância os bondes elétricos, caravelas e a praia que tanto adorava, a de Santa Luzia, logo embaixo do lar. Tão logo se aproximavam das áreas de abrangência relacionadas ao Centro, o número de carros fora diminuindo, em especial, ao cortarem o Cais do Porto, a Rodoviária Novo Rio e as estações de gás natural. Podiam sentir o frescor do vento do litoral batendo em seus rostos e entrando sem pedir licença em cada fenda de suas roupas. Estavam mais próximos dos morros da região. Bonnie observava perplexa a quantidade de contêineres descarregando dos navios. Do outro lado, tinham às suas vistas os morros da Conceição (um dos pioneiros na povoação portuguesa no Rio) e mais atrás o de São Bento, menor, composto pelo mosteiro de São Bento, próximo a Praça Mauá – também morada do prédio da Polícia Federal e de alguns inferninhos aos pés do Morro da Conceição. Há mais de um século atrás, os escravos eram desembarcados, abrigados e vendidos nas imediações do Morro da Conceição, na atual região da Pedra do Sal, no bairro da Saúde. – Cada vez mais aumentava o número de pedestres e veículos – bondes, charretes, bicicletas – , além da barulheira feita pelos mesmos e pelas propagandas de produtos alardeadas pelos vendedores. Sidney tinha saudades de toda aquela muvuca, todas aquelas casas e sobrados antigos, de ver aquelas pessoas, mas não era o fim de seu tesão. Tudo aquilo significava apenas o básico de seu dia a dia no centro da cidade – área mais povoada da capital federal desde a mudança para o Morro do Castelo, em 1567, após os portugueses conquistarem a supremacia do território carioca.

Os arranha-céus tornam-se presentes no centro da cidade há décadas. Nada suficiente para exterminar o sentimento nostálgico que um indiano de nascença e carioca de coração nutria fortemente. Bonnie também sincronizava o modo romântico de ver o Rio, mas de forma menos convincente. Sidney sabia que Cristiano também compartilhava com ele da mesma coisa, entretanto, reagia com uma reação altamente anti-social e repulsiva em relação à prédios enormes, multidões, civilidade atual como bem conhecemos. E sofria por isto. Muito. Sidney sentia-se muito bem em meio à arranha-céus – ao contrário de seu amigo – , eles retratavam o lado profissional de sua vida, o trabalho árduo (nem tanto) atrás de uma mesa de clínica, os jalecos, os pacientes sendo carregados, os funcionários andando de lá para cá, a relação satisfatória com executivos, celebridades de primeira e segunda linha e políticos de quase toda a estirpe... a volta à “civilização atual” inseria dentro de si um prazer instantâneo, inexistente na área rural – e não era necessário rumar para o interior do estado para vivenciar os locais inóspitos, a roça propriamente dita. Lá estava a Zona Oeste carioca que não deixava mentir. E para ele, Zona Rural não era nada comparada à cidade, aos centros urbanos e suas agitações habituais. Totalmente diferente das preferências de seu melhor amigo.

“Já estamos chegando,amor, não saia da moto”, disse o indiano, falando para a filha. Mas, é que a pequena ruiva era castigada com dores na virilha e nas nádegas. Bonnie manifestava seu incômodo movendo suas pernas e a bunda todo o tempo, mordia os dentes e ameaçava jogar-se do sidecar a qualquer momento. Poderia dizer a seu pai que prosseguiria o trajeto a pé, pois conhecia o Centro como o dedão de seu pé, mas não queria passar aflição e preocupação para ele, sem contar que pai algum que se preze permitiria deixar a filha encontrar o caminho de casa sozinha. Mesmo assim, foi necessário que pelo menos a menina descesse do veículo para esticar as pernas e movimentá-las ao seu bel prazer, movimentar seu corpinho enferrujado pela viagem. “Deve ter alguma forma de percorrer estes poucos quilômetros de forma mais confortável”, disse ela, ainda sacolejando seu corpo. “Posso ficar em pé, com os pés no banco e abraçada no senhor”. Recebera de pronto a resposta negativa. “Tá doida? Se a polícia nos pegar tamos ferrados e eu ainda quero ser político em 2012. Se for fichado, já era”, explicou Sidney. “Você pode agüentar mais um pouquinho, depois eu dou um jeito nisso”. E ficou assim. Percorreram as imediações da Rua Direita, trespassando a Candelária e sua igreja construída em 1901, adentrando ainda mais no centro financeiro do Rio. Mais gente, mais barulho. Passaram a Rua do Ouvidor – esta cortava a Avenida Central, principal via da região – , Bonnie observava atentamente as numerosas lojas, restaurantes, ambulantes vendendo de quase tudo: desde balas Halls a R$ 1,00 até controles-remoto universais. De vez em quando pessoas amontoavam-se em cantos da rua fitando números de mágica protagonizados por cães, palhaços, mímicos e sósias de celebridades nacionais e internacionais. Tudo isto dava encanto ao local, casando com a arquitetura neoclássica presente em 95% das casas de 3 a 4 andares – muitas – no Rio. Vez ou outra Sidney tomava um café naquelas lojas ou comprava algo especial para preparar para o almoço e janta em uma daquelas quitandas. Tratou de descer de sua moto para comprar 3 lotes de kiwis e um abacaxi bem maduro. Pensou nos seus amigos músicos que eram feirantes nas horas vagas, mas eles já tinham saído do Rio para tocar fora. Bonnie desceu junto e fez força para subir no sidecar novamente. Seus fundos doíam mais do que nunca. “Não fique atrasando as coisas”, disse ela, trincando os dentes.

Percorrendo as vielas estreitas com a vespa, chegaram à Praça XV de novembro, terminal rodoviário. Próximo dali, a estação de barcas – com linhas para a cidade de Niterói, São Gonçalo e para o bairro carioca da Portuguesa, na recentemente explorada Ilha do Governador. Próximo à Praça XV, o bairro da Misericórdia. Bonnie, com seus límpidos olhos azuis, avistava há dezenas de metros o Morro do Castelo, e abaixo, sua primeira ladeira, a Ladeira da Misericórdia, iniciada próximo ao Largo homônimo. Além da expectativa de retornar à velha e boa vida vivendo lá em cima, nutria a saudade de explorar cada centímetro do morro, nadar na praia de Santa Luzia, assistir uma missa na igreja homônima (mesmo não sendo católica)...após passar a charrete, Sidney prosseguiu cortando a Praça XV até a Ladeira – onde recordou da época em que, totalmente bêbado, adormecia ali como criança - e claro, com a pequena moto, fez força para subi-la.

“Escolhi um sítio que parecia mais conveniente, para edificar nele a Cidade de São Sebastião o qual sítio era de um grande mato espesso cheio de muitas árvores grossas em que se levou assaz de trabalho em as cortar a limpar o dito sítio e edificar uma cidade grande, cercada de muro por cima, com muitos baluartes e fortes cheios de artilharia. E fiz a igreja dos padres de Jesus, onde agora residem, telhada e bem concertada e a sé de três naves, também telhada e bem concertada, fiz a câmara sobradada, telhada e grande, a cadeia, as casas dos armazéns e para a fazenda de sua alteza sobradadas e telhadas e com varandas, dei ordem e favor com que fizessem outras muitas casas, telhadas e sobradadas...” - Mem de Sá.

O Morro do Castelo – anteriormente conhecido como Morro do Descanso, São Tiago, São Januário – fora o primeiro lar (de fato), onde foi construída a cidade do Rio de Janeiro. Após dura batalha contra os franceses – que queriam fazer da região um braço de seu projeto da França Antártica – os portugueses saíram do Morro Cara de Cão (situado no bairro da Urca) e resolveram procurar um local elevado, de modo que observassem a entrada de invasores pela Baía de Guanabara. Os franceses tinham os indígenas tamoios como aliados, estes também não suportavam os portugueses, porém, não subiam morros por associá-los a “coisas demoníacas”. Com a ameaça francesa afastada de vez, o Rio solidificou-se como cidadela murada e fortificada – com a construção do Forte de São Sebastião do Castelo – em cima do morro, visto que em boa parte da região a presença de terrenos alagadiços e pantanosos era grande, era necessário um terreno elevado para observar. Lá em cima foram construídas a Casa da Câmara, a Cadeia, a Casa do Governador, os Armazéns, a Igreja dos Jesuítas e a Igreja de São Sebastião, onde foi instalada a primeira Catedral da Sé da cidade, junto ao marco de pedra da fundação da cidade, trazido do primitivo estabelecimento do sopé do morro Cara de Cão, além dos restos mortais do fundador Estácio de Sá.

E ali permaneceu a maior parte do que era a metrópole até o século XVII, quando a elite da cidade desceu e seu núcleo urbano se estabeleceu no quadrilátero denominado “Várzea”, área correspondida entre os morros do Castelo, de Santo Antônio, de São Bento e da Conceição, ocupados, respectivamente, pelas ordens religiosas dos jesuítas, franciscanos, beneditinos e pelo bispo da cidade. Atualmente, com uma população de 1000 pessoas, restringindo-se aos 184 mil metros quadrados, o morro situa-se em uma região delimitada pelas ruas São José, Santa Luzia, México e Largo da Misericórdia – este último, compreende-se próximo a face norte da colina. A íngreme e tortuosa Ladeira da Misericórdia, iniciada no Largo homônimo, era a primeira de acesso ao morro. Posteriormente surgiram a Ladeira do Castelo e a Ladeira do Seminário, em pontos distintos.

Atualmente, o Forte de São Sebastião do Castelo – outrora posicionado no cume do morro – amargava papel obsoleto na cidade. Alquebrado pelo tempo e pela inutilidade, casas foram construídas em seu interior e do que restou de sua construção fora tomada pela vegetação. Também lá em cima estabelecia-se o Colégio da Companhia de Jesus, fundado pelo jesuíta Manoel de Nóbrega, com objetivo de formar novos missionários. Atualmente, ainda ostenta a categoria “colégio”, mas um colégio com verve mais liberal, mesmo com a religiosidade ainda sendo levada em conta. A maioria de seus alunos são moradores do morro.

Sidney e Bonnie, percorrendo ladeira pé-de-moleque acima, toparam com as caboclas que liam a sorte alheia, os moleques, que soltaram pião, saíram da frente e a cada chamada por seu nome Sidney acenava alegremente. Bonnie queria matar a saudade após dormir tranqüilamente pisando descalça nas calçadas, passando com suas mãozinhas nas construções antigas, correndo como nunca nos quintais, escalando árvores. A Ladeira da Misericórdia era rodeada por casas nos dois lados em toda a sua extensão. Bonnie recordou da Igreja de São Sebastião (construída em 1583), onde, em seus primeiros dias de adaptação ao sair da Inglaterra, morria de rir ao presenciar crianças vestidas como os santos da igreja, a fim de pagamento de promessas – um costume bem comum. A casa de seu pai situava-se longe da igreja, mas sempre que podia dava uma olhada no local. E se divertia muito nas procissões, fazendo maluquices que só eram relevadas por tratar-se de uma criança.

Há um tempo a Ladeira da Misericórdia entrara em um projeto de revitalização criado pela associação de moradores – que também correspondia a administração regional. O Castelo em si consistia em uma região administrativa própria, separada da região administrativa central – que englobava também a Ilha de Paquetá. Não só ela, mas as demais – como a do Seminário, iniciando-se na região próxima do Largo do Carioca – , além de mais ou menos 55% das casas existentes no morro, carcomidas pelo tempo. O que todos sabiam era que o morro do Castelo consistia na parcela mais pobre do centro da cidade, com população superior à comunidade do morro da Providência – fundada por ex-guerrilheiros de Canudos, aos pés da estrada de ferro Central do Brasil, longe da Praça XV de Novembro. Esta mesma parcela pobre castigada pela elite, mal falada pela mesma e negligenciada pela maioria das pessoas residentes da Várzea. Era de consenso praticamente geral de que o morro do Castelo envolvia-se em uma atmosfera misteriosa – no mal sentido – , com habitantes malcuidados, pobretões, necessários apenas em época de Eleições, além de encher os bolsos da Igreja Católica e tão acostumados com benefícios sociais concedidos pelo Governo que de tão preguiçosos, abdicavam-se de melhorar a própria vida, uns encostados. E esta pobreza, claro, manifestava-se não só em suas simples vestimentas, mas em toda a arquitetura das casas e barracos na região, além das calçadas pé-de-moleque sem tratamento, com paralelepípedos desgarrando-se, iluminação precária em diversas partes do morro. Mas, existiam as pessoas dispostas – financeiramente, inclusive – a mudar o quadro do bairro, a “reeducar” aquela gente, a inundar a região serviços básicos – como saneamento básico para todos, além de iluminação pública, cursos profissionalizantes, segurança, necessários para uma civilização decente. Dentre todos estes altruístas havia um homem que vivia no coração deste povo. Um homem que, ali em cima, gozava de um carisma semelhante ao do Presidente da República. Este homem auxiliava sempre que podia por 2 coisas, que sempre deixava claro em sua sinceridade: 1) o espírito nostálgico. O morro do Castelo tinha história para dar e vender, suas ladeiras, casas e vielas exalavam o cheiro secular de um centro urbano. Tudo o que ele queria fazer era revitalizar e conservar aquela área tão esquecida pelos poderosos. 2) o poder. Ele tinha carisma e fazia por onde ser adorado. Todos sabiam que sua intenção e força de vontade era equiparável a de certos moradores que nasceram no morro, todavia não tenham nascido em berço de ouro. Ele os põe para trabalhar junto – os física e mentalmente capazes -, e utilizando seus contatos, consegue (quase) tudo o que quer para o bem dos habitantes e do papel histórico que o morro tem. Mas este homem, mesmo não se achando o melhor de todos os nostálgicos com condições de salvar o morro do Castelo mantém-se em um patamar semelhante, e os outros acostumaram-se. O fato é que o morro do Castelo e todo o seu futuro dependia mais dele que do governo municipal, estadual ou federal, que, mesmo não anunciando formalmente, se lixam para aquele acidente geográfico e seus habitantes. Quase tudo se devia a este homem.

Sidney e Bonnie passavam com a vespa pelo Largo do Castelo, um pátio circundado por residências e lojas de conveniência. Chamava a atenção de todos, pois reconheciam suas fuças. Acenos, acenos e mais acenos, sorrisos felizes. Bonnie sentia-se em casa, não tão alegre quanto seu pai, pois suas nádegas e virilha ardiam como nunca. Não via a hora de retirar-se de cima daquela moto e deitar. Antes de chegarem à chácara, o indiano parou para conversar com algumas pessoas. Bonnie aborreceu-se novamente, dando beliscões nas costelas dele, pedindo para que se apressasse. Já na entrada da quinta, uma mulher atrás da cerca de abertura/saída, bem pálida e de roupas limpas e passadas estilo vitoriano (exibindo no decote parte de seus seios tamanho médio) discutia com uma mulher maltrapilha e de cabelos desgrenhados, sentada na calçada, com o filho à espreita. “Eu vou esperar o tempo que for necessário para falar com o senhor Sidney”, disse a mulher. “Tudo bem, mas não é recomendável aguardá-lo fazendo acampamento em nossa calçada”, respondeu calmamente a mulher atrás da cerca, loura de cabelos longos e trançados por trás. Sofria de um leve estrabismo. “Sem contar que há a associação de moradores para ajudá-la, é desnecessário esperar o meu chefe aqui”, reforçou. Já a maltrapilha, levantou-se e andou até a mulher, com cara de poucos amigos. “O problema é que eu não confio em político e em gente rica. Eles sempre dizem uma coisa, mas fazem outra, por isso achei por bem estar aqui para quando vê-lo, abordá-lo. Quero acabar logo com isso”, vociferou a gordinha, exalando um cheiro desagradável, a ponto fazer a lourinha afastar-se por alguns centímetros. “Mas, se a senhora não confia em gente rica, por que precisa da ajuda dele?”, perguntou a jovem pálida, recebendo um susto – a mulher da calçada balançara violentamente a cerca de madeira que compunha a entrada/saída da chácara. Claro, assustou a serviçal. Situações semelhantes não costumavam ser corriqueiras na entrada/saída da chácara de Sidney, geralmente os necessitados do morro do Castelo rumavam para a associação de moradores pedir ajuda, receber benefícios, fazer cursos, etc. Casos como o da mulher violenta eram isolados, mas Sidney já sabia como cuidar daquilo. Por sorte, ele e Bonnie iam chegando ao local. A maltrapilha fitou-o perplexa (o filho idem) e ele, sem retirar o capacete, pediu à lourinha para que abrisse a porta. Esta atendeu, temerosa – pois tinha medo da revoltosa, que avançou sobre o indiano, clamando por ajuda. Este, enfim, retirou o capacete. Bonnie fez o mesmo.

“O senhor me disse que me ajudaria com a questão do meu pai”, bradou a mulher, sacudindo o braço dele tal ponto que quase o derrubou. “Como é que fica o meu pai? Eu estou desde ontem dormindo aqui, esperando o senhor!”. “Fica tranqüila, amor”, disse Sidney, calmo. “Acabei de chegar duma viagem, me desculpa, acabei esquecendo da senhora. Quer saber? Entra conosco, tome um banho e nós veremos o seu caso”. Bonnie a olhava de cima embaixo. Logo, transferiu seu olhar curioso ao filho, que sem nada a dizer, levantou-se da calçada e correu – de forma cômica – até a mãe, que rapidamente o pegou pelo braço, trocando a ira pelo alívio. Se ela o convidou para adentrar à sua casa – pensou a maltrapilha – certo que conseguiria salvar seu pai, até algo mais. O alívio, por pouco, não fora trocado pela alegria, mas em seu interior, sorria de orelha a orelha.

- Está certo disso? – perguntou a loura (de cabelos quase brancos) serviçal, apreensiva em seu longo vestido alvo.
- Tô, fica tranqüila, antes de você trabalhar pra mim Ganesh quase sempre recebia a pobraiada na minha casa – respondeu Sidney, confiante. Esperava um retorno triunfal à quinta (embora não estivesse ausente por tanto tempo assim, mas era sempre gostoso voltar à casa), a mulher gritalhona e maltrapilha sabotou seus planos, mas tudo isto fazia parte de sua vivência por ali. Não se aborrecia com qualquer pessoa que batia a sua porta pedindo ajuda, entretanto, sempre com a cautela acesa. Era fato que tinha um trato com aquela moça, feito antes de seguir viagem para Paty do Alferes. O pai da mesma sofria a ponto de não poder sair da cama por conta própria (sua presença no trato do pomar e horta era necessária), os amigos do velho afastaram-se (por conta de surtos embriagados) e mal podia carregá-lo para um hospital público: queixava-se tanto da falta de ajuda – por motivos misteriosos eram mal falados no bairro – que resolveu deixá-lo na cama até procurar um médico residente do morro do Castelo, onde vivia. E viu em Sidney sua única esperança. Sabia que poderia ajudá-la.
- Coitada... – sussurrou Bonnie, não tirando os olhos da mulher, esquecendo o momento em que se acostumou com estas pessoas. Com Sidney, a serviçal e as duas visitas, adentraram ao casarão, de coloração vermelha, 3 andares, cercado com árvores de médio e grande porte, uma pequena piscina, pomar e horta. Tudo arrumado e bem feito, contrastando com o casario pobre e caindo aos pedaços da região. Tal área da quinta ostentava murada de 3 metros na demarcação. A residência (datada de 1890) fora o lar do bisavô de Sidney, que passou a casa para o avô e depois direto para a mãe. O pai ficou em Thiruvananthapuram, na Índia. Sidney estacionou a moto próximo à escada que dava entrada à casa e recusou o pedido da serviçal, que queria manobrar o veículo até a garagem.
- Me desculpe por não fazer a comida há tempo, o senhor não entrou em contato... – disse a serviçal...
- Sem problemas, amor, providencia um banho para a mulher e o filho – disse Sidney. – Vou à casa deles, mas antes, preciso dar atenção à Bonnie.
- Que legal, vamos ver como tá o meu quarto – alegrou-se a menina, que, ao subir as escadas com seu pai, notou no mesmo uma mudança súbita de expressão. Era certo que estivesse pensando em CL, nem teve tempo ou se esquecera de perguntar se a coreana estava em casa ou se tivesse se embrenhando em mais uma de suas inúmeras aventuras, que não levavam à porcaria alguma, apenas à encheção da paciência de seu companheiro. O pior de tudo era que CL desembestava em sair de casa “definitivamente” em períodos não-planejados, sua sede de exploração aparentaria nunca ser aplacada, nem pelo amor, nem pelo sexo, muito menos por bens materiais. Uma mulher impenetrável, não podia se comprar. Mas, no momento, Bonnie retornara ao seio familiar e certamente a preocupação por CL diminuiria. Não obstante o aborrecimento dado à sua personalidade imprevisível, suas idas e vindas eram absolutamente corriqueiras, ficava até difícil dedicar-se com totalidade ao relacionamento, quem sabe até casar. Bonnie retornara à casa em excelente hora, preenchendo com fervor o vazio...não. Sidney não amargaria o vazio dentro de casa, pois a serviçal estava ali, à sua disposição. E era muito importante para ele, não apenas por ser serviçal.

Após a subida de escadas, Sidney abriu a porta e deixou Bonnie observar atentamente o quarto, seu quarto recém-reformado. Maravilhou-se. O azul-bebê dominante dava um tom certo ao local. Armários brancos e baixos próximos à janela, prontos para serem preenchidos posteriormente – apesar de que, lá já repousavam suas roupinhas – , uma cama branca forrada por um edredon com estampa de histórias em quadrinhos, na outra extremidade, um alto armário marrom vazio, um criado mudo e uma televisão 14 polegadas. Próximo à janela, um vaso de begônias. Ao lado direito da cama, um caixão ébano, meio velho. “Coloquei a cama porque você poderia estar acostumada, sem contar que dá pra você se soltar melhor, eu também tenho a minha”, explicou Sidney, que logo depois recebeu um abraço apertado da filha.

- Pode me deixar aqui, preciso matar a saudade de casa e do nosso jardim, deitar um pouquinho nessa cama e respirar fundo, preciso descansar – disse ela, sorrindo. – Essa moça nova...o que aconteceu com o Ganesh?
- O dispensei. Depois eu te conto os detalhes. Estou indo, querida – respondeu ele, despedindo-se da menina com uma bitoca. Descendo as escadas, topou com a serviçal, esta precisava de ajuda – Ela está tendo dificuldades em tomar banho?
- Mais ou menos, quis furtar um de nossos sabonetes, escondendo nos sapatos do menino... – respondeu a loura, visivelmente aflita.
- Vou presenteá-la com alguns deles, sem compromisso algum – disse Sidney, que junto com ela, adentraram ao banheiro de hóspedes. Lá rapidamente depararam-se com a mulher totalmente pelada e despindo o filho. Já as roupas dos dois, foram jogadas sem cerimônia em um canto do quarto. Sidney disse à serviçal que poderia se retirar, já que poderia tratar do “problema” sozinho. Ela o obedeceu.
- Dispensou-a? – perguntou a maltrapilha, com trechos da pele em crostas marrons de sujeira. – Corre à boca pequena que o senhor não tem o menor pudor em relação à “saliências”. É verdade?
- Em parte, mas não sou má pessoa, você sabe disso – respondeu ele, sentando na cama de hóspedes. – Também preciso tomar uma ducha, vim de uma longa viagem à moto. Se importa se eu tomar banho contigo?
- Não tá vendo meu filho aqui, não? – perguntou a mulher, percebendo o propósito libidinoso do médico. – O que tá pretendendo fazer?
- “O que tá pretendendo fazer?”, arremedou ele. – Faz um bom tempo que não tomo banho junto com uma mulher tão desejável como você, mas não pense que faremos sexo ou coisa parecida. Só quero tomar um banho contigo, qual o problema nisso? – explicou, acariciando os grossos braços da mulher e aproximando-se de seu rosto. Fez uma careta imperceptível ao sentir o mau hálito dela. Pousou suas mãos na cintura, acariciando-a. – Vamos colaborar para que tudo dê certo.
- Tá bem – respondeu a mulher, resignada. Tinha a certeza de que o banho demoraria, daria tempo suficiente para ser bolinada quantas vezes possível pelo médico, que sempre nutria um tesão por gordinhas. O pequeno, encolhido em sua timidez, nada entoou de sua boca ao presenciar a mãe sendo cortejada pelo dono da casa e sem esperá-los, tomou a iniciativa em banhar-se, entrando sem ajuda debaixo do chuveiro, ligando o mesmo e passando sabonete em seu corpinho. Sidney e a mulher mantiveram-se fora do campo de visão do moleque, para não constrangê-lo ainda mais (e o banheiro era grande). “Vou dar banho em você”, disse o indiano para ela, mordendo os lábios. A mulher, claro, consentiu. Totalmente nus, Sidney enganchou-se atrás da mulher, com o pênis ereto preso ao ânus da visitante. Para não soltá-lo, caminharam sincronizados até os chuveiros (3 no total). Aumentou-se o constrangimento do menino. Nunca vira sua mãe pelada e ela estava ali à sua frente, rubra de vergonha, com farto cabelo na vagina e seios levemente caídos e de mamilos tão grandes e expressivos quanto um biscoito recheado de chocolate.

Sidney não tinha intenções de agir com crueldade para com o menino, pedindo-o para afastar-se dele e da mulher, visto que certamente a mãe entenderia mal, mal o suficiente para desistir de tudo, sair aborrecida do banheiro de mãos dadas ao filho e alardear aos quatro ventos que sofrera uma tentativa de estupro. O suficiente para acabar com todos os planos de Sidney em obter controle total – o parcial ele já tinha – do morro do Castelo. Muitos sabiam de sua promiscuidade – embora não estivessem a par das orgias em casas de prostituição e das apalpadas desferidas em mulheres necessitadas e que praticamente comiam na mão do indiano, como aquela que queria curar a doença do pai. Consideravam o caso da mulher perturbando a quinta como mais uma a pedir dinheiro ou emprego. Sidney tinha ciência de que ela poderia botar a boca no trombone quando quisesse, mas sabia que ela não falaria nada, por estar firmemente marcada com o estigma de que “o mais necessitado tem de suportar tudo para conseguir o que quer”, inclusive bolinadas, beijos de língua, sexo oral e a penetração propriamente dita. Ela sabia que se Sidney quisesse transar ele conseguiria. Uma pobre – como praticamente todos no morro do Castelo – marginalizada pela sociedade, mas uma pobre ainda mais pobre que a maioria dos residentes do lugar. Suas perspectivas de vida eram nulas, e o pai, por incrível que pareça – sendo idoso – agia como o salvador da família, mas até quando? O que aquela mulher inconformada com as surras desferidas pela vida poderia fazer seria tirar documentos e procurar um emprego, o mais simples que fosse. Mas, em seu coração batia o fantasma da preguiça e da resignação. Sidney tinha poder para mudar sua vida, mas... no momento só estava pensando em como aproveitar-se de seu corpo.

Após tomar seu banho, o moleque secou-se e encaminhou-se sozinho para a porta do banheiro, sentando-se na cama do quarto. Tudo o que podia ouvir do banheiro eram gemidos baixos de prazer, e a cada um destes, demonstrava sua repulsa e constrangimento trincando os dentes. Não queria bancar o “voyeur” observando o ato, não queria traumatizar-se. Lá dentro, Sidney lavava cuidadosamente a vagina de sua visitante – enquanto esta mordia a língua e revirava os olhos de tesão. Metia o dedo médio e indicador sem cerimônias, e com outra mão a ensaboava com uma esponja macia. Gramas de sujeira fundiam-se à água, saindo do corpo como lágrimas, escorrendo na superfície e por fim, encontrando o ralo. Os cabelos foram desembaraçados e mostravam-se ainda mais longos que o esperado. A trajetória da esponja deu-se nos membros, cabeça, tronco e nas solas dos pés. Os dedos, retiraram qualquer impureza do ânus da mulher, qualquer sujeira escondida entre as bordas e a entrada do reto. “Vale tudo para ser ajudada”. Uma enxaguada final e terminaram. Saíram do banheiro entoalhados.

A serviçal colocara roupas para os três próximas à porta. O menino se encarregara de pega-las enquanto os dois adultos ainda se divertiam no banho – tanto que ao encontra-lo, depararam-se com o moleque devidamente vestido de calça preta até o joelho e suspensório, além de blusa marrom e sapatos de couro negro. Faltava ser penteado, mas disso sua mãe dera um jeito após vestir-se. Sidney, que quase sempre entoava um sorriso normal sem abrir os dentes, trajou um conjunto de paletó e calça beges, blusa comprida branca e gravata marrom, roupinhas passadas e bem perfumadas – assim como as doadas aos dois necessitados. Já a mulher, trajava uma calça balão negra e uma camisa de manga comprida marrom, além de uma sapatilha preta resistente ao calçamento pé-de-moleque da região.

- Eu agradeço muito pelo o que está fazendo conosco – disse ela, fitando-o com sincero sorriso. Considerava-se pago o preço pela ajuda particular iminente ao seu pai – Sabe, eu estou pretendendo sair do Castelo, não faço amigos aqui e ninguém quer saber de nossos problemas. Passei pelo menos um mês contatando minha avô em Três Rios (interior do estado do Rio, próximo à Minas Gerais) e acredito que morando com ela teremos uma vida melhor. O senhor está fazendo o possível para ajudar a população, mas eu...
- Acredita que não dará me nada? – perguntou Sidney. – Entendo, sempre me dizem isso. Imagine a caralhada de figurões que me falam a mesma coisa que você? “Ah, aquilo é um bando de merda, a escória, nunca vencerão na vida, é perda de tempo gastar seu dinheiro com aquela gente”. Por um lado, tive vontade de sair daqui, mas mamadi (mamãe, no vocabulário hindu) sempre me disse pra ficar e fazer história neste lugar. Digo, não ligo muito em fazer história, este morro já faz parte da história da nossa cidade, eu só quero mudar as condições de vida dessa galera. Diversos políticos passaram por aqui. Uns tinham grana aos borbotões e não fizeram nada, só falavam. Outros que queriam fazer não tinham um puto no bolso. Eu tenho grana, tenho contatos e condições de fazer mudar este lugar. Já temos a associação de moradores totalmente renovada e um serviço social à disposição da população, mas tudo isso é pouco. Porra, tô fazendo tudo isso para termos um nível de vida decente, de embasbacar os esnobes lá debaixo. Eu queria que você estivesse aqui pra acompanhar esta evolução.
- Mas, não posso, já estou no meu limite. Quero deixar alguma coisa pro meu filho e com certeza não será sofrimento.
- Mas, você passará por aflições em qualquer lugar, querida – disse ele, acariciando-a. – Embora você seja mal falada, este morro é tão seu quanto dos fofoqueiros, tem o mesmo direito que eles.
- O senhor não sabe como é viver na minha pele... – disse ela, levantando-se da cama após pentear o filho. – Vamos ver meu pai?

E retiraram-se do quarto de hóspedes. A serviçal, aguardando-os há metros dali, entregou-lhe uma mala branca e leve, e rapidamente perguntou a Sidney se ficariam para o jantar. “Não se preocupa. Prepare apenas aquele pudim de leite que eu gosto tanto”, disse ele, rumando com os dois para o seu carro, um Modelo T que raramente saía da minúscula garagem. Retirou a pesada lona que cobria o veículo e, após passar um pano nos bancos acomodou a mulher e o filho. Bonnie correu até ele – cortando o caminho da serviçal, assustando-a – e lhe disse: “O senhor voltará ainda hoje?”. “Claro, logo, logo eu tô de volta”, respondeu ele, abrindo os dentes alvíssimos. Deu partida. Bonnie e a serviçal abriram o portão gradeado e no intuito de convencer a ruivinha ali mesmo de que concluiria seu trabalho rápido, aumentara a velocidade de seu carro, voando dali agressivamente. “Ponham os cintos abdominais”, ordenou ele, pondo o seu sem tirar os olhos da pista.

A residência da mulher não era tão longe dali a ponto do indiano desenterrar seu carro da garagem. Todavia, não tinha o menor saco em andar naquela hora. Queria descansar, claro, mas após resolver o que tinha de resolver. Já sabendo do endereço da visitante, cortou o Largo do Castelo – a praça principal do bairro – e após passar pela a antiga Igreja e Colégio dos Jesuítas desceu a Ladeira do Castelo (também chamada de Ladeira do Carmo, do Colégio e do Cotovelo). Esta via terminava na rua do Carmo, e a São José, na confluência das duas com o Beco do Cotovelo. Era a ladeira mais utilizada, com uma subida mais branda – em comparação com a Ladeira da Misericórdia – , além de desembocar em um núcleo urbano mais movimentado. Como Sidney já memorizara o local exato e conhecia bem o local, executou a viagem em espantosa rapidez. Lá estavam os três, diante de um sobrado de 2 andares, besuntado de um verde proveniente das plantas e musgos, que proliferavam dentro e fora da residência. A mulher e o filho retiraram-se do carro e junto com Sidney subiram as escadas podres da casa. No interior, Sidney encontrou numerosas poças d’água, além de uma banheira certamente não usada há séculos, com mais ou menos 10 litros de água suja. Encontraram o velho amarrado ao pé na cama de madeira negra. Explicitava mais que sofrimento em seu rosto ostensivamente enrugado: tédio. Ao seu lado, um prato com sobras de sanduíche com ovos fritos e no chão, uma jarra com um pouco de caldo de cana. O ambiente não exalava fedor algum, Sidney observou todo o cômodo sem sair do lugar e notou boa arrumação, apesar de tudo. “Ok, comecemos logo com isto”, disse, agachando-se ao abrir sua maleta com os mais diversos equipamentos médicos, incluindo um pequeno desfibrilador.

- Tá tudo bem com o senhor? – perguntou o indiano, segurando o sorriso diante do idoso. – Como vai?
- Você sabe exatamente como estou sentindo. Olhe para o meu rosto – disparou o idoso, constrangendo sua filha com seu sussurro raivoso.
- Entendo, desculpa minhas perguntas idiotas, haha – disse Sidney, já verificando-o. – Como ele ficou assim? Está ardendo em febre e muito magro!
- Eu sei, já chamei o pronto socorro, mas não quiseram aparecer aqui. Acham que o Hospital São Zacharias poderia resolver, pois está na jurisdição deles.
- Agora, vou te fazer uma perguntinha básica e bem imbecil...
- Eu fui até lá, mas tão lotados – disse a mulher, tensa. – O senhor sabe, é muita gente doente, a demanda é enorme e isso não é só aqui no Castelo, mas em todo o Centro!
- Ele costuma se alimentar direito? Puta merda, aposto que está em 40 °C – disse Sidney, colocando um termômetro na boca do velho.
- Mais ou menos, não comemos bem há um bom tempo.
- QUE DOR DE CABEÇA FILHA DA PUTA! – bradou o idoso, lacrimejando. Sidney sacou seu celular e telefonou para um pronto socorro.
- Sério, eu não acredito que você esperou que eu retornasse do interior pra pedir ajuda – disse o indiano. – Sinceramente, não posso acreditar nisso. A impressão é que não queria salvar seu velho, no final das contas.
- Não diga isso, quando você estava fora eu contatei as mais diversas pessoas e ninguém me atendeu. Aliás, um dos médicos disse que viria até aqui, mas depois que chegou ali na Rua do Carmo, pertinho daqui da ladeira, deu meia volta. Também, essa galera da saúde pública fica querendo escolher quem quer atender, o que merda é essa?
- Você foi em todos os hospitais da região? – perguntou ele, sério.
- Sim. Alguns estavam lotados, outros não mandaram uma ambulância para vir até aqui, pois temem passar pela Ladeira do Castelo, todos têm medo da violência, mas essa é a ladeira mais movimentada da região e a mais acessível, não é como a da Misericórdia. Também fui no São Zacharias, lá em cima, e tava tudo lotado. Também fui no serviço social, mas eles tiveram de depender da ambulância do Souza Aguiar e eles não vieram! E aí?
- Alô, emergência! – exclamou Sidney, ao telefone celular. – É o Sidney Silvestre. Isso, seu chefe. Me mandem uma ambulância para a Ladeira do Castelo, número...número...
- Número 35 – acertou a mulher.
- Número 35. Ladeira do Castelo, número 35. Isso mesmo, façam seu trabalho, pessoal. Isto, estarei esperando por vocês. 20 minutinhos? Beleza, tô esperando – e desligou o telefone. – Não se preocupem, meu pessoal virá para cá e poderemos levá-lo tranquilamente à minha clínica. Realmente, não dá pra esperar alguma coisa da saúde pública e como seu velho está agonizando e sentindo dores, nada melhor que colocá-lo na minha clínica, cês não pagarão nada.
- Oh, muito obrigada, o senhor prometeu que iria ajudar e está ajudando – disse a trintona, abraçando-o fortemente. O beijou na boca, enquanto que o filho, timidamente, seguiu os passos da mãe e o abraçou. – Muito obrigada mesmo.
- Sem problemas. Mas, você está certa em querer vazar da cidade?
- Sim, vou me encontrar em Três Rios e dar uma vida melhor pro meu filho por lá – respondeu ela. Logo, o celular de Sidney vibrou e este foi ver do que se tratava. Era seu melhor amigo, o nissei Cristiano Mamiya, lhe passando uma mensagem de texto. “Quando você tiver tempo pra falar comigo, não o desperdice”, estava escrito. Cristiano mandara aquela mensagem da cidade de Tóquio e sabia que seu colega rico poderia pagar a conta do interurbano numa boa. A mensagem apenas deixava patente a relação de amor e ódio que o japa sentia por ele. Lembrou da desfeita do mesmo no “Hanami”, o festival de apreciação das flores de cerejeira ocorridos em Tóquio no fim do mês de março. Apesar disso, precisava conversar com seus miguxinhos, além de adiantar-se com outras mulheres. Precisava também conversar mais com Bom, a carinhosa e delicada irmã de Cristiano – mais carinhosa com seu mano que com qualquer outra pessoa - , não obstante o desinteresse que esta sentia pelo indiano. Ele sabia que devia alguma coisa ao amigo, mas obviamente, não se importava. Achou que era melhor deixar as coisas daquele jeito.

A ambulância chegou e, ao os mandos de Sidney, adentraram ao sobrado e subiram até o andar indicado. “Ele está muito mal, vão na frente”, disse o indiano. “Já checaram se tem leito sobrando, né? Vão indo, retirarei meu carro e os seguirei. Vocês dois, venham comigo”, e foram. Tinha a situação sob controle, menos – por enquanto – o controle sobre o mal que acometia o pai da necessitada.

A Clínica Bhaga situava-se no bairro da Glória, atrás da Lapa – importante centro boêmio carioca – acomodada em uma rua arborizada e bem tranqüila. Uma instituição de médio porte e bastante conhecida na cidade, a Bhaga quase sempre gozava de boa movimentação, de pacientes de várias classes sociais – fora a aproximação feita à pessoas financeiramente distintas, os mais necessitados aproveitavam de serviços extremamente baratos e por isso, mais acessíveis – e reconhecimento em todo o estado. Um projeto pequeno, mas há muito e devido o enorme sucesso a pressão para que abrissem filiais pela cidade aumentava cada vez mais. E a cabeça dos administradores, Sidney (o presidente e fundador) incluso, pipocava com conselhos alheios e pedidos de associação. Na mitologia hindu, Bhaga representava o deus da saúde e do casamento, e um dos Adityas, que são um grupo de deidades solares, filhos de Aditi e Kasyapa. No Rigveda (Livro dos Hinos, é o primeiro dos 4 escritos, chamados Vedas, feitos em sânscrito por volta de 1500 a.C., que formam a base do extenso sistema de escrituras sagradas do hinduísmo, que representam a mais antiga literatura de qualquer língua indo-europeia), eles são as sete deidades do céu. O chefe deles é Varuna, seguido por Mitra, Aryaman, Bhaga, Daksha, e Ansa. O sétimo Aditya é provavelmente o Sol, Surya ou Savitar. Como uma classe de deuses, os Adityas Rigvêdicos são diferentes dos Vishvedeva. No Yajurveda, seu número é oito. No Brahmanas, seu número foi aumentado para doze, correspondendo aos doze meses do ano:

1. Ansa
2. Aryman
3. Bhaga
4. Daksha
5. Dhatri
6. Indra
7. Mitra
8. Ravi
9. Savita
10. Surya
11. Varuna
12. Yama

No início dos tempos, os Adityas eram seis, ou mais freqüentemente sete, deidades celestiais, cujo chefe é Varuna, conseqüentemente ele foi o Aditya. Eles são filhos de Aditi, que teve oito filhos, mas ela mantinha relações apenas com sete, mantendo distância do oitavo, Marttanda (o sol). Após algumas eras, seus números aumentaram para doze, como uma representação dos doze meses do ano. Aditya é também um dos nomes do sol.

Sidney, a mulher e o filho deixaram o carro no estacionamento da clínica. Ao saírem do veículo, subiram o elevador e encontraram os paramédicos encaminhando o velho a um dos leitos de uma enorme sala anexa à emergência. Uma sala até pequena para o tipo de trabalho feito ali, diversos pacientes acamados, apenas 3 camas sobrando. O velho – que sangrava pelo nariz antes de adentrar ao hospital – queixava-se de dores nos olhos e nos músculos. Sidney prontificou-se a participar dois cuidados postos ao paciente, mas fora impedido por um de seus colegas de trabalho, Jorge, que disse estar disposto a cuidar da situação com sua equipe, visto que trataram do velho ainda dentro da ambulância. Sentiu-se inútil, mas logo a mulher o abraçou, lacrimejando sua tristeza e o filho, sentado em um dos bancos de plásticos fincados no corredor, inexpressivo. Certamente, estava confuso, mas não a ponto de manifestar-se abrindo a boca ou movendo os músculos da face. Estático, sem emitir som algum. Sidney não se impressionaria se o garoto fosse daquele jeito o tempo todo. Enfim, era o último a receber sua atenção - até porque estava tudo bem com o moleque - , então, o indiano insistiu em verificar todo o andamento, não poderia deixar o velho morrer por sua causa - porque anteriormente teria prometido auxílio médico àquele homem. E fecharam-se as portas, a mulher sentou-se em um dos bancos e abraçou o filhote, finalmente derramando-se em lágrimas.

Alguns minutos depois, Sidney, Jorge e uma enfermeira retiraram-se sérios da sala e fitaram a mulher. Sidney aproximou-se dela. "Ele costumava se automedicar?", perguntou para ela. "Responda com sinceridade". Recebeu a resposta positiva com a mulher balançando a cabeça e encravando os olhos no chão, no limite de sua tristeza. O moleque só observava. "Vai me dizer que ele tomava ácido acetilsalicílico (AAS), como aspirina, entende? Normalmente tomou pra afastar a febre?", minuciou o quarentão em suas perguntas. Além da resposta positiva já esperada, a mulher retirou de sua pequena bolsa várias cartelas destas medicações. Jorge pôs a mão no rosto violentamente, como se dissesse "que imbecil" e Sidney respirou como se estivesse entediado, mas apenas não se surpreendia com aquele gesto. Qual pobre não tinha o costume de se automedicar?

- Bom, ele está morto. Dengue hemorrágica - disparou ele, observando a reação desoladora da rapariga, que debulhou-se em choros, sendo confortada pelo filho. - Você permitia que ele tomasse estes remédios, me dê isso aqui. E todas aquelas poças de água parada, como não sabia que aquilo tudo era pura e simplesmente criadouros do mosquito? Por quê se desleixou tanto assim?
- É, eu...eu dei mole, sei disso, perdi tanto tempo indo pra rua pra tirar meus documentos depois da chuva que não notei, e quando notei, deixei estar - respondeu ela, com os olhos embaçados pelas lágrimas. - Eu não sei o que vou fazer agora, tô perdida e com um filho pra criar, eu...
- Vá pra Três Rios. Não estava nos seus planos? Façamos assim, eu te ajudarei no que for preciso. Quer que eu financie uma casa pra ti fora do morro? Eu posso fazer isso até você arrumar um emprego. Quanto aos documentos, pode deixar, posso ver isto mais rápido pra ti. Mas claro, precisamos ver o certificado de óbito e o funeral, não se preocupe com o fator dinheiro, eu pago tudo.
- Não, eu só quero sair do Rio, não agüento mais esse sofrimento - disse ela, enxugando as lágrimas. - Me faça sair daqui, não quero mais ficar, quero criar o meu filho longe daqui...

Ela e o filho levantaram-se e retiraram-se da sala. Sidney levantou-se e rumou até eles, onde cochichou em seus ouvidos "não se preocupem, isso acontece, vocês não ficarão sozinhos", mas de pouco adiantava para aplacar a depressão instalada nos corações da dupla. Abraçados pelo médico e acarinhados, Sidney os colocou sob os cuidados de uma enfermeira, que os pôs no refeitório para que comessem e tomassem alguma coisa. A mulher não parava de chorar e teve de ser consolada pelo indiano - chamada por ela - diversas vezes. Jorge sentiu-se péssimo, especialmente por não poder fazer nada além do básico como médico, sentiu-se mais inútil do que nunca. Não poderia fazer as vezes de seu chefe e cuidar das duas pessoas. Ela não conseguia comer. O moleque raspou o prato, mas para respeitar a dor da mãe, não pediu repetição. O dono da clínica já anotara em um caderninho o que exatamente faria em relação aos dois no período de 24 horas. Logo, tratou de adiantar a situação de ambos os lados.

Agilizou o certificado de óbito do velho o quanto antes, mas não preocupou-se com uma possível desconfiança da filha do falecido, poderia pensar que lá na sala ele e o subordinado poderiam tê-lo matado, etc., mas não pensou, sequer passou por sua cabeça. Em horas, terminara o primeiro feito, então, contatou uma funerária e encomendara o caixão, de acordo com a escolha da mulher. Preferiu o preto e simples, assim como sempre imaginaria quando o pai batesse as botas. E o moleque permaneceu em sua quietude absoluta. Então, os três retiraram-se da Clínica Bhaga e rumaram para a funerária, onde, após todos os tramites realizados, partiram para o cemitério São Francisco Xavier – no bairro do Caju, próximo à Avenida Brasil – para o enterro. Apenas eles estiveram presentes, fora um ou dois funcionários do cemitério, que se prontificaram em colocar o morto e seu caixão dentro de uma cova – feita às pressas, não tão funda. Além do padreco, já que, exceto Sidney, eram católicos. A mulher, cambaleante, debulhou-se em lágrimas e fez um escarcéu dramático, sendo confortada pelo filho e pelo indiano, que praticamente doou seu ombro para a moça chorar à vontade, não se preocupava, é claro, nada mais que um de seus gestos solidários, estava no papel. Após colocarem a terra, saíram do cemitério e os olhos da moça mal abriam de tanto pranto, portanto, deve de ser guiada até o carro. Dispensou o padre. Ninguém acompanhava Sidney e os dois, convictos de realizarem a viagem para Três Rios quiseram tomar seu rumo de pronto, mas foram impedidos. Sidney quis que adormecessem em sua casa, mas a moça insistiu para que passassem a noite em um hotel mais próximo do terminal rodoviário. “Ok, vamos comprar as passagens”, disse ele, e foram. Depois, ela quis logo escolher um hotel para ficar com o filho, para – segundo ela – não pôr o indiano em incômodos, entretanto, este sempre dizia que sempre estaria pronto para ajudá-la no que fosse possível. “Mas, e sua filha? O senhor acabou de voltar de viagem, não pode perder muito tempo comigo. Agradeço imensamente por ter me ajudado até agora, mas só peço para que nos deixe em um hotel mais próximo da rodoviária, amanhã seguiremos nosso caminho”, disse a mulher. “Pode deixar, pode deixar que podemos nos virar sozinhos daqui em diante. Do hotel pra rodoviária não é tão longe assim, certo? Por favor”. E o médico cedeu aos pedidos.

- Tudo bem – disse ele, colocando-os em um hotel confortável e relativamente barato, mas não tão limpo. Pagou na hora o pernoite e entregou mais algumas dezenas de reais para ela. – Tem certeza de que quer ficar aqui? Sem contar que, essa grana é pouca pra...
- Já falei, pode deixar comigo – disse ela, acariciando seus ombros. – O senhor fez muito por mim e estou constrangida por estar te dando tanto trabalho.
- Ok, ok. Eu estou saindo fora. O que disse tem um fundo de verdade, cheguei de longe...tem a minha filha, que nesta hora deve estar tiririca por ficar sozinha em ca...bem, tem a serviçal, mas ela quer a mim, o que posso fazer além de voltar direto pra casa? Beleza, então. Eu...te desejo uma boa viagem e uma nova e decente vida a partir de amanhã. Me desculpa mesmo pelo seu pai, tudo isso foi tão rápido e resolvi de modo até mais rápido e de certa forma, superficial...
- Ora, se eu tivesse tantos contatos e dinheiro como o senhor poderia resolver tudo até mais rápido. Eu agradeço bastante os teus votos e espero que o senhor consiga ser um político, mas um político melhor que estes que estão por aí. O morro do Castelo precisa de ti e seria péssimo se deixassem aquele lugar às moscas, o povo tá sofrendo muito.
- Que os deuses estejam ouvindo isto! – disse ele, levantando as mãos para o céu. Logo, abaixou-se, fitando o moleque. – E você, rapazinho. Ficou quieto este tempo todo. Sei que você é assim, mas não vai falar nada pro seu “tio”, não?
- Filho... – sussurrou a mulher, para o menino.
- Muito obrigado por tudo – disse o pequeno, sorrindo timidamente.
- É isso aí, rapá! – exclamou Sidney, apertando a mão dele. Direcionou-se para a mãe. - Bom, então é isso. Qualquer coisa entrem em contato com o serviço social que eles passarão pra mim, já os contatei sobre a possível ligação de vocês pra eles. Tenham uma boa noite e espero muito que gozem de uma vida digna lá em Três Rios. Qualquer dia eu dou uma visitada lá, quem sabe?


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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:33 am

Despediu-se e foi embora. Sidney sentiu-se por ter ajudado, pensou que não poderia fazer algo maior que aquilo além de hospedá-los em sua casa, mas como ela não queria – porque tinha medo de ser todos os dias vítima da fome de sexo dele – acabou deixando quieto. Como bem sabia, a mulher era odiada por boa parte dos moradores, mas pouco conversou sobre o motivo de tanta ardência. Mais uma ajudazinha importante inserida no currículo, morreria bem feliz, pois, apesar de ser safado e aproveitador – quando quer, ou seja, quase sempre – portava um bom coração. Logo ao sair da região do Cais do Porto – passando de carro nas encostas do morro da Conceição – transferiu seus pensamentos felizes para Bonnie...e Joana, a serviçal. Durante o tempo em que estava à disposição da família, pouco estufava seus seios e abrira a boquinha, como se estivesse em cautela, escondendo algo, aguardando algo. Sidney lembrou que quando chegava em casa. Ganesh, o antigo mordomo, não ocultava acontecimentos de seu patrão, visto conhecê-lo tão bem – e vice-versa – que ambos se consideravam livros abertos um para o outro, confidentes e tremendamente ligados pela amizade e companheirismo. Mas, a serviçal era totalmente diferente de Ganesh. Menos opinativa, mais quieta, mais furtiva. Não queria dizer que se tratava de uma profissional menos capacitada, do contrário. Mas, para entrar em total mimetismo com o ambiente da quinta, faltava uma coisinha. Pensando bem, Sidney pouco sabia sobre aquela moça. Colocá-la contra a parede a fim de explorá-la como se deve só iria assustá-la.

Foi subir o morro pela ladeira do Castelo e ao passar pela antiga moradia da mulher, seu pai e do moleque, parou o carro. Tocou na porta que abria a residência, uma porta tão desgastada e castigada pelos insetos – baratas, que faziam moradia no interior da madeira e roçavam não sei o que, provocando um ruído irritante. Como se julgou livre para fazer o que quisesse no momento, verificou se podia ser observado, olhando ambos os lados. Já que não tinha ninguém tocou a parede da casa decrépita e passou a subir rapidamente sem o menor problema. Movido pela curiosidade e pela repentina vontade de ficar sozinho, queria explorar o local. Entrou.

Tudo estava lá: as poças, as tábuas soltas em todos os cômodos da casa, comida jogada pelo chão, comida mofando em um fogão inutilizado, pão duro que jazia no alto de uma geladeira igualmente inutilizada, ratos rondando os rodapés, a mesma merda. Sidney nada tinha para fazer ali, além de saciar sua curiosidade. Desde a primeira vez queria explorar a fundo o sobrado, embora tivesse sempre entrado em contato com pessoas pobres – ele morava em um morro conhecido atualmente pela pobreza, oras! – e adentrado em suas casas. Sua curiosidade assemelhava-se a de um moleque conhecendo uma fábrica de doces pela primeira vez, mas não com tanta alegria. Nada era aproveitável ali, muito menos uma reforma, pois a estrutura estava condenada. O jeito seria derrubar e reconstruir, para uma nova família. Pensando nisto, deu-se por encerrada sua expedição pelo local, retornando para a rua do mesmo jeito que saiu. De volta ao carro, deu partida e subiu o morro em direção à quinta.

“Tá na hora de eu comprar um controle remoto para este portão”, disse ele. Há metros dali, em uma janela, a serviçal o fitava, esboçando um leve sorriso. Ainda trajava um vestido branco e cheio de babados. Logo, saiu dali rapidamente para vê-lo. Sidney estacionou seu carro na pequena garagem e ao sair dali, assustou-se com a presença da magra mulher, em pé e com as mãos entrelaçadas na altura da bexiga. Ele amava aquele sorriso.

- Achei que você já tinha se recolhido – disse Sidney, sorrindo e aproximando-se dela.
- Não se preocupe, esperei o senhor chegar para dormir, sem problema algum – disse ela, sorrindo de volta. – Já jantou? Se quiser, posso preparar alguma coisa...
- Agora sou eu quem tem de dizer “não se preocupe”, não sinto muita fome, talvez eu vá fazer uns sanduíches, pretendo dormir com Bonnie hoje. E então, agora que estamos tranqüilos podemos conversar à vontade, certo? Olhando bem nos olhos...
- Ah, hoje tudo ocorreu de forma intensa e meio que fiquei confusa com as coisas, mas devo ter feito um bom trabalho – disse a serviçal, direcionando seu olhar tímido para o chão. – Esperei ansiosa por sua chegada, senhor.
- Não me chame de “senhor” o tempo todo – disse o indiano, tocando os ombros da mulher. – Você já tomou banho?
- Sim, digo, não, ainda não – respondeu ela, ainda mais tímida. Estava preparando a água quente quando vi o senhor chegar...
- Aconteceu mais alguma coisa nesse tempo em que estive ausente?
- Não, tudo na mais perfeita ordem. Amanhã é o meu...
- Seu pagamento, é sim. Vamos entrar, essa mosquitada vai acabar com a sua pele – disse ele, pegando-a pela mão e envolvendo seu outro braço em sua cintura. Adentraram à casa vermelha e fecharam a porta da entrada, claro. Foi dar uma olhada em Bonnie, esta jazia na cama, serena, dormindo na suprema tranqüilidade. Trajava um pijama azul-bebê e seus cabelos ruivos esbanjavam mais beleza que antes. Tudo o que seu pai pôde fazer era se aproximar da guria e desferir um beijo na testa. Foi aí que ela acordou, pois se deitou na cama há apenas 15 minutos. Ele disse: - Já terminei, amor. Amanhã iremos ver a matrícula de sua escola, certo? Como temos seu certificado de conclusão do Ensino Fundamental será menos burocrático te colocar na escola que quero que estude. Sei que gosta de estudar.
- Hum...nem tanto – disse Bonnie, abraçada ao pai. – Eu odeio Matemática, o senhor sabe que sempre tive dificuldades e sabe que terminei a oitava série na sorte, lembra? Não será melhor eu entrar em um supletivo pra acabar tudo logo?
- Não, pois supletivo não ensina muito, sem contar que dá muito bem pra você estudar legal nestes 3 anos. Tá com pressa de quê? – disse ele, enchendo-a de cócegas.
- Que droga, veremos, só vou lidar com Matemática na escola, quero me livrar desse demônio de uma vez – resmungou a guria. – E o senhor vai dormir comigo hoje, né?
- Vou pensar, vou pensar. Você realmente se acostumou a dormir em camas, ainda bem que comprei esta pra ti – disse, apertando a cama. – Hum...é tão fofinha...acho que...acho que...tá me dando vontade de dormir aqui...hahah.
- Não, eu não durmo em camas há anos, mas se o senhor quiser dormir aqui comigo...
- Mas, antes preciso comer alguma coisa, você vem?
- Nah, comi um sanduíche de pernil deste tamanho – respondeu Bonnie, gesticulando. Sidney pediu licença e rumou descalço até a cozinha. Deparou-se com a serviçal, de costas, preparando uns 3 sanduíches de pernil, cantando tão doce. Não agüentou e deslizou até ela, pegando firme em seu abdômen, a assustando (esta, soltara um guincho). Suas mãozinhas soltaram a faca recheada de manteiga e a fatia de pão francês, deixando-os sobre a mesa.
- O senhor...quer tomar banho comigo, não? – perguntou ela, suando.
- Se você não quiser, não vou – respondeu Sidney, aproximando-se da orelha direita da serviçal, tratando de beijar o lóbulo – sabe que não te obrigo a fazer nada que não queira, amor.
- Não quer comer agora? – perguntou ela, contorcendo-se de tesão. Sidney envolvia sua mão direita no ventre da mulher, gerando movimentos circulares, executados pelos dedos indicador e médio.
- Posso comer durante ou depois do banho – respondeu ele. – Creio que você já tenha preparado a banheira.
- Mas, Bonnie não vai enciumar-se, não vai detestar saber que nós dois estamos tomando banho juntos...
- Posso chamá-la pra nos acompanhar. Hahaha, brincadeira. Ela não vai fazer nada, confie em mim. Depois eu como os sandubas sem problemas.

A serviçal virou seu frágil e pálido corpo para o amo, que segundos depois, levou sua mão direita ao rosto dela, acariciando-a. “Não se importe com CL, essa saída só prova que ela não quer nada com nada, então, por quê me daria ao trabalho de preocupar-me?”, perguntou o indiano, sério. “Isso só reforçou uma idéia que pensar em realizar, mas amanhã te conto.

Deixaram a cozinha e adentraram ao banheiro, onde sim, ela já tinha preparado uma banheira para que Sidney fosse se banhar, mas não imaginava que faria companhia para ele. Observou-o praticar alongamentos antes de tirar suas roupas – este ato provocou tremenda timidez na mulher. “Pra tudo tem uma primeira vez, querida, ninguém verá você nua além de mim, relaxa”, disse ele, já retirando a cueca, ficando completamente nu – suficiente para a serviçal fechar os olhos, e quando os abria, não conseguia deixar de fitar o pênis de seu patrão. Tão logo entrou na banheira, Sidney fitara os movimentos da mulher, que, após respirar bem fundo – preparando-se tão intensamente como se fosse pular de bungee jump ou algo parecido – retirou seus sapatos, as presilhas do cabelo e o pesado vestido branco, estando só de calcinha e sutiã – ambos brancos. Sob os apelos do chefe, retirou-os cuidadosamente, ruborizando o rosto a cada centímetro do gesto. Primeiro, o sutiã. Com a retirada deste, a pálida mulher mostrou ser dona de seios tamanho médios, levemente caídos, mamilos rosados e apetitosos. Sua cintura fina dava uma combinação poderosa, oferecendo uma visão especial, a serviçal ostentava uma impressão de ter o corpo de vidro: extremamente frágil, no tipo a ser manuseado com muito cuidado. Talvez, mal suportasse uma relação sexual básica. Em seguida, tratou de retirar a calcinha, que embora branca (santa originalidade, Batemã!) compusera um lacinho e diversos babadinhos nas bordas. Esta já estava no chão do banheiro. Uma vagina quase careca, coxas grossas e pés maravilhosamente pequenos e bem feitos. “Pode entrar”, disse ele, surpreso por estar diante de uma nudez tão inocente e imaculada de uma mulher adulta como aquela. Certamente nunca tivera feito sexo na vida – o que provocou uma sensação protetora por parte de Sidney, se auto-nomeando a única pessoa no mundo capacitada para levá-la para a cama. Talvez fosse, mas não tinha a segurança necessária sobre os sentimentos dela. Talvez, nunca teria. O problema resumia-se a isto. Ele poderia querer levá-la para a cama, mas ela poderia estar gostando de outra pessoa, mesmo se não houvesse ninguém no momento, nada impediria o acontecimento. E aí? Ele a tinha na mão, mas não totalmente. Poderia pô-la contra a parede naquele banho, mas e se recebesse a negativa, o que faria? A despediria? Achou-se um tolo por almejar construir relacionamento com a serviçal, quando ainda tinha alguma coisa com CL. E bigamia era proibida por lei. Seria péssimo para ele se colocasse a empregada como amante – por um lado, faria muito bem para seu prazer, por outro, a utilizaria como um brinquedo – , não merecia isto. A coreana manjava de quase tudo, entretanto, a questão não era a quantidade de modalidades sexuais que sabia executar, mas o gosto em fazê-las, o gosto em transar, beijar na boca, a alegria na relação. Mesmo se destituísse da profissão de serviçal, a lourinha não abdicaria de sua personalidade retraída, pois esta era genuína – e tal característica não aborrecia o chefe, do contrário, era um de seus fetiches. Mais cedo ou mais tarde saberia se esteve tomando banho com uma virgem ou não.

Entrou na banheira e, sentando, pôs-se à outra extremidade, mas por pouco tempo: fora para a direção de Sidney e cessou o movimento, respirando fundo a centímetros de seu rosto, como se aguardasse algo. Sidney tomara a iniciativa, beijando sua boca carinhosamente, como sendo a primeira vez e inclinou seu corpo junto ao dele, para que ela pudesse estar debruçada, com o tórax colado no seu, entregue à paixão. Segundos depois, parecia tomar gosto pelos beijos, passando a dominar parte dos gestos, forçando sua pequena cabeça contra a cabeçorra do indiano, como se sugasse sua alma a partir dos beijos. Cessou e riu, muito envergonhada. Sidney riu junto.

- Me desculpa...é a primeira vez que estou fazendo isso – disse ela, olhando para baixo.
- Sem problemas – disse ele, acariciando seu rosto. – Joana, eu estive pensando em uma coisa, creio que beneficiaria tanto eu quanto você. Poderíamos nos casar.
- Hein? Mas...está falando sério mesmo? CL se sentiria péssima e com certeza se vingaria caso soubesse disto...
- Ela não quer nada decente comigo, dependesse de mim, estaria casado com ela há tempos. Pensei nisto o dia inteiro, você é a pessoa certa pra mim.
- Espera, espera um pouco – suplicou Joana, tocando em seu tórax, enquanto se levantava, exibindo sua enorme bunda branca ao patrão. – Neste domingo de manhã, enquanto o senhor estava fora eu recebi uma carta de CL. Eu pegarei, o senhor precisa ler antes de tomar esta deci...
- Não precisa, deixa isso pra amanhã – insistiu ele, que segurou o quadril de Joana, puxando-a para trás e fechando com um abraço. Acariciou sua virilha, fazendo Joana contrair suas pernas contra a mão. – Fica comigo, você pode fazer parte da família...
- Mas, o senhor precisa ler a carta, antes de tudo. – repetiu ela, que finalmente foi solta e vestiu-se de um roupão branco e adentrou à sala de estar, onde deparou-se com Bonnie assistindo televisão, pegou um envelope preto dentro de um porta retratos e voltou para o banheiro. – Leia.
- Tudo bem.

“Oi, querido. Desculpe a minha ausência, meus irmãos me chamaram e precisam de mim para terminar um projeto. Sem mim tudo desanda e sentirão inutilizados, portanto, parti, para o bem dos babaquinhas. Como você sabe, eles não têm residência no Brasil, mas sim em Sonbong, na Coréia do Norte. Com certeza é muito chato e cansativo passar por uma viagem extensa, por isso peguei emprestado alguns de seus melhores livros, certo? Desculpa, huehehe. Enfim, volto no próximo fim de semana. Te amo mais do que tudo, não se preocupe, pois não irei sumir novamente. Abraços e beijos no céu da boca. CL.”

Que coisa. O conteúdo da carta não o surpreendera, pois CL costumava quebrar promessas com uma facilidade impressionante, mas talvez estivesse falando sério. Que ela o amava de verdade, isto bem sabia e de certa forma vangloriava-se por isto. Seu desejo sempre fora manter uma relação sólida com uma asiática, sendo norte-coreana só alastrava o nível de seu fetiche. Mas, seu amor por ela não significava tanto quanto o que CL sentia por ele. Sidney poderia vangloriar-se à vontade por ter enlaçado uma ex-participante de reality show e cantora como ela, mas não a amava de fato. Sabia que a deixava na estante como um troféu, guardadinha em parte, pois o espírito aventureiro feminino não se guardava em casa, mas tinha ciência de que aquela mulher de olhos oblíquos podia sumir quando quisesse, pois não teria orgulho certo capaz de segurá-la. Sidney releu a carta 3 vezes e depois, colocou-a próxima à janela do banheiro. Joana observou-o, aguardando sua reação. Mal percebera que ambos estavam sendo observados por Bonnie, olhando na fresta da porta, envergonhada por vê-los nus em pelo. “Tá traindo a CL com Joana!”, exclamou para si mesma, retornando à sala de estar, voltando aos sanduíches e à televisão, entretanto, não com a mesma condição emocional de antes. Certo que enquadraria o pai após terminar o banho.

- Não sei se dessa vez devo acreditar no que ela diz – pensou Sidney, intrigado com a carta da namorada. - Já fui ludibriado uma vez e desde que a conheço por gente, é capaz dela fazer de novo. Mulheres são bastante persuasivas e podem esmigalhar os sentimentos dos homens quando querem, até porque, são poucos os espertos o suficiente para se desvencilhar destas merdas. Só aturei durante todo este tempo porque realmente gosto dela.
- E então, o senhor pretende continuar me seduzindo ou não vai querer trair a sua mulher? - perguntou Joana, esboçando intimidação. Sidney fitou seus seios, achou engraçado os dois melõezinhos balançando. Excitou-se.
- Vamos curtir pelo menos hoje – respondeu ele, abraçando a cintura da moça e indo com seu rosto de encontro aos seios da serviçal. Tornou a beijar sua boca, ato certeiro que amoleceu a revolta de Joana, mas por pouco tempo. Retirou-o de perto com um empurrão e afastou-se, pondo seu vestido no braço.
- O senhor não merece tê-la – disparou ela. Em seguida, pôs-se a correr, após retirar-se do ambiente. Passou por Bonnie, que saltou do sofá, curiosa. Chamou seu nome, mas Joana não ouvira, corria para o portão de entrada/saída, onde pôs o vestido, calçou o sapato e ao sair, decepou o braço ao passar violentamente por uma concertina solta, gritando tão forte que assustou Sidney e Bonnie. O primeiro saltou da banheira, pôs um roupão e correu até a entrada da casa, passou por Bonnie sem emitir uma palavra. Esta, claro, o seguiu. Na chegada, depararam-se com um braço estirado na grama, pouco ensangüentado, um braço mui alvo e com unhas embelezadas por esmalte verde limão. Sidney disse: - É de Joana. Veja as gotas de sangue, direcionando ao Largo do Castelo. Ainda dá pra alcançá-la, pegue o braço e ponha gelo, vou pará-la.
- Ok.. - disse a ruivinha, pegando o braço e retornando para o interior da casa, ainda sem entender direito o que aconteceu. Do outro lado, Sidney correra em direção ao Largo acompanhando as gotas de sangue deixadas no chão e no ar. Considerou ser um tremendo desperdício todo aquele líquido viscoso ser jogado por aí, mesmo acidentalmente. E acabou não encontrando a moça e as gotas desapareceram. Correr atrás de uma mulher com o braço recém-decepado seria péssimo para ele, um chamariz irresistível para fofocas, fofocas estas que poderiam derrubar sua vida pública. Então, diminuiu a rapidez de seus passos, pois não queria despertar suspeita. Virou o rosto para a Ladeira da Misericórdia, nem sinal dela. E na do Castelo, também não. E nem sinal das gotas de sangue. “A perdi mesmo”, murmurou para si, dando meia volta e retornando para sua quinta. Perdeu sua batalha no dia.
- Colocou pra gelar? - perguntou ele à Bonnie, que saía da sozinha com as mãos vazias.
- Sim, mas...o que aconteceu? - perguntou ela. - Aquele braço é da Joana, o que houve pra ter acontecido aquilo com ela e por quê ela saiu fora?
- Depois eu te conto. Vamos dar uma volta pra procurá-la, me espere lá embaixo que trocarei de roupa. Prometo que você saberá de tudo logo, logo, meu amor – disse ele, movendo-se para o quarto desviando o olhar do rosto de sua filha. Minutos depois, Sidney, devidamente vestido, trancou a casa e retirou o carro da garagem, Bonnie abriu e fechou o portão de entrada/saída e desceram o morro à procura de Joana. Talvez não poderia encontrá-la, visto que uma mulher tão bonita e ferida poderia arrumar fácil um abrigo em qualquer lugar. Circulou todo o morro e não encontrou, pediu informação aos moradores (suavizando o fato e não contando sobre o rasgo feito no braço), que em nada puderam ajudar. Até que partiu para o asfalto, percorrendo o bairro da Misericórdia, circulando o terminal rodoviário da Praça XV e nada. 1 hora de um tour pela área e nada. Agora sim, a batalha foi perdida. Fora tomado por uma aflição potente o suficiente para deixá-lo inabilitado à direção momentaneamente, e pôs-se a estacionar o veículo no Largo da Misericórdia, próximo á igreja Nossa Senhora do Bonsucesso. Sentou-se no chão.
- Está passando mal...creio que vocês não tenham brigado, mas o que exatamente ocorreu naquele banheiro? - perguntou ela.
- Queria ficar com ela, mas me apresentou a carta que CL escreveu para mim antes de viajar de novo – respondeu ele. - Ignorei e acabei sendo empurrado por ela, e depois deu pinote.
- E está arrependido?
- Hum...não.
- Se não ama CL, por quê tá com ela? - perguntou Bonnie, em tom intimidativo. - Ela deve gostar do senhor e é claro que não iria aprovar o que está tentando fazer.
- Sério mesmo que você vai bater boca comigo? - perguntou o pai, sorrindo sarcasticamente.
- E por que não? Só porque sou sua filha e sou mais nova não posso discutir? - perguntou ela, séria. - Não irei ajudá-lo em mais nada, quero voltar pra casa. Por favor.
- Eu não quero perder mais uma pessoa hoje – disse ele, um tanto temeroso. Levantou-se fazendo uma hora tremenda, propositalmente, para aborrecer a filha. Logo, tomou a direção de seu Modelo T e subiu a Ladeira da Misericórdia, em direção à quinta, onde desceu do carro e abriu a porta para passar o carro. Depois, fechou. Bonnie, tomada por raiva, não dirigiu a palavra ao seu pai. Entrou no quarto e deitou-se na cama, com o rosto virado para a janela. Não trancou a porta, deixando-se ser observada por Sidney. Decerto, fora observada. Seu pai fechou a porta, para que a filha pudesse se sentir à vontade. Deixou-a em paz e foi verificar o braço congelando no freezer. Viu que Bonnie executara o trabalho direitinho, envolvendo o membro em um saco plástico, mas vendo bem, Sidney notou pequenas mordidas fincadas entre os dedos. Resmungou para si mesmo e fechou a porta do freezer. Foi para a sala de estar, onde ligou o televisor, mas suas atenções estavam voltadas para o acontecimento, ocorrido há pouco tempo atrás. Dia seguinte ele trabalharia na clínica, mas também teria de correr atrás de Joana. Chegou a conclusão de que passara dos limites, mesmo se ela estivesse gostando dele teria de ao menos ter paciência e decência o suficiente para resolver a situação com mãos limpas e não seguindo seus instintos galináceos. Mas mesmo assim, não conseguia sentir-se verdadeiramente mal com aquilo tudo. Sua mente (apesar da aflição passada lá embaixo) pairava na normalidade, talvez por estar tão habituado à infortúnios amorosos, mas “infortúnios amorosos” eram uma constante em sua vida apenas nos primeiros dias em que fez uso de suas cantadas. Normal, como qualquer iniciante. No momento, queria sentir-se culpado pela fuga e ferimento de Joana, mas não conseguia, por mais que quisesse. Bonnie já percebera esta característica antes dele próprio e seu descontentamento não tinha hora nem dia para terminar, algo para preocupá-lo. E aí?

Bonnie colocava-se com o rosto em direção à janela, pensando nas atitudes de Sidney. Raramente se aborrecia com o próprio pai, todavia, o comportamento do dono da casa em relação à sua serviçal ultrapassou todos os limites. Não é porque tratava-se de ser uma filha que poderia aturar o que quer que viesse de seu parente, como bem sabia. Sidney também sabia que mais cedo ou mais tarde a ruivinha botaria a boca no trombone, o colocava contra a parede, como se devia, pois, mais do que qualquer um no mundo, ele merecia. Merecia (quase) todos os castigos impostos pelo mundo, pensou que as agruras sofridas por Cristiano deveriam ser transferidas ao safado de plantão, o mesmo safado que (aparentemente) não se importava com os sentimentos alheios, especialmente os femininos. E o sentimento de ira originou-se especialmente pela visão de um braço de mulher, levemente ensangüentado, no estado lamentável, por culpa de seu querido pai. Não obstante a previsibilidade de um iminente rompimento feito por ela, Sidney só não imaginava que fosse tão cedo. Não adiantava também, pôr seu corpo à disposição da ira da filha, para que pudesse bater e cortar à vontade, pois uma situação estapafúrdia como essa jamais seria posta em prática, mesmo em uma família imprevisível como esta, nunca que a filha subjugaria o pai, pois um ato como este trespassaria os limites do bom senso humano, o maior de todos. Deixariam de ser humanos caso ocorresse. Portanto, Bonnie tratou de colocar os pensamentos em ordem. Não arquitetaria e aplicaria uma vingança, embora ele merecesse. Se aplicasse, se arrependeria, como toda boa filhinha amorosa. O único jeito seria acompanhá-lo na busca pela serviçal, e feita com sucesso a lourinha poderia denunciá-lo à polícia, é claro – se tivesse coragem. Mas teria? A denúncia destruiria a pretensa vida política do indiano, além de ferir a pessoa pública que é, perante os moradores do morro do Castelo e da Clínica Bhaga, que fundou e dirige. Bonnie pensou: Joana se sentiria satisfeita ao acabar com a vida de uma pessoa – mesmo não a matando de fato? E Bonnie, que provavelmente teria um dedo fomentador nisto, se sentiria satisfeita? Não mesmo. Não tinha provas exatas de que ele tenha tentado machucar a serviçal, esta rasgou o próprio braço na cerca.

A idéia mais provável seria encontrá-la, mas como? A cidade era imensa, mais ou menos 4 milhões de habitantes, além disto, estava fora de cogitação a possibilidade de rondar pelo Rio sozinha, pois a capital era terreno de malfeitores, e naturalmente, mulheres carregavam mais tendências a correr perigo. Bonnie era apenas uma criança e nada poderia fazer além de depender da ajuda do pai. Pelo jeito, teria de conversar com o dono da casa de qualquer jeito, primeiro por ser seu pai, segundo porque este gozava de bens necessários para a procura – como o Modelo T, por exemplo. Mais cedo ou mais tarde o indiano pagaria por suas sacanagens, na opinião de Bonnie. Vivamente confiava no poder do destino – era mais fácil acreditar em destino que de alguma entidade superior, como Deus, Shiva ou algo similar. Por enquanto, vivia na mão de Sidney, é claro. O amava mais do que tudo, entretanto, vivia tão afogada na ira – naquele momento – que imaginou ferí-lo, e se tal coisa ocorresse, certo que o médico entenderia, saberia que tinha sido o causador do sentimento ruim. No momento, quis aproximar-se de sua filha, mas entendera que a situação entre os dois pioraria se tentasse, portanto, tratou de continuar afastado, tomando um banho, vestindo seu pijama e assistindo um pouco de televisão antes de dormir. Dormiria levemente perturbado, sim, pois o dia não terminara do jeito que quis – como quase sempre ocorre, está tão acostumado em sentir-se vencedor a cada fim de tarde que foi só a previsibilidade sair dos trilhos para sofrer um baque no coração. Julgou-se insensível – nem que seja por um tantinho – , incapaz de entender os sentimentos alheios, mas não se dava ao luxo de fazer reflexões tão extensas, avaliações tão rápidas a ponto de rever suas atitudes e mudar. Nisto também sofria com a incapacidade. Por um lado, um dos motivos de seu nervosismo estava na reação de Joana em relação a ele. Cagüetaria ou não para os órgãos competentes? Fugiu da quinta, todavia, não queria dizer que estava além dos limites do domínio de Sidney, que era conhecido em quase toda a capital federal. Bonnie gostava da mulher, óbvio, e para ele seria mais um motivo para trazê-la de volta para casa – se Joana quisesse, o que talvez fosse improvável. Pensando em tudo isto, achou-se parecido com Cristiano, o amigo japonês metido a intelectual, segundo Sidney. Pensou tanto que dormiu, ali mesmo, no sofá.

Lá dentro, Bonnie encostara as costas na cama e prosseguia com suas idéias, sobre o que poderia fazer para encontrar a serviçal, mas sempre chegava na mesma alternativa de sempre, a dependência do papai para percorrer a cidade em busca dela. Sabia que sendo menor de idade pouco seria levada a sério pelos adultos, seu poder era mínimo, só fazia cosquinhas em formigas. Resignou-se e resolveu afastar a ira em sua cabecinha, pois de nada adiantaria agir impetuosamente. A fome apertou e por isso, desceu de sua cama fofa para procurar algo comestível na geladeira, nas panelas ou no forno. Lembrou que Joana havia feito um assado, preparado para comer na janta. Este adormecia no forno, logo, era só esquentá-lo um pouco e pegar um grande pedaço para comer, mas percebeu que um “grande pedaço” seria pouco para aplacar sua fome. Parecia que não comia há dias. A última coisa que mordiscara era...os vãos dos dedos da senhorita Joana. Já preparava suas desculpas no caso dela reclamar o braço pessoalmente – coisa que aconteceria mais cedo ou mais tarde, – mas os danos não significaram nada, tão pequenos e possivelmente imperceptíveis – quando Joana recolocá-lo no cotovelo – que não teria problema algum em usá-lo novamente.

Saiu do quarto e andou até a cozinha, sem olhar para os lados. Morria de vontade de ver se Sidney estava dormindo, mas como a televisão estava ligada, certo que ele estaria assistindo e comendo alguma coisa, sempre nesta ordem. Chegou à cozinha, abriu a porta do forno e viu a carne assada protegida por um papel-alumínio. Retirou a carne, cortou 3 grandes pedaços de carne e pôs em um prato raso. Para complementar, pegou uns miojos e pôs para cozinhar. Em 5 minutos, estavam prontos. Uniu-os no prato raso junto à carne e colocou o que sobrou no forno. Pensou em fritar um ovo, mas não sabia se agüentaria dar conta de toda aquela comida. Mesmo assim fritou e colocou no prato. Por fim, pegou uma jarra de suco de limão e um copo médio. Botou tudo no chão de seu quarto. Sentia-se como num piquenique e para tornar a sensação ainda mais realista tratou de improvisar uma pequena barraca de acampamento ali. Voltou para a cozinha para pegar o saleiro, mas o leve ronco de seu pai chamou sua atenção. Este estava sentado, com a cara para o alto, boca aberta e pescoço afundado na parte superior do sofá. Bonnie foi até lá e o observou com mais afinco. Como já sabia – já que dormiram juntos por muitas vezes – Sidney emitia um ruído esquisito, além do ronco, de sua garganta. Algo semelhante a gritos da Avril Lavigne mesclados com os grunhidos do Lenny, vocalista do Motorhead. Completamente esquisito, mas viciante de ouvir, tanto que poderia passar a noite inteira colada com o ouvido na boca dele, algo tão tosco que assistir alguém retirar sujeira das unhas com grampos ou arrastar pás pelo chão. Bonnie concluiu que não deveria odiá-lo. Ainda não poderia chegar a tanto. Considerou-se uma fracote, pois aquela pose de total vulnerabilidade vinda de seu pai amolecera seu coração com tanta facilidade...não estava preparada para abraçar a rebeldia, como quisera. Como bem sabia, o melhor seria juntar-se ao seu “inimigo”, o pai, se quisesse alguma coisa.

Desligou a televisão e rumou para o quarto, onde pegou um cobertor grosso e colocou no pai, tornando o sono ainda mais confortável. De fato, ele sorria inconscientemente após ser coberto. Bonnie não tinha a menor condição de pegá-lo pelo braço e colocar na cama, não apenas por ser pesado, mas por saber que seu pai se encaixava em qualquer lugar, mesmo em uma pequena caixa de papelão, se lá estivesse. Admirava esta capacidade do quarentão, e queria ser como ele quando crescer – excetuando seu caráter. Já estava de bom humor, portanto, crescera a vontade de acordá-lo e chamá-lo para participar de seu pequeno piquenique, mas incomodá-lo àquela hora da noite seria péssimo, apesar do que, ele não se importaria. Amava muito a filha, não se daria o trabalho de enfurecer-se só porque foi acordado. Mesmo assim, seria ruim, então, Bonnie deixou o pai curtindo o décimo-primeiro sono para que se concentrasse na comida. Lembrou dos ensinamentos de Sidney que nunca deveria deixar sobrar um grão de comida no prato. Não apenas porque comida explicitava uma “cara de pena” para o seu algoz, mas uma pena revertida, pois se um prato de comida fosse implorar, imploraria para ser comido, não para ser poupado. E Bonnie assim o fez: pôs o farto prato no chão de seu quarto e ligou o rádio-relógio, seu gosto musical era afiado para uma menina de sua idade. Sambinhas de raiz, Elis Regina, música clássica...mesmo estando em perfeita harmonia com o ritual, algo faltava, não poderia prosseguir sem que este algo preenchesse o espaço.

Este “algo” tratava-se da serviçal. Logo, Bonnie pensou nas condições em que ela poderia estar no momento. Passando frio, fome, tendo de pagar uma “chupeta” para arrumar um dinheirinho...a vida nas ruas era ainda mais péssima para as mulheres e claro, Joana passaria por situações semelhantes se não arrumasse logo um local para ficar, mesmo sendo provisório. Bonnie tivera logo a vontade de acordar o pai e ordená-lo (isso mesmo) para que percorresse mais uma vez o Rio de Janeiro à procura da mulher, e teriam de perder o sono, vasculhar a noite inteira, se necessário. Mas, cadê que tinha coragem de perturbar o sono do pai para isto? Acabou tendo, da mesma forma...

- Papai, pai, acorda – bradou ela, sacudindo o indiano. – Vamos procurar pela Joana, ela deve estar passando por coisas horríveis nesse momento, por favor!
- Calma..calmaí – grunhiu Sidney, afastando o bafo gelado da menina de seu rosto. – Ela já deve...estar dormindo tranqüilamente em alguma hospedaria ou coisa parecida. Aposto que ela levou uma graninha. Fica calminha que ela deve estar numa boa.
- Como o senhor pode ter tanta certeza? Poderia ao menos rodar a cidade pra verificar, por favor, parece que o senhor está feliz em vê-la fora daqui!
- Estou tão triste quanto você – disse ele, repentinamente sério. – E acho que não vai adiantar nada ficar gastando álcool rodando por aí, porque o Rio é grande. Acha que eu teria saco de rodar contigo até a Zona Rural, como Santa Cruz e aqueles outros lugares onde Judas perdeu as botas? Amanhã eu terei um dia cheio vendo uma escola pra você, além de voltar à minha rotina de trabalho, amor. Juro que darei uma olhada enquanto você estiver na escola, fora isso, tenho um pouco de certeza de que ela vá voltar pra cá.
- E porquê?
- Elas sempre voltam, por incrível que pareça. Quando isso acontecer você nunca mais duvidará de minhas palavras, certo?
- Acontece que ela não é como as suas amantes, papai, com todo o respeito – desferiu Bonnie, bem séria. – É uma pessoa direita e que certamente quando aceitou este trabalho quis igualar-se a Ganesh, que sempre fez de tudo pra ser um excelente serviçal e foi. Eu olhei pra ela, tenho toda a certeza de que não estamos lidando com uma dessas meninas “dadas”, o senhor me entende muito bem. Por isso, acho bobo o senhor estar seguro do que está falando, dessa vez vai acabar se enganando, e vai dar razão à mim, mesmo sendo uma criança, mesmo sendo sua filhinha...
- Ok, entendi, já entendi – bradou ele, levantando as mãos para o alto. – Mas eu preciso dormir, pois vou encarar uma boa rotina de trabalho pela manhã. Certamente, ela não é do jeito que estou acostumado a lidar, mas não quer dizer que por causa disso passarei a madrugada inteira rodando por aí de carro, gastando álcool e temendo ser assaltado por causa dela. Vou dormir aqui mesmo, Bonnie, não podemos prosseguir com esta discussão no momento.
-O senhor não entendeu nada, mas o que eu posso fazer? Me dá vontade de fugir – disse ela, emburrada e fazendo beicinho.
-Você não vai fazer isso, não vai querer ser mais uma nas estatísticas...acho que você nem sabe o que significa “estatística”...
- Não, não sei, mas sei me cuidar nas ruas – disse ela, cruzando os braços para ele. – Posso te surpreender quando eu quiser.
- Mesmo? Então, boa sorte na sua empreitada, eu preciso dormir – concluiu ele, colocando o cobertor nas costas e andando em direção ao seu quarto. Bonnie, aborrecida, dava soquinhos nas costelas do pai, fazendo-o perder o equilíbrio diversas vezes. Este sempre levava na esportiva, nunca levantara a mão contra sua filha. No momento, não achava necessário e por isso mesmo, deixou passar todas as investidas dela contra ele, até que deitou no caixão e ela já não perdia tempo descarregando toda sua ira no corpo dele. Via-se bastante cansada e frustrada, pois de nada adiantou. Imaginou-se até sendo duramente repreendida por ele, o que também não ocorreu. Fora fustigada por uma tremenda apatia do pai, pelo desprezo e a sensação de que o certo era ele e que, mesmo sob bateção de pernas e malcriações a parte, ela teria de obedecer sua decisão. Logo, pensou em utilizar de uma malcriação mais funcional, como aumentar os rádios da casa no último volume, enchê-la d’água ou sair quebrando tudo, mas a execução destes atos faria mal a apenas ela, não ao dono da casa – que provavelmente e finalmente desceria a mão na coitada. Não estava com um pingo de sono, afinal. Não queria assistir televisão, os videogames idem e sua fome estava passando, todo o banquete preparado por suas mãozinhas esperavam por ela, no chão de seu quarto. Perdera a batalha. O jeito era resignar-se e voltar para o seu quartinho. E foi o que ela fez. Saiu do corredor ostensivamente triste e recolheu-se em sua barraquinha, onde trouxe toda a comida posta no prato para dentro, além de uma pilha de gibis do Ultimate Homem Aranha. Para ela, este herói estava há 1000 anos-luz em qualidade, comparando com o Homem Aranha normal. “O Spider Man que vale”, costumava dizer para si mesma. Prometeu que resolveria a situação de Bonnie quando o sol raiar, mesmo sabendo que passaria parte da manhã ao lado do pai para matricular-se em uma escola. Logo após, comeu. Comeu tudo e tanto que adormeceu dentro da barraquinha, com o rosto no prato e em posição fetal.



Segunda feira.


5 horas depois, Bonnie desperta com um chamado. Abre os olhos devagar, depois os fecha novamente. Em seguida, uma mão grossa invade o interior da barraca e toca em seu crânio, após isto, recolhe-se. Sidney coloca seu rosto dentro do local e a beija no canto da boca. “Bom-dia, querida”, sussurra. “Vamos pra escola, já escolhi qual você frequentará”. Como não queria presenteá-lo com pirraças àquela hora do dia, levantou-se lentamente e saiu da barraca, com o prato posto embaixo do bracinho e o outro braço, esfregando o rosto. Sidney abaixou-se à altura do tamanho dela e a abraçou carinhosamente, no intuito de amolecer o coração da guria. Pensou que o tempo entre ir dormir até a hora de acordar fora suficiente para aplacar sua ira e estava certo, pois Bonnie “sofrera” de períodos de raiva intensa – quando calhava de ter, especialmente pelas injustiças – , mas fugaz. E o pai se aproveitava disto para inserir coisas boas na cabecinha da menina, querendo fazê-la esquecer das brigas de uma vez por todas, mas sabia que não poderia utilizar este recurso em todos os momentos de suas vidas. Ali, Bonnie, confortada pelo abraço, passou a mão direita na nuca de seu pai, acarinhando-o. “Eu sei que o senhor tá querendo que eu não continue me aborrecendo pelo caso da Joana, mas só ficarei bem quando saber como ela está”, disse a ele, observando a expressão encurralada esboçada por ele. “Me prometa que vai procurá-la hoje, por favor”, suplicou.

- Tudo bem, amor, mesmo que não me pedisse iria fazê-lo – respondeu ele, sorrindo. – Ela é nossa funcionária e faz parte da família, acha que eu realmente a deixaria de lado? Naquela hora é que tava complicado pra fazer alguma coisa, estava morrendo de sono. Agora, pro banho, comprei uma roupinha bacana pra ti – disse ele, dando uma palmadinha na bundinha da filha. Naquele momento, percebeu que a ruivinha tinha posse de uma bunda um tanto avantajada, para alguém de sua idade. Não desproporcional ao tamanho de seu corpo nem chamativa, mas normalmente, pré-adolescentes como ela não ostentavam um traseiro tão bem moldado quanto aquele. Tudo isto apenas lembrava o fato de que Sidney não conhecia tão bem o corpo de sua filha, passando a ficar intrigado a partir do momento. Observou Bonnie correr de forma trôpega até o banheiro, perguntando para ele que iria banhá-la ou se havia se banhado antes desta acordá-la. Optou em ajudá-la na ducha.

Obviamente, Sidney não tinha em suas mãos uma criancinha, uma menininha, na qual ele foi acostumado a cuidar por muito tempo, após pegá-la ainda bebê na Inglaterra, onde instalavam-se parte de seus parentes hinduístas. O momento da adoção fora marcado e abençoado por um choro incessante vindo do médico, um berreiro digno de fazer inveja a qualquer criança manhosa. Havia experimentado a independência familiar, desvencilhando-se permanentemente dos costumes de sua família, do seio da mesma, e mais do que disposto a enriquecer, para mudar a si mesmo e as demais pessoas – se elas quisessem, é claro. Segundo suas próprias palavras, Bonnie Francisca Wright aparecera em seus olhos “iluminada por um anjo especial – mas, não no sentido de ‘retardado’ – em uma aura vermelha de paz, tranqüilidade e amor, maior que qualquer outro ser humano, metido a besta ou não, pudesse emanar”. Recordou ainda que Bonnie iniciou sua trajetória rumo à adoção por seus pais, moradores de Bristol, incapacitados de cuidar da filha – não-planejada – por sua condição excepcional. Esta mesma condição excepcional vivia dentro de Sidney, que resgatou a guria em algumas passadas por uma instituição de menores situada aos arredores da cidade. Se a situação fosse passada no Brasil, era certo que Bonnie amargaria ser deixada na “roda”, um compartimento rotativo presente em alguns orfanatos, composto de uma superfície lisa semelhante a uma tábua, onde as mães-que-não-queriam-ser-mães depositavam os bebês por fora. Fazendo isto, deixavam os recém-nascidos aos cuidados das freiras, educadoras e o escambau, que sempre estavam dispostos a cuidá-los. A quantidade de orfanatos e crianças carentes no Rio de Janeiro era sem dúvida maior que quase em todo o Reino Unido e nem sempre existiam pessoas realmente dispostas a cuidar dos petizes. Muitos dos candidatos a pais escolhiam demais – como por exemplo, gente disposta a adotar apenas crianças brancas – e por isto mesmo enfrentavam uma maior burocracia. Os abrigos e orfanatos instalados na capital federal chegavam a um número ínfimo – 8, entre os oficiais – e a prefeitura ligava pouco para a situação. Até poucas décadas os adolescentes amargavam estadias em verdadeiras masmorras, locais sem um mínimo de higiene, como se fossem presos, e tal como os presos, saíam pior que entravam. A adolescência era caracterizada como uma vida adulta, onde o jovem executava trabalhos de gente grande – desde cuidar da roça até trabalhar em fábricas – e até casava-se cedo. Há até poucas décadas a banda tocava dessa forma, em relação a adolescentes. Sidney, como dito antes, sempre empenhava-se em ensinar à menina o necessário para ser uma adulta decente. Seu maior tesouro. Mas, não fosse a “condição especial” vivida por ela, eles nunca teriam se conhecido.

Sidney banhou Bonnie. Sidney verificou e notou que, fora as naturais sardas, Bonnie não portava nenhuma pinta. Também sabia que devido à sua “condição excepcional” nunca que uma ferida, por menor que fosse, permaneceria em sua pele por muito tempo, mesmo por minutos. Evidentemente, com ele também era assim. Nenhum ferimento, nenhum “defeito”, nada. Tão perfeitinhos que, em plena consciência da invulnerabilidade de suas peles, consideravam-se o oposto: imperfeitos. Piores que os demais seres humanos, pois pelo menos – na concepção do pai e da filha – eles gozavam de características tão normais e similares entre o Homo sapiens. Mais um pouco se achariam monstros, mas monstros totalmente mimetizados à humanidade, como os vampiros, como Drácula, Nosferatu, Lestat, Armand, Edward Cullen (hahaha!) e toda esta merda que todos conhecem como a palma da mão. Após o esfrega-esfrega, Sidney utilizara o chuveirinho e encharcou a pequena e esta, passou freneticamente as mãozinhas na cabeça – a fim de retirar todo o sabão – e depois, o corpo. Daí, implicante, provocou o pai jogando água em seu rosto. Este respondeu ao ataque direcionando a água do chuveirinho de forma fina e dolorosa – provocada pelos dedos presos na boca do instrumento – e Bonnie reagira jorrando ainda mais água no corpo dele. O puxou para dentro da banheira, finalmente o molhando todo. O abraçou, enquanto ele contra-atacava com cosquinhas, e ela não conseguia obter a vitória exatamente por isto. Saiu da banheira, querendo correr nua pela casa, mas fora impedida com um tombo levado ao primeiro passo dado no piso do banheiro. “Só isso pra te aquietar, hein?”, perguntou o médico. Enxugou-a, pegou no colo e levou para o quarto, onde passou um spray no local machucado – mesmo sabendo que não seria necessário – e aplicou um beijinho na altura do roxeado – claro que não seria no local exato onde foi passado o spray, animal – , ela sorriu. Sidney ganhara o dia com aquilo.

Arrumados, Sidney e Bonnie preparavam-se para partir. Ele já efetuara uma ligação para o colégio pretendido no dia anterior, mas efetuou mais uma para confirmar. Trajava um paletó bege com blusa branca e gravata preta, além de uma calça marrom e mocarrins igualmente marrons. Bonnie usava um vestido azul-marinho com pontinhas brancas, sapatos pretos e o cabelo preso por uma presilha branca.



Última edição por Admin em Qui Out 28, 2010 12:20 am, editado 2 vez(es)
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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:34 am

Prosseguiu de carro com Bonnie até o portão de entrada/saída da quinta, e depois a guria desceu do veículo para abrir a porta, quando o Modelo T passou ela fechou e voltou para o carro. Antes mesmo de dirigir em direção ao Largo do Castelo, seu telefone celular fora pipocado por diversas ligações e mensagens de texto – aliás, desde o fim de semana passado. Sabia que Bonnie ficaria chateada ao pai dar atenção àquelas pessoas, mas isto aconteceria mais cedo ou mais tarde, era parte de seu trabalho. “Ah, mas eu tive de ignorar vocês justamente por causa de minha filha, certo que vocês irão compreender isto, não é?”, poderia responder, esboçando um sorriso bem acanhado e uma postura envergonhada. Sabia fazer manha quando queria, especialmente para conseguir o que quer. Até nisso andava na contramão dos costumes e características do papai, da mamãe, dos irmãos e dos demais membros da família, quase sempre bem firmes em suas decisões, sem nhemnhemnhem, sem dissimulações, nem choros forjados – estes, claro, estão no mesmo gênero das dissimulações. Uma família sisuda – até mesmo as mulheres – e unida, do tipo que ou faz marcação cerrada para cima do outro membro ou o deixa à própria sorte, para que ele se complique bastante, pois como orgulhosos que eram, gozavam de prazer ao se deparar com um dos membros agonizando, pedindo ajuda, pois se ferrou tanto ao virar-se sozinho que não agüentou, não suportou as lapadas e foi chorar para o colinho da mamadi (mamãe). Sidney ainda não figurara neste tipo de situação, nunca, em seu currículo familiar inexistia tal humilhação. Quase sempre ao recolher vitórias e mais vitórias dava uma rápida retrospectiva em relação à sua vida, o quão batalhou para chegar até ali. Achava-se o sujeito mais importante de sua família, na questão das relações internacionais, dos membros que foram meter as caras no exterior e se deram bem. Sidney, evidentemente, era um deles e possivelmente o maior de todos, e seu clã era numeroso, verdadeiros figurões hinduístas de Kerala que nadavam em dinheiro, mas ao mesmo tempo, mantinham o padrão de vida baseado nos preceitos do Hinduísmo. Brâmanes orgulhosos e que depositavam seu ódio nas castas mais baixas, especialmente nos “Dalits”, considerados o pó que cobria os pés de Brahma (um dos 3 deuses maiores do Hinduísmo). Estes Dalits – os grupos Paraya, Pulaya, Mala e Madiga são os maiores representantes no Sul da Índia – quase sempre foram auxiliados por Sidney enquanto morador da região. Estados como Kerala e Tamil Nadu (este último, vítima de um Tsunami em 2004) quase sempre foram auxiliados por uma fundação criada por Sidney, que sempre os tratava como pessoas comuns, ao contrário de sua família. Parte deste altruísmo natural fora subjugado pelos costumes da família, fomentando ainda mais a vontade de sair de casa e tentar uma vida própria, pois tinha dinheiro suficiente para isto. E fez, foi morar na Inglaterra, adotou Bonnie e fez moradia no Brasil. Não se arrependera de sua escolha, pois sabia que sofreria prosseguindo com a convivência controlada de seus pais – não obstante sendo adulto. Não fosse o rompimento, não teria sido tão feliz depois.

Como sempre, acenava para tudo e todos enquanto transitava com o Modelo T em direção à Ladeira do Castelo. Reclamava das crianças jogando bola àquela hora da manhã quando deveriam estar estudando, mas sempre respondiam “eu estudo de tarde!”, e ele ficava sem argumentos. Bonnie ria de sua expressão constrangida. Antes de prosseguir com a descida, deu uma passada rápida na associação de moradores do morro, onde estacionou o veículo próximo à gasta calçada, queria conversar com a supervisora. Sabia que a filha poderia aguardar nem que fosse um pouquinho. Dera uma olhada na fila, que se formara e contornava a rua, ouvira gritos de crianças e profissionais apressados. Andamento normal, o de sempre. A associação de moradores não levava seu nome, todavia, todos tinham ciência de que Sidney colhia a maior parte dos louros daquele serviço, pois mandava ali. Sua idéia para expandir os serviços da Clínica Bhaga para a população mais pobre na Zona Sul – em específico no bairro da Glória, onde fora construído o estabelecimento, e nas proximidades do Catete, Lapa e Laranjeiras – além do baixo preço e do bom atendimento, era a boa relação, mas isto já foi dito. A boa relação com os necessitados regia as coisas, era a base de tudo, sem isto não poderia fazer nada. Conquistando corações – masculinos e femininos – constituía-se um passo para sua empreitada política. Fora isto, estava em alta conta com o prefeito César Sampaio, descendente de franceses e homossexual assumido. César Sampaio sempre fazia uso da ponte aérea Rio-Paris, utilizando-se da amizade colorida com o prefeito da Cidade Luz e sim, quis moldar o Rio de Janeiro a partir a visão oferecida por Paris, pelo o que Paris representava e pelo o que ostentava. As melhorias feitas em Paris serviam de modelo para o Rio, que para ele, poderia ser a cidade mais desenvolvida da América do Sul. Boas intenções, entretanto, Sidney ainda não entendera até onde elas iam. Sabia que não poderia confiar em ninguém.

Dentro do gabinete, Sidney deparou-se com sua secretária, Riana, terminando de limpar o recinto, pois a faxineira estava doente e não compareceu ao serviço naquele dia. Riana era uma mulata de olhos cor de mel com negríssimos cabelos longos e cacheados, presos em um rabo de cavalo chamativo, com mechas louras. Quase sempre ostentava um decote sutil e trajava vestidos multicoloridos e justos. Meio que era imitada por algumas moradoras metidas a patricinhas do morro, gerando emulações bizarras, com roupas compradas em brechós caindo aos pedaços, dos arredores do bairro. Dizia a si mesma que não tinha o direito de ditar uma espécie de “moda” para com as jovens do local, pois poderia levá-las ao mau caminho – Sidney também reprovava esta atitude – , mas mesmo assim desferia conselhos às garotas sobre como podiam deixar o guarda-roupa mais bonito e brilhoso. Achava que isto não seria o suficiente para fazer as cabeças das jovens. Sidney dizia que elas necessitavam primeiramente de um destino decente às suas vidas, galgando o trajeto de sempre: estudar até o fim e trabalhar. Após isto é que teriam carta branca para fazer o que quiser de suas existências, mas nem todos tinham paciência para isto e largavam os estudos, entravam na criminalidade, eram presos, e etc. O presidente da associação só podia lamentar e dizer “eu avisei”, não obstante não ser a melhor pessoa para dar lições de moral. Naquele dia, Riana substituíra os vestidos multicoloridos por uma calça jeans folgada nas coxas – e justa nas pernas, camisa branca com estampa da associação e sapatos pretos. Tinha ciência de que seu estilo minimalista cansara sua beleza – mas, não a das demais meninas – e que mais cedo ou mais tarde seu chefe encheria seu ouvido. Adotou o estilo simples de se vestir, porém, nem menos mais charmoso. Sidney fitou Riana arrebitando a bunda ao retirar a última camada de sujeira da estante, situada próxima ao rodapé. Como este naturalmente permanecia lá embaixo, poderíamos imaginar quão a secretária levantou seu traseiro. O suficiente para excitar o indiano logo pela manhã. Aplicou-lhe um tapa naquela bunda – Riana gritou sensualmente – , fazendo uso de seu costumeiro atrevimento.

- Bom-dia, Ri – disse Sidney, explicitando um sorriso safado, de braços cruzados. – Faz um tempo que não te vejo, querida. E aí, como andam as coisas aqui na associação?
- Bom-dia, chefe – disse ela, enxugando-se do constrangimento, querendo abraçá-lo. – O andamento está normal, como sempre. Aquele monte de gente próximo à porta só faz confirmar, né? E como foi sua viagem? Parece que ficou 1 ano inteiro fora do morro.
- É, também acho, por isso que ontem, quando voltei, dei uma conferida geral no morro e vi que não tem nada além do que já sabemos – disse ele, abraçando-a, estando há centímetros de seu rosto. – Mas, aposto que temos algumas novidades, não? Nem umazinha que seja, amor?
- Bom, o prefeito quis dar uma passadinha aqui hoje, mas acabou se ocupando com a presidente, guardei a mensagem mandada pelos assessores dele – respondeu ela, acariciando o rosto do chefe. – E nem é preciso ser um gênio pra sacar que seu celular está entupido de mensagens, como sempre. Sem querer abusar, como estão as coisas na sua casa?
- Está tudo bem – mentiu. – Peguei Bonnie com sucesso lá em Paty, tava louca de vontade de me ver e de voltar a morar aqui, sem contar que me diverti pra caralho com o pessoal de lá. Descobri que o avô dela é um tremendo boiolão, hahaha!
- Que coisa, há até pouco tempo atrás eu nunca imaginaria que eles também estariam espalhados no interior – disse Riana, mordendo os lábios. Seus olhos cor de mel brilhavam e isto maravilhava Sidney. – O que o senhor pretende fazer hoje à noite? Creio que não estará ocupado com a ruivinha, né, pois tem a serviçal pra cuidar...
- Joana...viajou e só voltará semana que vem – mentiu novamente. – Dei umas férias adiantadas, ela merece, pois tem trabalhado muito e como você sabe, sou bastante piedoso, huehehe.
- E aquela oriental que sempre tá na tua casa, aquela...CR...CJ...C...CL, isso. Ainda está dormindo contigo?
- Ora, como você sabe que ela está dormindo comigo? – perguntou ele, fingindo-se surpreso. – Quem te contou?
- Ah, qual é, até a Rihanna sabe – disse ela, passando os braços pelas costas do chefe. – E aí, ela ainda está lá?
- Continua sumida. Tá todo mundo viajando quando deveriam estar em casa, mas, pô, não tinha coragem em suprimir as férias da Joana. Ela parece que está querendo ser melhor que Ganesh, anda trabalhando dobrado...deve ser apenas pra me agradar, já que sou um chefe bastante bondoso e garboso.
- Iihh, não se bajula, pois eu morro de rir, hehehe. Deixa eu te preparar um café – disse Riana, que virou-se em direção à cozinha, no intuito de preparar um cappuccino para o presidente da associação. Ao abrir a porta do gabinete para sair do local, sentiu duas mãos pesadas apertando suas nádegas. Sidney aproximou-se com rapidez para perto da secretária, beijando-lhe ardorosamente a nuca. Passou as mãos para a barriga. Riana dava risinhos marotos, enquanto tinha seu tórax e abdome vasculhados pelas mãos do indiano. – Ah, não acredito, agora não, chefe.
- Poxa, o que custa uma rapidinha? – murmurou ele, fechando a porta com o pé direito. – Tranquemos a porta, hein?
- Isso é tentador, mas... – bateram a porta. Rapidamente, os dois se recompuseram e segundos depois, Riana abriu. Sidney sentou-se em sua cadeira, fingindo verificar documentos.
- Bom-dia, pessoal – disse um dos funcionários, um jovem com o “uniforme” da associação e tênis All Star. – Chefe, já agendei aquela Kombi que o senhor pediu. Temos 3 pessoas para encaminhar à clínica e depois, faremos uma visita à prefeitura, pois o prefeito quer conversar com o senhor.
- Eu sei, mas obrigado – disse Sidney, mantendo-se sério. – Rihanna anda fazendo um bom trabalho na clínica? Bom, quando passei por lá ontem, nem tive tempo de conversar com a guria, foi o primeiro dia de trabalho, então...
- Ah, sinto dizer, mas ontem ela nem compareceu – disse Riana, entristecida. – Ficou em casa.
- Já tá querendo ser despedida, hahah – Sidney cruzou os braços, sorrindo doentiamente. – Você descolaria uma visita ainda hoje, Ri? – perguntou ele, provocando surpresa na morena.
- Claro, mas...o senhor terá tempo pra isto mesmo? – perguntou ela. – Pode deixar que conversarei com ela assim quando estiver desocupada...
- Não, quero fazer uma visita, claro que depois de todos estes compromissos – insistiu.
- Ah, por favor...vai perder tempo com ela? O senhor sabe que está lidando com uma rebeldezinha por natureza, vai perder seu tempo. Pode deixar que darei uma “dura” nela, sem problema algum. Confia em mim.
- Ok – levantou-se. – Eu preciso levar Bonnie para sua nova escola e depois disto, voltarei ao trabalho, onde poderei ter a conversa com o prefeito. Tá marcado pras 3 horas da tarde, certo?
- Certíssimo, 3 da tarde eu pego o senhor e daremos as caras na prefeitura – respondeu o jovem. – Bom, preciso retomar ào trabalho, aqueles músicos franceses da Lapa que estão combinando de ensinar aqui.
- Lembro deles. Pierre e Pascal Chantere, dê desculpas a eles por eu não estar na hora para recepcioná-los pessoalmente, sim? – perguntou ele, passando por Riana, dando-lhe um beijo no canto de sua boca carnuda. – Preciso mesmo tomar a estrada. Tchau, amigos.
- Tchau, chefe! – disseram os dois, simultaneamente, sorrindo.

Sidney saltou sobre a fila indiana formada às portas da associação e em seguida, acenou e cumprimentou os necessitados. Bonnie, assediada por dois moleques em trapos, fora “resgatada” pelo pai, que os afastou colocando-lhes balas de coco em suas pequenas bocas. Em seguida, fechou a porta do carro, ligou-o e partiu, descendo a Ladeira do Castelo com um olhar determinante.

Sidney e Bonnie desceram a Ladeira do Castelo em disparada, movidos por uma pressa quase inexistente. Sidney queria logo resolver a situação da escola de sua filha. Como já entrara em contato com a secretaria do tal liceu, rumou diretamente para lá. Ficava na Lapa, na rua Joaquim Silva, às fraldas do morro de Santa Tereza – anteriormente chamado de Morro do Desterro – , mais povoado que o do Castelo, especialmente por artistas plásticos, estrangeiros e tribos com um pé no alternativo, que trabalhavam informalmente e terminavam os finais de semana e dias festivos enchendo a cara e usando todos os tipos de droga existentes próximo ao aqueduto, os Arcos da Lapa. Festeiro que é, Sidney quase sempre batia ponto no bairro, experimentando os mais variados tipos de bebidas alcoólicas – entre cervejas e destilados importados – e fazendo amigos, por mais descartáveis que fossem estes relacionamentos. Não importava se topava com pessoas mais fúteis que ele, o importante seria o que estas pessoas tinham a oferecer: um papo delicioso, uma pegação, drogas, boa comida, sexo... utilizava os demais festeiros e habitantes da Lapa unicamente para isto, para satisfazer seus desejos em todos os sentidos. Agora, com o retorno de Bonnie, não estaria mais tão livre para fazer uso da frase “ninguém é de ninguém” como antes. Lembrou que seu melhor amigo, Cristiano, detestava a Lapa com todas as forças, e explicitava este ponto de vista no modo mais preconceituoso possível. Sidney sempre relevara, já que opinião era opinião e entendia – ou pelo menos tentava entender – os pensamentos de Cristiano, motivando-os todos ao período em que sofreu bastante em sua vida. “Ele sofreu pra caramba, por isso que pensa dessa forma, por isso que é tão amargurado”, dizia para si mesmo. Mesclado a isto um sentimento de pena tão desprezível que se o nissei soubesse, estaria tentado a socar-lhe a cara. E tinha ciência do quão a personalidade beirava à instabilidade, e que detestava piedade alheia, com todas as suas forças.

Como sempre, teve que lidar com um trânsito complicado naquela área do Centro. Diligências, bondes, motos e poucos carros engalfinhavam-se nas estreitas ruas do local, e ficava complicado rumar para Santa Tereza daquela forma, não obstante a proximidade ridícula entre os dois bairros. Eles até poderiam executar o trajeto a pé, se tivesse saco, pois condições físicas tinham, até poderiam aproveitar para apreciar a natureza, dar um pulo na praia de Santa Luzia – próxima à igreja homônima, bem perto do morro do Castelo – e relaxar um pouco. Bonnie bem que queria experimentar, entretanto, seu pai parecia tão centrado no que fazia – tentar estar o mais rápido possível em sua futura escola – que por vezes esquecera que a ruivinha estivesse ao seu lado. Toda aquela barulheira, todo o estardalhaço vivo no centro carioca era demais para Bonnie, mais do que acostumada com a calmaria do interior. Apenas a brisa da área correspondente ao seu bairro recordava Paty do Alferes. Certo que quase morrera de saudades de seu querido pai, mas no momento, sentia mais saudades de sua família no interior. Margarete, o pai e a mãe desta...as revelações passadas no último dia da estadia de Sidney no sítio nada significavam no momento. Por um instante, queria retornar àquele local quieto e acolhedor. Poderia transferir esta sensação gostosa em sua quinta, na casa onde mora, mas demoraria, quão demoraria. CL também não estava lá e Joana dera o fora, após uma pequena contenda com o dono da casa. Logo, achou-se em parte responsável pela adaptação demorada de sua quinta, refletiu que necessitava adaptar-se, pelo menos mudar um pouquinho. Sua adolescência batera as portas e ela não via mais necessidade de agir como a “queridinha do papai”, apesar de que, um rompimento radical e impetuoso desencadearia em desgosto por parte dele, mas ao mesmo tempo em que sentia vontade de crescer, considerava-se imatura para tal. Seu desejo, em boa parte das vezes, era de permanecer ao colo do papaizinho lindo, amoreco de sua vida, eternamente uma criança, uma Peter Pan de saias disposta a receber todos os carinhos inimagináveis do indiano, os mimos, o prazer em ser paparicada, os beijos e abraços dados com muito carinho... tinha certeza de que, se crescesse, estas carícias naturalmente paternas cessariam. Queria crescer, mas não se sentia preparada para galgar seu próprio caminho, nem se fosse adulta – na opinião dela. No momento, ela só contava com o pai. A serviçal Joana agia como mãe – mais propriamente uma empregada que uma mãe de fato, pois se estivesse diante de uma Bonnie bebê certamente não daria de mamar para ela – , e CL agia como uma mãe irresponsável, do tipo que prefere dar razão aos prazeres mundanos e materiais – sim, era extremamente materialista – que os sentimentais, os humanos. E não estava nem aí para o que dissessem dela, atitude esta, vítima de um pontinho de inveja, por parte de Sidney, que nunca conseguiu ser tão solto e desapegado como ela. Não sabia exatamente se poderia contar com CL, mas na ausência – constante – desta poderia contar com Joana, mas a lourinha deu chá de sumiço, exatamente na hora em que a ruivinha mais precisava. Por isto que fez seu pai dizer que procuraria a serviçal-sem-um-braço após resolver a questão da matrícula. No carro, Bonnie cruzara os braços e deixou de observar o tumulto instalado na avenida em que passavam com o Modelo T, no término da Avenida Central em seu fim, iniciando a Avenida Beira Mar (em direção à Glória, Catete e Flamengo). À sua direita, o Palácio Monroe. Da Avenida Beira Mar, Sidney poderia dirigir até a Glória com tranqüilidade, pois estava dentro do horário de circulação de carros, e foi. Muitos passantes o fitavam – já que somente os mais endinheirados possuíam carros na capital federal. Iniciou o trajeto passando pelo obelisco que dava fim à Avenida Central, além do alarme da polícia, situado próximo ao obelisco.

- Cara, estava até me esquecendo desse lugar, sabia? – perguntou Bonnie, maravilhada. A Avenida Beira Mar era uma via de comprimento extenso, 2 pistas e centenas de mudas e arbustos plantados na via. Ao lado, a Baía de Guanabara. Mais atrás, a Praia de Santa Luzia (que apesar de ser praia, não tinha areia, e os banhistas utilizavam os cais de madeira como trampolim). Os sábados eram especiais para a prática do banho de mar naquele lugar. – Por que também a gente não toma um banho na Praia de Santa Luzia no próximo fim de semana?
- Ótima idéia, querida – respondeu ele, sorridente. – Já estamos chegando à sua escola, deixa eu dar uma curva aqui. – E eles adentraram ao bairro da Lapa, passando pelo largo homônimo. À direita deles, o Passeio Público e seus jardins. Á esquerda, a capela do Divino Espírito Santo e a igreja de N. Sra. do Carmo da Lapa. Atravessaram a rua da lapa rapidamente, onde então chegaram à rua Joaquim Silva. Sidney pediu para que Bonnie descesse do carro e que o acompanhasse até o edifício azul e branco, pequeno, mas composto por dezenas de crianças.

Há tempos Sidney não adentrava em um colégio tão bem fornido como aquele. Cultivava uma boa relação com os dirigentes do liceu, mas resolvia quase tudo por telefone, email ou em almoços e jantares, caso fosse pessoalmente. Todos aqueles olhares inocentes e atitudes espevitadas, pessoas nas quais você poderia – caso gostasse de crianças e pré-adolescentes – simpatizar-se facilmente e nunca mais esquecer. Sidney sabia que as crianças tinham este poder, o poder de serem amadas e por isto mesmo precisava pôr em dia esta apreciação. Bonnie significava tudo para ele, mas ele precisava conversar, afagar e brincar com outras crianças, pois sempre sentiu-se próximo a elas, achava que sem elas estaria perdido na vida e certamente, se tornaria uma pessoa tão amarga quanto Cristiano – palavras dele – , algo que nunca iria querer. Crianças eram muito bem cuidadas em sua comunidade, agradava-as como podia, pois tinha ciência de que elas seriam o futuro, etc e tal, toda aquela frase clichê que vocês bem sabem. Sem contar que, observá-las e conviver com elas trazia lembranças do passado, e não obstante as agruras que sofreu dentro de sua família e os costumes hindus, Sidney aproveitou a infância. Não teria como não aproveitar, visto que gozava de todas as coisas que queria – o bolso é o melhor amigo do homem, mesmo em tão pouca idade – , podendo aproveitar de quase todos os prazeres. Mas, resolveu andar por suas próprias pernas e rebelar-se, iniciando de fato o seu sofrimento dentro do clã. Mesmo pequeno, almejava crescer rápido, para fazer 100% o que quisesse. Observando aqueles petizes enquanto adentrava ao portão azul-bebê, Sidney agachou-se e murmurou para si mesmo, provocando estranhamento de Bonnie e da zeladora. Recordou que vivenciara sua infância, mas mesmo assim, não podia se comparar com aquelas crianças. Gozou de quase todas as coisas, mas longe da genuinidade. Lembrou que quase todo o tempo em que se divertiu, quisera “evoluir”, quisera galgar um degrau maior, distanciando-se da “criancinha fofura que amolecia o coração dos adultos”. Sidney aproveitou a infância, sim, entretanto, apenas a questão material desta. Logo, achou-se menor que as garotinhas que brincavam inocentemente à sua frente.

“O que o senhor está fazendo agachado, papai?”, perguntou Bonnie, sussurrando. “Levanta, tá passando vexame”. E ele ergueu-se, enxugando os olhos. Não quis responder nada para a filha, prosseguiu com seu caminho para a secretaria, de mãos dadas para ela. A zeladora ainda continuou sem entender, por fim, utilizando o gesto de “maluco”, rodando o indicador apontado para um dos ouvidos, atrás do indiano. Ele sabia que não poderia retornar ao passado, nem mesmo dar uma de “criança grande”, arrebentando toda a credibilidade que sentia por si mesmo. Se aplicasse esta tentativa, se sentiria tão mal que não teria forças para bater no próprio peito pela manhã e dizer: “EU SOU FODÃO”, como sempre faz quando tem a oportunidade. Palhaço, já sabia que era, mas imaturo – e ainda planejado – era demais.

Era esperado pelo diretor, este se manteve em pé à porta de seu gabinete, sorriso amarelo, acima do peso e de mãos para trás, como se estivesse preparado para receber um chefe de estado ou qualquer celebridade tão importante quanto. Sidney já se acostumara a este tipo de coisa, Bonnie ainda se mantinha meio cabreira em lidar com isto, queria tanto que os demais seres humanos de alto gabarito profissional pudessem agir como pessoas normais – que na concepção dela, se abstinham de qualquer formalidade excessiva e glorificadora – , e não como (em suas palavras) babacas, senhores da vergonha alheia. Com aquilo, todos os olhos dos alunos ao seu redor fitavam sua fuça, assim como a de seu querido pai, que gozava de alegria, murmurando assuntos para si mesmo, como se estivesse ensaiando algo para dizer na frente do diretor. Bonnie sabia que Sidney pagaria uma nota na mensalidade, mesmo não desembolsando um centavo de si mesma, preocupava-se com o quão seu pai gastaria naquele processo de 3, 4 ou 5 anos. Era rico, portava bens preciosos, e mesmo se amargasse a miséria não pediria ajuda aos seus familiares. Mas a derrocada dele também configuraria na sua, temia ter de se deslocar novamente para seus parentes, interrompendo novamente o andamento normal de sua vida. Era certo de que a babaquice natural de seu pai – um mão-aberta nato – poria tudo a perder, com tantos gastos em mensalidades, lanches, e o caralho à quatro. Palhaço. Imaturo.

- Papai – disse Bonnie, puxando seu pulso. – Não precisa.
- “Não precisa” o quê? – perguntou ele. – Não precisa estudar? Ah, nem vem.
- Peraí, peraí, me escuta. Pára um pouquinho – disse ela, cessando a caminhada. – Sei que o senhor só quer o melhor pra mim, etc e tal, mas não precisa pagar tão caro pra me dar uma educação decente. Tá, vai dizer que nosso país não presta em matéria de educação em colégio público, mas eu me sentiria melhor em um colégio muncipal ou estadual que aqui. Olha pra estes engomadinhos, todos estes caucasianos...
- Você também é caucasiana... bão, pelo menos parece ser.
- Mas... não dessa forma tão sem graça! – exclamou a menina. – Fala sério, acha realmente que eu vou me divertir aqui? O senhor não sabia que a aplicação nos estudos e a diversão proveniente de brincadeiras executadas no recreio têm de estar bem casadinhos, pra formar um aluno excelente? Todas estas crianças, estão me deprimindo!
- “Fala sério” digo eu – disse Sidney, gargalhando. – Está me dizendo que não quer estudar nesta escola boa pra caramba, na qual eu suei pra arrumar uma matrícu...
- Qual é, o senhor não “suou” nada – interrompeu ela, fitando-o de forma sacana. – Vamos embora daqui, me matricule em um colégio mais relaxado, pelo amor de Deus...
- Sério, né? – perguntou ele, recebendo prontamente a afirmativa de Bonnie. Deu meia-volta no corredor do liceu e rumou com ela em direção à saída, observando o pátio e o portão de entrada.
- Ei, Sidney! – bradou o diretor, descendo a escada com rapidez. – O que está fazendo, achei que iria matricular sua filha aqui! Estava tudo combinado!
- Foi mal, Casagrande, mudamos de idéia. Talvez eu me arrependa disto, mas tudo bem, a gente tem que se ferrar na vida mesmo pra se tornar uma pessoa melhor. Valeu! – concluiu, trespassando com Bonnie o portão de entrada. Não viu que o diretor, totalmente frustrado, jogara-se de bunda no chão, passando severamente as mãos à cabeça pelada. Bonnie, que testemunhara a situação, sorriu. Estava convencida de que morreria de tristeza, caso fosse aluna daquela escola. Sidney virou-se para ela: - Não pense que dei por terminado nossa procura. Vou descolar agora uma conversinha com as diretoras de algumas escolas municipais da região, mas agora, preciso dar as caras na clínica.

Saíram dali e minutos depois, ainda dirigindo em direção à Glória, receberam uma ligação de um funcionário da clínica. “Achamos uma pessoa muito especial circulando por aqui”, disse o sujeito para ele. Sidney não perguntou em quem se tratava, pois adorava surpresas. Bonnie ainda não fora informada sobre nada, mas desconfiava do sorriso esquisito explicitado por seu pai. Gostava de joguinhos e fazia questão em atuar como um dos jogadores. Tinha certeza de que seria algo potente o suficiente para alegrá-lo pelo dia inteiro. “Antes disso, eu quero tomar um sorvete”, disse Bonnie, de braços cruzados. Certo, queria tomar tempo sabe-se lá por que. Pararam em uma lanchonete. Sidney entrou na brincadeira e pediu um sorvete de passas ao rum, enquanto Bonnie tomou um de limão com açaí, observando o pai efetuar ligações para outras escolas públicas. “Isso, eu quero saber se vocês têm vagas. É, sei que o tempo de matrícula acabou há tempos, mas meu caso é urgente, urgentíssimo. Trata-se de apenas uma menina, minha filha, só quero colocá-la pra estudar. Não, não é o tipo que só vai à escola pra comer merenda, hahaha. Eu sou über ocupado, solteiraço, level S e preciso colocar dinheiro no meu bolso pra poder alimentar nossas bocas. Beleza, quer que eu compareça ainda esta semana? Hoje? Posso aparecer à tarde, porque agora preciso ir à minha clínica pra conversar com uma...uma cliente. Certo, certo...2 da tarde então, pode ser? Ok, tudo bem, sem problemas. Primeiro ano do Ensino Médio. Isso. Ok, o endereço é este mesmo? Tá, tá, 2 da tarde estaremos aí. Obrigado, querida. Tenha um bom dia, tchauzinho. Tem uma vozinha bonita, hein? Huehehe. Tchau”. Desligou.

- E aí, conseguiu, papai? – perguntou Bonnie, saboreando seu sorvete.
- Yep – respondeu, sacana. – Você vai ficar na clínica até depois do rango, depois iremos para sua nova escola, combinado?
- Combinado – respondeu ela, sorrindo. Aproveitando a alegria do pai, tratou de pedir 500ml de açaí, recebendo dele o aviso de que certamente não teria fome para almoçar, como de praxe. Ainda martelava em sua cabecinha a curiosidade criada pelo momento em que Sidney telefonou enquanto dirigia, e porque sorrira tão medonhamente daquela forma. Não perguntou nada, pois queria presenciar tal acontecimento.

Chegara à clínica, pondo seu carro no estacionamento, na vaga direcionada à deficientes físicos. “Vou retirar daqui a pouco, é que eu estou excitado pela surpresa que me aguarda lá dentro”, disse ele à filha. Pronto, tratou de se cagüetar. “Supresa”. Talvez fosse uma boa surpresa para ele e não para Bonnie – como a admissão de uma funcionária gostosa, por exemplo – , mas mesmo assim não seria o bastante para acabar com o dia da ruivinha. Esta tomou a frente com rapidez, puxando-o pelos dedos para dentro da clínica, apressando-o. Ele entrou no embalo. Logo, topou com o médico que ligou para ele há algumas dezenas de minutos atrás. “Ela está na sala de espera”, disse o rapaz, provocando ainda mais a ansiedade naqueles dois. “Vamos indo!”, ordenou Bonnie, trotando os corredores do local, com o pai sendo continuamente puxado pelos dedos. Até que cessaram a correria ao observarem a tal pessoa, sentada em uma das confortáveis poltronas da sala de espera.

- Joana! – exclamaram os dois. Joana carregava muita sujeira em suas roupas. “Ela não sobreviveria nas ruas por muito tempo, como eu previa”, pensou Sidney. Obviamente não teve para onde ir, além de locais referentes ao seu chefe. Não surpreenderia Sidney se a lourinha contasse que se arrependera mesmo na descida da ladeira, mas, por não subjugar-se ao vexame, prosseguiu com o caminho. Joana levantou-se e se aproximou do pai e filha.
- Me desculpa... – sussurrou, sem olhar Sidney na cara.
- Tudo bem – disse ele. – E quando digo “tudo bem” é sério, pois a culpa foi minha. Forcei a barra, reconheço isso.
- Hum? – Joana surpreendeu-se ao ouvir tal coisa de seu chefe. Pensou que talvez poderia ser mentira, o que estava longe de ser surpreendente nele. Apenas um fingimento, para ludibriar a filha, em especial. Pensou que, se retornasse à quinta não o ajudaria à correr atrás de CL, retornando à quinta continuaria a ser alvo das investidas sexuais dele, provocando mais uma revolta, pois não se sujeitaria àquilo por tanto tempo. Mas, talvez...poderia ser verdade. Ele estaria reconhecendo seu erro, com sinceridade, após um bom tempo (ou não) refletindo.

Sidney as chamou para adentrarem ao seu gabinete. Para ele, não ficaria bem trocar palavras tão importantes e de cunho familiar na sala de espera, e como qualquer pessoa tinha a tendência em ouvir – mesmo que fosse superficialmente, sem o intuito de despejar nos ouvidos de outrem – não perderam tempo e retiraram-se dali. No caminho, Bonnie observou com atenção os olhares do pai e da serviçal, como se a fim de avaliá-los. Sidney esboçava seu sorriso com naturalidade, porém, um tanto mais contido, talvez ciente de que poderia deixar Joana escapar por seus dedos em definitivo, pois sabia que era um babaca, mas um babaca apreciável para as mulheres. Mas, não apreciável para Joana, que queria vê-lo em união com CL. Ele já não tinha mais por onde fazer suas próprias vontades em relação a isto, pois se tentasse pavimentar seu desejo seria chutado. Bonnie também romperia. O negócio era agir como um ser humano coerente, pensando com a cabeça de cima, pois necessitava. Ao adentrarem ao gabinete, Bonnie fechou a porta e Joana sentou-se próximo à mesa de seu chefe, levemente tensa.

- Então, eu forcei a barra. Pode voltar à quinta, se você quiser, não vemos problema algum em tê-la por lá o tempo que quiser – reiterou Sidney, em pé, preparando um chá de camomila. – Estávamos preocupadíssimos contigo, especialmente Bonnie, que tanto me alertou sobre os problemas que você poderia estar passando na rua...como foi?
- Ah, foi péssimo – respondeu a loura, arrastando a mão direita na testa. – Muita gente não acreditou em mim e os que aparentemente acreditaram quiseram abusar, tive de fugir de dois mal-encarados. Me assustei tanto que tive que tomar um sal de frutas... mas, este mesmo pessoal que me ajudou queria algo em troca. Não é possível que nossa cidade já esteja apinhada de descarados.
- Ora, você é mulher, geralmente mulher sempre passa por estes maus bocados quando vai se aventurar... – pontilha Sidney, esquentando a água.
- Ela não foi “se aventurar”, papai – corrigiu Bonnie, trincando os dentes enquanto arregalava os olhos para ele de forma ameaçadora.
- Tudo bem, foi mal. Joana, pode deixar que nunca mais será vítima de qualquer constrangimento, tem minha palavra, tô prometendo – disse ele, fitando-a. – E eu também não quero mais arrumar problemas com CL, embora não pareça, sou aquele tipo de homem que almeja uma “família Doriana”, só vai faltar o cachorro, mas como eu e Bonnie detestamos cachorros, podemos substituí-los por gatos. Agora que estamos de volta, pode retornar para a quinta, pois retornaremos para apreciar sua janta, hueheh.
- Ah, desculpe discordar, mas... não posso acreditar que o senhor queira uma família decente – disse Joana. – Na maioria das vezes, antes mesmo de eu substituir o senhor Ganesh soube e vi que o senhor age totalmente contra o recomendado, contra o que um adulto pai de família faria. Me desculpe, me desculpe mesmo questioná-lo, mas só estou expondo meu ponto de vista. Logo, estou disposta a arcar quaisquer que forem as conseqüências, senhor!
- Ei, relaxe, de vez em quando é bom ouvir o que pensa o empregado – disse Sidney, cruzando os braços. – Sem problemas, levante a cabeça. Me responda, já lhe fizeram alguma avaliação, para ver se não pegara nem ao menos uma virose neste frio noturno?
- Sim – respondeu ela, tendo a face leitosa tocada por ele. – Eles...estão em falta de roupas, mesmo as mais simples, para distribuir aos pacientes mais necessitados. Desculpe dizer isso, é que eu achei cabi...
- Tudo bem, não se desculpe o tempo todo, querida. Pode voltar para casa, nós sentimos saudades de você – disse ele, beijando o rosto de Joana enquanto a abraçava amigavelmente. Bonnie, que dependurava-se na mesa próxima à estante apinhada de livros, saltou em direção a eles com relativa alegria e abraçou Joana tal qual uma filha. A loura, respondeu em tímido agradecimento, acariciando o topo da cabeça da inglesinha. Tinha ciência de que por causa dela retornaria ao ritmo normal, ao seu trabalho, aos seus afazeres na quinta indiana do morro do Castelo. E concluindo aquilo, Sidney ligou para um dos motoristas buscar Joana (este já se mobilizara para tal) e ela pediu licença para se retirar. Mas, ainda não. Sidney pediu para que aguardasse em sua sala e esta, assentiu prontamente, sentando-se em uma das confortáveis cadeiras.
- Er...o senhor já arrumou uma escola para Bonnie? – perguntou Joana, com as mãos postas aos pálidos e gélidos joelhos. – Achei que o senhor, se estiver ocupado, poderia precisar de minha ajuda para a procura.
- Hum... conseguimos uma escola pública para ela, por capricho da mesma, mas estava pensando em despachar com ela para lá após o almoço – disse Sidney. – Ainda falta bastante, né? Eu tenho um porrilhão de coisas para fazer, se eu te passar direitinho as coordenadas você poderá fazer um ótimo trabalho nisso.
- Opa, também considero uma boa idéia, papai – bradou Bonnie, batendo as mãos freneticamente.
- Mas, peraí. Me representar neste estado? – perguntou Sidney, apontando para Joana, com roupas em petição de miséria. – E também pegaria mal vesti-la com roupas dos empregados, e nem adianta dizer que está de igual para igual com eles. Ser minha empregada lá em casa é totalmente diferente de ser minha empregada aqui na clínica, entende? E sem um braço o pessoal da escola certamente gozaria da minha cara.
- Mas, por quê gozariam da sua cara só por causa disso? – perguntou Bonnie, questionadora como sempre.
- Pegaria mal, também – respondeu o indiano, secamente. – Falando nisso, Joana, como está seu braço? Dói, dá algum formigamento, alguma coisa assim?
- Sim, dói, mas não tanto quanto antes – respondeu ela, tocando seu membro com carinho, em especial, a parte ferida no rasgo feito na cerca da quinta. – Recebi curativos, mas eu disse a eles que meu braço poderá ser recolocado e que eles não poderiam fazer de tudo para cicatrizá-lo.
- Mas, por quê se preocupa com isto? Não irá cicatrizar, crescerá outro – disse Sidney, simples.
- Não preciso de outro, pois sei que vocês guardaram meu antebraço, certo? – perguntou a loura, mui esperançosa.
- É, guardamos sim – respondeu Bonnie, sorridente. – Tínhamos certeza de que você voltaria, o que foi mais um motivo.
- Que bom – disse Joana, sorrindo. – Então, eu posso voltar imediatamente para casa, até para recolocar meu antebraço?
- É claro, coração. Pode deixar que resolveremos esta questão da escola da Bonnie ainda hoje, tá tudo marcado – e o motorista pede licença, anunciando sua chegada. Sidney pede por gentileza para que levasse a pálida senhorita para sua quinta. Bonnie morria de vontade de pedir para ser levada junta, porém, sabia que ser encaminhada lá para cima complicaria os planos da matrícula, estavam marcados para 14:00. Queria estar em casa para ela mesma recolocar o antebraço no cotovelo de Joana, especialmente pela curiosidade de acompanhar a capacidade adesiva da pele, ossos e tecidos humanos. Estava tão nova e tão curiosa que obviamente ganharia o dia presenciando uma situação daquelas. O que não sabia era que o processo não gozava de tão rápida ação, levariam 5-8 dias para o antebraço adquirir 100% de firmeza no cotovelo. Logo, não precisava preocupar-se em acompanhar a recuperação tão cedo.
- Aaaah, não vou poder ver ela recolocar o antebraço de novo... – lamentou Bonnie.
- Deixa eu dar uma olhada nele antes de despachá-la – disse Sidney, tocando parte do cotovelo ferido da serviçal. Pegou a lanterna e vasculhou entre os curativos. – Fiquei preocupado com o tempo sem o antebraço, melhor quando chegar, você retirar o antebraço, que está no freezer, e esquentá-lo de uma vez, pois em 12 horas seu metabolismo irá modificar-se, preparando para formar um novo antebraço. Certo? Não perca tempo, ele tá no freezer, bem no começo.
- Tudo bem, muito obrigada.
- Você também precisará tomar uns medicamentos durante o processo, levarei para a casa quando voltar. Pode ir, querida – concluiu Sidney, beijando o rosto de Joana. Bonnie aplicou um derradeiro abraço e ambos despediram-se. Fechou a porta.

“Bom, agora vamos resolver a questão de sua escola”, disse Sidney, contrariando as expectativas da menina, convencida de que iria sair da clínica após o almoço. Ainda sobravam horas para o rango, portanto, o indiano aproveitaria o tempo para resolver de uma vez os assuntos referentes à matrícula. Levantou-se da confortável poltrona, deu a volta pela mesa e pediu para que Bonnie se levantasse, pois estava preparado para acompanhá-la até o local e para conversar com a diretora. Sacou de seu telefone celular, onde, segundos depois, começou a trocar palavras com alguém que seria a diretora da Escola Municipal Franz Kafka. Simultaneamente, achava que a pequena ruiva poderia aborrecer-se de permanecer com ele o dia inteiro, portanto, iria despachá-la para a sua quinta após a matrícula. Com todos os documentos em mãos, acertou a visita para 30 minutinhos. Tratou de chamar sua filha – que, embora tivesse teimado uma brincadeira com uma das cadeiras, cessasse a prática, levemente aborrecida, se quisesse ficaria o dia inteiro ali – e, de mãos dadas, encostou a porta. Ele não precisava trancar, pois estava em seu território, e todos eram de confiança. Chamou a enfermeira Gorete e para esta disse “Vou dar um pulinho na escola, preciso levar minha filha e volto em poucos minutos”, sinalizando com um polegar levantado, simpaticamente. Tratou de cumprimentar mais alguns funcionários e teve sua caminhada interrompida quando seus conhecimentos foram solicitados por um dos guardas. Este, aflito, necessitava de uma pessoa para segurar um paciente rebelde e ferido, que não sucumbira aos efeitos do tranqüilizante, e saiu pela clínica em ritmo frenético, procurando a saída, mas como não perguntava a ninguém – só corria desesperadamente – provocava pânico em alguns funcionários e pacientes. Era a hora de mostrar à Bonnie que Sidney, embora derramasse por aí uma personalidade gaiata e descompromissada, fosse um homem forte e firme quando quisesse. Certo que traria alegria e curiosidade aos olhos vívidos da ruivinha, ficaria bem na fita com a guria, e em um momento em que tivera fustigado por sua irresponsabilidade, aquele seria um bom momento para redimir-se. Mas – segundo ele próprio – , estava tão cansado que não poderia perder tempo gastando energia com um maluco qualquer. Com isto, mandando às favas a idéia de poder impressionar a filha, refletiu ainda que gozava de tempo suficiente para poder demonstrar isto (“certamente viveremos juntos por anos e anos, portanto, ocasiões melhores, em que eu estarei mais disposto, virão). “Chamem os seguranças, chamem os seguranças”, repetiu ele, segurando ainda mais forte a mãozinha da filha – esta, extremamente curiosa, ávida em querer ver o rosto e o estado do tal rapaz. Dois dos seguranças passaram por ele e a eles foram dadas instruções necessárias. O homem poderia estar nos fundos da clínica, na área relacionada ao jardim ao ar livre e ao almoxarifado. No momento, algumas pessoas (médicos e pacientes) transitavam por ali, alguns aproveitaram a calmaria para jogar seus jogos de tabuleiro e brincar com seus filhos. Sidney pensou que poderia ganhar alguns pontos com os funcionários e pacientes se vasculhasse o local com os seguranças, emanando sensação segura no local. Resolveu fazê-lo.

Circulou no local às barbas dos dois armários (Bonnie ainda à tiracolo, por insistência da mesma) e não notaram nada diferente no ar. Quem jogava dama e gamão ou brincava com seus filhos cessou as atividades justamente ao ser abordadas pelos três homens. Bonnie, levemente afastada, encostou-se na parede, observando os lados com desconfiança. “Ele parece não estar aqui, nenhum sinal dele aí na horta, Humberto?”, perguntou Sidney para outro funcionário pelo radiotransmissor. “Não. Aproveitei para mobilizar mais 3 enfermeiras na procura, estão munidas de tranqüilizantes, suficientes para fazê-lo dormir em poucos segundos”, disse Humberto, bancando o personagem de filme de suspense. O sol generoso de todos os dias irradiava suas cabeças, o dia parecia ser muito bonito para ser recheado com uma má ocorrência. Sidney sabia que casos como aquele poderiam ocorrer, pois lidavam com qualquer pessoa – o que não era problema algum, inclusive. Seu primeiro impulso ali seria pedir para que afastassem sua filha da área, mas esta estava tão embebida na curiosidade que rapidamente seu pai fora acostumando-se com isto. E os dois seguranças que circularam com ele dividiram-se e vasculharam os fundos do local, observando o terreno baldio – propriedade do hospital – e a região da horta, com muito verde, densa vegetação. Neste caso, aguardaram o reforço de mais dois funcionários para acompanhá-los a se embrenhar no local, não tão conhecido por todos eles. O próprio Sidney não aparecia ali há um bom tempo. Bonnie, a última a adentrar o lugar, fora entorpecida com cheiro de terra molhada e ar extremamente fresco, rapidamente considerando o lugar um dos ambientes para chamar de seu, e que, na contramão da tensão percorrida por ali, pôs-se a retirar os sapatinhos, pô-los próximo a uma plantação de abóboras, sentar-se no chão e inclinar mais ainda seu corpinho, pondo-se a deitar no chão úmido e convidativo. Quiseram retirá-la dali, alertando-a do perigo iminente, mas esta nem tchum. Não se importou com nada, deitou sua cabeça na vegetação rasteira e olhou preguiçosa para o céu sem nuvens, as pernas entortadas e as costas das mãos viradas para o solo. Arfava graciosamente há centímetros de uma bonita abóbora, portanto, pouco se importava com esta, queria assentar sua alma em um ambiente acolhedor e reconfortante como aquele. Pouco se importou com os perigos que seu querido papai poderia sofrer. Nem necessitou inserir qualquer coisa ao corpo para que se mantivesse “viajada”. “Nunca imaginei que seria surpreendida por um local tão sem graça quanto um hospital, mesmo que seja do meu papaizinho”, suspirou consigo, sorrindo timidamente. A enfermeira aos seus pés tentara retirá-la daqui sem sucesso, mais movida pela possibilidade de ganhar um extra por cuidar bem da filha do chefe que por qualquer outra coisa. Sidney já vasculhava o jardim até sua extremidade, há 10 metros de Bonnie. “Vamos voltar, seu ‘tour’ não alcançou escala a estas dependências da clínica”, disse ele, para os três funcionários, que concordaram. “Levanta daí, levanta, e se o sujeito aparecer?”, disse a enfermeira, fazendo força hercúlea para retirar Bonnie do chão. Não movia um músculo sequer. “Vamos, colabora, seu pai vai ficar muito bravo com você, sabia?”. Bonnie não se importava, nem mesmo movia os olhos quando a funcionária tampava seu campo de visão com o rosto. Parecia estar imune a intervenções de qualquer espécie. Logo, a tal enfermeira fora puxada com violência para trás. Era ele, o tal rebelde. Espumava pela boca e trajava um macacão branco sem camisa, descalço e expelindo hostilidade. “Eu quero sair daqui, eu quero sair daqui”, repetia, como um mantra. “Me dá a chave para sair daqui, eu não posso mais ficar neste lugar infecto”. “Mas, nós só estamos querendo te ajudar”, disse a enfermeira, caindo no lugar-comum. “Fique tranqüilo, você só precisa relaxar um momento”. Este reagiu àquilo desferindo um empurrão na enfermeira, que bateu a cabeça no tronco de uma árvore. Abaixou-se e observou Bonnie, deitada no chão. Põs as mãos empapadas de lama no pescoço da menina. “Levanta, levanta, você vai me fazer sair deste lugar”, disse, de olhos arregalados. Ela não se movia. “Se não me fazer sair daqui eu vou te machucar, está me entendendo? Eu gosto de comer menininhas desobedientes como você!” Em segundos, o rapaz fora imobilizado por dois homens e tombou ao chão, recebendo uma dose considerável de tranqüilizantes. Sidney e os demais funcionários corriam em direção a eles, Bonnie, recuperada de sua “viagem”, piscou os olhos aflita, terminando por fitar o jovem preso pelos braços por um dos seguranças. Respirou fundo. Há até poucos segundos não se importava com o que poderia ocorrer à sua pessoa. Não se importava também que Sidney se descabelaria e teria um ataque cardíaco caso ocorresse qualquer coisa ruim à ela.

Sidney, desta vez, carregou Bonnie – que nada sofrera – durante o tempo todo em direção ao seu gabinete. O sujeito já tinha sido dominado e fora encaminhado à enfermaria, onde suas roupas fora trocadas a lhe foram aplicados medicamentos, além dos exames que vivia a passar logo depois. Sidney descobriu que o rapaz era um namorado de uma funcionária, era morador do morro de Santo Antônio e que dera entrada no hospital vítima de um atropelamento, sofrido pela mesma namorada – a pedida para cuidar de Bonnie. Esta enfermeira, por motivos óbvios, fora dispensada naquele dia, mas permaneceu no hospital acompanhando a recuperação do namorado, que, extremamente cansado e medicado, tirou um longo ronco tranqüilo na cama da enfermaria. “Já estava sob controle, não precisamos mais nos preocupar, pessoal”, anunciou Sidney, batendo palmas, embora estivesse meio aborrecido pelo fato da tal enfermeira não tê-lo informado de pronto sobre a proximidade com o rapaz. Voltou para o gabinete retirando poeira do corpo, de forma arrogante, como se dissesse “não acredito que deixei Bonnie entrar em perigo por conta de uma merdinha de enfermeira”. Havia deixado a menina trancada em sua sala, para que esta não se embrenhe mais em outras aventuras. Destrancou a sala e a encontrou postada serenamente em sua poltrona principal. Sidney pôs-se em movimentos pé-ante-pé e, metros em direção à filha, virou seu rosto para verificar o dela. Bonnie cochilava descompromissadamente, com as mãos postas no tórax, pernas e pés descalços (meias rosas e caras) na poltrona, além do rostinho inclinado e descansado à altura do joelho. Seus cabelos estavam soltos. Sidney não percebera antes que a ruivinha poderia cair no sono a qualquer hora e que seria ruim perturbá-la para levá-la à escola no Flamengo, não que a matrícula pudesse esperar, mas que a mesma poderia ser feita sem sua presença. Mas, a quem confiar a segurança da garota, desta vez? “Certo, ocorreu aquele incidente desagradável, mas tratava-se exatamente da namorada do malucão lá, ora essa”, pensou consigo. “Não poderei esperar mais nenhuma besteirada de outro funcionário, logo, pedirei para a chefe da enfermaria cuidar da guria”, concluiu. Logo, chamou a chefe da enfermaria, Geórgia, que apareceu em seu gabinete em poucos minutos. Esta improvisou uma pequena cama no local para que a menina pudesse dormir sem maiores problemas – a chefe de enfermaria tratava-se de uma das funcionárias mais em conta com Sidney, tendo acesso à sua sala mais que a maioria dos outros empregados – , e com isto, Sidney pegou Bonnie no colo e a colocou na cama improvisada. “Vou resolver a matrícula, volto daqui a pouquinho, sim, querida?”, sussurrou ele, concluindo com um beijo na ponta do nariz. Marcava 1 hora da tarde, e como ainda estava lotado de coisas para fazer, tratou de resolver o impasse de uma vez saindo da clínica e rumando em direção à escola.


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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:35 am

Lembrou-se de Rihanna. Irmã gêmea de Riana – a funcionária da associação de moradores do morro do Castelo – , há um bom tempo não dava o ar de sua graça na Clínica Bhaga. Antes de tomar o Modelo T em direção a escola, perguntou para a chefe de enfermaria sobre o paradeiro da menina, e por que o fustigava a impressão de que ela estava faltando ao trabalho, por motivos, razões ou circunstâncias desconhecidas. Recebeu a resposta de que ninguém sabia sobre a menina nos últimos 2 dias. Certamente ocorrera alguma coisa grave, o problema é que ninguém tinha idéia do que – mas todos antecipavam-se, dizendo ser grave, embora não soubessem de nada – e estavam ocupados demais para perder tempo pensando nela. Sim, a impressão é que ninguém se importava com ela, uma profissional no ramo dos dentistas e uma das mais atuantes em serviços externos – agindo como um braço da Clínica Bhaga numa das universidades federais instaladas no centro da cidade – , mas que também exercia sua profissão dentro da clínica. Insistindo, Sidney pediu para que a secretária passasse uma ligação para a tal universidade, situada no bairro boêmio da Lapa, próximo ao Passeio Público e os Arcos. “Ninguém tem notícias da Rihanna, senhor”, respondeu a secretária, embebida em uma preguiça notável. Deu-se a impressão de que ninguém se importava com a menina, porque não moviam uma palha, nem ao menos para espalhar uma fofoquinha que seja em relação ao paradeiro da garota. Sidney passara uma ligação para a associação, recebeu a notícia de que ninguém sabia sobre a garota e Riana terminou atendendo o seu chamado. “Achei que ela estivesse trabalhando aí ou na universidade, se ela está realmente ausente foi porque provavelmente está caindo na gandaia por aí”, disse a irmã. “Bom, ou então ela deve estar na casa de algum parente ou amigo, vou fazer umas ligações para alguns conhecidos, daqui há 5 minutinhos te ligo para o seu celular”, disse ela, concluindo a conversa. Pronto, fora o suficiente para Sidney cessar sua procura e prosseguir com seu caminho. Entrou no Modelo T e ligou-o, partindo da clínica para o bairro do Flamengo, para a escola. Lá dentro, Bonnie adormecia tranquilamente, tutelada pela chefe de enfermaria – esta, com um molho de chaves tilintando na altura de seu bolso direito. “Se não fosse tão branca seria uma perfeita filha para mim”, murmurou a mulher, de braços cruzados e feições indígenas. Já convivera com a menina há alguns anos atrás, quando esta revezava suas aulinhas no C.A. para a clínica, e ainda naqueles dias CL gozava de plena liberdade zanzando por aí, resolvendo situações obscuras e colecionando fotos, prêmios e sotaques. Relembrou ainda que CL nunca demonstrara – pelo menos era o que transparecia – afeição ou qualquer carinho pela menina. Ora a tratava com gritante indiferença, ora tocava naquele corpinho britânico sardento para colocá-la fora de seu campo de visão, manejando-a como removesse uma cadeira de um lugar. Para Geórgia, a chefe de enfermaria, orientais quase sempre despejavam incapacidade em explicitar seus sentimentos, em especial norte-coreanas como CL, que mudava seu jeito ao relacionar-se com Sidney, seu eterno namorado. As demais pessoas sofriam com seu jeito frio e distante. Com isto, CL angariava más impressões, com parte das pessoas – dos brasileiros, um povo quente e comunicativo em geral – , chamando e pensando: “interesseira, maquiavélica, chata, sem graça”. E a chefe de enfermaria tinha a mesma opinião, mas tinha ciência – assim como as demais pessoas que tentaram relacionar-se com CL – de que a norte-coreana não estava nem aí com o que pensavam dela. Só aparecia para Sidney e todos sabiam disto. A mulher pensou que a adoção de Bonnie fora um grande tapa na cara de CL, “porque uma mulher como aquela certamente não suportaria crianças. Ela só aturava por causa de Sidney”.

Rapidamente, o indiano chegara na Escola Municipal Franz Kafka. Quis estacionar na calçada, mesmo estando ciente da presença do guarda há alguns metros dali. Certo que levaria uma multa caso insistisse, portanto, deu uma pequena volta no quarteirão, na procura de um local permissível legalmente para colocar seu carro. Resmungou pouco – “isso não é comigo, mas sim com Cristiano”, pensou marotamente – e encontrou um localzinho. Teria de desembolsar R$ 2,00 por uma hora – exatamente o tempo que perderia realizando os tramites da matrícula de sua filha – e acatou numa boa, mas resolveu pagar na volta. Ao cortar o quarteirão a pé, atravessando uma movimentada rua – com presença de diligências e os onipresentes bondes elétricos – chegou às portas do liceu, e ligou o interfone, onde se anunciou. “Bom-dia, senhor”, disse a zeladora, uma mulher de conjunto azul apertado – a ponto de deixar visível seus pneuzinhos – e rosto largo, sorrindo com dentes de prata de lei. “Certo que as crianças sofrem na mão dessa peituda”, pensou Sidney, fitando-a com um tanto de espanto. “Acho que Bonnie gostará de ser abraçada por ela”, prosseguiu, sorrindo. Esta o levou até o gabinete da diretora, que o esperava. Ao contrário da escola anterior, Sidney não fora tomado de assalto por gritos infantis, àquela hora das crianças metiam-se dentro de suas salas, tirando dúvidas sobre as lições, estudando como qualquer outra pessoa. Ele já tomara a escola dentro de seu coração por homenagearem Franz Kafka, seu escritor preferido – “Mas, não leio tanto assim, ler é com Cristiano” – , mas tinha a impressão de que este mesmo escritor tratava-se de uma pessoa bastante chata no convívio, com aversão a sexo, inclusive. Com certeza seria um péssimo ouvinte das desventuras sexuais de Sidney, e como Cristiano, poderia perguntar a si mesmo ou ao contista o motivo de sentir tanto gosto em contar o modo que transou com tal pessoa, se foi sem camisinha ou se ela rebolou demais, se chupou bem, entre outras coisas. É, eles não se dariam bem, caso se conhecessem.

Sidney aguardou em pé, em frente ao gabinete da diretora. “Pode entrar”, disse a diretora em alto e bom som. A zeladora retornou ao seu posto normal – descendo as escadas em direção à sua guarita no pátio – e Sidney adentrou ao local, longe de estar tímido e um tanto imponente. Gostava de impressionar as pessoas (qualquer pessoa, até mesmo quem não estava nem aí) por seu porte físico e suas roupas caras e bonitas, iniciando dos mocassins, terminando em seu corte de cabelo impecável. E a diretora, encafifada em um cabelo castanho-claro e armado, óculos fundo de garrafa, vestido bege comprado em brechó e sapatilhas multicoloridas. Seu batom já estava gasto e suas mãos gordas entrelaçavam-se a si próprias, num gesto simples de espera. Seus olhos castanho-escuros fitavam o playboy andando de forma exibida na sua direção. Explicitavam serenidade. “Pode se sentar. O senhor é o Sidney Silvestre, figurão do morro do Castelo, certo?”, perguntou ela.

- Isso – respondeu ele, conciso. Retirou a papelada da pasta verde que levava à mão direita e apresentou à diretora. – Taqui todos os documentos de minha filha, não pude levá-la para cá, pois está morrendo de cansaço, tive de deixá-la na clínica. Por enquanto, minha namorada não pode cuidar dela, viajou há alguns dias atrás, mas logo estará de volta neste fim de semana. Certo que seria péssimo deixá-la em casa só engordando e assistindo televisão, portanto, foi mais um motivo para vir até aqui, inserir mais conhecimento em sua cabecinha. Costumo ajudá-la de vez em quando com as lições e confesso que sou muito bom nisto, mas nada melhor que a escola para fazer este trabalho. Eu ando mui atarefado e não gostaria de tornar mais pobre mesmo por culpa de minha querida filha. Viu tudo direitinho, diretora? Certidão de nascimento, cartão de vacinação, fotinhas, veja estas, tiradas em um purikura (típica máquina de fotos personalizadas japonesa) do bairro da Liberdade, lá em São Paulo. Ficaram uma belezura? Ficamos muito bonitinhos. A propósito, a senhora tem alguma coisa pra beber? Obviamente, não estou falando de uma cerva ou de uma pinga, mas de um pingado ou um refrigerante, minha garganta está bastante seca e preciso molhá-la de duas em duas horinhas, a senhora sabe...
- Sem problemas, temos todo o tipo de bebida não-alcoólica ali, pode abrir e se servir – disse a mulher, apontando para a mini-geladeira, quase invisível, mimetizada ao lado de uma enorme estante recheada de troféus esportivos. Aproveitando o momento, Sidney dera uma olhada ao seu redor e notou a parede cinza forrada de congratulações e as fotos de funcionários de suma importância da escola, em especial diretores renomados. Sidney abriu o pequeno eletrodoméstico e avistou latas cheias de refrigerante, sucos naturais e muita água. Pegou uma garrafinha de água tônica, que preferiu ingerir sem copo. Manteve-se em pé, com a mão direita na cintura.
- Minha filha passou bastante tempo no interior do estado, convivendo com a paz total, sem os aborrecimentos daqui. Por um momento, me achei tolo por estar colocando-a, a re-inserindo neste dia a dia, mas como estamos falando de uma criança totalmente adaptável, não me arrependeria disto. Adora praia, adora vasculhar as coisas por aí e creio que se sentirá muito bem nesta escolinha. Digo, a coloquei aqui por imposição dela, eu iria colocá-la em uma escola para grã finos, mas me disse que odiava este tipo de gente e este tipo de local. Por um pequeno momento, queria ser como ela, dando valor às coisas mais simples, sem segredo e sem qualquer resquício de malícia. Lembro que na minha infância não era exatamente desta forma, sempre estive com a pulga atrás da orelha, mas me sinto melhor ao saber que têm pessoas piores e mais atormentadas que eu.
- Se me permite dizer, o senhor não me parece uma pessoa atormentada – disse a diretora, assinando sabe-se lá o que. – Nem um pouco. E digo isso porque consigo verificar o jeito de uma pessoa com rapidez espantosa, sem querer me gabar. Vai me perguntar o que exatamente acho do senhor?
- Seria ótimo se me dissesse. Gosto de pessoas sinceras. Manda na lata.
- Ao momento, parece-me um almofadinha qualquer, levemente arrogante e que acha que tendo uma boa aparência tem carta branca para encantar as pessoas. É uma boa pessoa, pelo menos o que está mostrando, mas és uma pessoa tão fútil que precisa da filha para manter-se na linha. Precisa mais dela do que ela do senhor. A ama com todas as forças, mais do que qualquer pessoa, e morreria caso fosse desgarrado dela. Sofrerá bastante ao vê-la enamorar-se por outra pessoa.
- Whoa, em tão pouco tempo acha isso tudo de minha pessoa? – perguntou ele, sentindo-se ofendido com leveza.
- Sim. Mas, finja que não disse isso, hoje em dia qualquer pessoa faz uma leitura da outra com extrema facilidade, não deveria se importar. Espero que não pense nisso o dia inteiro, pois trata-se apenas de uma análise tola, boba. Mudando bruscamente de assunto, terminei com o senhor. Bonnie Wright Silvestre poderá iniciar seus estudos neste liceu a partir de amanhã. Estará na classe A1 do primeiro ano e reitero, aqui o ensino é integral, está certo? Das 7:00 até às 17:00. Logo, o senhor não precisará se preocupar com ela durante o dia inteiro. Preciso que assine aqui, por favor.
- Certo – disse ele, pegando a caneta para assinar. Meio trêmulo, quase errou sua assinatura. – E sei que vocês não dispõem de ônibus escolares.
- Até dispomos, mas o morro do Castelo não faz parte da nossa área de abrangência. Mas, nenhum problema em levá-la para cá todos os dias, certo? O senhor tem carro, um bem para poucos nesta cidade.
- Eu sei, eu sei. Sem problemas. Então, estamos conversados? – perguntou, explicitamente apressado.
- Ah...sim, peço que me desculpe, pela minha análise idiota. Sério, me desculpe mesmo, certo? – perguntou ela.
- Tudo bem, tudo bem. Eu estou bastante ocupado e preciso retornar à clínica. Valeu – concluiu, retirando-se da sala. Tenso, trincou os dentes.

Sidney poderia retornar à clínica, mas preferiu permanecer sozinho por um tempo. Não necessitava preocupar-se com sua filha, já que estava sendo bem tratada longe dele, então, sentado em um banco da praça, brincando com as poças d'água próximas aos seus pés, tratou de cessar a brincadeira e começou a fitar uma das poças, observando seus grandes olhos castanho-escuros e seu rosto moreno-escuro no reflexo. Respirava de forma tão lenta e serena que parecia estar paralisado, petrificado. Seu corpo estava encurvado e os ante-braços pousados na altura dos joelhos. Não teve vontade de beber um pouco, muito menos mascar qualquer chiclete. Procurava dentro de sua mente lembranças de pessoas de suma importância que conheceu no Rio de Janeiro, de uma pessoa em especial. Procurou – enquanto mergulhava seus olhos na pequena poça – , procurou e achou. Recordou de uma lourinha estrangeira, modelo e extremamente magra de nome Vlada Deslyakova, uma das modelos mais bem sucedidas na categoria “D” do ramo, mas que possivelmente amargaria o seguro-desemprego, pois modelos magras – e especialmente magras em excesso como ela – eram raridade naqueles tempos, pois viviam ameaçadas de extinção. Antes de partir para Paty do Alferes, fora convidado para um encontro juntamente com seu amigo Luís Esteves, capitaneados pelo poderoso estilista gorducho Júlio Valeretto, este apto em colocá-los para namorar com as empregadas de sua grife, pois segundo ele, eram considerados os “melhores homens do mundo” - quando na verdade estavam longe disto. Um excelente encontro, em que a personalidade naturalmente gaiata e inconveniente de Sidney batia de frente com o estilo frio e pacato de Vlada, uma russa pálida e de olhos azuis-claros, enquanto Luís, com o fenótipo louro de olhos azuis, mal utilizava estas vantagens para levar a amiga de Vlada, a morena Sasha, para a cama. Nada mais que um moleque que parecia nunca beijar na vida. Sidney conseguiu o que queria, cortejando a modelo aos poucos, desatando suas amarras, explicitando sua experiência nas coisas do coração e da pegação, fazendo jus à seu jeito playboy namoradeiro de ser. Logo depois, entendeu que a vontade de receber prazer era mútua e Vlada caiu de cabeça na paixão – sim, pois demorou para transmutar em um sentimento genuinamente amoroso – , mordendo e sendo mordida, encarando as excentricidades do indiano, rindo e se divertindo como se devia. Participaram de uma maravilhosa experiência, como imaginaram que fosse. Cariocas (de nascimento ou não) em geral detestavam magrelas, mas Sidney fizera a exceção valer a pena. “Ela transava como uma fada”, pensou para si mesmo, totalmente estático enquanto fitava os próprios globos oculares em seu reflexo. “Mas, não lembro apenas disto”.

Claro que não. Uma noite entrelaçados foi o suficiente para fazê-lo se apaixonar e dizer à loura que queria tê-la ao lado, para sempre. Se achava o melhor homem, o único com disposição e capacidade para tornar-se esposo de Vlada, assim como o pai de seus filhos, e que a modelo poderia ser a mãe de sua querida Bonnie, por – aparentar – ter uma personalidade mais segura e centrada que a norte-coreana CL. Disse à ela se poderia retornar aos braços dele, caso concluísse sua carreira, algo que provavelmente ocorreria – e Vlada disse que poderia cumprir este feito, terminando todos os afazeres de sua profissão em pouco tempo. Pediu para que esperasse, mas ciente de que, sendo Sidney, não se surpreenderia se seu amante não mantivesse e alimentasse uma aura de fidelidade. Disse que também entraria em contato com ele pela internerd no mesmo dia em que rumara para o exterior – o dia seguinte da noite que tiveram em um hotel na Zona Sul carioca. Prosseguindo com seu pensamento, como estava Vlada naquele momento? Passaram-se poucos dias desde a saída da russa do Rio de Janeiro, possivelmente estaria desfilando nas passarelas de Milão, de Madri, Tóquio ou Paris, posando para “photoshoots” mostrando seu rosto pequeno e suas pouquíssimas curvas, talvez fosse assediada por um produtor ou produtora, amargasse uma dieta de alface, maçã e água, participasse de festas em que reinavam a futilidade que faziam corar Sidney, considerado por si mesmo a própria futilidade de calças – embora não fosse tanto. Para qualquer pessoa, felicidade (ou pelo menos parte dela) resumia-se a isto, longe dos propósitos e do estilo de vida apregoado por Sidney. “Merda, não lembro de ter dado uma olhada na minha caixa de emails”, pensou, roendo os dentes. Sacou o celular e deu uma olhada no conteúdo de emails postos na caixa de entrada. Apenas 3. Um spam sobre como aumentar seu pênis, mais um spam sobre testar seu Quociente de Inteligência com uma modelo supostamente portadora de Q.I. 150 e um email denominado “sem assunto”. “Talvez, pode ser este”, disse, sorrindo, mas não era. “Veja a namorada de Cristiano”, dizia o título, mencionando a parceira oficial de seu melhor amigo. Nem abriu o anexo.

Pôs o celular no bolso e levantou-se, dando uma boa espreguiçada, mas a sensação era de que poderia permanecer ali o dia todo, se pudesse. Estranhou o fato de Vlada não ter lhe mandado um email sequer dos poucos dias em que se despediram para cá, mas logo lembrou que a modelo tinha site oficial, um email próprio (obviamente, dããã) e MSN. E ele não entrou sequer no maldito MSN durante este tempo, por esquecimento puro e simples. Então, era sua culpa. Deu um tapa certeiro em sua testa, fechando os olhos e arqueando o corpo no momento do impacto. “Deve ter achado que eu tinha enganado ela”, pensou, voltando a sentar no banco da praça. “Mas, puta que me pariu, o que eu estou fazendo aqui sentado?”, e rumou até uma lan house, situada há dezenas de metros dali.

No estabelecimento exalava um cheiro esquisito de incenso e desodorante barato. Todos os monitores ocupados, a maioria de caucasianos bem vestidos, alguns estrangeiros, franceses, pelos narizes aduncos. Podiam ser judeus. Judeus franceses, está bom assim? Sidney imaginava ser agraciado com favelados, mas tratava-se de um bairro sofisticado e tranqüilo, de estilo parisiense, do jeito que o prefeito gostava. Sidney recusou fazer seu cadastro, pois só usaria a lan house naquele dia, queria pagar e entrar direto. Esperou um pouco até que alguém saísse, mas claro, fora paparicado pela atendente com balinhas, copos d'água e cadeirinha de plástico. Enquanto aguardava em, lembrou ainda que Vlada, para ele, era o amálgama da Dakota Fanning com a Madonna, e que só o fato dela recordar estas duas figuras o fazia cair na risada, deixando-o ainda mais instigado em vê-la novamente. “Ela não deve ter mudado tanto nestes poucos dias”, pensou para si mesmo, entrelaçando os grossos dedos. Mudando bruscamente de assunto, não voltou a falar com seus amigos – e estes também não. Júlio Valeretto desfrutava dos desfiles juntamente com Vlada, Marcelo trabalhava e Luís certamente tomará chá de sumiço, viajando de um estado para o outro, como costumava fazer. Sidney tinha como amigos apenas estas três pessoas? Um homem rico, bem relacionado e que naturalmente angariara legiões de contatos gozava de um número tão pequeno e débil de amigos? “Ah, mas amigos são bem diferentes de colegas”, mas mesmo assim 3 amigos, para uma pessoa vencedora como ele era pouco, bem pouco. Poderia resolver isto, após entrar em contato com a modelo. 15 minutos depois (e diversas jujubas ingeridas) Sidney levantou-se para sentar-se de novo em uma cadeira...mas, na frente do monitor.

Sidney foi logado direto e após ir para o Google clicou o nome do site da lourinha – nada mais que um site irmão de um site oficial chamado HiperModels.nl, era só preciso colocar “http://www.hipermodels.nl/vladadeslyakova” e pronto. Feito, deparou-se com um layout rosa e azul-bebê, à sua esquerda a foto grande de Vlada, maquiada e fotoshopada. Acima os dizeres “Vlada Deslyakova homepage”. Embaixo, as novidades, os “news”. À direta e no centro, suas informações básicas, medidas, galeria de fotos principais, além dos links dos sites das grifes na qual fora contratada.

Name: Vlada Deslyakova
Date of birth: 08 July
Country of birth: Russia
City of birth: Omsk

Height: 178cm
Bust: 79cm
Waist: 59cm
Hips: 84cm
Eye color: Blue
Hair color: Blonde

Agencies:

Eskimos Model Management
Code Rotterdam
Models 1000 London
Woman Management Paris
Woman Management Milan
Woman Management New York

As fotos dos desfiles, photoshoots e fotos extras de Vlada figuravam as 500 e tantas páginas de seu fórum. Eram tantas que obviamente a 1 hora paga por Sidney era deveras pequena, se tivesse de passar os olhos em todas aquelas imagens – mas, tinha seu computador em casa, poderia fazê-la a noite inteira, se quisesse – , então, observou as fotos das 5 páginas mais atuais enquanto estava à cata do email denominado “sem assunto” em seu celular. “Veja a namorada de Cristiano”, reviu, e clicou no anexo. Pouquíssimos segundos depois, Sidney deparou-se com a foto de uma mulher negra, com o corpo (bem fornido, até) besuntado por uma tinta vermelha, os seios desnudos, médios, pontudos e bem chamativos. Em seu cabelo emaranhavam-se tranças grossas vermelhas (com tufos de cabelo nas pontas) e seu pescoço fora pintado por uma tinta preta, contrastando com o resto do corpo. A foto não exibia suas partes baixas, limitando-se a apenas deixar visível o corpo da mulher até o umbigo. “É de uma tribo africana?”, suspirou Sidney para si mesmo, observando com mais atenção, vidrado no olhar perdido da moça, olhando para ele não sabia onde. O pescoço da mulher era rodeado por um colar grosso semelhante a borracha, além disto seu tórax fora adornado por colares de múltiplas cores, criando uma espécie de cruz do pescoço ao abdome dela. Seus lábios eram grossos e bastante sensuais. Voltou os olhos ao endereço do email e percebeu que o autor era um de seus colegas em Tóquio, próximo a ele e à irmã de Cristiano, Bom. “Tá, mas cadê a fuça do Cris?”, perguntou para si mesmo, em voz audível para todos no estabelecimento. Chegara á conclusão de que seu amigo realmente tivera alguma coisa com a mulher na segunda e última foto: Cristiano estava abraçado à mulher intimamente, de rosto e corpos bem colados, como namorados. Sidney entrou em um acesso de risos, chamando a atenção dos demais usuários, gargalhando como uma hiena. Recomposto, limpou as lágrimas. “Já vi esta tribo antes, deve ser dos países mais ao oeste da África, perto de Angola, algo assim. Acabei paudurecendo para esta mulher”, pensou, levemente excitado. “Deve ser bem divertido transar com uma mulher dessa tribo, acho que vou dar um pulo nesse país, quando souber o nome”. E demorou a fechar as fotos, pois fitara tanto as fotos até memorizá-las, para garantir uma boa masturbação ao chegar em casa. Joana também estaria incluída em seu pensamento neste momento tãããão especial.

Ah...a estudante namibiana.

A MERDA DA ESTUDANTE NAMIBIANA!

Ainda perturbado com as fotos proporcionadas por seu colega do Japão, Sidney resolveu guardá-las em seu email, não agindo previsivelmente quanto ao destino das mesmas - ver e excluir - , até por tratar-se de fotos do seu melhor amigo, o amargurado que tanto amava. Isso tudo lhe instigou a procurá-lo, não que o chá de sumiço tomado por Cristiano estivesse surtindo efeito nos sentimentos de seu amigo indiano, mas porque simplesmente queria aventurar-se na vida do homem, poucos meses mais novo que ele. Por um momento achou que Cristiano estivesse na cidade do Rio ou então ainda batendo ponto em Tóquio, desfrutando (mal) da vida cara e regrada japonesa, mas não, Sidney dormiu no ponto ao não pensar que o professor poderia juntar uma graninha e viajar o mundo. Segundo relatos passados e estimulados por doses cavalares de álcool, Cristiano prometera ao amigo que juntaria grande quantia em dinheiro para custear uma viagem "sexual" pelo mundo, um tour bastante esperado por ele, mas o indiano tinha ciência de que seu colega ainu pouco meteria a mão na massa na base da lábia, pois era péssimo com as mulheres, só conseguiria algo pagando - Sidney efetuava risadinhas ao lembrar-se disto - e também sabia que iria descer o sul da Ásia para catar algumas meninas, na Tailândia, em especial, um dos destinos de turismo sexual mais procurados no planeta. Lembrou que não estava atualizado exatamente no que seu amigo gostava, se era gay, se mantinha a heterossexualidade, se abraçara à pedofilia - este quesito irrompeu à mente do moreno gratuitamente, sem objetivo especial, já que Cristiano nunca dera sinais de pedofilia em toda a sua vida - , se era sadomasô ou bissexual. Embrenhou-se em uma aura de mistério que só era fomentada com este chá de sumiço. Sidney concluiu que poderia procurá-lo não apenas para reconhecer as angústias do sujeito e tentar ajudá-lo, mas porque a preocupação, adormecida há tempos, ressurgira em sua cabeça como um morto-vivo saído da tumba. Tinha conhecimento de que dera pouca atenção àquele homem, mesmo nos últimos dias em que estavam juntos. A curiosidade aparecera mais e mais em sua mente, juntando-se com a preocupação genuína que se libertara à pouco. Viver com um homem como aquele nunca tornava seu dia-a-dia sem graça, como Sidney constatara há muito tempo atrás, mas as pessoas mudam (algumas não) e ele teria de estar preparado para um Cristiano diferente dos tempos áureos. Por outro lado, arrumaria um problema sério, pois nos últimos dias em que se viram visitas à residência de Cris e Bom foram mal recebidas pelo primeiro, explicitando demonstrações de repulsa por parte dele, constrangendo o amigo indiano. A dor de cabeça no Festival das Cerejeiras reforçava ainda mais o mal estar mútuo, contaminando a relação como uma doença. Valia a pena correr atrás dele, após tudo isso? Resolveu deixar este problema de lado, ao acessar seu site oficial, dando uma olhada nos artigos escritos por ele mesmo, as fotos tiradas junto aos moradores, além do calendário de afazeres do serviço social. Nisto, tudo corria às 1000 maravilhas, entretanto, a sensação de agir como uma espécie de capataz eleitoral começava a incomodá-lo.

Fora da lan house, Sidney ainda estava confuso sobre o que fazer. Queria pegar Bonnie e levá-la para casa ou então, deixá-la acompanhá-lo em seu trabalho. Daria tempo suficiente para Joana restituir seu antebraço sem maiores perturbações, apesar de que Bonnie não tinha a capacidade de encher o saco de sua amiga. Seu celular tocou e ele teve de atender, pois era Riana, preocupadíssima com sua irmã, jogando suas lágrimas no rosto de seu chefe, e ele arquitetou uma forma de dispensá-la do seu ouvido sem magoar. "Eu sei, eu sei, faz uma coisa, me encontre na minha sala e conversaremos sobre isso, tá certo? Abraços por trás", e desligou o aparelho, especialmente para não ser importunado por mais ninguém. Sentindo-se inútil, retornou à clínica.

"Onde está Bonnie?", perguntou ele, adentrando à sua sala. Logo notou que nem a chefe de enfermaria estava ali, e ligou o ramal para a área do Playground, talvez poderiam estar ali. "Sidney, elas não passaram por aqui, talvez estejam na cozinha", disse um dos seguranças. Ligou o ramal do refeitório e: "Elas não estão aqui, chefe", atiçando a aflição do indiano, disposto a sair dali à sua procura. "Ah, 2 problemas no mesmo dia não dá, caralho", resmungou para si mesmo, até que teve um lampejo de idéia, manifestada com um soco na palma da mão. "Acho que sei onde poderiam estar". Fechou a porta de sua sala, subiu mais alguns andares da clínica e subiu à porta da cobertura, onde deu de cara com um amplo terraço coberto de árvores de pequeno porte e um pomar, além da livre área cimentada. Toda a borda do terraço continha uma grade de 1m de altura. Encontrou a jardineira (jovem, mais ou menos 25 anos, cabelos longos negros e olhos oblíquos, vestida com o uniforme da clínica) regando um pé de tomates negros, sorrindo de forma genuinamente amável para ele. Do outro lado, viu Bonnie debruçada na grade, observando a vista panorâmica com cara de muitos amigos e Geórgia, a chefe de enfermaria, em pé, fitava os longos cabelos ruivos da menina palpitando ao vento, as perninhas de pele desbotada esticadas e o sorriso espontâneo com sardas no rosto. Sidney relaxou a postura e também sorriu, bradando "Bonnie!", para a filha, que virou-se tão rápido ao ser flagrada por ele. A chefe de enfermaria cruzou os braços e observou seu patrão recebendo um gostoso e impetuoso abraço da filha.

- Nossa, fiquei super preocupado com você, querida - disse ele, acariciando a testa da criança - Depois do que ocorreu lá embaixo, meu coração quase saiu pela boca.
- Eu queria conhecer o terraço pra ver nossa casa, só isso - justificou ela, mantendo o sorriso cativante. Logo, apontou o morro do Castelo. - Olha só, nossa casa fica ali em cima, né? Não tá dando pra ver, mas a gente mora ali, certo?
- Isso mesmo - respondeu ele, menos entusiasmado, fitando os 80 metros de altitude do morro do Castelo envolto em névoa, deixando-o com aparência mórbida, fantasmagórica. Trabalhava há tanto tempo ali que nunca apreciava a visão de seu bairro do alto de sua firma. Em seu campo de visão, o morro do Castelo rivalizava com o morro de Santo Antônio, mais próximo dali, em imponência. Toda aquela atmosfera fria estilo Tim Burton invadia o coração de Sidney como uma novidade que se apresentava impossível de deixar passar batido. Achava que conhecia a cidade e todas as suas nuances (pelo menos no que referia-se ao Centro, Zona Sul e adjacências), mas também não era um maldito novato, um "firanghi" (estrangeiro) que mal adquiria 1% de experiência em uma metrópole daquelas.

- Quer dizer que CL está vindo mesmo? – perguntou ela, não demonstrando aflição.
- Você está falando como se ela interrompesse o bom andamento das coisas ou algo parecido – murmurou para a guria, colado em seu rostinho. A chefe de enfermaria se aproximara com os braços cruzados e abrindo o sorriso, embora decepcionada em ter de interromper o bom andamento das coisas entre os dois. Meio que sentiu-se ávida, necessitada em querer fazer parte daquela conversinha.
- Desculpe interromperem – disse ela, calmamente – mas, quando o senhor saiu Rihanna me ligou. Ela...precisa conversar com o senhor o quanto antes.
- O quê? – perguntou ele, surpreso, ainda abraçado à Bonnie. – E onde ela está? Está aqui dentro ou só passou uma ligação?
- Não, ela está aqui, mas parecia um pouco diferente, meio debilitada...venham comigo, por favor – respondeu a mulher, que após tocar o ombros largos do indiano rumou para a porta da cobertura que dava aos andares inferiores. Sidney e sua filha a seguiram, Desceram uns poucos lances de escada, Sidney roendo os dentes uns nos outros querendo ser surpreendido e sua filha observando sua excitação, algo que quase chegou a assustá-la. Chegaram justamente à sala da enfermaria, onde a chefe acabou trombando com uma das enfermeiras, uma gordinha ruiva e sardenta – lembrando uma versão obviamente encorpada de Bonnie – deixara cair uma bandeja prateada com seringas e antibióticos, e catou tudo freneticamente. “Ela está se debatendo o tempo todo, chamei duas pessoas para carregá-la, mas tá complicado de aplicar-lhe a anestesia”, relatou a gordinha, apontando para Rihanna com o polegar, tensa e trêmula, deitada em um leito rosa e respirando bem fundo. A chefe de enfermaria tentou imobilizá-la junto com os demais, mas estava muito complicado. Rihanna não emitia som sequer em sua boca, apenas convulsionava-se, fixando ferozmente os olhos no teto alvíssimo.
- O que aconteceu com ela, nunca me disse que era epilética – disse Sidney, andando até o leito. – Parece até aquela latina que estava sendo possuída por um demônio na abertura do filme do Constantine...
- Agora não é hora para brincadeirinhas, chefe, ajude a segurar ela, por favor – bradou a chefe, sendo vencida pela força da mulata que tentava arremessar todos para longe. Sidney achou realmente estar sendo personagem de um filme de ação ou de um livro de ficção extremamente ridículo. Decidiu. – Ok, vou ajudar, não tem jeito mesmo... Ana Maria, aproveite o momento agora para aplicá-la a injeção, vambora! – e executou uma chave de braço em uma das grossas pernas da mulher, e com a ajuda dos demais conseguiu imobilizá-la por completo...por alguns segundos. Foi o suficiente para a enfermeira ruiva agir, dando-lhe uma injeção que relaxou Rihanna em poucos segundos. Seus músculos entraram em repouso, as pernas e mãos abaixaram, suas pupilas retornaram ao estado normal e a baba em sua boca parara de abundar. “Podem soltar”, disse a chefe de enfermaria e os dois funcionários e Sidney afastaram-se aos poucos, reposicionando Rihanna ao meio da cama. Sidney pôde reparar a língua de um dos funcionários percorrer os dentes, seguido de um sorriso, dando a pensar que estava excitado com aquilo tudo. Logo, o indiano pensou em demiti-lo, mas achou que seria melhor infernizá-lo até o osso para que pedisse as contas por si mesmo, até que seus pensamentos vingativos foram interrompidos quando seu braço direito fora puxado por Bonnie, que se postara atrás dele, observando tudo. Rihanna abriu os olhos castanho-escuros e viu Sidney.
- Chefe... – suspirou, fazendo o indiano aproximar-se mais e agachar-se para ouvi-la melhor. – Me desculpa, tá?
- Não precisa se desculpar, você não fez nada, pô – disse ele, acariciando sua testa. Bonnie e os demais observaram tudo. – O que aconteceu com você?
- Simples, chefe – interrompeu a enfermeira Ana Maria. – Rihanna estava vindo para cá de bicicleta, mas acabou se distraindo e batendo feio em um poste, aquele próximo a entrada da clínica. Caiu no chão e começou a ter estas convulsões – disse, mostrando simplicidade. - Lembro que antes de bater estava meio aflita, não é?
- Só...só porque eu pedalava bem rápido? – perguntou Rihanna, ainda em sussurros. Mal conseguia franzir a testa, fora isso, seu corpo doía como quem havia levado uma surra durante horas. – Queria muito vê-lo e, como o senhor costuma sair nesta hora imaginei que não chegaria a tempo de conversar contigo, mas pelo jeito tive sorte, hueheh.
- Descansa um pouco, não fale tanto – recomendou Sidney, o que soou como uma ordem. – Eu só sairei da clínica no fim do expediente, ainda teremos muito tempo para conversar, não se preocupe – concluiu ele, acariciando com gosto os lábios úmidos de sua funcionária. Levantou-se e em segundos notou que Rihanna começara a adormecer. Foi melhor. Os dois funcionários homens retiraram-se vagarosamente, como se esperassem um prêmio por terem ajudado a segurá-la, a enfermeira Ana Maria retornou à prateleira de remédios e a chefe de enfermaria voltou ao corredor com o patrão e a filha. “Não é a primeira vez que aconteceu isso com ela”, disse a mulher, “todos sabemos que Rihanna teve episódios epiléticos, mas fiquei surpreso com a força com que ela empregou ao querer se livrar da gente.
- E eu estou surpreso consigo mesmo por estar sabendo dessa merda agora! – exclamou Sidney, abrindo os braços. – Ninguém me falou nada?
- Achamos que o senhor já sabia... – justificou a chefe de enfermaria, que sacou um celular e efetuou uma ligação. – Sempre esteve junto dela aqui e no serviço social...
- Mas, não sabia o suficiente, agora já era – respondeu ele, rispidamente. Bonnie o fitou com um olhar de reprovação.
- Estou ligando para a mãe dela, chefe – disse a mulher, que rapidamente foi atendida. – Senhora, a sua filha está aqui, foi acometida por um ataque epiléptico e precisa que a senhora esteja aqui neste momento – disparou secamente. Sidney e Bonnie assistiram. – Sim, ok, quer que a levamos até aí? Se ela consegue andar? Está parecendo que não, lhe ministramos Gadernal e ela apagou, seria melhor se viesse até aqui, não tem algum parente que possa ajudá-la? Tudo bem, então, nós a levaremos até sua casa, pode deixar.
- Diga para ela que eu e minha filha ajudaremos – disse Sidney, a chefe de enfermaria o observou e assentiu.
- Nosso chefe irá na ambulância, ele se prontificou para nos ajudar – disse sorrindo à senhora. – Ah, não será problema algum, ele faz questão disto – disse, ao olhar para o indiano com o polegar para cima. – , sem problema algum, não vamos cobrar nada, hahaha. Certo, certo, não se preocupe com isto, sei que a senhora deve estar doidinha para receber visitas, haha. Está bem, então, está bem. Tchau, tenha um ótimo dia. – desligou, com delicadeza. – Bom, a mãe da Rihanna está sem condições físicas para dar as caras aqui na clínica, então estamos indo direto para sua casa, faremos o procedimento padrão e a jovem estará sã e salva, melhor lá do que aqui, certo?
- Certo, gostei de ver, querida – respondeu Sidney, tascando um beijo na testa de sua empregada. Bonnie a abraçou rapidamente, e então assistiu os funcionários + Sidney deslizar Rihanna (que dormia profundamente, apesar das dores) até a maca, onde ela foi levada até a ambulância, que correu a cidade sem o barulho do giroscópio. O indiano, a filha e a chefe da enfermagem estavam lá dentro, firmemente sentados e não emitindo uma palavra enquanto eram levados até o bairro de Copacabana.

Poucos cariocas residiam neste bairro, como todos sabiam. A chácara de Rihanna, Riana e a mãe situava-se em frente à praia, no início de uma colina em que se podia percorrer por cruas trilhas, e muita mata explorada apenas por pescadores e mochileiros. Quase ninguém freqüentava à praia, quase ninguém desfrutava de suas ondas além das duas irmãs e os surfistas que rumavam do Centro para lá – apesar de que o destino principal deles seria as praias da Barra da Tijuca, outro local semi-isolado do resto da cidade – e a escassa presença indígena (os tamoios) contribuía para um certo crescimento comercial ali. Uma pequena vila em frente à praia, um túnel cortando os bairros de Botafogo e Copacabana, além de pequenas fazendas. Sidney acompanhava toda a paisagem retratada pela janela da ambulância, ao mesmo tempo em que segurava bem sua filha e vez ou outra pousava seus grandes olhos escuros em Rihanna, que assemelhava-se a um defunto, de tão quieta que estava. Já a chefe de enfermaria vez ou outra o fitava como nunca o fitava antes, parecia estar disposta a explorar cada camada e centímetro do rosto de seu patrão, com relativa curiosidade. Era sua oportunidade. Os cabelos negros e longos insistindo em tomar-lhe o rosto, mesmo presos, os óculos de grau um tanto embaçados e as mãos e costas cansadas que balançavam com o movimento do veículo mostravam uma profissional cansada. Trabalhara tanto para ele e para a população carente do morro do Castelo há tanto tempo que, inexplicavelmente, teve a impressão dos dias diminuírem, o tempo de trabalho aumentar (embora não parecesse), quando na verdade deveria ser o contrário. Tanto tempo se dedicando, tanto tempo cuidando dos outros que mal cuidava de si mesma. Precisava de um “upgrade”, há décadas, mas se via presa no bolso de seu chefe, um homem rico e poderoso que, como ela temia, não esboçava preocupação por sua pessoa. “Mas, por que esboçaria?”, perguntou para si mesma. “Eu estou nessa para fazer o meu trabalho, não para me envolver sentimentalmente com alguém, mesmo que isto apenas resulte em um jantar animado entre amigos. Sidney Silvestre é um bom chefe, mas sabe-se lá porque ele não me enroscou em suas asas cortantes, como costumava fazer com quase toda subordinada sua. Nunca me cantara, nunca conversara a sós comigo, sequer e se o fizesse certamente eu estaria acabada no fim, como qualquer mulher que se pega com ele. Aliás, esta... CL é uma mulher bastante forte, pois dizem ser a única que o domina, que o coloca em seu salto alto. Mas, mesmo assim, sendo quem é, é praticamente impossível acreditar que esteja de fato apaixonado por ela”.

A chefe de enfermaria bufava para as mechas penduradas no alto de sua testa, e algumas enroscavam-se na armação de seus óculos. Fitava Sidney tanto que não percebeu estar sendo observada – de soslaio – pela ruivinha Bonnie, abraçada pelo pai. Foi o suficiente para a guria perceber que a profissional pensava mil coisas indecentes sobre o indiano. Direcionou seus olhos para Rihanna quando finalmente a mulher percebeu que estava sendo fixada por ela. “Essa garota... por que ele quis adotar uma criança invés de ter uma filha com alguma parceira, alguma mulher, namorada ou coisa que o valha?”, perguntou a chefe de enfermaria, para si mesma, esbanjando um rosto deveras intrigado. “Ele não é estéril, pelo que sei. Está bem saudável, em todos os sentidos, forte e bonito. Por que resolveu adotar uma criança? Odeia sua etnia, odeia a cor de sua pele? Fazia parte da casta mais alta e conceituada do Hinduísmo, com certeza esta escolha de querer arrebatar uma criança da Inglaterra tem ódio ou desgosto neste bojo”. Inclinou o corpo, como se quisesse observar Bonnie minuciosamente – esta revezava os olhos no pai e em Rihanna, aflitivamente. “Essa garota não tem nada a ver com ele, e não digo apenas fisicamente, ela tem algo que ele não tem, do pouco que a avaliei, tem tanta semelhança com ele quanto uma limonada de uma urina. Algo nela não me desce bem, mas... quem sou eu para ficar... avaliando as pessoas? É bem provável que nunca serei nada além de uma eficiente funcionária para Sidney e uma babá improvisada, mas excelente babá, para esta garota enquanto visitar nossa clínica. Eu terei muito o que pensar sobre estes dois, não tem jeito...mas depois que resolvermos este imbróglio aqui”.

E 4 minutos depois a ambulância parou na entrada da chácara das duas irmãs. Sidney e a mulher – além de Bonnie, que fingia fazer força – colocaram a maca com Rihanna para o chão, novamente acionando as rodinhas que sustentavam e faziam percorrer com a ferramenta até o interior da casa. A mãe de Rihanna e Riana irrompeu a porta da residência com um grito, seguido de alguns resmungos e, sustentando parte do corpo com uma bengala preta com estampa de fogo, andou até o portão principal, apesar dos pedidos do motorista para que não precisasse sair de casa, devido aos seus problemas de saúde. Os lamentos chorosos da idosa foram o suficiente para acordar a jovem, que tentou levantar-se com rapidez, como se estivesse dormindo com o marido de outra.

- Mãe... mãe, não precisa disso – murmurou Rihanna, tentando mover suas costas, mas Sidney a impediu dizendo que “não pode fazer tanto esforço assim”, então ela assentiu e pousou suas costas novamente na superfície macia da maca. – Não sofri absolutamente nada.
- Claro que sofreu, senão não estaria deitada na maca – respondeu a mãe, uma velha ligeiramente gorda usando moleton vermelho com listras brancas completo da Addidas, os longos cabelos alvos e arroxeados tomando seus ombros curtos e tênis Converse All Star prata. Uma brilhosa e linda tiara prateada (sabe-se lá se era prata verdadeira ou não) adornava o topo de sua cabeça e os olhos negros de contornos vermelhos vasculhavam todos os que levaram a filha para sua chácara. O batom incolor, mas chamativo, o nariz avantajado e achatado, além do esmalte negro em seus dedinhos gordos impressionaram Bonnie, que deu a pensar que a pessoa à sua frente tratava-se de uma das “vovós saúde”. A chefe de enfermaria e o motorista impediram que Sidney se esforçasse mais (este respondeu com uma expressão envergonhada no rosto) e levaram a maca com a paciente até a entrada da chácara, onde subiram dois degraus de escada e rumaram para a casa em um caminho de paralelepípedos, cortando o jardim com árvores dos mais diversos frutos. Sidney, sem graça e sentindo-se inútil, andou rápido com sua filha e manteve-se próximo à Rihanna durante a maior parte do trajeto. Ao terem de subir 5 degraus para cortar a varanda e assim, chegar à sala de estar e logo após ao quarto da jovem, o motorista, a chefe de enfermaria e Sidney (finalmente útil!) levantaram a mulata da maca e conduziram-na até a cama, deixando-a confortável ali.
- Muito obrigada, gente – murmurou Rihanna, olhando para a chefe de segurança e para Sidney, deixando Bonnie por último. Logo, referiu-se somente à mulher, tocando-lhe a mão direita. – Geórgia, você já pode ir, muito obrigada por ter me ajudado, mas queria conversar com Sidney a sós. Sei que não terá paciência para esperar, portanto... melhor voltar para a clínica.
- O quê? – perguntou a chefe de enfermaria, esboçando uma careta mui desagradável no rosto. – Claro que não, quero saber se você está bem e pode andar, fiquei até surpresa por você ter acordado minutos depois de lhe ministrarem uma dose de...
- Não precisa mais se preocupar, prometo que não darei mais nenhum vexame, pode deixar, - disse ela, acariciando a mão de sua amiga. Pelo jeito, não adiantaria insistir com ela. Sabia que estava diante de uma pessoa persistente em suas palavras e decisões, não queria iniciar uma discussão e fazer com que os outros se voltassem contra ela. Geórgia virou as costas para a amiga e deixou os demais próximos a ela, retornando com o motorista para a ambulância. Não disse nada a Sidney, mas queria ser chamada por ele e frustrou-se por não ter sido. Adentraram ao carro, ligaram e foram embora dali. A chefe de enfermaria nada disse, sem olhar para trás, sem perceber que seu patrão fitava a ambulância afastar-se da chácara, olhando especificamente para aquela morena quatro-olhos. Seguiu resmungando durante quase todo o trajeto.
Sidney abaixou-se à altura do rosto de Rihanna e acariciou sua testa. Bonnie quis experimentar um suco de laranja que a avó da jovem estava oferecendo (e vinha para o quarto com uma bandeja com uma grande jarra cheia, além de fatias de bolo de fubá) aos dois. O indiano não cessou em acariciar Rihanna – e esta consentia, além de retribuir o mesmo para ele – e lhe deu um abraço gostoso.
- Achei que não apareceria, achei que... iria fugir com sua filha de volta para a Inglaterra ou algo parecido. Fiquei com medo – disse ela, demonstrando fragilidade. Seus lábios carnudos comprimiam-se de modo tão sensual que foi impossível seu patrão não olhar. – Lembro do senhor ter dito que um dia iria se encher de tudo isso e sairia da cidade, mas sem antes de melhorar a vida dos outros... não melhorou por completo, mas achei que mesmo assim iria dar a louca e...
- Mas, eu estou aqui, e ainda moro lá no Castelo – sussurrou ele. – Afasta esse pensamento da cabeça, não vou sair do Rio tão cedo, se disse isso provavelmente estava estressado...
- O que é difícil – emendou a ele, sorrindo. – Cara, nunca te vi aborrecido e eu e Riana o conhecemos há um bom tempo. Mas, tudo bem... me sinto bem feliz por você ter me acudido, acabei sofrendo um acidente bobo, acho que se Riana estivesse no seu lugar não faria nada além de rir da minha cara... você voltou há pouco tempo, certo?
- Sim, mas o que você estava fazendo fora do trabalho? – perguntou ele, ainda sorrindo, dedicado a não magoá-la.
- Eu tive de ver uma pessoa, não pude deixar de lado... me desculpe, mas... mas... – murmurou ela, sendo fitada pelos olhos escuros de Sidney, que vasculhavam qualquer resíduo de mentira que pudesse brotar no rosto de sua empregada. Imaginou que seria denunciada pelo suor, pela gagueira proveniente do nervosismo, coisas simples, achou que logo teria sua resposta. E teve. – Tá bom, eu só queria vadiar por aí. Estava trabalhando duro durante todo este tempo e então...
- Então, resolveu aproveitar o dia de trabalho farreando por aí – completou ele, sem tirar o sorriso. – O que devo fazer com você? – perguntou, olhando firmemente nos olhos dela, amedrontando-a. – Hum... amanhã, pegue suas coisas lá no serviço social, porque será dispensada.
- Mas, eu... - murmurou ela, visivelmente tensa, sendo arrebatada por um nervosismo que crescia cada vez mais. Bonnie a observou espantada.
- Tô brincando, tô brincando, hahaha - disse Sidney, gargalhando. - Mas, sabe que não haverá uma outra vez se não levar uma advertência em troca. Você sabe, todos têm de ter um compromisso com o trabalho, etc e tal, você sabe bem como são as coisas. Agora, falando sobre sua saúde, bem que deveria me dizer que anda sofrendo com estas crises, da próxima vez. E então, uma outra coisa que anda me chamando a atenção... parece que Riana não anda se importando muito contigo, creio que se morresse ela não estaria nem aí com o acontecimento.
- Ah, o senhor sabe que ela é assim com quase qualquer pessoa. Não é assim com o senhor, mas consegue agir deste jeito esnobe e indiferente com a própria irmã, com a nossa mãe... anda meio desligada de tudo, propositalmente, dia desses, quando tivemos nossa última conversa, me disse que seu sonho é se isolar, tem uma mágoa tremenda com as pessoas.
- Que ela é magoada pra caramba eu sei, só não sei o porque disso - disse Sidney, sentado à borda da cama. - Talvez seja a hora oportuna para conversar com ela, depois do papo ela poderia mudar de idéia...
- Só que as coisas não são fáceis assim, querido - retrucou Rihanna, tocando sua mão com delicadeza. - Conselho de amiga, não adianta perder tempo, deixe ela resolver seus próprios problemas, mesmo sendo o senhor a querer ajudá-la, acha que iria mudar de idéia? Estamos... falando da Riana, não vai mudar nem que morrêssemos e ressucitássemos 3 ou 4 vezes. Deixa quieto.
- Está me dizendo isso como se tivesse ciúme, haha - murmurou o indiano, que logo depois virou-se para a filha e pediu com delicadeza para que a mesma ficasse na sala de estar por uns instantes. Queria conversar com Rihanna a sós, e logo após retirar-se Bonnie concluiu que eles iriam se pegar a partir daquele momento. Sentou na sala com o bolo e a limonada aborrecida postos em suas coxas, e a idosa acabou fazendo companhia para ela, puxando assunto.
- Ela deve estar acostumada com isso, né? - perguntou a mulher, há centímetros do rosto de seu patrão. - A Bonnie. Deve estar acostumada em você pedir licença para "conversar melhor" com as mulheres, aposto.
- Eu quero ter uma mulher fixa justamente para não fazê-la mais passar por isso - disse ele. - Me sinto um imbecil ao fazer este tipo de coisa.
- Não, na boa, você não sente. Olha para mim - disse, tocando a face do médico. - Não consegue me enganar, desculpe dizer isso, sim?
- Qualé, não estou enganando ninguém, estou dizendo o que realmente sinto! - protestou ele. - Acha que quero passar a eternidade ficando aqui e ali, se aproveitando de minha condição para pegar estas mulheres? Digo, "se aproveitando" nada, pois mesmo se eu fosse um pobretão de merda poderia fazer sucesso entre as meninas... tá, estou sendo convencido. Sei que Bonnie se aborrece em passar por coisas como esta, mas já estou resolvendo, estou querendo ter um relacionamento sério com alguém, casar, ser uma família propriamente dita.
- Me desculpa, chefe, me desculpa, mas não consigo engolir isto - disse Rihanna, virando a cabeça para os lados. - Sério, algumas pessoas não mudam, se mudam é com muito custo. Está me dizendo que chegou a esta conclusão por si próprio? Sem ninguém martelar nada em sua cabeça? Claro que com 40 anos de idade o senhor poderia ser acometido por isto, mas...
- Está me chamando de velho? Tenho a mesma vitalidade que uma pessoa da sua idade.
- Claro, disso eu sei muito bem - suspirou, esboçando um sorriso lascivo. - Embora não pareça fico feliz por começar e pensar dessa forma. Tá na idade de ter uma família mesmo...
- Ainda está me chamando de velho...
- Sim, estou. Vem cá - murmurou para ele, o envolvendo com seus fortes braços marrons. Sidney inclinou-se e deitou seu peito contra os dela, ambos sentindo a respiração um do outro. - Não posso acreditar que realmente esteja crendo no que CL falou para ti, que irá voltar para ficar de vez na família. Vai acabar te enganando de novo.
- E eu não sei disto? - perguntou ele, que após um "peraí" levantou-se de um salto, trancou a porta e pulou de volta para cima da mulher. - Será minha última chance, minha filha não pode esperar por muito tempo e nem eu. Estamos falando de uma mulher mais velha que eu, então pode muito bem seguir seu destino, quer fazer o que quer, mas se não quiser se adaptar ao esquema familiar, que vá embora. É indecisa demais, uma hora pensa uma coisa, em outra hora pensa outra... não tem como ficar dando corda para este tipo de pessoa... será a última vez que estou depositando minha confiança nessa mulher.
- Hum... continuo não acreditando, hahaha - gargalhou Rihanna, ainda colada no corpo de seu patrão. - Mas, tudo bem, não me deve explicação alguma. Mas, uma perguntinha: tem certeza que esta é sua única preocupação em relação a relacionamentos atuais?
- Por que pergunta? - indagou ele.
- Ah, não é...
- Sim, é - disse, rispidamente.
- Tudo bem, não se aborreça - disse Rihanna, dando-lhe um beijo longo que demorou para descolar. - O que está pretendendo fazer hoje?
- Levar Bonnie para casa e conversar com a serviçal, porque ocorreu um probleminha lá em casa, problema bobo mesmo. Se ainda der tempo, darei uma ligada para uns amigos meus, faz tempo que não conversamos.
- Eu estive pensando em sair, mas seria para o cinema, e como cinema é um péssimo programa para fazer sozinho, imaginei que seria uma boa te convidar... pode até escolher os filmes se quiser, para mim não tem galho algum.
- Olha, isso é bastante tentador - murmurou ele, não vendo que a expressão de Rihanna mudara para pior, já pensando que ele iria dar para trás no convite. - , mas eu tenho de resolver este... probleminha com a Joana, só esta noite.
- O tal "probleminha bobo" acabou complicando os meus planos para esta noite, haha - disse ela, tentando ocultar sua decepção. Afastou-se um tanto do corpo do médico. - Você até... poderia dizer que estaria livre em outro dia, mas não sei se sentirei a mesma vontade que hoje.
- E porque não? Amanhã já estarei livre, e então? Não custa nada esperar algumas horinhas, aliás, nem precisa esperar, quanto mais você...
- Já entendi - disparou, afastando-se definitivamente dos braços de Sidney, ao levantar da cama, visivelmente aborrecida. Sidney percebeu que fora a primeira vez que Rihanna agia daquele jeito, ao ter seu convite recusado (já que normalmente não recusam quase nada a ela), especialmente por uma pessoa na qual gostava muito. Sidney também pensou que também poderia estar escondendo alguma coisa, que uma saída a um cinema, parque, restaurante ou hotel poderia minimizar uma possível dor que esteja sentindo. Justamente por isto que o indiano pôs a mão na consciência, pensando se seria uma boa idéia deixar para sair com Rihanna no dia seguinte. Poderia sair naquele mesmo dia, mas precisava saber o que estava se passando naquela jovem cabecinha feminina.
- Peraí, tem alguma coisinha que queira me dizer? - perguntou ele, tentando não futucá-la a ponto de gerar uma hemorragia. - Sério, você... está passando por alguma coisa e está com vergonha de dizer? Pode falar comigo, sabe muito bem que a confiança é mútua e que os segredos são bem guardados. Somos bons amigos.
- Sei... - a frase "somos bons amigos" trespassou a cabeça de Rihanna como uma lança, já que a confirmação de Sidney em relação à isto minava cada vez mais a possibilidade de ter alguma coisa séria com ele, no futuro. Mesmo assim, a mulher pensou com carinho quanto a revelar seu segredo. - Eu vou sair do trabalho.
- O quê? - Sidney já imaginava que sua parceira diria coisas como "estou com leucemia, aids, câncer" ou coisa semelhante. Aliviou-se, mesmo assim, nem tanto. - E vai para onde?
- Pra lugar nenhum - respondeu ela, aproximando-se dele, debruçando suas costas com vontade no peitoral do homem. - Cansei de ficar no serviço social, na clínica... cansei de ver aquelas pessoas, de ajudar gente que não pretende mudar de vida (e não é nem questão de ter forças para isto, mesmo se tivessem não moveriam uma palha). Cansei, cara. Tenho uma faculdade de Biologia pra fazer e além disso fui chamada para trabalhar de recepcionista em um dos mais badalados hotéis da cidade.
- Trabalhar de recepcionista? - indagou Sidney, que logo após gargalhou abertamente. - Tá brincando, não é possível. Recepcionista? Você merece coisa muito melhor que isso, querida!
- É um trabalho digno, vai me dizer que você começou logo de cima?
- Er... sim! - respondeu ele, gargalhando ainda mais, irritando a amiga. - Mas, falando sério, você está ganhando relativamente bem lá no serviço social, está trabalhando como...
- Ganharei R$ 1500 mensais no hotel. - disparou, no intuito de calar-lhe a boca.
- Hum... uns trocadinhos a mais ou a menos...
- Vai dar pra pagar minha faculdade e pra ajudar minha mãe - explicou, fitando a paisagem pela janela. - Fora isso tenho uma vida inteira pela frente, queria sair do Brasil e conhecer a Inglaterra, me apaixonar por uma atriz do Harry Potter e correr atrás dela como uma doida - ao dizer isto Sidney quase bate com a cabeça no chão de tanto rir - e outras cositas más. Sinto que tenho algo melhor pra oferecer ao mundo.
- Eu também. Tô querendo me tornar político pra forçar a NASA a retirar aquele lixo espacial que circunda nosso planeta, além de outras merdas - disse ele, deitando de bruços na cama e batendo os pés, como uma criança. - Se ninguém está apto a fazer, então...
- Mas não precisa ser necessariamente político pra fazer isso - disse Rihanna, deitando sobre ele. - Estou em cima de um homem carismático e que consegue tudo o que quer. Acha que os yankees poderiam resistir ao seu charme brasileiro e indiano? Huehehe. Esse sotaque maravlhoso que você tem, tão maravilhoso que deixa o sotaque paulistano no chinelo?
- Porra, falando desse jeito você me envergonha - disse, levantando-se. - Preciso voltar para a sala, não quero Bonnie reclamando comigo. - Sidney destrancou a porta e notou sua filha lanchando na varanda da chácara. Já a idosa retirava frutos da mangueira munida de uma vara de bambu com altura considerável. Ao perceber a presença de seu pai Bonnie queria largar tudo, mas Sidney pediu que prosseguisse com a comilança sem problemas. Rihanna apareceu segundos depois, em suas costas, entediada. "Ah, ela gosta de colher as frutas do pé, recusa a ajuda de qualquer pessoa", disse a mulher, referindo-se à mãe.
- Deve ser uma terapia bacana pra ela - disse Bonnie, enquanto comia. - Sobre o que vocês estavam falando lá no quarto?
- Ahn... falávamos sobre a Rihanna voltar ou não pro trabalho, já que ela faltou hoje... - explicou ele.
- Mas, por que trancaram a porta? - perguntou a menina, tentando desestabilizá-los.
- Era um assunto muito importante, coisa de adulto - retrucou a mulher, sorrindo. - E vamos mudar de assunto, gente.
- Oi! - exclamou a mãe de Riana e Rihanna, largando o bambu no solo do local. - Há quanto tempo não vejo você... desculpe não dizer nada naquela hora, é que vocês estavam tão tensos e ocupados que eu deixei...
- Ele já está de saída, mamãe - interrompeu a mulher.
- Claro que não, como poderia de deixar de experimentar um delicioso bolo de fubá e uma limonada feita pela sua mãe? - indagou Sidney, frustrando Rihanna. - Vamos lá, também precisamos manter os babados em dia.

A idosa o acompanhou com os demais de volta à sala de estar, onde Sidney sentou no sofá e minutos depois, serviu-se de um pedaço generoso do bolo e de 2 copos de suco. Bonnie sentou-se ao seu lado e Rihanna no outro, abraçando-o simultânea e carinhosamente. Ao presenciarem a vovó retornar começaram uma conversa.


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Mensagem  Admin Dom Ago 01, 2010 2:35 am

- Faz muito tempo, mas o senhor parece estar mais novo, sem nenhuma ruga, nenhum cabelo branco - disse, tocando em seu rosto. Sidney respondeu sorrindo. - O que anda fazendo de bom neste tempo?
- O mesmo de sempre, trabalhando - respondeu ele. - Agora que peguei minha filha de Paty do Alferes pretendo colocá-la na vida urbana, já foi matriculada numa boa escola e CL estará voltando no próximo fim de semana, daí, seremos uma verdadeira família.
- Ah, faz tempo que eu queria que o senhor se acertasse com ela, sabia? - indagou ela, mostrando os dentes em seu sorriso. - Rihanna e Riana nunca confiaram naquela mulher, mas no quesito "compromisso".
- Hein? Não sabia que todo mundo do serviço social sabia sobre o que está acontecendo com a gente... - disse ele, realmente impressionado. - Sério, vai me dizer que até o zelador sabe como eu e ela se comportamos na cama ou alguma coisa do tipo - ao dizer isto, Bonnie soltara um guincho, segurando a gargalhada. Já Rihanna deu um tapa no próprio rosto, de desgosto.
- Não, elas são as funcionárias mais próximas do senhor lá dentro, lembra? - indagou a velha. - Mas, não se preocupe que elas não são futriqueiras...
- Está me dizendo isso como se não as conhecesse... - disparou ele. - Bom, eu não espero mais muita coisa da norte-coreana, diversas chances foram dadas, praticamente estou agindo no automático, mas como sou um sujeito muito paciente tô dando uma última chance a ela. Nem preciso dizer que, se eu estou fazendo isso é porque eu gosto da pessoa, certo? Imagine se todos tivessem esta minha qualidade? O mundo seria um lugar muito melhor para viver.
- Está certo, hoje em dia está complicado de viver na cidade grande sem ter de lidar com uma pessoa sem crédito algum - disse a vovó, pensativa. - Mas, se ela costuma zanzar para lá e para cá e mesmo assim não cedeu aos seus apelos é porque deve passar para outra, uma mulher mais compromissada com as coisas, mais capaz. O senhor se relaciona com mulheres de todos os tipos, sabe do que estou falando.
- Sei sim, senhora. Olhando para esta chácara e para o lugar onde ela está instalada, dá uma sensação de que tô no interior...mais ou menos na Região dos Lagos, já que a praia fica aqui pertinho...eu pretendo terminar minha vida nestes lugares, tá certo que o espírito é mais importante, mas a carne precisa desfrutar de coisas como esta.
- É um lugar perfeito, para quem não gosta da cidade grande, de todo aquele burburinho... não vou ao Centro nem para pegar minha aposentadoria, já que tem banco em Botafogo, mas a partir dali é tudo roça, como está vendo agora. Seria ótimo se permanecesse assim pra sempre, sabe?
- Eu sou um cara totalmente urbano, mas o Centro e a Zona Norte já bastam pra mim, não precisa...urbanizar a porra toda, só aquela área da Várzea seria o suficiente pra mim, mas claro, tem a opinião de outras pessoas. Entendo perfeitamente seu desejo, quem sabe quando eu for político não possa impedir esta expansão urbana...
- Impossível - disparou a velha, após tomar um gole do suco. - Primeiro, que aqui é a capital federal. Segundo, que muita gente está migrando para cá, estrangeiros como o senhor, e com isto a expansão urbana tende a aumentar. Terceiro, os empreiteiros estão de olho. Ouvi falar que pretendem expandir seus negócios no subúrbio... no resto isolado da Zona Sul, e eu estou falando além do bairro da Lagoa. Tem gente querendo até fazer prédio na Barra da Tijuca, onde mal tem alguns pescadorezinhos!
- Sério, gente, em poucos anos esta cidade será um local insuportável pra viver - disse Rihanna, expressando asco.
- Tô sacando, tô sacando... disseram sim que pretendem aumentar, mas eles toparão com os índios e a coisa vai feder - disse Sidney.
- Se a polícia e o Exército lutassem contra os tamoios seria um massacre filho da puta - disse a velha. - Claro que poderia haver acordos, divisão de terras, etc., mas certamente ninguém estaria plenamente satisfeito com as coisas. Conheço os tamoios. Sei como eles são.
- Ok, e o que eu posso fazer para resolver isso? - perguntou Sidney.
- Pode fazer muitas coisas com o seu poder de influência. Pode conversar com os empresários, mas acredito que nem todos lhe darão o devido crédito. Eles têm olho grande, querem dinheiro, querem prestígio - disse ela, fitando os olhos do indiano. - E o senhor é um só. Acredito que alguns não gostam de ti por cuidar de pessoas consideradas párias, por eles. Claro que seria ótimo se conseguisse ser vereador, mas mesmo assim seria pouco. E não adianta fazer um projeto de lei, pois nem todos poderiam segui-la.
- Mas, SEMPRE existiriam pessoas a não seguir leis - disse Sidney, levantando-se. - Não dá pra controlar todo mundo, eu também acho que os tamoios não são bonzinhos como a senhora pensa. Certo que a terra é deles, mas e se eles quiserem entrar no esquema dos empresários? Não poderei fazer nada.
- Pelo menos teria tentado. Me dê seu prato - disse, recebendo o prato com o copo. - Mas, não sei se está preocupado com isto.
- Estou, sim, e estou passando por uma coisa semelhante a esta - respondeu ele, sentando-se novamente. - Tem gente "lá de cima" que pretende dar um fim a quem mora no morro do Castelo, mandá-los para outro lugar, é o que estou ouvindo por aí. Só quero saber quem exatamente começou com essa idéia de merda para eu estraçalhar o maldito - disse de forma ameaçadora. Segurou-se um pouco para não assustar Bonnie.
- Eles iriam esbarrar no senhor de qualquer jeito, certo? - indagou a vovó, voltando da cozinha. - Ainda mais se for vereador, hahaha.
- É claro...nem posso pensar nisso, por enquanto, dá uma dor de cabeça terrível, huehe - disse, escondendo a tensão a qualquer custo. - Bom, eu vou indo, tem algumas coisas que preciso fazer hoje, sim?
- Está bem, ah, veja se aparece mais aqui...também queria conversar mais com sua filha, ela é uma gracinha - disse, acariciando o rosto de Bonnie.
- Sem problemas, deu pra sacar que ela é a cara da mãe, né? Hahaha! - brincou Sidney, pegando Bonnie no colo. - Brincadeira, querida. E Rihanna, está realmente pretendendo...
- Sim. Amanhã conversaremos melhor sobre isso - respondeu a mulata.

Despediram-se. Sidney recusou o pedido de Rihanna e da mãe para acompanhá-los até o portão da chácara. Ele pôs Bonnie no alto de seus ombros, deixando-a sentada ali, fazendo a guria sorrir, já que a brincadeira com a filha poderia afastar sua tensão sobre o destino do morro do Castelo e de seus moradores. Mais cedo ou mais tarde teria de topar com gente disposta a mandá-los para a puta que o pariu. Seu desejo anterior seria o de adcionar uma pessoa tão ou mais "poderosa" quanto ele para poder bater de frente com quem quiser, em relação a isto. Apesar de se abrigar em toda uma aura de convencimento, tinha ciência de suas fraquezas.

Desceram a colina a pé, ignorando os pedidos da mãe de Rihanna para aguardarem um pouco, já que seriam levados de lambreta para as encostas do local, onde se situava o início da estrada. Ela prontificou-se em levá-los até a vila, mas Sidney ignorara seu altruísmo: tanto ele quanto sua filha queriam andar um pouco – e Bonnie realmente queria. O sacolejar da ambulância maltratava seu estômago e sua bundinha, portanto, queria esticar as pernas, assim como seu pai. Ser levada nos ombros pelo pai até onde as forças dele podiam agüentar seria uma boa tentativa de interação entre os dois, movida pela diversão e a sensação de bem estar, já que há um bom tempo não brincavam sozinhos. Bonnie desceu de seus ombros e ignorou a mão do pai, estendida para ela andar junto com ele – mas, não por querer, simplesmente estava no intuito de descer a estrada até a vila com total liberdade, sem a ajuda de ninguém, até onde pudesse. Não precisou dizer uma palavra sobre isso para ele entender, mas claro, vigiava os passos da guria, pronto para acudi-la quando fosse necessário.

Pensando nisso, lembrou o desejo do garoto Holden Caulfeld, de “O Apanhador no Campo de Centeio”, mas o personagem era nada mais que um jovem desinteressado da vida, mui amargurado e que propusera um final sem graça para a sua vida, segundo a conclusão de Sidney. Lembrou ainda que “O Apanhador...” era um livro bastante interessante, apesar de ter angariado uma fama extensa desnecessariamente, pois, segundo o indiano, não merecia tanto. Terminar a vida catando crianças em um campo – ou algo mais próximo disto – seria impensável para um homem de negócios e bem-sucedido como Sidney. Também não gostaria que sua querida filha injetasse em si própria pensamentos deste naipe, injetasse para dentro de si a doença da falta de perspectivas de vida, uma menina como aquela precisava continuar com as coisas da família (isso soou meio mafioso) e fazer jus a todas as benfeitorias e mimos que recebera até aquele dia e que certamente receberia até quando se emancipasse. Bonnie carregava em si uma vontade invejável de viver, sem contar que o pendor para ajudar quem precisasse pulsava em seu peito com naturalidade, queria ser útil e tinha ciência de que o pai não a queria escrava da preguiça. Nem ele queria ser escravo de seus desejos, mas não queria forçar a barra, colocando esforços desnecessários para se prejudicar logo depois. Agisse de forma comum, por isso gozava de uma relativa liberdade, Sidney tinha certeza de que uma pré-adolescente de 12 anos como ela não meteria os pés pelas mãos de forma tão complicada a ponto do problema ser irresolúvel. Uma brisa gostosa correu pela área correspondente ao cume e às encostas do morro, pegando pai e filha de jeito, como se pedissem para que desfrutassem do vento preguiçosamente, sentando ou deitando na grama, experimentando sentir as plantas geladas em suas mãos, sentindo o cheiro fresco exalado desde a copa das árvores até as raízes, e chegaram à conclusão de como seria bom morar ali. Sidney sentou-se na grama e retirou os sapatos e as meias, deixando-os ao lado enquanto Bonnie vasculhava uma pequenina parte da área, curiosa em experimentar as amoras, fixando-se na paisagem deslumbrante da Zona Sul carioca, circulando tranqüilamente no local, cuidando para não preocupar seu pai – que no momento não se importava tanto com a segurança da filha, até que fosse alarmado. Ele respirou fundo, olhando a vista panorâmica, o mirante do Corcovado à sua esquerda, a visão parcial da Baía de Guanabara no centro do seu campo de visão, os pouquíssimos prédios e as numerosas casas juntas em uma parte específica do bairro, formando uma vila, a tal vila em que a mãe de Rihanna costumava descer e que a ambulância havia passado, antes de tomar a apertada estrada em direção à grandiosa chácara. O homem ainda mantinha os pensamentos imersos no personagem de “O Apanhador...”, em quão aquela leitura fora tão simples e ao mesmo tempo bastante intrigante, um chamariz de preocupações em relação ao moleque herói da história. Lembrou-se de Cristiano, considerado por ele um eterno viajante, perdido em seus próprios propósitos, possivelmente fodido pelas circunstâncias da vida e que precisava de ajuda, algo que sabia de cor e salteado. Todos os seus amigos sabiam, Sidney também, obviamente. Mas, Cristiano não ia com a cara de seu “melhor amigo”, e não à toa, pois Sidney – quisera ou não – contribuiu para as relações terem chegado a um patamar desses. Um maluco destes poderia estar junto dos beneficiados do “braço extenso e social” de Sidney, gozando de uma vida profissional decente, mas o baque que tornou podre a amizade entre os dois se manteve firme e forte até aquele momento. “O jeito é continuar fazendo meu trabalho até ele quiser aparecer para mim”, pensou o indiano, para si mesmo. Seu celular tocou. Deu uma olhada e era nada mais que um email com o título “prefeito gay”, que lhe fez efetuar risadinhas gostosas. “Sid, o prefeito ker falar contigo tem como ser essa semana?”, dizia a mensagem. Sidney abriu o sorriso de orelha a orelha, murmurando “finalmente”, manifestando sua alegria também pela agitação infantil de suas pernas grossas. “O que a bicha quer falar comigo?”, indagou, fitando o horizonte. “Será que finalmente o Estado resolveu fazer o que deveria á tempos? Talvez esteja querendo tirar uma casquinha do meu trabalho, o que é bem normal, mas se tentar tomar meus domínios da forma mais cafajeste possível, vai se arrepender de ter nascido”, pensou, soltando uma risada maléfica e ridícula, como um vilão de histórias em quadrinhos. O prefeito da capital federal era uma das maiores celebridades brasileiras, Sidney já estava crente que toparia com ele mais cedo ou mais tarde, e que não seria à toa, portanto o indiano teria de se preparar para isto. No dia seguinte sua assessora teria uma resposta. No momento, surpreendeu-se por Bonnie abraçá-lo por trás e simultaneamente mordiscar sua grande orelha direita, enquanto sorria. Há quanto tempo não sentia as mordidinhas dela? Seus dentinhos eram afiados, todos eles cortantes, mas proporcionavam uma espécie de prazer ao roçar a pele do pai, uma faca de dois gumes, pois podiam ferir, ao ser aplicados por muito tempo, entretanto, Bonnie nunca passara dos limites em relação à isto. Dera uma volta até se sentar no vão entre as coxas do indiano, recostando as costas no peito dele. Respirou fundo, tentando catar com as pequenas narinas o ar mais puro.

- Caramba, que grama fria – disse ela, rindo. – Se é assim agora no fim da tarde, imagine na madrugada... eu gostaria de morar aqui, nem em Paty eu senti um gelado tão gostoso saindo dessas plantas, parece que aqui não bate muito sol, e é estranho, já que estamos em um campo aberto. Parece que alguém jogou um feitiço nesse solo ou coisa semelhante...
- Ou simplesmente deu uma mijada recente em todos os lugares onde você tocou – disse Sidney, gargalhando. – Sério, também gostei daqui, mas seria um problema pra eu ter de topar com a Rihanna e a Riana além do trabalho. Você vai me perguntar porque, mas se a gente se aproximar tanto é capaz de nos ferirmos.
- Mesmo? Acho bobagem, mesmo se a gente... ahn... se ferir convivendo com esse pessoal, que problema teria? – indagou a menina, bastante confortável encostada no pai. – Não acredito que o senhor, com 40 anos e um monte de relacionamentos nas costas, ter medinho de falar com elas “além do trabalho”... ou tem alguma coisa escondida que eu preciso ou não preciso saber? Pode se abrir.
- Huehehe, não é nada, deixa pra lá – disse a ela, relaxado. – Esse dia valeu por 2, passamos por bons momentos, tem mais uma coisa que queira se aventurar por hoje? Ainda falta mais algumas horinhas, hahaha.
- Ah, eu tô cansada... cansada de não fazer nada e os bolos de fubá me deixaram com o bucho cheio... eu estou preocupada se a Joana vai conseguir botar o braço no lugar... falar sobre isso enche o saco do senhor, né?
- Não, claro que não – mentiu. – Mas, não se preocupe tanto, depois você volta pra casa e ela estará lá, de braços abertos e etc. Na verdade, você tem que se preocupar com seus estudos, você começa amanhã, período integral, das 7:00 às 17:00. Aposto que vai reclamar.
- Não vou ter escolha, né? – indagou ela, olhando o horizonte com decepção. – E nem vou pensar que estou indo estudar o dia inteiro para o senhor se ver livre de mim, pois não é isso. Vai ter ônibus escolar?
- Sim, mas ele não sobe no nosso bairro, então vou ter que te levar até lá todos os dias, sem problema pra mim. Vai ter uniformezinho bonitinho e esvoaçante estilo Harry Potter – disse Sidney, minucioso nas gracinhas. Neste ínterim, a abraçou amorosamente – Espero que você faça amizades de respeito, é claro, e que estude de verdade. Falando em estudo, esqueci de pagar logo os seus uniformes e o seu material, mas acho que quanto o material eles darão de graça para os novatos, ouvi falar nisso – sacou o celular e tentou passar um telefonema para a escola, mas eles já tinham fechado as portas. Marcava 18:23 em seu relógio e o arrebol se despedia, dando lugar à escuridão noturna. Bonnie observava tudo, desejando que obtivesse uma câmera para registrar o fenômeno maravilhoso que se transformava diante de seus olhinhos azuis. – Farei isso amanhã de manhã, quando te levar para lá. Veja só, crepúsculo maravilhoso esse. Eu curti pra caramba, tu não?
- Adorei, papai – respondeu ela, não tirando os olhos do céu até a escuridão tomar conta do firmamento. – O anoitecer me passa uma sensação triste, acho que sou a única pessoa que sente isso...me sinto muito mais viva quando vejo o amanhecer.
- Haha, a partir amanhã você terá tempo o suficiente pra se sentir mais viva quando eu te acordar – disse ele, rindo descaradamente. Bonnie lhe apertou o queixo com o polegar e a dobra do indicador, sorrindo. – Vamos descer?

Sidney e Bonnie deram as mãos e desceram a colina a pé, chegando à vila antes de cegarem-se com a escuridão da pequena floresta. De lá, foram instruídos a andar umas centenas de metros até o ponto do bonde com destino ao centro da cidade.

"Quero tomar um sorvete!", bradou a guria para o pai, durante a viagem no bonde. Sidney não costumava ver Bonnie feliz deste jeito, a ponto de gritar, algo que raramente fazia, mas a menina estava crescendo e possivelmente manifestaria seus desejos e vontades para ele na base do grito, como quase toda criança. Rotular Bonnie como uma guria gritalhona era impensável, pelo menos até aquela hora, algo que não se encaixava bem nos pensamentos dele, bastante acostumado em lidar com uma pessoa reservada - mas, não tímida - e educada, dedicada em despejar todo o seu amor no parente mais próximo, de se comportar como uma garota-modelo ou algo próximo disto. Para alguns, a ruivinha agia como uma pessoa sem graça, sem sal e atraente ao contrário, alguém que não valeria uma conversa e pelo jeito ela não estava nem aí para o que pensavam. Se prosseguisse dessa forma seria a alegria para o pai, que realmente não queria que tocassem sua filha, em especial, precocemente. Como todos os pais zelosos por seus filhos, considerava a sardenta um tesouro e quanto mais não se envolvesse com o "grande público" - como os meninos, principalmente - melhor para ele. Tinha a certeza de que a pequenina agiria conforme seus mandos por mais 6 ou 7 anos... isso era o que ele pensava e orava para que acontecesse. Sidney respondeu para Bonnie que havia sorvete em casa, potes de passas ao rum e limão, que a dupla adorava tanto, pois então, não precisariam perder tempo em uma sorveteria. Queria convencê-la o mais rápido possível de que desejava tomar um banho, jantar decentemente, ver um pouco de televisão e dormir. Precisava tê-la ao seu lado quando fizesse tudo isto, obviamente. Iria se preparar para a conversa com o prefeito, portanto, teria de cumprir os afazeres perfeitos que sempre cumpre à noite, quando não vai comer com os amigos em algum restaurante. Bonnie voltou, portanto, mudou parte de seu esquema libertino. Estas lembranças amargaram o estômago de Sidney, fazendo transparecer o desgosto em sua expressão facial, logo percebida pela filha, que achou ser "culpada" pela "mudança radical" feita na vida do papai. Mas, o que iria fazer, se retornou ao Rio para ficar do lado dele?

Soltaram próximo a uma rua que dava para a Ladeira do Seminário, um dos acessos ao morro do Castelo. Eles poderiam andar um tanto até pegarem outra ladeira, mas não tinham opção. Bonnie estranhava o local, nunca passara por ali antes. A noite seguiu-se fria, injetando na ruivinha o propósito de ter que tomar cuidando por onde pisa, pois - segundo ela - não queria machucar-se mais do que o normal. Acreditava que o frio e a chuva - em especial, qualquer ambiente molhado - dava a sensação de que, se escorregasse sofreria uma dor semelhante a um corte profundo feito por qualquer metal, algo angustiante para a garota e não percebido por Sidney. Por isto mesmo seus passos limitaram-se a passinhos, sua mão segurou-se à mão firme de Sidney com mais força e seus movimentos corporais foram serpentinos, cuidadosos, a ponto de chamar a atenção de seu parente, que começou a rir, deixando-a constrangida. Perguntou porque estava agindo de forma tão impagável. "Não quero me machucar", limitou-se a responder, fixando seus olhos no chão escorregadio. Para não provocar mais risos, juntou um lado de seu corpo ao corpo do pai, e subiram a pé até a quinta, com Bonnie olhando para trás quase todas as vezes, ávida em acompanhar o brilho da cidade engolfada pelo breu. A subida no calçamento pé de moleque - bastante cansativa para a filha, que em certo trecho teve de ser carregada nas costas - trouxe lembranças vívidas sobre seu passado recente no local. Toda a cidade gozava de uma particularidade relacionada à beleza que em apenas uma semana um turista concordaria com isto. Um local sujo, cheio de gente sacana e disposta a tomar o que é seu, mas ao mesmo tempo dona de um povo generoso e alegre. Seria perfeito se sumisse, mas, agindo assim, não seria Sidney. O Sidney Silvestre é o Sidney dos negócios, das noitadas, da riqueza e dos amores, mas 1%, mísero 1% reivindicava a mudança. Dependesse desta pequeníssima porcentagem, passaria de Sidney para Cristiano gradativamente. Entretanto, a maioria, evidentemente, exercia a influência poderosa sobre seu corpo e mente. E claro que ele sentia-se muito bem no modo em que vivia e pensava.

Passaram pelo Largo do Castelo, onde viram poucas crianças brincando no campinho e 2 bares abertos, com os bebedores de sempre, comendo porções de batatinhas fritas e linguiças. Sidney colocara Bonnie ao chão por uns momentos, para comprar uns salames (comprou um conjunto com 4) e depois de despedir-se do dono do bar prosseguiu a "peregrinação" com a filhota, visivelmente sonolenta. Ele achava que este princípio de sono não duraria muito tempo, pois Bonnie encontraria a serviçal Joana, lhe aplicaria um abraço bem dado e perguntaria como foi a maldita reconstituição de seu antebraço, e claro, Joana responderia e uma conversa agradável e duradoura prosseguiria dali. Impossível privá-la disto. Deixe elas se darem bem, porra. Mas, como seria a relação do dono da casa com a serviçal quando CL de fato retornar? Já fizera esta pergunta um zilhão de vezes para si mesmo, apesar de já ter algo em mente para lidar com isto - até porque, para ele, não significava algo tão atemorizante assim. Já se decidira quanto à CL. Joana deitara seus grandes olhos azuis e sua magreza pálida e sensual na quinta. Vestida de empregada vitoriana dava mais motivos para que lhe apontassem o dedo dizendo "é uma beata, uma mulher que nunca transou, uma mulher impenetrável, no bom e no mau sentido!" e coisas parecidas, mas fazia parte de seu estilo. Concluiu que Joana deveria sair, mas de forma amistosa, mas, Bonnie certamente sofreria no processo. "Foda-se", pensou. "Ninguém disse que seria fácil para ela".

Sidney deixou que Bonnie apertasse o intefone. Foi quando ouviu uma voz doce e ao mesmo tempo gélida que sua filha respondeu e as portas foram abertas. Ele percebeu que a guria apertou o passo, para vê-la de uma vez. Terminando de cortar o jardim, tanto ele quanto ela viram Joana na entrada da porta da casa, sorridente e usando um vestido - vitoriano, claro - alvíssimo até o joelho, deixando visíveis suas pernas bem cuidadas, além do antebraço sustentado por uma tipoia. Seu vestido vinha por cima de uma camisa rosa com babadinhos bastante clara e transparente, deixando aberto um profundo decote, onde seus seios salientes sobrepujavam qualquer visão de seu tronco. A primeira coisa que Sidney avistara estando há metros da moça naquele momento foram os seios, depois seu rosto límpido, com a boca maquiada de batom carmesim. O vestido fora tão grandiosamente bem feito até nas alças dos ombros, moldadas como dois xales transparentes com estampa de flores brancas. Sidney já imaginava que Joana não recepcionaria tão bem a sua pessoa como sua filha - que no momento estava sendo abraçada amorosamente por ela. Mesmo assim, não poderia e nem queria fugir.

- Boa-noite, senhor - disse ela, desferindo um sorriso apreciável, mas um tanto constrangido ao patrão. - Como foi seu dia hoje?
- Foi ótimo. Eu estava preocupado com você, sabia? - disse ele, sendo observado atentamente por Bonnie. - Como está o seu antebraço?
- Está curando, creio que amanhã ou quinta já poderei soltar esta tipoia - respondeu ela, olhando para o membro. - Eu...fiz uma janta deliciosa, e como sobremesa resolvi fazer um pavê.
- Isso é maravilhoso, não direi aquela besteira de "é pavê ou pa comê" - disse ele, rindo. - porque é bem manjado. Ah, pode entrar, Bonnie - a ruivinha foi, um tantinho apreensiva. - Bom, eu também ia te perguntar sobre o que você vai fazer com a sua vida, se vai continuar comigo ou vai embora.
- Caramba... - Joana matutou, fitando o chão com aflição, como se não tivesse refletido no tempo todo em que estava na casa. Sidney sentia-se bem em jogar confusão na cabeça dela, desferia murmúrios inaudíveis, claramente não sabia o que dizer e o que fazer. Por um momento a sensação de prazer em vê-la confusa e posta contra a parede (porra, justamente quando foi recebê-los de braços abertos...) fora jogada de lado.
- Tudo bem, vamos deixar esse papo para amanhã - disse ele, abraçando-a. Joana aceitou o abraço sem mover um músculo, e com seu rosto há centímetros do dele tentou evitar pensar em beijá-lo, sabia que ele queria. - Você está com um perfume delicioso. - A beijou.
- Por quê você está fazendo isso de novo? - indagou ela.
- Eu queria sentir o gosto da sua boca de novo - respondeu ele, novamente a beijando, desta vez de forma demorada. Enquanto isto pensara a todo o custo não passar a mão na bunda dela, até que não resistiu. A carícia a assustou, mas não cessou o beijo. Só acabaram quando ele quis, por fim, acariciar e beijar seus seios. Baixou parte do vestido. Joana queria fechar a porta para que Bonnie não visse seus seios sendo chupados, mas sua mão chegava apenas na fechadura. Dera umas arfadas de prazer, excitada, embora não quisesse. Suas mãos assustadoramente pálidas chegaram à cabeça e às costas de Sidney (ainda imerso mamando e lambendo os seios da serviçal), e ela o arranhou para afastá-lo, o que só injetou mais prazer ao sujeito, decidido a fazer sexo com ela naquela noite. Sua pequena vagina era estimulada pelos dedos grossos do indiano. Joana estava se entregando a ele, que disse - Vamos subir, vamos subir.
- E... a Bonnie, como fica? - indagou ela, deliciosamente ofegante. - E precisamos jantar.
- Isso fica pra depois, pra depois - respondeu ele, que após mamar os seios dela (conseguindo sorver um pouco de leite), concentrava-se em fazê-la gozar ali mesmo a masturbando e beijando a altura de seu tórax simultaneamente. Até que ela se afastou de Sidney para trás de tal forma que a fez escorregar da escada e cair de costas no chão. Sidney desesperou-se ao ver Joana imóvel do pescoço para baixo e fazendo força para respirar, especialmente pelo medo de ter causado algo maior que uma dor imensa nas costas, que perpassou pelo corpo como uma marretada.
- Rrrrr... - Joana engasgava em suas palavras, não conseguindo emitir uma palavra inteira que fosse. Sidney perguntou se podia erguê-la, ela assentiu e a colocou em pé em alguns segundos. Parecia extremamente frágil, tal qual uma boneca de porcelana. Bonnie reapareceu na porta, perguntando "o que aconteceu?" ao ver a serviçal de vestido bagunçado e apoiada nos ombros do patrão, respirando fundo. - Amanhã irei embora. Definitivamente.

Joana retirou-se dos braços do patrão com uma violência contida, típica de menina. Bonnie assistira ao gesto, chocada. Já tivera uma idéia de como aquilo tudo começou. Bom, desta vez não haveria apelo de menininha para fazê-la mudar de idéia. Desta fez foi a gota d’água e Bonnie não poderia fazer nada, seus choros e reclamações ao pai de nada adiantariam, pois Sidney não mexeria seus pauzinhos para colocá-la de volta, o ciclo da devotada serviçal na quinta da família Banerjee/Silvestre terminara de forma lamentável, deplorável. Joana recolheu-se ao seu quarto de empregados, descendo o solo cabisbaixa e sem ter o que dizer, além dos murmúrios ditos ao seu patrão. Sua decepção para com ele chegara ao limite do suportável, uma mulher como aquela, que em seu âmago prezava o bom relacionamento entre patrão e empregado fora ferida de forma devastadora – sem dramas – , culminando com a sua paciência esgotada. De que adiantara esforçar-se para proporcionar um excelente trabalho se era tratada como uma amante, ou algo pior, uma prostituta que estivesse apta a servir de “escape” para Sidney, saciando sua aparentemente inesgotável sede sexual? Desde a primeira vez em que presenciou tal ruptura, a ruivinha Bonnie imaginava que isso aconteceria novamente, mas sendo criança e uma pessoa a ser cuidada, recolheu-se à sua insignificância de filha, limitando-se a torcer para que Sidney superasse este jeito lascivo no qual sibila por aí, além de tentar romper a padronização de sua condição, dando-lhe conselhos – ou algo mais próximo disso. Bonnie amava os dois e desejava que, se engatassem uma boa relação amorosa e sexual, que fosse de forma menos traumática e predadora, maléfica para um dos lados – o de Joana, evidentemente – , mas não tinha idéia do tamanho do teor lascivo que seu pai alimentava. Já percebia que o indiano cultivava relacionamentos casuais por aí, certo que também o que ele quisera ter com Joana era mais um deles, um tesão que seria incluído na lista de parcerias sexuais fugazes, sem futuro. Aparentemente não se podia dar nada pela mente de Sidney, um homem propenso apenas a se divertir – isto era o que Bonnie pensava, e com este incidente só fez reforçar sua opinião – , a transar gostoso com qualquer mulher, como quase sempre foi. Tanto criticava a atuação de Cristiano no plano comum, considerado por ele um fracassado em todos os sentidos e que claro, “não pegava mulher” tanto quanto ele. Querer ter alguma coisa com sua serviçal era mais uma prova de sua superioridade perante ele e perante os mais diversos homens da capital federal – sem fazer qualquer meta estúpida do tipo “vou pegar tantas em tal tempo” – ao mesmo tempo em que cumpria seu papel de pai, aparentemente sem se importar com o que sua filha pensasse disso tudo. Esta gota d’água serviu para certificar que as pessoas não tinham obrigação em desfrutar e participar de seu desejo, assim como seu charme não era infalível. Joana também guardava sua parcela de culpa: instigara o indiano por algumas vezes, arrependendo-se amargamente depois, jogando em sua cara que a iminência da vinda de CL estava ali, à frente de seus olhos amendoados. Não ignorara, mas quisera divertir-se até a chegada da norte-coreana, debochada e extrovertida, como ele. “Por isso que se dão tão bem”, murmurou Bonnie, fitando o chão. “Acho que papai nunca teria uma relação decente de marido e mulher com a Joana, por mais que quisesse, pois são extremamente diferentes”. Era por aí. A menina não conseguiu erguer seus olhos para o semblante do pai – este, recostado próximo à porta, observando compenetrado a escuridão que engolira a mata – e de costas, sentou-se à cadeira próximo a mesa forrada de comida e bebida, carinhosamente feita pela serviçal. “Como um sujeito adulto como este pode me decepcionar dessa forma?”.

Em seu quarto, Joana trancou a porta e pôs a chave em cima do criado-mudo, próximo a uma jarra quase vazia de limonada. Lacrimejou um pouco enquanto retirava o vestido semi-rasgado por Sidney, comprado por parte de seu salário. Sentiu-se suja, pelas tentativas em colocá-la em uma boa relação com Sidney serem minadas e por ter de sair dali com um peso enorme nas costas: o peso da decepção e da vergonha, embora tivesse sido uma vítima daquilo tudo. É certo que uma vez instigara o patrão a ter relações com ela, mas um homem como aquele teria de se segurar, e só instigara porque era apaixonada por ele. Era, pois a investida a assustou. Pensando com seus botões, a acinzentada mulher imaginou que seria péssimo tornar-se mulher dele, pois certamente não daria conta do prazer sexual do sujeito, de sua libido. Segundo ela, ou seria traída ou ele se divorciaria, trocando-a por uma mulher mais capaz – não obstante CL fazia este tipo de mulher. Percebera que Bonnie fitara seu pai com um misto de desgosto e decepção, de jeito tão repulsivo que talvez seria difícil dos dois conversarem tão cedo. Bonnie, que gostava tanto dela e que indiretamente queria que fosse uma substituta da norte-coreana, viu seu mundo cair naquela espécie de – porque não – estupro. Mesmo assim, não era o fim do mundo para Joana: poderia retornar para a casa de seus pais, recomeçar a vida longe de quem foi sua referência na capital federal por muito tempo, voltar a ser uma mulher longe de compromissos domésticos, agir como uma jovem agia com a idade que tem. Constatou que não podia mais retornar àquela casa, nem como visita. Aquela casa que considerara seu lar por muito tempo, após a destituição de Ganesh. Sendo ferida pela iniciativa violenta de Sidney, achou que não conseguira ocupar o lugar de Ganesh com sucesso. Sua vontade inicial era de passar um e-mail relatando à família do patrão o que sofreu, mas – segundo ela – de que adiantaria? Retornando ao presente, resolveu não pensar mais nestes problemas e, retirada toda a roupa, tomou um banho gelado. Logo após, deitou-se de baby-doll azul-bebê e cobriu-se por inteiro, tentando não chorar novamente.

Bonnie ergueu os pequenos olhos azuis e viu seu pai de costas, estático, observando a escuridão. Parecia murmurar algo inaudível, mas ela não fez tanta questão em saber o que era e virou os olhos para a comida. Lamentou-se por não ter tido a oportunidade de jantar com os outros dois, como uma família. Talvez vivenciaria isto quando CL chegar, mas – antecipando-se – não teria o mesmo sabor. Toda aquela comida, aquela bebida...prontos para ser devorados, cheiravam tão bem e tinham uma cara tão boa...porque cargas d’água um quarentão como aquele agira como moleque em uma hora tão importante assim? E pior, era seu pai. Um pai que aparentemente cagava para os conselhos sábios da filha, acostumado a agir e fazer o que der na telha, confortado pelo bom viver, pela grana que tinha e pelos bons relacionamentos. Bonnie queria falar alguma coisa, contudo o baque fora tão forte que não conseguia soltar nada, pois perdera uma grande amiga, que com seu pai era o alento para viver bem na cidade grande. Tinha a certeza de que não sentiria o mesmo prazer de viver no Rio de Janeiro na companhia de CL.

- O senhor vai comer? – indagou ela, ainda fitando seu pai pelas costas. Queria assistir ao semblante de seu pai, passava por um crescendo de curiosidade, queria saber se ele estava chorando ou simplesmente sorrindo em relação àquilo tudo. Imaginava que ele tiraria de letra uma situação daquelas, que Joana era só mais uma e que quando ela despedir-se da quinta um peso nas costas seria retirado. Qualquer um sabia que Sidney poderia pensar daquela forma. Bonnie começara a sentir fome, pois seu estômago nada tinha a ver com aquilo. Queria sim comer, com ou sem seu pai, mas no fundo queria ser acompanhada por ele na refeição.
- Sim, vou comer – respondeu ele, virando o rosto para ela. Bonnie notou que o indiano não sofrera qualquer alteração em sua face, nenhum resquício de lágrimas, seu rosto ostentava o mesmo relaxamento de sempre, o sorriso no canto da boca, como se indicasse que tudo estivesse bem não obstante o que passou em poucos minutos. Sabe-se lá se olhava para Bonnie de cara limpa no intuito de impressioná-la, dar uma sensação de invulnerabilidade, sabendo que ela interpretaria como insensibilidade. Já estava decepcionada pelo ato dele, movido pela insistência em querer levar Joana para a cama. Claro que se pudesse melhorar o jeito de ser de seu pai faria isto desde a primeira vez que se viram, na Inglaterra, onde o gaiato envolveu-se em um relacionamento fugaz com duas mulheres, em um dos pubs de Bristol. Aturar seus modos inconseqüentes desde a primeira vez que se viram demandava paciência extrema, mas aturar duas pessoas portando modos inconseqüentes poderia ser demais para uma pré-adolescente tranqüila e centrada. Por um momento, achou que o ingresso no período integral da escola mataria a questão, mas não estaria lá 24 horas por dia (sem contar que a convivência com seu pai era necessária, pois, apesar destes problemas não tratava-se de um bicho de sete cabeças). Então, teria de conviver com o pai mais cedo ou mais tarde.
- Eu nem sei o que dizer, acho que tropecei novamente, certo? – indagou ele, olhando para a filha, tentando implantar seriedade em sua expressão. Foi para o outro lado da mesa farta e ajeitou a cadeira para sentar-se. – Me desculpe... me desculpe mesmo por ter feito isso. Novamente agi como um verdadeiro imbecil.
- O senhor deve mais desculpas a ela do que para mim – suspirou para ele, virando seu corpo e a cadeira para a mesa. – Se eu fosse o senhor pediria desculpas a ela e acredito que fará isso, amanhã de manhã, antes dela ir embora é o momento perfeito. Por favor, não esqueça – cada vez mais que falava com ele a sensação de mal-estar pulsava irritantemente, provando estar solidificada em seu coração, pois era uma vergonha ver o pai agir como moleque pela enésima vez. Não queria falar tanto. – A Joana não dará mais nenhuma chance para o senhor depois dessa.
- Eu sei disso, estou desolado – não, não estava – Não queria jantar sem a presença dela, mas pelo jeito não podemos fazer mais nada. Me disse que ia embora definitivamente...pelo jeito temos de esperar CL chegar para finalmente formarmos uma família. Falta apenas 3 dias, três míseros dias para esta casa encher-se de alegria, mas não estou maldizendo a presença de Joana, longe de mim – explicou, esquecendo de pôr comida no prato – , mas com CL a estrutura... espiritual e sentimental da quinta ficaria melhor, bem melhor.

Bonnie serviu-se sozinha, impedindo que seu pai a ajudasse, sem emitir palavra alguma. Mordia os próprios dentes e comprimia sua boquinha com sofreguidão, segurando suas lágrimas, no intuito de não fazer seu pai enchê-la de preocupação e perguntas, pois não queria conversar com ele, e com razão. Como dizia, “estava de mau” com a pessoa que mais amava na vida. Após arrumar seu prato, comeu sem olhar para Sidney, que puxou assunto.

- Entendo perfeitamente que você não queira me encarar, também não irei insistir para que fale comigo. Melhor dizendo, vou comer lá fora – disse ele, pegando seu prato cheio, levantando-se e direcionando seus passos para o jardim da quinta, onde sentou-se nos degraus da escada (a mesma escada onde estava aos amassos com a serviçal) e jantou, cabisbaixo. Bonnie prosseguia alimentando-se na mesa, servindo-se de suco e matutando sobre o que fazer quando Joana fosse embora dali, mas não havia muito o que fazer além de continuar se comportando como uma filha comum.

Após a janta Bonnie pôs a louça na pia para lavar, abriu a água e limpou tudo. Neste meio tempo Sidney chegou e tentou impedi-la, mas sem sucesso. Sua filha encarava a lavação de louça como uma terapia, queria se ocupar com alguma coisa útil antes de ir para o quarto dormir. Pensou que não custava nada ajudar a limpar, já que a saída de Joana estava certa e – se Sidney quisesse – eles ficariam sem serviçais por um bom tempo. Se ele quisesse contratar outra serviçal que fosse um homem ou uma idosa, alguém que não atiçasse o desejo sexual do pai. Bonnie teria que preparar sua cabecinha para a sucessão de dores que a acometeriam no futuro.

Sidney morria de vontade em descer para o quarto de Joana para vê-la e conversar com ela, desculpar-se pelo ocorrido, mas tinha a certeza de que seria mal recebido – começando pela porta possivelmente trancada, pensou ele. Como qualquer ser humano magoado com o outro, teria de esperar certo tempo para a loura serviçal relaxar e para ele, algumas horas seriam o suficiente. Também tinha a certeza de que Joana não sairia dali sem falar alguma coisa com ele, e Sidney teria de se agarrar a esta oportunidade como única. Começou a sentir-se mal por dentro, e quando qualquer pessoa poderia pensar que estava sendo vítima dos sinais de remorso, tal dor acometida no peito do indiano se dissipou em 2 minutinhos, pois se achava certo na situação, embora tivesse agido como um animal no cio. Reconheceu que errou, mas estava firme na acusação de que ela tinha fomentado seu tesão há algum tempo, embora demonstrasse repulsa em dois momentos traumáticos – ao fugir da quinta, culminando com a amputação de seu antebraço e no momento em que caíra da escada, dando por encerrada a relação conturbada que tinha com ele. Se achou ainda mais certo ao notar que quando Joana perguntou para ele “E Bonnie, como fica?”, como se fosse se entregar completamente ali mesmo na escada, caso a ruivinha não estivesse prestes a vê-los agarrados. E quando Bonnie os flagrou “agiu como uma falsa, afastando-se de mim como se eu estivesse disposto a estuprá-la, quando na verdade ela queria transar”. Concluiu que Joana não merecia sua pena, sequer suas desculpas, e que se realmente puxaria o carro dali o problema seria todo dela. “Vagabunda”, pensou.

Bonnie foi para o quarto sem falar com Sidney, que não se esforçou em tentar convencê-la de que uma birra daquelas de nada adiantaria. Compreendeu o porque dela agir de jeito tão distante. Como ele não estava com sono, foi para a sala de estar e ligou o televisor, retirou os sapatos – deixando-os largados no piso – e fechou as enormes cortinas que proporcionavam visão do jardim da quinta. Queria ouvir um disco do No Doubt, mas fora acometido pela preguiça, sem a menor vontade de procurar um cd, limitando-se a fazer umas pipocas para assistir os noticiários e os filmes. Antes de montar acampamento em frente à televisão, rumou até o quarto onde Bonnie preparava-se para dormir e flagrou-a usando uma camisola rosa-claro tremendamente transparente e pequena. Seus cabelos foram soltos e um tanto lavados mostravam beleza com seu brilho casando com o brilho natural oriundo da lua. As luzes estavam apagadas e o rádio-relógio sintonizado em uma rádio AM que tocava debates naquela hora. Bonnie realmente estava linda em um momento íntimo como aquele, e antes de entoar qualquer som vindo de sua boca, Sidney dera batidinhas carinhosas à porta, com a intenção de amolecer o coração de sua filha a partir daquilo. Bonnie ergueu os olhos claros para ele e por um momento Sidney mostrou-se impressionado ao encará-la ali. A luz da lua e a escuridão parcial do quarto deram um tom sombrio ao encontro. Os olhos dela observavam Sidney como olhos de gato, justamente o que fez ficar impressionado. Bonnie nunca esteve tão bonita e soturna daquele jeito. O indiano teve que se segurar para não abraçá-la e – para ganhar seu coração novamente – dizer que estava errado, como ele já havia dito. Mas, se conteve e entendeu que poria tudo a perder se forçasse a barra.

- Não se esqueça que suas aulas começam amanhã, coração – disse Sidney, encostado com o peito na porta, para a menina. – Te acordarei às 6:00, certo? – nada respondeu a guria. – Boa-noite, amor.

Sidney fechou a porta com cuidado, não queria desmontar todo o clima taciturno. Ao descer as escadas ouviu a mesma sendo trancada. Sentiu uma pequena pontada de tristeza, não forte o suficiente para acabar com o sorriso no canto do rosto. Estava convencido de que tudo se resolveria no dia seguinte e se Bonnie persistisse com a cara de poucos amigos relaxaria naturalmente com o passar dos dias. Não teria como desvencilhar-se dos olhos do pai durante todos os dias. Mais relaxado, pegou um cobertor e trouxe até o sofá da sala de estar, onde voltou a assistir seus noticiários, logo depois ainda estaria apto a dar uma olhada nos filmes. Planejava dormir ao sofá, como quase sempre fazia – e fazia por prazer puro e simples. Pensou em Joana, o quão ela estaria chorando as pitangas em seu quarto – segundo ele – e quão almejava voltar com o rabo entre as pernas para a casa de papai e mamãe. Se não podia tê-la de fato não seria problema. Nem a decepção de Bonnie seria problema, pois – segundo ele – relaxaria de qualquer jeito. CL viria cumprir o papel de mãe, finalmente, até que o semblante esquálido e platinado de Vlada Deslyakova pousou em sua mente, com a modelo jurando que retornaria no futuro. Refletiu que CL tinha data para retornar – conforme o escrito na carta – e que Vlada andava sumida e aparentemente sem perspectivas, sem data certa para voltar. E ele andava mais preocupado com a russa que com a norte-coreana, portanto, levantou-se do sofá com um salto e correu para ligar o computador. “Talvez, ela tenha mandado algum email”, disse para si mesmo, enquanto ligava o aparelho freneticamente. Logo, deu uma olhada em seu email. Nada, além dos mesmos spams de sempre – spams estes que tratou de deletar. Entrou no MSN e nada, nenhum contato online, além dos seus fãs. Pensou em ligar para Júlio Valeretto, agente de Vlada, perguntando sobre a mesma, e foi isso que fez: pegou o celular e discou. Júlio atendeu em apenas 2 toques.

- Boa-noite, Sid! – disse ele, gritando. Sidney notou que certamente seu amigo gordo e barbudo estava em alguma boate. – E aí, tudo bem contigo?
- Tudo bem, cara... e nem precisa dizer como minha filha está, está adorando morar aqui no morro do Castelo – respondeu ele. – Bom, em qual país você está?
- Estou em Nova York, cara! – bradou ele, enquanto ria. – Aposto 50 dólares que você quer saber sobre a Vlada.
- Obviamente, ursão, mas antes disso quero saber como você está.
- Ei, não precisa fingir preocupação, pode ir direto ao ponto comigo, hahaha.
- Na mosca, hein?
- Bom, Vlada não está comigo aqui, está em outra festa, dentro do hotel Hilton, um tanto mais comedida que essa, se você sacar – contou ele, sob muito barulho. – Ela deve ter te dito que retornaria, mas está com a agenda cheia de trabalho, talvez apareça aí no Rio no Fashion Rio deste ano, que é em novembro e no São Paulo Fashion Week, que é na segunda semana de novembro. Nestes eventos é provável dela aparecer, não tem outra. Depois dessa, só no ano que vem.
- Caceta, mas estamos no começo de agosto! – exclamou o indiano, fitando o chão.
- O que custa esperar alguns meses, Sid? Não vai morrer por isso e ela não irá te dar um cano, é uma pessoa responsável e não costuma enganar quem confia na garota. Sei que você está querendo ficar com ela à sério, haahha... justamente você, um pegador que eu considerava incorrigível, apaixonado por uma magrelinha inexpressiva e que possivelmente não faria a menor falta para ninguém se morresse.
- Claro que penso diferente de você, não acredito que seja uma pessoa de todo inútil... bão, disse a ela que fará parte de minha família, sem o melhor galho. Acredito também que minha filha irá gostar dela e vice versa, quando Vlada ficar comigo esquecerei todas as mulheres que eu poderia pegar. É até meio coitado dizer, mas quero ficar com ela a sério, não estou medindo esforços e Vlada está acreditando em mim, estou fazendo minha parte, agindo como um florzinha apaixonado, algo que normalmente não faço. Acha que embaixo daquela carcaça russa que ela tem preferia ficar congelando no cu da Sibéria, cara?
- E porque não? Olha que conheço uma pá de modelos que pensam em voltar pros seus países frios depois de tudo – disse Júlio, que procurou um local mais reservado e silencioso para conversar com o amigo. – Não poderia esperar que ela fosse diferente, sério. Esse tipo de mulher não impressiona em nada e ao mesmo tempo te digo para tomar cuidado com ela. Não que seja perigosa ou algo semelhante, mas porque você pode se arrepender das suas promessas, mesmo não indo com muita sede ao pote. Pelo menos em frustrar, as modelos são mestras, fica de olho no seu rabo!
- Beleza, estou sabendo disso. Se ela não vestir a camisa e mergulhar de cabeça na minha proposta, o que posso fazer além de colocar minha viola no saco e voltar ao mesmo cotidiano de sempre? Não tenho problemas quanto a isso – explicou Sidney, esfregando a sola no peito do outro pé – minha prioridade é dar uma vida decente e vencedora à Bonnie, pelo menos isso sei que estou fazendo magistralmente. Só que não vou poder carregar o bujão nas costas sozinho, preciso de alguém, preciso de uma mulher que eu esteja gamado ou que eu fique gamado, e antes que me pergunte, não, não sinto isso em CL. Justamente por esta situação que escolhi Vlada para ser a senhora Silvestre, filho.
- Se você não sente nada pela japa, porque não manda ela dar um rolé de vassoura? – indagou o gordo, aconchegado em um sofá negro de superfície arranhada, certamente por gatos. – Por outro lado ela parece ser a que melhor entende suas anomalias e certamente entenderá as de sua filha, que são iguais às suas. Sem contar que parece ter uma boa disposição para transar que, meu pai, se eu fosse hétero não largaria esta mulher de forma alguma! Cansou dela? Se conseguir de fato uma carne nova irá dispensá-la depois que usar bastante?
- Ué, isto não é feito normalmente por todos os seres humanos? A gente cansa de alguém e procura outro, não existe nada mais simples do que isso – disse Sidney. – E ultimamente estou primando pelo compromisso, já que estou na meia-idade e sem a mesma disposição de sempre e Bonnie está aí para eu cuidar até que seja dona do próprio nariz. Bonnie não gosta de CL, nem precisa me dizer isso porque sei que não gosta. Não quero discussões nesta família, e creio que Vlada daria uma mãe mais amorosa e dedicada que a outra, que já me largou uma porrada de vezes. Disse que tá pra voltar daqui há 3 dias, certamente irá encostar a carcaça amarela na minha cama, vai comer e beber, e depois sair fora de novo, porque deu a louca. Como disse, não quero desavenças nessa família, então, vou mandar o papo reto quando chegar.
- Meus votos são para que Vlada realmente fique contigo, pois sei que você... está desgostoso com a vida que leva, errei? – indagou Júlio, pondo seu amigo em certa aflição. Sidney entregou-se a partir do momento em que nada respondeu após a pergunta. Fitou o chão com indignação, sua boca formigara, seus dentes afiados tremiam e a língua enrolara como uma serpente rósea, recolhida no fundo da toca. Se achava tolo por ter sido “dobrado” pelo profissional da moda assim como fora pela diretora da escola da ruivinha. Por um momento, se achou fácil demais em ser posto no bolso por pessoas aparentemente mais inteligentes que ele, que apesar de tudo se achava inteligente. Mas, para onde esta inteligência teria ido? Estava representada pela excepcional destreza com que persuade e devora as mulheres? Representada pelo amor sincero e destrambelhado que nutria por sua herdeira? Pelo jeito voraz e seguro com que fazia sexo? Sidney afundava em pensamentos rápidos, em especial ao ouvir uma faixa da banda MGMT tocando no canal da televisão. Mas, pensou que não poderia perder tempo em suas reflexões enquanto seu amigo prosseguia com a conversa pelo telefone, não queria deixá-lo no vácuo.
- É, tô desgostoso com a vida que levo, mas no que condiz à parceira fixa – respondeu ele, acalmando-se. – Sabe que eu tenho muitas amigas e colegas fora e dentro do ramo onde trabalho, mas não quero passar a batata quente para elas... sem contar que muitas não desejariam isto, são bem mais novas que eu e têm uma vida toda pela frente... daí, você poderia me perguntar se Vlada, com 23 aninhos, não poderia dar conta do recado. E porque não? É justamente o que deseja fazer após seus milhares de desfiles. Se quando estiver levando minha filhota para a escola e pintar um arrependimento, entenderei com perfeição. Mas, creio que até lá já teríamos tido bons momentos como pai, mãe e filha. Embora não parecesse quase o tempo todo, ela me passou uma relativa segurança.
- Espero realmente que ela não se arrependa. Ei, peraí, só um instantinho – disse Júlio Valeretto, que notou seu outro telefone celular vibrar no lado esquerdo do bolso. Notou que era justamente Vlada quem chamava – Hahah, você ligou numa hora certíssima, querida! – bradou Júlio, ainda com o outro celular no ouvido. – Advinha quem está falando comigo do outro, lado? Advinha???
- É quem eu estou pensando? – indagou Vlada, sussurrando. Emanava deboche em sua voz, fazendo o coração de Sidney bater mais forte. – O meu querido stalker?
- Quer falar com ele pelo MSN? – perguntou Júlio, alegre. Sidney, que ouvia tudo, tornou-se tenso, como um moleque.
- Pode deixar que vou entrar no MSN agora e falar com ele, faz um bom tempo que não uso a webcam – disse ela, sem alteração em sua voz. – Fale para ele que vou entrar agora, certo? E muito obrigada a mim por ter ligado para você agora, hahaha. Até me esqueci o que tinha para falar. Amanhã conversamos mais, até lá com certeza me lembrarei.
- Disponha, czarina, até amanhã – despediu-se o estilista. Depois, voltou-se para Sidney. – Sid, você ouviu, certo? Ela vai entrar no MSN e falará contigo, eu terei de desligar, pois chegou meu namorado e ele está com uma tequila nas mãos doida para ser bebida, e com aqueles malditos cigarros mentolados. Preciso ir mesmo, até porque vai começar a tocar Fatboy Slim e preciso me jogar na pista nesta noite. Boa semana! – disse ele, observando um moreno atlético com um justo terno branco e segurando dois drinques carregados. Ele sorria com simplicidade. – Fui! – finalizou, guardando os celulares no bolso e abraçando o sujeito ao mesmo tempo em que tomava a tequila da mão dele. Sidney jogou o telefone na mesa próximo ao monitor e entrou no MSN, onde Vlada estava online. Tanto ele quanto ela ligaram logo a Webcam e ajustaram o microfone. As caixas de som de ambos estavam ligadas no último volume e Sidney diminuiu o da televisão, onde no momento passava um clipe da banda Blonde Redhead, com a faixa “Equus”. Sidney manteve-se tenso, mas diminuiu quando Vlada apareceu na câmera trajando uma camisa de manga comprida azul-bebê e justa, evidenciando o contorno de seus seios. “Não está usando sutiã”, notou Sidney, excitando-se. A garota tinha os louros cabelos soltos, seus lábios sem batom e seus olhos, mais azuis do que nunca.
- Oi, amor – disse ela, docemente. Vlada sentava em uma cadeira negra, com as pernas cruzadas e os pés desnudos. Ao seu redor, beliches, duas meninas dormindo nelas. – Eu queria mesmo falar contigo nestes dias, mas estive tão ocupada que não consegui encontrar um tempo para isso – disse ela. Sidney a observava, como se estivesse estudando suas expressões para ver se mentia ou não.
- Tudo bem, o importante é que você tá falando comigo agora – disse ele, tornando-se seguro. – Você trabalhou bastante, certo? Julião me disse que você irá voltar para o Fashion Rio em novembro, certamente estarei aqui, mas você já deve ter pensado na possibilidade de me ver, né? Afinal, nem por 1000 anos você perderia a oportunidade de beijar esta boca, sei que adorou o nosso encontro como ninguém.
- E adorei mesmo – respondeu ela, rindo gostosamente. – Pensei em você, pensei em nossos ótimos momentos, em tudo o que passamos naquela noite deliciosa e confesso que estou querendo uma repetição, mas na hora certa, você sabe que quando vir a hora certa não poderei mais cessar. Eu contatei meus pais lá em Omsk e contei sobre ti e sobre a influência que tem aí no Rio. Tinha que ver, meus velhos têm uma impressão bem clichê sobre o Rio de Janeiro, o Brasil como um todo. Vocês são felizes e receptivos, gostam de brincar e fazer piada dos demais estrangeiros, mas se aborrecem quando alguém devolve na mesma moeda. Têm macacos e cobras pululando pela cidade grande, além de um povo zumbi para ninguém botar defeito. Ou seja, pensam a mesma coisa que pelo menos 60% dos demais estrangeiros acham, mas mesmo assim, disseram, se eu realmente estou tendo a pretensão de ficar com alguém daqui a melhor coisa seria se mudar daí, para não ser... ahn...”contaminado”.
- O que? – indagou Sidney, surpreso. – Vai me desculpar, mas... isso é uma baboseira. Eu adoro este país, especialmente por ter me recebido muito bem quando deixei meu segundo domicílio, lá em Bristol. O povo brasileiro não costuma ser xenófobo, qualquer estrangeiro pode morar aqui e o fato de termos macacos e cobras circulando em nosso quintal não quer dizer nada, além de estar em um local exótico. Eu nasci em um local considerado exótico, lá na Índia, no estado de Kerala. Aposto que seus pais teriam um ataque do coração se tivessem de montar num elefante. Foi uma das primeiras coisas que aprendi a fazer.
- Entendo, mas você pensa que considero todas as coisas que meus pais dizem sobre os outros? – perguntou Vlada. – Claro que não. Eles nasceram em Omsk e morrerão em Omsk, têm uma mente fechada e retrógada, o que posso fazer para mudá-los? Eles gostam, se acostumaram a viver desse jeito. Às vezes penso que é necessário ser idiota para viver melhor, mas simplesmente não consigo regredir à este estado. Não se preocupa, tá? Não vou bandear pro lado deles em relação a isso, os amo muito, mas sei separar as coisas. Eu quero ficar à sério com você – ao afirmar isto, Sidney tentou a todo o custo ocultar seu sorriso. – Agora, me responda uma coisa. Sua filha, ela está bem em sua casa?
- Está ótima – respondeu, com convicção. – Está reaprendendo a viver numa cidade grande e já a matriculei em uma boa escola, poderá estudar e participar das atividades em tempo integral, vai aprender bastante para tomar meu lugar no futuro. Bonnie me lembra a criança vampiro Claudia, do livro “Interview with the vampire”, sabe? Eu a amo pra caralho, e ela é uma pessoinha educada, não é levada e é responsável... sem contar que me dá tantos conselhos sobre como eu deveria agir que me deixa constrangido de vez em quando!
- Uma adulta bem pequena – disse Vlada, gargalhando. Sidney sentia-se nas alturas ao presenciar sua amada rir de forma tão espontânea e natural, aparentemente sem resquícios de falsidade ou sarcasmo. Vlada quase caiu da cadeira e precisou arrumar sua bunda no centro da mesma. – Eu gosto de crianças assim, mas crianças “crianças” costumam ser interessantes, também. – Sidney quis fechar sua expressão ao ouvi-la dizer isto, mas não conseguiu. – As películas costumam mostrar crianças com personalidade adulta mais para impressionar e para deixar a personagem mais bacana aos olhos do grande público, é um chamariz para prêmios. Já vi tantas crianças adultas em filmes que...
- Está me dizendo que você enjoaria de Bonnie? Não é possível – disse ele, a interrompendo. Vlada percebera a tensão em seu rosto.
- Claro que não, fica tranqüilo, amor. Acabei cometendo um erro colocando tudo no mesmo bojo, mas cinema e vida real são coisas diferentes – respondeu ela, gesticulando com suas mãos pálidas e ossudas. – Mas, minha concepção de criança perfeita seria a que você poderia abraçar, cantar para fazer dormir e acariciar sem que ela pensasse em coisas como... se eu não comprei filé mignon para a janta ou se comprei miojo, ou então se estivesse me estudando, procurando algum defeito para colocar em mim, despejar da sua boca em direção a mim num momento de raiva...parece que tenho medo deste tipo de criança, mas não, vou saber passar por isso quando estiver convivendo com sua filha.
- Eu sei disso, mas é muito bom ouvir o que você acha a respeito disso tudo. Gosto de pessoas transparentes e gosto ainda mais de você por se encaixar nesta qualidade – disse Sidney, retornando à tranqüilidade. – Bonnie é perguntadeira mesmo, questiona, dá uma aula em certas coisinhas, mas é uma excelente amiga. E melhor, tem as mesmas peculiaridades que eu, o que nos torna ainda mais próximos um do outro!
- Ela também dorme embaixo da cama, como você? – perguntou a lourinha, rindo. – Nossa, vou me sentir péssima se não entrar na dança logo de uma vez.
- Nós dois temos caixões. Preciso comprar um novo para ela neste fim de semana, não me esquecerei disto – respondeu ele, com simplicidade. Retirou uma caneta preta que descansava acima do monitor e sua agenda exatamente no sábado daquele mês, escrevendo “Comprar caixão novo para Bonnie”. – Quer que eu compre um pra você também ou ainda pretende ficar na cama?
- Uma coisa de cada vez, não? – indagou a russa, colocando a mão na boca para abafar o riso. – Er...se eu voltar e ficar contigo de uma vez, você pretende realmente acabar com suas...ah, como se diz aí? “Galinhagens”?
- Sim, você sabe disso – respondeu ele, com firmeza. – Sem contar que a idade está pesando, está certo que não aparento ter 40 anos, mas antes mesmo de você não aparecer em minha vida já pensava a respeito disso. E também em respeito à Bonnie, era algo que eu deveria ter feito há muito tempo, querida.


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Mensagem  Admin Qui Ago 05, 2010 1:32 am

- Que bom – respondeu ela, sorrindo abertamente. Por um momento Sidney se via minimamente incomodado por vê-la sorrir tanto, já notara que não era de seu feitio mostrar tanto os dentes. Não aparentava bebedeira, e não podia saber se tinha cheirado cocaína novamente. Talvez apenas estivesse feliz, ou algo próximo disso, feliz por vê-lo, embora estivessem apenas há poucos dias separados desde o encontro que tiveram, numa sexta-feira. Sábado foi o dia de Sidney buscar sua filha, mas para ele os pouquíssimos dias em que estiveram distanciados pesavam em seu coração como meses. Vlada já matara sua desconfiança. – A impressão é que... você me parece mais pensativo do que antes. Creio que está pensando em alguma coisa, mas tem medo de falar pra mim.
- Bom, é que estou te vendo bastante feliz, mas não estou te acusando de nada, querida – disse ele, recostado totalmente à cadeira.
- Acho compreensível que esteja desconfiado, pois normalmente não costumo rir tanto – disse ela – é que o meu cachê foi aumentado, mesclado com a vontade que eu tenho de vê-lo... – Sidney começara a encarar o desejo de Vlada em vê-lo como algo forçado, pois não notava sinceridade em seus olhos. Sua vontade era de espremê-la até contar o que realmente estava acontecendo, mas pensava que questioná-la pela internerd não daria em nada, simplesmente Vlada poderia aborrecer-se e desligar a webcam, despedindo-se dele. Claro, sua intenção era manter a conversa com ela, mas sua mente absorvera mal o “mesclado com a vontade que eu tenho de vê-lo”... fora CL são poucas as mulheres que demonstram empatia e adoração sincera por ele. O mundo era uma merda e o indiano aprendeu a domá-lo. Mesmo assim, ele ainda teria o tempo todo para analisar a situação sem pressionar sua amada.
- Você ainda prossegue esquisita – disparou ele, descansando o queixo na palma da mão, aproximando-se do monitor. – Tem certeza de que não está usando alguma coisa? Não tô querendo te pressionar, estou apenas fazendo uma pergunta.
- Só tomei um coquetel, mas está tudo bem, sou uma pessoa inofensiva – assumiu ela, fechando os olhos enquanto falava. O desejo de Sidney em castigá-la a imobilizando no chão, beijando seu pescoço enquanto transava com ela irrompia em seu interior, e ele não pôde deixar de excitar-se com isto. Vlada apresentava-se ao mesmo tempo divertida e sensual, uma pessoa mais apreciável aos olhos dos que amam ter mulheres sob seu jugo. Foi a deixa para que pensamentos sexuais invadissem seu repertório.
- Ok, ok, vamos mudar de assunto – disse ele, com rapidez. Abaixou a calça silenciosamente, provocando curiosidade na russa. – Vamos fazer uma coisinha? Acredito que você irá gostar de fazer, pois vai se divertir, também.
- Eu sei no que está pensando, querido – sussurrou ela, pondo a mão direita dentro da camisa azul-bebê de manga comprida e acariciando seus seios pequenos. Olhou para as meninas atrás dela, ainda dormindo nas beliches. Do outro lado, Sidney pôs a calça abaixo na altura dos tornozelos e abaixou também a cueca. Vlada estava disposta a seguir qualquer uma das ordens do indiano.
- Por favor, levante-se e se masturbe – disse ele, já com o pênis na mão esquerda. Olhava para o topo da escada, temendo ser flagrado. Como queria resolver logo, tratou de apressá-la. – Fique com a vagina bem perto da câmera, sim?
- Tudo bem, se prepare – respondeu a russa, levantando-se, tirando a calcinha branca e aproximando-se da câmera, dando zoom na visão de sua vagina de escassos pelos avermelhados. Sidney lambeu os lábios, arrastando a cadeira alguns centímetros mais próximo do computador. – vou começar – sussurrou a modelo, pondo o dedo médio direito dentro de seu órgão sexual, iniciando movimentos de vai-e-vem vagarosamente e aos poucos aumentando a velocidade. Sidney acompanhava tudo masturbando-se e aproveitara para abaixar um pouco suas caixas de som, do modo que pelo menos os gemidos de Vlada tornassem audíveis apenas no local onde estava. E quão doces eram os gemidos daquela mulher, recordando o momento em que a carne de Sidney fora penetrada nela, ambos se divertiram e se desejavam, assim como se desejavam no momento em que se tocavam em frente aos computadores. Sidney não pôde ver, mas Vlada virava o rosto em direção às meninas que dormiam durante quase todo o tempo, pois, evidentemente, não queria ser flagrada. Mesmo assim, seus pensamentos em relação ao parceiro (imaginava-se de lado, sendo penetrada por ele) não se dissipavam, pois meio que observava as meninas. Sidney estivera tão envolvido em sua punheta que já não conseguia virar o rosto em direção ao topo da escada, já estava convencido de que Bonnie não apareceria. Vlada juntava e parecia querer espremer as pernas umas nas outras, obtendo mais prazer neste ato, e parecia ter conseguido, gemendo um pouco mais forte e em movimentos mais frenéticos com o dedo. “Eu estou chegando lá”, suspirou ela, enquanto Sidney ainda vinha um pouco mais atrás.
- Tá muito gostoso...continua, deliciosa, continua – grunhiu ele, ofegando menos que ela. Sua mão ardia com os movimentos, até que ele acompanhou Vlada aproximando ainda mais a vagina da câmera até chegar ao orgasmo, comprimindo seus olhos e emitindo um gemido arfante que logo foi contido. Sidney teve uma ereção segundos depois, sorrindo de cabeça abaixada, observando seu esperma derramado a dezenas de centímetros de seus pés. – Estou doido pra que você volte, amor – disse ele, vendo Vlada colocar a roupa de baixo com rapidez. – Você...tem alguma idéia de quando irá encerrar suas atividades?
- Eu ainda estou pensando bastante... espere um momento – disse, para ajeitar a calcinha – estou pensando bastante. Já tenho um bom patrimônio pessoal, estou dando do bom e do melhor aos meus familiares, então já posso me preparar para largar tudo... muita gente já me perguntou porque eu faria isto em tão pouca idade, mas eu sempre tive uma idéia da Moda como algo que não se podia adentrar tão fundo e permanecer. Eu nunca quis permanecer até aos 30 anos desfilando, experimentando as mais variadas roupas, se divertindo com pessoas que não veria novamente, entre outras coisas. Sempre achei que... deveria pavimentar um futuro simples de uma vez, para não ter dores de cabeça na hora H, sabe? Por isto mesmo que pretendo terminar meus dias com uma pessoa capaz e que tenha a mesma sintonia que eu. Eu... procurava por isto, embora não parecesse. Já falei com algumas meninas sobre tudo isto, Júlio me dá certo apoio, ele me deixa atualizada sobre o que você está fazendo, pois é um de seus melhores amigos, certo?
- Isso mesmo, fico feliz por você ter um dos meus por perto – respondeu Sidney, sorridente. – Então, você está prometendo alguma coisa para mim?
- Hum... não. Não posso prometer, sabe disso, não quero decepcioná-lo – respondeu ela, firme. – Mas, antes de 2 anos estarei terminando tudo, mas sempre terei oportunidades para visitá-lo, querido, como agora em novembro. Naturalmente eu não fico com ninguém, mas infelizmente não posso dizer a mesma coisa de você... é capaz de se dedicar somente a mim? Porque fazendo isso seria uma prova do seu amor.
- Você sabe que tenho problemas com isto, mas estou me esforçando bastante – respondeu ele. – E não vou cessar com meus esforços.
- Mas aposto que não é o suficiente – disse ela, fitando-o. Vlada não sabia que após a despedida Sidney tinha transado com a ruiva e gordinha Margarete, familiar de Bonnie, em Paty do Alferes. E que vivia se agarrando com suas empregadas, como as irmãs Riana e Rihanna. Ao fitá-lo sem emitir palavra alguma, tentava prever o que o indiano falaria e que, não obstante seus galanteios, facilidade de persuasão e alegria contagiante, era um sujeito que vivia de mãos dadas com a futilidade, um sujeito relativamente fácil de ser posto contra a parede. Até poderia impressionar com algum truque na manga, uma personalidade oculta, mas na maioria das vezes agia como um moleque crescido.
- Não, não é – concordou Sidney, cruzando os braços. – Está certo que não terá como você monitorar, mas mesmo assim farei minha parte. Por você, está bem?
- Isso mesmo, eu naturalmente faço minha parte. Vai ser muito bom se passássemos a confiar uns nos outros. Olha, eu estou com sono e pretendo dormir, porque amanhã terei um dia intenso de trabalho. Eu vou te mandar um presente, mas peço que não fique tanto na expectativa, querido.
- Sem prob... – Sidney mal respondeu Vlada, que saiu da Webcam e do MSN subitamente. Esperou 10 minutos para que a russa retomasse o contato, mas não voltou. Então, Sidney levantou-se da cadeira, foi à cozinha e pegou um pano, balde com água e um detergente para limpar o sêmen deixado no chão. Após colocar tudo no lugar, desligou o computador e tirou seu chinelo, colocando-o nos bolsos de trás. Tramava alguma coisa, pois ainda não estava com sono, queria arrumar uma forma de se divertir até ser dominado pelo cansaço, podendo dormir tranquilamente logo em seguida. Não preocupava-se com a filha, crendo que Bonnie estaria dormindo pesadamente, de forma a não despertar e a não persegui-lo na calada da noite – e ela poderia fazer isto com naturalidade, envolvida na preocupação que nutria pelo pai – , mas como Sidney estava convencido de que Bonnie nem estivera abrindo seus olhos durante todo aquele tempo, tratou de sair da sala de estar, desligar a televisão e pegar seu cartão de crédito prateado e um maço com notas de 10 reais que deixara entocado na última gaveta da prateleira. A noite o convidava para sair para fora, divertir-se como nos tempos mais recentes, antes de trazer a filha de Paty do Alferes, e assim ele iniciou sua caçada. Saiu da sala de estar pela janela, fechando-a cuidadosamente após apagar todas as luzes do ambiente, convencido de que nem Joana sairia de seu quartinho para perturbá-lo – estava profundamente chateada por ele, que tinha a certeza de que o sono se encarregaria de melhorar o seu humor. Mal saiu para fora e seu corpo fora invadido por uma lufada gelada de vento, que logo o levou a desistir da empreitada, pois o caixão quentinho evidentemente o confortaria naquela noite. Mas, não desistiu. O vento frio persistia e parecia querer arrebentar sua pele e órgãos de tão frio que estava, ainda nevava um pouco e as estradas e ruas aos poucos eram tomadas por uma fina camada branca. Antes de fato sair para a rua subiu sem cerimônia a parede de sua casa e no topo desta, deparou-se com um ninho de pássaro, de pombos. Animais considerados inimigos da Prefeitura devido aos males à saúde humana que podiam proporcionar, além de se reproduzirem feito coelhos. Nada acrescentavam à estrutura social além de adoecer pessoas com suas penas e fezes contaminadas. Sidney já encrencara com pessoas que costumavam alimentar pombos, sensibilizados pelos animais ser representados como um símbolo da Paz. A quantidade de idosos e pessoas portadoras de distúrbios mentais que metiam-se a despejar pães, farelos de biscoitos e outros alimentos para estes animais não estava no gibi, e Sidney tinha em mente levantar uma lei que proibisse este hábito em toda a cidade. Particularmente detestava estes “ratos de asas”. Aquele momento, fustigado pelo forte vento frio, estava sua oportunidade de livrar-se ao menos dos pombos que povoavam o telhado de sua casa.

Fitou-os com um sorriso sacana. Os dois pombos adultos – de coloração azul-escura arroxeada – dormiam em volta dos ovos. O ambiente onde repousavam e tomavam como lar estava suficientemente quente e aconchegante para o desenvolvimento da prole. Sidney podia sustentar seu peso na parede com a força das pernas, portanto, usou as duas mãos para matar ao menos o casal, que não notou sua presença, tampouco o ar de sua respiração. Pegou-os com as duas mãos rapidamente, guindando os dedos e as palmas nos pescoços das aves, ignorando o bater desesperado das asas e os olhos amarelos de pupilas negras, que com o corpo evidenciavam o medo. Sidney pouco se importava com aquilo, pois na infância matava galinhas sem piedade, cortando seus pescoços com facas cegas, justamente para aplicar uma morte demorada e mais dolorosa aos pássaros. Tinha ciência de que os pombos não podiam afetá-lo com seus parasitas, com qualquer doença que fosse, e em segundos, os trouxe para fora com a mesma força com que os pegou e quebrou seus pescoços, em um simples dobrar de seus polegares nos ossos das criaturas. Sentia-se como um animal irracional que acabara de caçar, agitando os braços triunfantemente, abrindo ainda mais o seu sorriso – que era pintado por um certo sadismo. Mas, ainda não sabia o que fazer com os ovos até ser assomado por uma ideia brilhante. Juntou os pombos mortos em uma única mão e pegou o ninho com a outra, terminando por descer a parede até o chão. Deixou os animais no chão e adentrou novamente à casa, onde saiu em poucos minutos, munido de isqueiro, saco plástico, faca e condimentos. Correu a mata como um tigre, em busca de gravetos. Cortava as árvores com seus passos rápidos, sentindo-se ainda mais inspirado pela neve que caía impiedosamente em seu corpo. Um momento como aquele deveria ser registrado, por isso mesmo guardava por ora a máquina fotográfica digital em seu bolso direito.

Pegou os gravetos, juntou-os e tocou fogo, após depenar os pombos, cortar suas cabeças e retirar os órgãos à faca. Temperou e assou, aguardando em uma barraca portátil amarela. Seu radinho de pilha sintonizava em uma estação de notícias, e o suco de laranja na jarra era tomado sem o uso de copo. Fotografou-se preparando a comida, deitado na barraca e fazendo pose no lado de fora. Utilizou os ovos fazendo uma omelete, que foi posta para dentro com um gosto amargo – o oposto da carne dos pombos adultos. Comeu estes dois logo depois.

Terminaria a busca aos gravetos com tranqüilidade (pensou em se aquecer melhor), caso não percebesse que estava sendo observado. Não por humanos, como já previa. Sidney percebera, de soslaio, que enormes olhos amarelos de pupilas negras o fitavam há poucos metros de distância. O cheiro do animal, sua respiração, o vento denunciava a posição da criatura para o indiano com relativa facilidade. Como ele, o animal tinha sua boca coberta por sangue quente, que já secava. Sidney virou o rosto em direção ao bicho vagarosamente e notou estar há 4 metros de distância de uma onça-pintada, espécie rara de carnívoro na capital carioca. Ameaçados de extinção, este felino fora remanejado para o interior do estado, devido o avanço urbano e escassez de sua comida preferida, que são animais selvagens de médio e grande porte. O Rio de Janeiro – a capital federal – ainda gozava de extensão territorial relativa à zona rural, mas parte destes locais eram povoados por indígenas, os tamoios – do tronco Tupi – , que já viviam em contato constante com o “homem branco” há muitas décadas. Numa destas uniões a caça às onças foi priorizada e mesmo há 20 anos atrás, quando fora proibida já era tarde demais para recolocar as onças em seu habitat natural, praticamente impossível colocá-las no mesmo espaço que os indígenas, que comparando com os velhos tempos estes dispunham de poucas terras para si próprios. Sidney correra sua mente com estes pensamentos tão rápido e se atrapalhava, pois por outro lado imaginava que talvez tivesse de se meter em uma luta com o carnívoro, crendo em uma possível perda neste possível duelo. A onça mantivera-se deitada de rosto para ele, respirando bruscamente, como sendo preparada para dar o bote no momento mais oportuno. Sidney já tivera uma experiência com animais selvagens. Caminhara no lombo de elefantes, dormira com macacos, aprendera a domesticar ursos, mas não tivera tempo – ou coragem o suficiente – para mimar tigres, felinos da mesma categoria que as onças. O que faria naquela hora? Talvez a onça sentira-se atraída pelo cheiro do sangue vindo da boca e das mãos do humano, dois seres vivos de sangue quente atentos e estáticos em meio a uma nevasca que aparentemente não tinha hora para acabar, eles tinham de decidir alguma coisa de uma vez. Foi quando a onça pintada rugiu para ele – Sidney tremera como vara de bambu, embora tenha se restabelecido rápido – e levantou-se da neve, se aproximando lentamente. Sidney queria largar os gravetos, mas ocorreu o oposto: apertou os pedaços de madeira tão forte a ponto de rachá-los, embora soubesse que poderia usá-los para se defender - e certamente teria poucos resultados sobre o corpo forte do animal, visto que gravetos não faziam cócegas nem ao sujeito. Só teve de pensar no que fazer enquanto o jaguar se aproximava, desmanchando os montinhos de neve com suas pesadas patas, com unhas afiadíssimas. “Eu vou acabar morrendo nessa porra”, pensou Sidney para si mesmo, sendo tomado pelo desespero. “Não vou poder assistir Bonnie chegar à faculdade, não vou poder me casar com a Vladinha, não vou poder ser prefeito dessa cidade, não vou poder melhorar a vida do...”, e Sidney tremera ainda mais, concluindo que suas habilidades e força não podiam fazer frente à onça, que parou em frente a ele, há poucos centímetros de seus bagos. “Não acredito que vai começar pelos meus ovos”, pensou o indiano, tentando diminuir a respiração. Percebeu que a onça cheirava seu corpo, tal qual um cachorro. A partir disto, achou que poderia sair ileso daquela.

Sidney fora farejado pela onça da cintura para baixo. Talvez, pensou, ela poderia deixá-lo viver, deixá-lo livre para seguir com sua vida. Se o felino tivesse raciocínio o indiano poderia explicar que, mesmo sendo quarentão tinha uma vida pela frente. “Aposto que a senhora gostaria de ver seus filhotinhos crescer, não gostaria? Eu tenho uma filhota de 12 anos de idade que precisa ser ensinada por mim. Sem mim ela morre, pois a vida já é dura demais para quem vive embaixo da saia dos pais, imagine para quem não tem ninguém?”.

“Que frouxo”, disse uma mulher, com voz levemente rouca. Sidney assustou-se com ela, que baforejava em sua nuca. “Vai ficar com medo de uma oncinha de nada? Se acha tão esperto, mas não percebeu que era apenas eu transformada num animal”. A tal mulher acariciava seu peitoral, provocando calafrios que fazia o corpo dele serpentear. “Olhe para mim, vire-se”.

Sidney virou o rosto e fitou uma jovem morena de cabelos presos por tranças acima das orelhas, calça balão branca, pés descalços e top negro. Suas sobrancelhas eram cortadas e seus olhos estavam em brasa. “Não diga nada, apenas me responda: irá privar seu melhor amigo da verdade? Ele está sofrendo por sua causa. Se ele ficar como você já será um ganho, não? Por que não o procura?”

- Não é sempre que eu faço caridades, mesmo tratando-se dele – respondeu Sidney. - Ele que venha até mim, agora. Falando nisso, tem uma pessoa mais importante que pode ser ajudada por mim.
- Vá até ele. Amanhã – ordenou a mulher misteriosa. Sidney deu de ombros e a mulher escancarou sua boca, mostrando uma enorme fileira de dentes, moveu seu pescoço de forma sobrehumana, esticando-o em direção ao indiano, que pulou para o lado na investida dela. Como a mulher demorava para retirar seu maxilar preso no tronco da árvore Sidney avançou até ela, que num puxão tirou a mulher e rolaram colina abaixo. Sidney conseguiu dominá-la prendendo seu pescoço, mas as duas pernas femininas golpearam sem dó as suas costas, fazendo-a soltar. Sidney alisava suas costas enquanto via a moça correr e desaparecer na neve. “Um Rokurokubi, há quanto tempo”, pensou sorrindo. “Cris está bem protegido!”

De manhã, Sidney despertara ouvindo passos fortes, que cessavam com rapidez, era alguém andando na grama e neve que fora esparramada por ali. Seus olhos vermelhos mal abriam – e imploravam para serem fechados novamente – , mas chegaram ao estado de alerta quando o indiano vira a sombra que se aproximava da barraca parar em frente a portinha. Tal pessoa tentava abrir procurando um zíper, mas este situava-se do lado de dentro, então chamou a atenção de quem estava no interior balançando o compartimento. Sidney tentou levantar-se e abriu a barraca, dando de cara com os olhos claros, o semblante pálido e os cabelos ruivos e soltos de Bonnie, que viu seu pai com parte da boca e do queixo espalhados de sangue negro e seco. “O que o senhor está fazendo aqui?”, perguntou ela, levemente assustada. “E que sangue é esse na sua boca e no seu queixo?”

- Bom-dia, linda. Estive fazendo uma caçada noturna e acabei fazendo um lanche com minhas presas – respondeu o indiano, rindo. – Achei que você fosse o Rokuro... esquece. Dormiu direitinho esta noite?
- Ah, bom-dia. Dormi, mas não imaginei encontrar o senhor aqui fora nesta barraca e neste estado – respondeu ela, pondo parte de seu corpo dentro da barraca. – Resolveu relembrar os tempos infantis, quando acampava nas florestas? Está um tremendo lixo aqui do lado, tudo espalhado...
- Não se preocupe, vou dar uma limpeza depois – disse ele, recompondo-se. Queria sair para fora, mas o corpo e a cabeça ruiva de Bonnie impedia o ato. Seus lábios arroxeados por pouco não tocaram os grossos e imaculados lábios rubros da menina, que corou ao perceber o avanço. – A propósito, que horas são agora?
- Oração é na igreja – respondeu ela, aos risinhos gostosos. Logo após, olhou seu relógio prateado. – São 6 horas da manhã. Eu acordei há 1 hora atrás, preocupada com a pontualidade da escola, mas se eu não te encontrasse, dormiria até a hora do almoço, não? Aposto que esqueceu-se da despedida... de Joana.
- Não, não esqueci. E eu já tava acordando – mentiu na cara dura. – Deixe eu subir, tesouro, e vá se arrumando, eu vou conversar com ela.
- Ela já acordou...e eu já estou arrumada – disse Bonnie, que trajava um casaco grosso amarelo, uma camisa negra de manga comprida com gola pomposa, além de uma mini-saia quadriculada e meia-calça negra. Calçava um Converse All Star e carregava uma bolsa de oncinha preto e branco, com uma grossa alça amarela. Seu cordão fora feito com conchas coloridas, certamente feita por ela mesma, e parte de seus cabelos revoltavam-se devido ao vento frio que insistira em passar por ali. Sidney ainda notara a grande presença de neve no local e chegara a conclusão de que durariam dias para que toda a crosta se dissipasse – a intensa nevasca da madrugada fora o suficiente para complicar o trânsito de bondes e carros da capital, algo que ele já sabia – e que os animais deixassem suas tocas. “Era apenas a demonstração de que a porra do inverno seria desse jeito mesmo”, pensou para si mesmo. “Os moradores de rua vão sofrer bastante com isso, é claro”, concluiu, esquecendo de retirar-se da barraca. Bonnie ainda estava no dado de fora, verificando algo no interior de sua bolsa, talvez disposta a oferecer alguma coisa a ele, até que murmurou “está tudo certinho” pra si mesma. Ergueu sua cabecinha sardenta e ruiva, direcionando-se para o paizão. – Por favor, fale com ela antes de descermos, creio que ela esteja precisando disso.

Sidney na verdade tinha dado qualquer papo com Joana como encerrado. Convenceu a si mesmo de que conversaria com sua ex-serviçal por conta dos apelos de sua filha, sempre disposta a apaziguar as coisas, sempre disposta a abrilhantar o local com suas ideias politicamente corretas, calcadas na boa convivência e na educação, valorizava as palavrinhas mágicas como ninguém. Sidney já tinha ciência de que ao menos Bonnie não cresceria sendo desbocada e decidida a povoar sua vida com relacionamentos efêmeros e pensamentos fúteis como ele. “Ainda bem”, pensou. Convicto de que sua fortuna física e psicológica ruiria ao cuidar de uma pessoa exatamente como ele, lembrou de dar graças a Deus todos os dias pela pequena ruiva galgar os bons caminhos, naturalmente, tranquilamente. De quatro por ela, fazia praticamente tudo o que lhe pedia e nunca se arrependera disto, pois seus atos nunca fizeram mal a ele ou a ela. Estava feliz em falar com Joana porque Bonnie assim queria, pois se dependesse dele a deixaria tomar seu rumo sem ao menos uma despedida fugaz e inexpressiva. Sua filha andara de mãos dadas com ele, que fitava Joana com as malas prontas, na entrada/saída da quinta. Sua expressão emanava tristeza. Sidney pensara que as coisas não poderiam terminar de forma tão lamentável – para ela, não para ele – e que ela apenas deveria transar com ele. Os olhos claros da serviçal estavam negros e amendoados, como se fosse outra pessoa. Começou a cair a neve novamente, o que levou Joana a querer apressar a despedida. Estava frente a frente com a dupla. Bonnie a fitava com aflição.

- Bom-dia – disse Sidney, sério. – Não vou dizer a você que não estou acreditando no que vejo porque você já alardeara que sairia fora, mas ainda penso que está cometendo um er...
- Não me diga o que já sei – interrompeu ela, rispidamente. Seus olhos brilhavam como diamantes negros. – Está se despedindo de mim porque Bonnie pediu, certo? Senão, nem viria? Sempre achei que fosse insensível, não precisa dizer que não, senhor. Eu até poderia voltar a esta casa se o senhor tivesse um pingo de consideração e respeito por seus empregados. Está certo que eu fomentei, mas depois não quis mais. Também não tem respeito por sua filha, porque quis transar comigo ali mesmo, em frente a porta da casa. Só pensa em safadeza, só pensa em ter prazer, isso é o que molda seu caráter, o senhor vive disso e apenas disto. O que tem é mero complemento.
- Eu concordo contigo – disse ele, calmamente. Joana surpreendeu-se ao ouvir aquilo. – Eu peço desculpas por isso, por qualquer coisa que eu tenha feito longe de seu agrado. Se quiser me processar, beleza, me processe.
- Dinheiro não significa nada, nesse caso – disse ela, pegando as malas. Um alívio deixou o tronco de Sidney tão refrescante quanto um drops de eucalipto extra-forte – Espero muito que o senhor consiga controlar este impulso maldito.
- Está falando sério mesmo, né? – indagou ele, perguntando mais pela filha que por si. – Porque se estiver, pode deixar que vou pagar o que devo ainda hoje, pode verificar sua conta depois de meio-dia.
- É sério, eu não iria me arrumar toda e pegar minhas coisas à toa – respondeu, com uma agressividade rara que chamou a atenção da ruivinha.
- Tudo bem. Estou levando Bonnie para a escola em 5 minutinhos e depois vou trabalhar. Não quer uma carona, pelo menos?
- Não. Adeus – concluiu, indo embora.

Sidney observara Joana, a loura de trajes cheios de babados, caminhar em direção ao Largo do Castelo sem olhar para trás, e seus cabelos longos esvoaçando lindamente. O indiano pôde notar que a jovem lacrimejava, por perder um abrigo no qual gostava e um chefe no qual também gostava. O problema para o patrão era que Joana pregava pelos bons costumes e pela monogamia, odiava traições como nunca e por isto não estava disposta a enfiar uma faca nas costas de CL, pessoa que sempre nutrira respeito. Bonnie foi tomada por um impulso de impedi-la de descer o morro do Castelo, de voltar para o seio de seu lar, mas temeu desobedecer o pai, que aparentava estar bem tranquilo quanto a decisão de sua ex-empregada. Quando disse à filha que não teria mais nada para fazer, recebeu como resposta: “O senhor praticamente não tentou!”. Fecharam o portão e subiram. Bonnie sentou-se no sofá da sala de estar, tomando suco de limão, encarando o chão, a testa franzida e milhões de pensamentos relacionados a Joana povoavam sua cabeça, a perturbando. Ficaria dias carregando a tormenta, pois uma amiga despedira-se da quinta. Sidney terminou seu banho de gato, colocou um terno cinza amarrotado por cima de uma camisa preta e penteou seus cabelos negros para trás. Desodorante, cueca suja, calça jeans desbotada. Não se importava em vestir roupas usadas para o primeiro dia da escola de sua filha, sua mente se via envolvida em uma nuvem cinzenta que deixara seu corpo agir de forma automática, lerda e por enquanto não podia fazer nada para melhorar. Ele poderia comemorar por sua serviçal ter ido embora, mas uma pitada de desconfiança em relação à despedida fisgou seu coração. Tinha quase a certeza de que as coisas não ficariam desse jeito. Joana tinha uma família, ainda tinha um pai e um irmão mais velho, um louro forte de 30 anos que parecia oriundo da Escandinávia, e pelo menos onde Sidney lembrava, ele trabalhava como ator de teatro, representando na maioria das vezes heróis e personagens secundários com grande destaque, em relação a força física. Da última vez em que conversaram – Sidney e o sujeito – este último não demonstrara pouca paciência, mas amargava um desemprego que lhe cortava o coração e justamente tinha aparecido para o indiano mendigando trabalho – trabalho este que obviamente Joana agarrara. Sidney detestaria ter um homem forte e jovem como serviçal – , pedindo qualquer coisa, até receber a resposta que todas as vagas estavam preenchidas e que a sua permaneceria na reserva. Mas vagas reservas nada significavam para ele, por ser acostumado a amargar este desfecho em tudo quanto era entrevista de emprego. Inicialmente achava que sua beleza lhe colocaria em empregos menos óbvios e mais expansivos que segurança e dera a volta por cima ao começar a atuar, extinguindo aos poucos sua mágoa criada pelas dispensas nas entrevistas e pela besteira que diziam durante todo o tempo – “você não vai conseguir arrumar um trabalho que não seja braçal ou de segurança, nem porte para ser modelo você tem” – , ajudando a família sempre que podia. Estava feliz também por Joana ter pego o emprego de serviçal da mesma pessoa que o dispensou. Como agiria quando esta loura lhe relatasse o que ocorreu nos últimos tempos? Sidney já refletia sobre isto, embora seu corpo agisse no piloto automático.

Bonnie ergueu o rosto sardento e viu Sidney bater a ponta do sapato no chão, dando o último toque para se julgar perfeito para sair. A ruivinha o fitou com espanto, pois não achava que seu pai se vestiria de forma tão desleixada e frugal para o primeiro dia de escola dela – naquele ano – , mas depois lembrou que depois de deixá-la no liceu iria direto para o trabalho, onde tinha liberdade o suficiente até para andar descalço, se quisesse. Mas, como sua mente andava enevoada isto refletia em seus olhos, sonolentos e inexpressivos. Bonnie rapidamente percebeu a condição esquisita de seu pai e impediu que ele retomasse o caminho, pegando-o pela cintura e deixando-o sentado no sofá negro brilhoso da sala de estar. Parou em frente dele, em pé, levantando o rosto dele pelo queixo. “O que está acontecendo?”, indagou ela, fitando seus outrora negros e expressivos estando cinzentos e vazios. “O que o senhor fez exatamente ontem à noite?”.

- Eu estou bastante cansado – murmurou ele, que retomando o controle de sua mente vasculhava o motivo por estar daquele jeito, que obviamente preocupara a filha. Ele precisava deixá-la na escola, precisava trabalhar e mais, precisava estar com disposição para conversar com o prefeito, não querendo explicitar qualquer espécie de fraqueza, querendo despejar confiança e segurança para ele, pois reunir-se com um político daquele gabarito – mesmo homossexual – daria uma tremenda guinada em seus planos. Um dia cheio que não merecia ser ignorado. Especialmente dormindo o dia inteiro.
- Pensei que tivesse conseguido dormir direito naquela barraca – disse ela, abaixando-se, acariciando o rosto do pai com carinho. – Está com uma cara muito sonolenta, seria melhor que tirasse o dia para descansar, não ligue se eu for sozinha para a escola, não tem problema, te juro, amor.
- Na verdade, tem. É o seu primeiro dia no liceu, não posso deixar você descer sozinha – disse ele, beijando a palma da mão de Bonnie, que descera da face para a boca. – Sem contar que... hoje tenho um encontro com o prefeito, se faltar, pode ter certeza de que isso vai ser o suficiente para minar meus planos – recostou-se no sofá como se quisesse colar-se ao móvel. – Aí sim eu vou perder a vontade de sair de casa.
- Mas, não fique forçando a barra – insistiu ela, desejosa em sentar-se no colo dele. Não o fez porque poderia fomentá-lo ao descanso. – Está certo que o senhor sempre gozou de plena saúde, mas não se arrisque. Vamos fazer assim: vamos descer a pé e de lá tomamos um ônibus, o senhor volta pra casa e descansa, depois vai encontrar o prefeito.
- Não vou encontrar a biba com essa cara, – murmurou, tossindo ao rir. Bonnie pôs o cotovelo acima do joelho dele, que praticamente deitara no sofá. – Mas você tá certa, vamos fazer do seu jeito.

Sidney estava tão lento que estava destituído de noção do tempo. Apoiado na filha, fecharam a entrada/saída da quinta e desceram o morro, passando primeiro pelo Largo do Castelo e após a ladeira do Carmo, chegando na altura da Avenida Central, onde tomaram um bonde em direção a escola da criança. Chegando lá notaram o portão do liceu apinhado de crianças e poucos adultos. A zeladora o reconheceu de pronto, o cumprimentou e, segurando Bonnie pelo ombro, fez os dois adentrarem o pátio do local, Bonnie tendo as pernas róseas pisoteadas pelos frenéticos alunos, que gritavam e sorriam ao correr entre o pátio, nos corredores e nas salas, e os professores não conseguiam ter controle sobre os mesmos, tentando esconder suas frustrações, agindo como amadores, mas empenhados em não decepcionar quem lhes empregou. Sidney pouco se importava, as férias acabaram e as crianças voltariam eufóricas assim de qualquer jeito. A zeladora chamou a professora Lílian – uma mulher magra e morena de cabelos cacheados que trajava uma calça jeans folgada, camisa branca e blusa de lã rosa – , que tentava pôr seus alunos em fila indiana para levá-los à sala de aula. “Ela é a Bonnie Francisca Wright Silvestre”, sussurrou a zeladora para a professora, que depois apresentou-a para Sidney. “Esta é a Lílian, que será a professora de Bonnie a partir de agora, sim?”, indagou ela, recebendo um sinal positivo do polegar do indiano como resposta. Logo depois, Sidney, apressado, abaixou-se para a filha e acariciou o topo de suas madeixas ruivas.

- Este é teu primeiro dia, eu espero que não dê muito trabalho para a professora, sim? – indagou ele, finalmente observando as duas presilhas brancas presas nos dois lados da cabeça da filha. – E não se preocupa tanto comigo, também não farei feio hoje.
- O... o senhor está realmente feliz pela Joana ter ido embora? – indagou a criança, passando ar quente de sua respiração há centímetros do rosto dele.
- Não – respondeu, sério. – Eu errei pra cacete, é fato, e depois daquilo ela não iria voltar mesmo. O jeito é tocarmos a bola para a frente, mas fique tranqüila porque até o fim do ano você terá uma nova mãe e claro, eu terei uma nova mulher. Uma pessoa direita, do jeito que queremos, coração. E eu também vou me esforçar para ser um pai decente.
- Eu acredito no senhor – concluiu ela, sorrindo abertamente para ele, que notou os dentes caninos da guria adquirirem uma chamativa saliência. Bonnie aproximou-se ainda mais e tomou a iniciativa de tocar seus lábios grossos, molhados e rubros nos dele, um beijinho de despedida, uma promessa de que seria uma boa aluna até o fim do ano letivo e um abraço gostoso para sedimentar a busca pelo sucesso naquele dia. Que eles se amavam ardorosamente era o óbvio. Mas, no fundo Bonnie fora fustigada por pensamentos sobre a capacidade do pai em se colocar como pessoa séria, e ele insistia em demonstrar o oposto.

Sidney acenou para sua filha, enquanto tentava sair da enxurrada de alunos correndo na direção contrária. Conseguindo sair da escola, tomara um bonde até seu trabalho, na Glória. Seu celular tocara e ao dar uma olhada, verificou que ali estavam 23 mensagens de texto, e aos solavancos do veículo lera tudo de uma vez. Uma delas era especial. “Sidney Silvestre, o prefeito te espera às 2 horas da tarde, precisa muito conversar com o senhor, por favor, não falte. Tenha uma boa semana”, escrito corretamente. Um sorriso escapou de sua boca, pensou que seu dia seria menos tedioso tomando um chazinho com o metido a parisiense, algo que desejara há um bom tempo. Aliando-se ao prefeito (e possivelmente ao seu partido, veja só, conservador) seria meio caminho andado para dar realidade à suas aspirações políticas. Poderia usá-lo, mesclando sua popularidade com a do prefeito, angariando mais aliados, mais pessoas que podiam reconhecer seu trabalho dado aos pobretões do morro do Castelo. Pensou ainda que talvez o prefeito poderia acertar uma participação do Estado nos trabalhos sociais daquela região. Mas, com isso, poderiam deixá-lo de lado, repelindo-o aos poucos, armazenando todos os louros para eles. Como sabia, não podia confiar em ninguém e que um sujeito como o prefeito poderia defini-lo até por seu modo de andar e de conversar. Não teria como escapar da conversa, até porque não queria.

Chegando na clínica Bhaga – descendo o bonde se revelando trôpego e ligeiramente pálido, como se necessitasse de sangue para pegar mais cor – cumprimentou a jardineira, que podava os bonsais emoldurados na entrada do local. Topou com um dos médicos, que falou com ele despejando um bafo terrível nas ventas do patrão. Ah, era o dentista. A barra de sua calça arrastava-se no chão, mas não o suficiente para proporcionar-lhe constrangimento. Todos assistiam Sidney rastejar até sua sala. Geórgia, a chefe de enfermaria, corria pelo corredor munida de uma seringa quando o viu de relance, circulando como uma serpente até alcançar o lance de escadas, dando para seu gabinete. Geórgia cessou seus passos, fitando-o, relembrando o momento que teve com ele na tarde passada, quando foi levar Rihanna – sua colega de trabalho – para sua chácara em Copacabana. Não conseguia tirá-lo da cabeça, por mais que quisesse, algo que a incomodava levemente – incomodava pelo fato de não conseguir iniciar um relacionamento com Sidney, por mais fugaz e fútil que fosse – e que ele não se importaria em ser importunado por ela, mesmo em horário de expediente. Foi tratar do paciente, logo depois conversaria com o chefe.

Sidney abrira a porta de sua sala com o dedão do pé, pois seu corpo fora todo jogado para trás, a preguiça sedimentara em seu corpo tão fortemente que mal conseguia movê-lo. Ao adentrar, fechou a porta e desabou em seu sofá amarelo, de bruços, fechando os olhos.

Geórgia bateu a porta do gabinete e escutou – com muito custo – quando Sidney a pediu para entrar, murmurando como se estivesse doente de fato. Esta o fitou deitado de bruços no sofá e automaticamente preocupou-se com o semblante molenga do patrão. Sentou-se à borda do móvel, sem querer tocando suas nádegas na cintura dele, abaixando-se para observar o rosto dele com mais clareza. “O que está acontecendo contigo?”, perguntou ela, mostrando uma preocupação sincera para com ele, controlando suas mãos leves e morenas, que queriam afagar os cabelos e o rosto de Sidney. “Me parece abatido e está pálido... o que houve, não dormiu bem à noite? Comeu alguma coisa ruim? Se importa de eu examiná-lo?”. Sidney murmurara algo inaudível como resposta, seu rosto oleoso afundara no sofá e parecia não querer virar-se para ela, que se sentiu frustrada. Queria tocá-lo de qualquer forma, explicitando o desejo por ele, mas não queria fazer sem a permissão do indiano.

- Fala comigo, está me deixando ainda mais aflita, sabe que me importo de verdade com você – suplicou ela, tocando com leveza as costas do patrão. Acariciou-o, esperando que ele mudasse de idéia. – Não faça isso consigo e comigo. Vou examiná-lo, está bem?
- É óbvio que não tô me sentindo bem, mas não precisa me examinar, não – respondeu ele, finalmente virando o rosto para olhar a chefe de enfermaria nos olhos. Geórgia mostrava-se penalizada, suas mãos prosseguiam tremendo e seus grossos lábios magenta mordiam-se de aflição. Esta notou que Sidney passara a fitá-los (retirando seus olhos dos seus) e sentiu-se na esperança dele pensar em beijá-la. Respiravam fundo e poderiam fazer qualquer coisa ali dentro, já que a porta estava fechada, o suficiente para alguém não sair entrando como um mau educado ou um desesperado. Sidney disse – Eu só preciso dormir um pouco, me acorda na hora do almoço, pois precisarei sair para a prefeitura.
- Se me permite perguntar, o que vai fazer lá? – indagou Geórgia, instintivamente.
- Jogar conversa fora com o prefeito – respondeu ele, sorrindo. – Ele deve precisar de mim para alguma aliança, alguma coisa do tipo, é um compromisso sem falta. Pode ajudar a me mover até a arca? – perguntou, apontando para uma caixa dourada que reluzia no sol, como um tesouro. Sua superfície externa era coberta por gravuras com cores primárias, representando animais carnívoros, além do dourado que tomava 80% do objeto, inclusive nas grossas alças. Fora isto, fora emoldurado por pequenos rubis, esmeraldas e ametistas. Tal arca estava ali desde a criação da clínica, trazida da Índia pela mãe de Sidney. Naquele momento, este fora tocado firmemente nas costas por Geórgia, que fizera um impulso hercúleo ao levantá-lo do sofá gostoso e fofo. Passou para ele seu perfume fresco, propositalmente, no intuito de deixá-lo ainda mais próximo de seus encantos. Sidney olhava a parede com vistas vazias, dando a impressão de que Geórgia não poderia resolver seu problema. Tratou de falar mais com ele enquanto caminhavam até a outra extremidade da grande sala.
- Não posso te deixar assim, me diga o que talvez poderia ter acontecido, podemos chegar a um denominador comum – disse ela. – Me dói permitir que trabalhe tão frágil desse jeito.
- Hum... eu comi dois pombos hoje à noite – disse ele, olhando sonolento para ela – e dormi mal numa barraca que montei perto de casa. É a primeira vez que acontece isso, certamente os pombos têm parcela de culpa, o que é uma pena, pois eram tão gostosos...
- E por isso está passando mal?
- Não tô passando mal, só estou bastante sonolento. Por isso que quero dormir até o almoço, pra quando eu estiver com o prefeito não mostre fraqueza. A bichona vai me ajudar a conseguir uma vaguinha de vereador no futuro. E depois de deputado... e depois de prefeito... e depois de governador, presidente...
- Isso é maravilhoso, mas em primeiro lugar vem sua saúde... isso soou clichê, sei que odeia clichês, mas é a verdade – disse ela, ao chegarem à imponente arca. Colocou-o sentado em uma cadeira de mogno pintada de amarelo e abriu a arca com dificuldade (com Sidney rindo baixinho), assoprando as palmas das mãos, de tão ardentes que estavam após abri-la. Sidney levantou-se novamente após retirar os sapatos e pôs a primeira perna no estofado vermelho-sangue, no interior da arca. Depois, com o corpo todo dentro, deitou-se de bruços, ignorando propositalmente a presença da mulher que o ajudara, que tornou a falar. – Sabe que eu posso ajudar mais que abrir a porta da arca para você. Está incomodado com a minha presença?
- Não, fique tranquila – respondeu ele, sem olhá-la nos olhos. – Pareço estar drogado, não quero muita conversa. Por favor, me acorda no almoço, sim? Daí, você terá a atenção que merece.
- Está bem... – Geórgia suspirou, como se sentisse esfaqueada calmamente. E mais, sentiu-se usada. Deu a volta para erguer a porta pesada da arca (que certamente Sidney podia erguer sem sofrimento), permitindo que esta batesse com um estrondo ao fechar. Pediu desculpas, mas entendera que estas desculpas não foram ouvidas pelo chefe, que no interior sentia-se plenamente aconchegado, quentinho e destituído de preocupações externas. A chefe de enfermaria retirou-se da sala lentamente, com a mente remoendo pensamentos referentes a Sidney e ao que ele achava dela. Depois da última conversa, concluiu que Sidney não estava nem aí para a mulher além do trabalho que ela teria de fazer, mas considerava que ele poderia ceder aos seus encantos jogando um pouquinho de charme para cima dele - sabia que tinha um fraco por mulheres, visto que fora para a cama com boa parte de suas funcionárias. Agora ele adormecia como uma criança envolto naquele breu naturalmente claustrofóbico da arca, dissipando qualquer aflição de sua mente, mergulhando em bons sonhos e boas expectativas. Qualquer um poderia invejá-lo por estar tão em paz fora de sua consciência, confortado pelo ambiente, deixando seu espírito descer bem fundo, enquanto Geórgia descia a escada embrulhada em suas dúvidas, se seduzi-lo ou não seria a melhor forma de ficar com ele, se deixá-lo de lado a faria sofrer como ninguém, se mudar de emprego seria a melhor coisa a fazer, entre outras coisas. Até que resolveu não seguir seu caminho - ainda - em direção à enfermaria, e sentou-se no segundo degrau da escada, descansando a mão no queixo, respirando fundo e se vendo sozinha naquele caminho. Começou a colocar ainda mais dúvidas em sua cabeça.

"Todos estão trabalhando bastante, dando um duro para melhorar a vida dos pobretões da região, mas acredito que esta batalha não terá fim", refletiu ela, fitando a parede branca como a neve. "Lembro-me que fui transferida da Médicos Sem Fronteiras para cá justamente pela possibilidade de poder conversar com o Sidney, de poder entender os problemas como ele e de poder saber mais sobre sua pessoa. Como sou uma pessoa que se apega fácil aos outros, me vi envolvida por este sujeito, deixando de me importar com caras imbecis como ele, naturalmente imbecis, que fazem sucesso com as mulheres e têm uma mente de ostra...assim é Sidney, mas ao mesmo tempo uma pessoa boa e bastante interessante, apesar de seus evidentes defeitos. Eu conheci sua adorável filha, uma guria que eu gostaria de ter na família, mas não apenas isso. Seria necessário participar do dia a dia do pessoal do morro do Castelo para me sentir completa. Sidney possuía a qualidade de entender aquele povo mais do que qualquer outro sujeito em sua posição, o último sustentáculo rico de uma área pobre, mas, me disse que conversaria com o prefeito. Certamente terá de se esforçar para prosseguir com nosso trabalho no morro do Castelo e região, mas e se o Estado resolver intervir de vez, enxotando nosso serviço social e nossa clínica daquele lugar? Provável que terei de retornar ao meu trabalho anterior, estando longe dele, longe das suas idéias, da sua filha e de seu sorriso. Não sei se aguentaria. Ele tem uma namorada, a norte-coreana, que provavelmente nem namorada de fato deve ser, mas eles se dão muito bem em todos os sentidos. Não sou páreo para ela, quantas vezes terei de perguntar isso a mim mesma? Só se interessa por mim como amiga, então, o que devo fazer além de seguir seus passos profissionais? Pareço estar dentro de um maldito clichê, o do sujeito que pega 1000 mulheres por mês, mas pouco se importa com a mulher apaixonada por ele, trabalhando com ele, bem próximo... eu sou uma inútil sob este prima. É melhor desistir enquanto eu não me machuco, mas... falar é fácil".

Levou suas mãos à testa, esfregando-a com grande pesar. Uma faxineira a encontrou naquela situação desoladora e perguntou o que estava acontecendo. A chefe de enfermaria respondeu que era algo relativo a Rihanna, mostrando-se preocupada pela guria ter passado o que passou no dia anterior. A faxineira reagiu com um suspiro, depois dizendo que Deus iria ajudá-la, que os dias posteriores seriam melhores para ela e todas as demais baboseiras. Geórgia levantou-se e andou para sua sala, sem dizer mais nada.

Naquela manhã, Bonnie estava em fila com seus demais coleguinhas de classe, aguardando o momento para adentrar à sala de aula. Toda a gritaria e falatório começaram a irritá-la, e à sua frente alguns moleques se engalfinhavam, pondo a perder a ordem da fila, chamando a atenção dos alunos por perto. A briga aproximava-se da ruivinha, que ao chegar para trás esbarrou-se em outra menina, uma lourinha de cabelos cacheados e de aparência pomposa. Esta xingou Bonnie, que não reagiu na mesma moeda. "Está vendo esses dois moleques brigando, acabei pisando em seu pé por causa deles", justificou. A professora foi separá-los com a ajuda de outros alunos, e a menina se afastou daquela balbúrdia até que tudo estivesse organizado - demorando 10 minutos para acontecer.

Depois um dos alunos – atendendo um pedido da professora – chegou até ela, pedindo para que retornasse à fila. Bonnie assentiu com a cabeça e andou até eles, olhando tudo em sua volta, em especial a menina que lhe xingou. Esta a fitava com um olhar debochado, talvez convencendo-se de que a ruivinha seria uma vítima perfeita de suas brincadeiras a partir dali. Bonnie também pensava sobre isto, matutando sobre a melhor maneira de deixar sua coleguinha maliciosa afastada de possíveis zoações vindas dela. Já passara por problemas do tipo em sua infância, quando era alvo predileto de um grupo de mulatinhas incomodadas com a brancura de sua pele e a profusão de suas sardas – isso em Bristol. Não reagiu como devia e seus pais biológicos eram verdadeiros frouxos, pessoas despreparadas que, desesperadas pela falta de grana e de sucesso se desfizeram da pequena. Mesmo estando debaixo das asas marrons e confortáveis do pai, não poderia depender dele até para passar bem em uma escola, pois ele não estaria lá o dia inteiro para vigiá-la e tomá-la nos braços. Recordou também que nem sempre os educadores se poriam em seu lugar, nem se esfregasse a gravidade do problema em suas caras, tendo de tomar atitudes drásticas, com as próprias mãos – aí sim estes acordariam para a situação. Seu maior desejo enquanto aluna do liceu era não se envolver em problemas com os demais, um desejo absolutamente normal, mas não quer dizer que conseguiria realizá-lo. Ainda amargaria muitas destas desavenças: no curso, no trabalho, na faculdade... envolver-se em picuinhas estava na cartilha humana, no conviver urbano e grupal. Gostaria de agir como seu tio Cristiano Mimizuki, isolando-se de tudo e todos, deixando que o medo tomasse conta de seu corpo e mente, decepcionando seu pai e os amigos que poderia arrumar na escola. Logo, para não fugir do perigo, das duas uma: ou confiava na repreensão dos educadores – e se estes educadores não fossem negligentes e insensíveis – ou “ia para as cabeças” logo de uma vez, incutindo terror nas pessoas que a atormentariam, desestabilizando o psicológico alheio, transferindo seu medo para o outro. Às vezes a melhor maneira de afugentar um filho da puta é sendo tão ou mais filho da puta que ele, pensou a ruivinha. Por enquanto não precisava se preocupar tanto com a lourinha de cabelos cacheados – que prosseguia a observando com seus olhos azuis – , pois a professora aparentemente entendera que sua aluna suplicava ajuda, e terminou por deitar seus olhos nela. “É uma novata, precisará de certa blindagem pelo menos por uns meses”, pensou a adulta, caminhando com seus alunos na sala de aula, sinalizando o caminho como uma guarda de trânsito. Bonnie olhava ao redor, curiosa. O corredor situava-se próximo a um jardim de flores e plantas rasteiras, exalando um odor repugnante para ela, não para os outros. Já tinha outra coisa na qual se manter longe. O liceu aos poucos dispensara a gritaria inicial, dando lugar aos risos diminuindo o tom, as crianças deixando a correria para se acomodar às cadeiras, além da apresentação de poucos novatinhos. Sua turma deu as caras em uma sala de aula com parede azul-bebê, carteiras brilhando de tão brancas e quadro alvo-prateado. A aparência era nova também para os demais alunos – a professora explicara a reforma feita no período de férias – , que recordavam-se de uma sala totalmente diferente no primeiro semestre. Bonnie e a mestra já tinham ciência de que todas aquelas cores claras seriam rabiscadas e sujas pelos alunos com o tempo, certo que aconteceria. A lourinha de cabelos cacheados sentava-se na primeira fileira, enquanto Bonnie na terceira, encostada na janela – correra para conseguir o lugar – , sentindo o clima ameno arrepiar suas veias e narinas, o vento frio passando por trás de suas orelhas. A busca pela paz começaria oficialmente aí. Bonnie notara a bagunça insistente de alguns meninos, sendo repreendidos pela professora, e sentindo-se observada, virou seus olhos para um moleque que fitava seu rosto. Este era careca, pálido, olhos castanho-escuros e seu uniforme negro coubera com perfeição em seu físico, dando-lhe uma aparência mais solta. Os demais alunos dividiam-se entre caucasianos de cabelos castanho-claros, louros e negros enquanto outros marcavam presença com sua pele morena e cabelos negros e bem curtinhos. Havia negros na escola, mas estes existiam em menor número que os pardos – emparelhados com os caucasianos em quantidade lá dentro. Já imaginava que talvez o carequinha pudesse arrastar sua asa pré-púbere para cima dela, o que lhe provocou um misto de espanto e repulsa. Foi olhada por 10 segundos ininterruptos, o suficiente para achar que ele realmente queria alguma coisa com ela, que revezava seus olhos nele e na loura de cachinhos, que no momento mantinha-se focada na professora. Retornando os olhos para a mestra, o carequinha engolia seco.

- Ah, querida, quero que você se levante, por favor – disse a professora, apontando para a ruivinha, que fora envolvida em um manto de constrangimento. – Não precisa ser tímida, todos passamos por estes momentos.
- Não estou tímida – murmurou a guria, sendo fitada por toda a sala. Levantou-se e foi em direção à mulher – Meu nome é Bonnie Francisca Wright Silvestre e tenho 12 anos...
- E este sotaque tão adorável? – perguntou a mulher, apontando para sua garganta enquanto alguns alunos acompanhavam tudo curiosos.
- Ahn...eu sou inglesa. Nasci em Bristol, mas papai me ensinou português desde os 6 anos de idade. É só isso que posso dizer.
- Espere, esqueceu de me dizer o que pretende fazer pela escola – interpelou a professora. Bonnie não parou e sentou-se na cadeira novamente.
- Na verdade, não seria o oposto? – indagou a menina, fazendo risos irromperem na sala de aula, constrangendo a professora, que não disse mais nada para ela.

Passou a ser olhada com mais afinco pelas crianças. Bonnie ignorava tudo vendo as árvores do lado de fora, um besouro comendo um pássaro, uma aranha envenenando uma cobra e as lufadas gélidas de vento prosseguiam chicoteando seu rosto sardento, e ela gostava muito, evidente. Músicas do No Doubt passavam por seu cérebro, tentando desvencilhar-se de tudo o que aconteceria naquela sala, mesmo sabendo que não podia manter esta condição por muito tempo. Ainda era observada pelo carequinha e encarava este ato com relativa calmaria, calma porque ganhara a manhã constrangendo a professora, mas havia muito o que acontecer naquele dia. Poderia passar da calmaria à ira, seja intimidando o menino ou dizendo umas poucas e boas à lourinha, caso esta possivelmente insistisse com suas implicâncias – falando nisto, a menina ria para Bonnie demonstrando sarcasmo e sussurrando palavras indecorosas. Era certo que a inglesinha não teria de suportar estes insultos, então, resolveu dar um fim a esta tormenta, aguardando calmamente a hora do recreio para tomar suas providências. Logo após dizer os nomes dos alunos na chamada, a professora virou-se para a novata, impressionada por estar sendo ignorada. Também antecipara o medo de que a guria não se desse com ela durante todo o segundo semestre. “Logo ela, que apesar do que me fez parece uma pessoa inteligente...”, pensou, enquanto andava em direção à menina.

- Está passando bem? – indagou a mulher, firmando suas mãos na carteira da garota. – Porque está tão desinteressada dessa forma?
- Não estou desinteressada, ouço tudo o que está dizendo, já que não me chamou após minha apresentação não tive motivos para espremer meus olhos na senhora – respondeu Bonnie rispidamente. A professora sentiu uma pontada no peito, considerando aquele caso verdadeiramente difícil. Como dito, tinha medo de que a guria agisse daquele jeito durante o resto do ano. A mulher, claro, queria se dar bem com todos. Se conseguia estabelecer uma amizade e respeito até com o pálido carequinha e com a menina de cachinhos, como não poderia confraternar com a ruiva?
- Vejo que entrou na escola aborrecida...ou alguém a aborreceu aqui dentro? – indagou a mulher, querendo de fato puxar assunto. – Pode se abrir, talvez a gente resolva isso agora mesmo e todos ficaremos bem, pode acreditar. – Bonnie entendera que o modo de pensar da moça era tão dispensável quanto seu sorriso amarelo. Queria ser posta em constrangimento novamente, inconscientemente, para o deleite dos alunos. Talvez seria uma forma de adquirir respeito de todos, até de quem iria encher seu saco. Mas...
- Me desculpa, mas eu não quero conversar sobre isso agora – disse a menina, calma. – Mas, a impressão é que a senhora iria me despejar uma lista de chavões do tipo “não fique assim, Deus vai te ajudar”, não é? É o que todo mundo anda dizendo hoje em dia.
- Não, não mesmo! – exclamou ela, já suando. Alguns alunos se mostravam impacientes com aquele diálogo particular. – Sei que todos dizem isso, mas não são todos que têm só isso para oferecer. Nós podemos conversar sobre seus problemas, sou formada em Psicologia e talvez, eu digo, talvez possa ajudá-la a resolver pelo menos 50% de suas aflições. Seu papai te trata bem, Silvestre?
- Ele me trata maravilhosamente bem, e por favor, vamos concluir este assunto de uma vez, pelo menos por ora – sussurrou a sardenta, mas como se gritasse. A professora afastou-se de costas (para dar um ar “cool”) e quase caiu nos ombros de uma aluna, uma oriental que não conseguiria segurar o corpo da adulta por si só. Restabeleceu-se à base dos risos que ecoaram na sala. Não seria agora que se consideraria uma idiota.


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Mensagem  Admin Dom Ago 15, 2010 6:04 am

Bonnie decidira aporrinhar a professora, caso essa voltasse a colocar a atenção da sala para cima da ruivinha – quando ela queria o contrário. O carequinha prosseguia com seu olhar, despido de qualquer pudor enquanto os demais alunos demoravam para retirar os olhos de cima dela. Queria morrer. Queria sair dali o quanto antes, mas não desejava decepcionar as expectativas do pai – sabendo que se quisesse Sidney poria sua filha em outra escola, embora relutasse, demonstrando não estar de quatro por ela, fazendo todas as suas vontades sem pestanejar – ainda tendo a vontade plena de continuar fazendo reinar a paz na casa e na família – embora estivesse convencida de que quando CL reaparecer esta paz seria jogada no lixo. Agora Bonnie pensava nele e em como agiria ao dar de cara com um parente de Joana batendo a porta da quinta, pedindo explicações, se segurando para não marcar um duelo com ele. Dependendo da personalidade desleixada e fútil de Sidney poderia ser certo de que proporia um duelo, ciente de que venceria a parada, pois sempre se achou melhor que as pessoas, e lutou bastante para isto. Uma morte nas mãos do indiano não seria o suficiente para não arrebentar seu psicológico, uma pessoa forte que apesar de não saber segurar uma discussão por tanto tempo dispunha de invejável força física. Amava o bom trato no corpo, a boa comida, mas aparentava se lixar para sua própria mente. Sidney poderia sair numa briga com diversos caras e, tomado por uma sanha destruidora e persistente não descansaria até deixar no chão o último oponente, este lado negro vivia tatuado na sua carcaça, mas raramente aparecia. Nos anos em que vivera sentada no colo de seu pai, gozando da presença daquele homem, notara que apesar dos momentos de fúria e brigas físicas serem raros a intensidade destas experiências poderia assustar qualquer pessoa. Qual o sentido disso tudo? Manifestara sua ira de forma tão grande, mas mantinha guardada para a chegada do momento certo... era fato de que Bonnie tinha medo de topar com um pai violento – este nunca levantou a mão contra ela – , mas vivia segura na convicção de que ele nunca a daria uma surra. O amor que sentiam um pelo outro ultrapassava qualquer barreira, sua quilometragem chegara a níveis ionosféricos, pessoas tão unidas, tão juntas que não se importariam se tivessem sido ligados como siameses. E pensara em Sidney naquele momento justamente para aplacar a chateação imersa na sala de aula. Respirou aliviada ao perceber que a professora conversava com outros alunos, deixando de manter o foco nela até em seu campo de visão, mas ao mesmo tempo aqueles atos movidos de forma forçada entristeceram a criança. Sua dureza dissipava-se gradativamente. A professora pediu para que todos os alunos preparassem seus lápis e cadernos, Bonnie retirou-os de sua mochila e pôs na mesa. Foi aí quando uma funcionária irrompeu na porta da sala e, pedindo licença, chamou a “Silvestre” para o gabinete da direção.

Levantou-se calmamente até que ouvira de alguém a frase “já aprontou?”, seguida de risinhos abafados. É, ela realmente deveria dar uns safanões para impor seu respeito perante os demais alunos – refletiu – , só deste jeito poderia terminar o ano sem muitos traumas e aborrecimentos. A vida na escola é selvagem para os fracos. E isto também se aplicava na Escola Municipal Franz Kafka.

Bonnie vira a mulher – uma gordinha do tamanho dela, decotuda e de cabelos encaracolados – abrir a porta do gabinete e dera de cara com a diretora, sentada em sua cadeira confortável, jogando o que seria um Game Boy prateado e muito bonito, possivelmente algum jogo de Pokémon. Seus óculos fundo de garrafa reluziam em contato com o tímido raio de sol e suas mãos gordas meio que arrastavam-se no console. Jogava ao mesmo tempo em que olhava para o semblante recém-corado – seu rosto, normalmente pálido, ganhara cor ao adentrar à sala – da menina e de seus cabelos lisos, longos e ruivos, além das sardas. “Não acredito que a senhora consegue jogar olhando pros outros”, disse a menina, estupefata.

- Bom-dia, Silvestre – disse a diretora, passando seus olhos para o que seria a ficha da menina. - Bonnie Francisca Wright Silvestre, é um nome incomum, gostei de ver.
- Não acredito que a senhora consegue jogar olhando pros outros...e pras coisas – repetiu a ruivinha, acrescentando apenas poucas palavras.
- Ah, sim, está impressionada? - indagou a mulher.
- Não.
- Tudo bem...seu pai já pagou seus dois uniformes, aqui – disse a diretora, tirando de uma gaveta uma camisa negra com o emblema do colégio no centro, um capuz marrom e uma saia rodada igualmente marrom, com comprimento até o joelho. Tudo isto cabia em um saco plástico transparente e curto e o uniforme foi entregue à Bonnie, que logo notou que a indumentária parecia uma versão moderna dos uniformes de Hogwarts, da série Harry Potter. Ficou maravilhada com a textura e o cheiro de novo das roupas. Se pudesse podia abraçá-las o dia inteiro.
- Você chegou em boa hora, vai ser a primeira vestir o novo uniforme da escola – disse a diretora, sorrindo, percebendo que Bonnie ficara confusa por ver que tal uniforme é diferente do que os alunos ainda usavam. - Ou vai me dizer que o prefeito e a Secretaria de Educação escolheriam um uniforme rosa?
- Imaginava isso mesmo – respondeu a ruivinha, sorrindo enquanto acariciava ininterruptamente a superfície daquela saia nova. - Bom, muito obrigada pela roupa, acho que vou me sentir melhor vestindo algo não tão berrante assim, esse amarelo difere totalmente do que os alunos estão usando.
- Sinceramente, esse seu amarelo parece mais um verde fosforescente, de tão ridículo que está – disse a diretora. - Mudando de assunto, gostei do papo do seu pai, quando ele veio te matricular. É um cara bobinho, mas uma pessoa especial.
- Especial em que sentido? Retardado?
- Não – respondeu a mulher, segurando a gargalhada. - É um sujeito muito legal, espero que você diga para ele que falei dele hoje, quem sabe seu pai não poderia dar o ar de sua graça novamente por aqui, nem precisa esperar a reunião dos pais – Bonnie já notara que a diretora queria alguma coisa com Sidney e se preparava para não relatar nada ao pai quando voltasse para casa (apesar de que ele poderia realmente traçar a gorda se quisesse), pois ele já estava bem encaminhado, acreditava ela. Bonnie virou-se e pediu licença para voltar à sala quando foi interpelada pela outra mulher, que parecia ser a supervisora do liceu, uma espécie de braço-direito da diretora.
- O que mais temos para conversar? - perguntou a guria.
- Eu sei que não vai dizer ao seu pai sobre mim, por isso estou pegando o telefone aqui para ligar para ele, de uma vez – vociferou a diretora, segurando o telefone tão firme como se tivesse a intenção de rachá-lo com os dedos gordos. - Não se pode confiar nas crianças de hoje, em especial os que estão na adolescência..quero te dizer outra coisa antes de dispensá-la: não pense em provocar confusão com seus colegas de classe.
- Como? Pelo que sei ainda não fui hostilizada nem prov...
- Não estou te ameaçando nem nada, mas pelo menos evite dar trela a implicâncias e também não comece. Se não agüentar fale com a professora ou com a supervisora. Digo isso porque sua classe é composta pelos “bad boys” e “bad girls”, crianças que adoram pregar uma peça em um novato. E praticamente toda a escola notou que você é uma pessoa introvertida, portanto...
- Sem problemas, nunca começo confusões, geralmente elas vêm até mim – respondeu Bonnie, pressionando o novo uniforme no peito. - E também não estou afim de decepcionar meu pai, o sujeito que a senhora tanto gosta.
- É um bom modo de pensar, costumamos aplicar medidas duras para quem arruma confusão e que atormenta o coleguinha – acrescentou a mulher. - Você é uma menina inteligente e que vai fazer o possível para se manter longe desse pessoal, estou certa?
- Sim – respondeu a menina.
- Ok, então. Pode ir e tenha um bom dia. Bem vinda à Franz Kafka – concluiu a diretora, inclinando-se preguiçosamente na cadeira e fitando o teto. A supervisora retirou-se do gabinete com a aluna e ambas percorreram o corredor sem emitir uma palavra e ao chegar na sala de aula, Bonnie andou apressadamente até sua carteira, tendo seu corpo flechado pelos olhares curiosos da maioria. A lourinha encaracolada bateu palmas fitando-a enquanto o carequinha retornava aos seus olhares lascivos, como se estivesse no intuito de aborrecê-la, arrancar algum ruído ou grito daquela garganta. Falharam, por enquanto. Era certo de que queriam constrangê-la, embora talvez o carequinha pálido apenas estivesse apaixonado e que não soubesse dosar o assédio ocular. “Se for assim todos os dias eu vou morrer”, pensou a ruivinha consigo. A professora notou que a guria guardava com zelo seu uniforme, recolocado no saco plástico e pondo cuidadosamente no interior da mochila, como se nunca fosse usá-lo. Durante todo o primeiro tempo de aula (até 11:30) Bonnie estudara com os olhos revezando-se na paisagem e no caderno, sem olhar para mais ninguém, esforçando-se para sumir.

Até que tentou se mostrar imune aos chamados insistentes do menino, que queria porque queria conversar com ela – algo que a ruivinha já imaginava. Sua intenção era desferir uma mensagem ríspida ao moleque, mesmo que isso prejudicasse em definitivo sua vivência naquele lugar, mas pensou que isto poderia se voltar de uma forma boa para ela – se o moleque já estivesse queimado em seu possível mau-comportamento. Bonnie notou que mesmo aparentando cara de poucos amigos seus “oponentes” poderiam ser boas pessoas, mas envolvidas naquelas máscaras por algum motivo obscuro. Não queria absolutamente nada com o moleque e tinha a convicção de que seria prejudicada, se cedesse. Mas, poderia brincar um pouco, caso fosse seu desejo. Naquele momento...

- O que você quer? Responda de uma vez – murmurou para ele, enquanto passava os olhos por toda a sala, temendo que alguém além da lourinha cacheada pudesse prestar atenção na conversa.
- Bom-dia... – disse o jovem, coçando a cabeça. – Só queria te dar as boas vindas por ter vindo a esta escola. Geralmente não recebemos meninas tão bonitas aqui...
- Sabia que estava querendo alguma coisa comigo, mas eu dispenso – respondeu ela, rispidamente. Agora, volte para sua posição normal, não podemos ficar conversando muito.
- E porque não? Mesmo assim podemos ser amigos, sem problema algum – insistiu o moleque, sussurrando tão baixo quanto ela. – Antes que pense, não sou um tipo de bad boy ou coisa parecida, embora tenha uma cara de marginalzinho do caramba, huehehe. É que eu normalmente costumo ser uma espécie de “guia” para o pessoal mais novo.
- Mas, eu dispenso – disse ela. – Hoje eu ainda serei importunada pela lourinha ali e vou ter de usar da minha paciência de ouro para não meter um soco na cara dela, sabe como são as coisas.
- Sei, sim, mas não se preocupe que ela é assim com todos. Depois de um tempo acaba se acostumando contigo e vira seus olhos para o quadro.
- Ela me xingou quando pisei em seu pé sem querer, lá na fila – disse Bonnie, gesticulando timidamente. – Reconheço imbecis quando vejo, já deve ter entendido que quero passar distante de confusões nessa casa. Ainda mais porque teremos uns poucos meses para eu completar o resto do ano letivo, mal entrei aqui e estou morrendo de vontade de sair fora, mas só não o faço por causa do meu paizinho querido... nossa, isso soou tão... novela mexicana.
- Também acho – concordou o carequinha, sorrindo. – Olha, tudo o que eu te peço é que desarme-se um pouquinho antes de tomar qualquer atitude, seja por pensamentos ou atos, o pessoal daqui é muito legal, pelo menos a maior parte dele. No fim do ano, ou até mesmo antes disso você verá que estou certo, com certeza irá concordar comigo.
- As coisas não são tão fáceis assim – sussurrou a menina, aparentando tédio. – Mas, eu vou dar um voto de confiança para mim mesma.
- É sério mesmo que já louca de vontade de sair daqui? – indagou o moleque. – Esta é uma das melhores escolas daqui, uma das melhores escolas públicas do Rio!
- Tudo bem, você disse, mas não estou... querendo fazer amigos tão facilmente – disse ela, repelindo o menino de uma vez. Este afastou-se lentamente, esboçando um semblante triste, dando um suspiro sofrido, e recolocou-se em sua cadeira. A lourinha cacheada observava tudo de soslaio, sem emitir uma única palavra. A professora notou a conversa dos dois e tentou interpelar, mas recolheu-se, temendo entrar em discussão com a novatinha. Pelo menos por ora não se daria àquele direito.

Bonnie retornou seus pensamentos ao pai, seu porto seguro, durante o resto do primeiro tempo de aula. Após o soar do sinal, todos os alunos levantaram-se para o recreio, enquanto Bonnie respirava um pouco mais fundo antes de atravessar a sala. A professora a esperou aparentando paciência, quando em seu âmago escondia a vontade de sacudir a criança para que esta deixasse de ser tão arrogante.

Bonnie realmente fora a última a sair da sala, percebendo que estava sendo olhada por alguns dos alunos na frente. A ruivinha sabia que a professora queria conversar com ela, mas fora surpreendida em não ser parada por ela. Rumou para o refeitório, apinhado de alunos, entrando em fila indiana, portando bandejas fundas nas mãos para receber a comida, o copo grande de suco e a sobremesa. Do outro lado, as mesas sendo ocupadas pouco a pouco pelos pré-adolescentes, sentando nos bancos enquanto papeavam sobre como enganaram os pais, como o último sucesso do Justin Bieber anda tocando na cidade e quão foi caro o par de tênis da moda que a mamãe comprou. Enquanto Bonnie mantinha-se em pé dentro da fila naturalmente apareciam mais pessoas. Gritarias, risos altos e falta de perfume cobriam toda a área do refeitório. O cardápio consistia em arroz, feijão, filé de frango grelhado, salada de alface, purê de batata e caldo verde. Suco de limão e como sobremesa, maçã.

Sentou-se em frente a um grupo de meninas quietas, que a fitaram de início, rompendo a intenção de permanecer sozinha em seus pensamentos. Tanto olhavam e tanto conversavam que seu desejo era esganá-las ali mesmo, mas já estava relativamente aliviada por ter passado de forma civilizada na conversa que teve com o carequinha. Qual seria agora? Seria abordado pela lourinha cacheada daquela vez? Depois de ser surpreendida pela personalidade passiva e bem apessoada do carequinha Bonnie já poderia esperar em cair do cavalo novamente. Pelo jeito não seria afogada pelo tédio naquela escola e mesmo se passasse não poderia pular fora. Resolveu eliminar o gosto amargo da boca caindo no sabor delicioso do frango bem temperado, a carne branca derretendo na boca, além dos lábios serem molhados pelo gole generoso do suco de limão. Isso, ajudou a abrilhantar e purificar seus pensamentos, mesmo de forma efêmera. Não levantou sua cabeça enquanto comia, era levada pela preguiça de não levantar a bundinha do banco para trocar de lugar, meio que aguardava a presença do colega careca, que, segundo sua expectativa, se sentaria com ela – tanto a ruivinha quanto o pai detestavam situações clichê. E ele apareceu, é claro. Sentou-se próximo a ela, tampando a imagem das gurias faladeiras com seu corpo.

- Não me importo se sentar aí – disse Bonnie, esboçando um sorriso quase imperceptível. – Prove o frango, está muito bom.
- Está bom porque estamos lidando com a melhor cozinheira do liceu – sussurrou o carequinha, experimentando um pedaço da carne, aprovando logo depois. – Acredita que foi a madrinha de casamento do meu pai? Tô estudando aqui mais para cumprir o histórico da família, todos nós estudamos aqui. A comida aqui sempre é uma maravilha quando é o plantão da Ernestina.
- Legal – disse ela. – Apesar do turno ser integral vocês não só estudam, certo? Deve ter alguma coisa especial, um clube, algo assim.
- Claro, temos clubes de esportes, além de outros tipos – explicou ele. – Faço parte do clube de tricô e crochê...está bem, pode rir a vontade, todo mundo ri.
- Claro que todo mundo ri, alguém imagina que um menino fortinho e parecido com um punk como você faria parte de um clube de tricô e crochê? Por favor – disse ela, sorrindo sarcasticamente. – eVocê é uma raridade, 1 entre 1 milhão... pode me dizer quais cursos têm?
- Nossa, são vários mesmo. Vou pular os esportivos porque não terá importância pra você...
- Diga-me quais são os esportivos – insistiu ela, falando de boca cheia.
- Tá...temos futebol, pólo aquático, basquete (você viu que temos um ginásio atrás da escola?), vôlei... talvez você goste de vôlei.
- Tem futebol feminino?
- Tem, mas praticamente ninguém participa, pelo que sei tem só 4 pessoas, já estão pensando em fechar e tudo mais. Vai me dizer que vai ingressar para... er... revolucionar o futebol feminino aqui?
- Não. Quais são os demais?
- Não lembro de todos, vamos dar uma olhada no mural depois do rango? – indagou ele. – Deve ter alguma coisa por lá, com certeza você vai se interessar por algum curso.

Bonnie terminou rapidamente de comer e observou friamente o carequinha, que demorava para mastigar a comida. Fora tomada por uma pressa irresistível, o que a fez levantar-se do banco, pegar a bandeja e rumar em direção ao lixo, onde despejou os poucos grãos que deixou no prato. Perguntou a uma das cozinheiras se podia repetir, recebera a negativa, mas... “Lembro que você pediu que colocassem muito na sua bandeja e mesmo assim ainda pede mais”, sussurrou a funcionária para ela. O fato era que Bonnie ainda vivia com fome. “Tudo bem, mas só hoje. Vê quanto dá”, disse a mulher, fazendo um sorriso gratificante brotar do rosto branco da guria. Voltou ao banco onde estava, vendo que o carequinha ainda comia com preguiça o seu almoço. “Não acredito que ela te deu mais”, disse ele, visivelmente impressionado. “Eles colocam do jeito que os alunos pedem justamente para não pedirem repetição depois”.

- Quebraram o meu galho por eu ser novata, – disse ela, enchendo com gosto sua colher com um punhado de arroz e feijão misturados. – Embora não pareça, tenho um estômago de ferro.
- Tô percebendo, haha – disse ele, quando sentiu uma mão leve e perfumada tocar seu ombro largo. Bonnie ergueu o rosto. Era a tal lourinha encaracolada, olhando para os deois de forma sacana.
- Desculpem interromper a conversa – abriu a boca, revelando um hálito gélido. – E então, novata, como está se saindo aqui na escola?
- Bem, é claro – respondeu Bonnie, com naturalidade. Seu coração começou a pulsar mais forte, embora mantivesse o controle de seus membros. – E você, como vai a vida?
- Estou ótima. Tenho bons amigos, uma boa reputação neste colégio...aproveitando o ensejo, imaginava que eu seria uma boa pessoa para te mostrar a escola. Até pensava em ser a melhor pessoa para te mostrar a escola se o meu amigo aqui não tivesse passado minha frente – disse, acariciando o ombro do jovem.
- Diga logo o que você quer – Bonnie disse, rispidamente. – Fala, vamos lá.
- Não precisa falar comigo assim, acha que estou armando alguma coisa? – indagou a menina.
- Sim, acho. Descobri que não iria me dar bem com você quando me xingou naquela hora em que tropecei em seu pé. Se é mulher o suficiente diga que não gosta de mim e tente acabar comigo diretamente – ao pronunciar estes dizeres, levantou-se cerrando os punhos e franzindo ainda mais a sua testa.
- Está pensando besteira, tá certo que cometi um erro e inclusive, te peço desculp...

A loura não teve tempo de completar sua frase quando foi agarrada ferozmente por Bonnie, que por seu impulso a fez bater a cabeça na parede, o suficiente para fazê-la perder os sentidos. Bonnie tinha uma vontade louca de socá-la, mas como percebera que a guria havia desmaiado – além de perceber também um filete vermelho escorrendo atrás da cabeça da cacheada. Obviamente, todos viraram seus olhos para ela e o carequinha pulou em um salto, separando Bonnie da agredida. Um dos funcionários chegou a levou a ruivinha para longe da loura, que fora erguida pelo profissional enquanto o moleque pálido fitava a nova colega e verificava se em sua expressão houvesse sinal de arrependimento. Nada. Bonnie acompanhava tudo aparentemente tranquila, mas por dentro, seu corpo e mente remoíam-se de dúvida e desespero. “Que droga. Não posso acreditar que ela não estivesse querendo me sacanear, não é possível.; Desde quando me xingou e me olhou de forma sacana por um bom tempo achei que estivesse claro que queria me destruir em algum momento. E agora acho que, se ela for um anjinho na terra vou ser hostilizada pela maioria destas crianças”, matutou. Aí sim Sidney poderia se aborrecer com a situação e com ela – mesmo convicta de que poderia amá-la até o fim do mundo, já que aqule acontecimento não prejudicaria a relação.

Logo, pensou que a lourinha estivesse fingindo o desmaio. Preparou-se para correr até ela, mas foi pega por uma professora, pressionando seu braço com força. “Mal chegou na escola e já está fazendo merda?”, perguntou a mulher, irrompendo raiva pelos olhos. Enquanto a ferida era levada pelos demais profissionais à enfermaria Bonnie era encaminhada ao gabinete da diretora, a mulher apaixonada por seu pai – ou apenas desejosa em transar com ele – sem dizer uma palavra. A diretora já estava sabendo do que ocorreu pelo rádio transmissor e, apesar da agressão pensou que seus planos poderiam ser arruinados caso engrossasse a barra para cima da aluna. Realmente queria ter uma “noite de amor” com Sidney, uma fixação que não se dissiparia de sua mente até não ser saciada.

- Bonnie Silvestre aqui, diretora – disse a mulher, para a chefe. Logo após se retirou sem cerimônias. Bonnie não disse nada e sentou-se na cadeira como uma moleca pirracenta, criando barulho ao sentar a bundinha no móvel.
- Quero ouvir de sua boca o que aconteceu – disse a diretora.
- Aquela loura já se... estranhava comigo desde à fila, me xingou quando eu pisei em seu pé sem querer. Me olhou como se eu fosse uma aberração durante todo o primeiro tempo da aula. E claro, veio se dirigir a mim como se quisesse me sacanear, com piadinhas e tudo mais. É evidente que eu sabia que ela poderia estar tramando uma, querendo me... pegar pra cristo, a senhora sabe que sempre há pessoas dispostas a puxar o tapete do outro e como eu não quero ninguém me aborrecendo até o fim do ano...
- Hum... continue.
- … eu acabei reagindo logo, para acabar com tudo.
- Daí, resolveu acabar com tudo... acabando com ela? – indagou a diretora, sorrindo sarcasticamente.
- Só queria...como dizem, dar um susto. Não queria matá-la ou mandar a colega para o hospital, por favor... – explicou Bonnie, gesticulando pouco.
- Você aprendeu isso com seu pai?
- Nada a ver, não tem nada a ver...
- Ué, eu só iria dizer que se ele for um homem enérgico como você, pequenininha, vou adorar ainda mais. Bom, temos muitas testemunhas da sua agressão...
- Desculpa interromper, mas, o que a senhora tem a dizer sobre aquela menina?
- O que falar da Margaux? – indagou a diretora, abrindo os braços de forma teatral. – Ela é uma das meninas mais doces e divertidas da escola. Digo, divertida é relativo, já que muitos a consideram uma chata de galocha, mas é uma pessoa especial.
- Especial? No sentido de retardada? – perguntou a ruivinha, segurando o riso.
- Não, claro que não. Minha filha não é isso.
- Sua filha... – murmurou Bonnie, apertando a testa, lamentosa. Mais uma vez o interior de seu corpo remoeu.
- Me detalharam que você tirou sangue dela. Bateu a cabeça dela na parede.
- Me desculpe – murmurou a menina.
- Tudo bem. Volte para a sala.
- Acho que eles vão me comer viva.
- Não vão. Só vão ficar mais espertos, não pensarão em implicar contigo em hipótese alguma. Agora vá.

Sidney fora acordado com batidas severas em sua arca feitas por Geórgia, que agia aflita, tal qual um ladrão apressado em arrombar um cofre antes da chegada dos guardas. O primeiro olho castanho do indiano foi aberto de forma desconfiada, reencontrando o escuro e em milésimos de segundo se situou. Geórgia abriu a arca fazendo uso de toda a sua força e logo foi ajudada pelo patrão, que exagerou ao levantar a porta com os braços e quase feriu sua subordinada – que deu um salto para trás instintivamente. A porta da arca bateu com violência no chão de seu gabinete, fazendo um estrondo que calou-se rapidamente. Geórgia ofegava bastante, como se acabasse de correr uma maratona e Sidney levantou do estofado dando uma espreguiçada barulhenta, efetuando um rugido enquanto sorria como um moleque, o que levou também Geórgia a sorrir. Fez uns rápidos alongamentos e pôs os pés para a superfície, terminando por estalar os dedos dos pés e das mãos. Do sorriso Geórgia chegou ao alívio. Queria chegar junto para abraçá-lo, mas teve medo. Queria tanto ter a intimidade que seu chefe despejava nas outras mulheres... tratou de abrir a boca, lembrando-se de um compromisso. “Já estamos quase no horário da conversa com o prefeito, eu peguei umas roupas novas de nossa dispensa e a cozinheira preparou uma comida deliciosa, não vai suportar o prefeito com a barriga vazia, certo?”.

- Eu até estava pensando em comer lá fora, mas quem sou eu pra recusar a comida daqui? - perguntou ele, sorrindo. Aproximou-se mais de Geórgia, que teve o coração pulsado de forma mais rápida no acontecimento. Sentiu o aroma de sua boca, não fedia, somente exalava um ar gelado, ao contrário do bafo quente que costumava ter todos os dias. Até a pele de Sidney mudara com a dormida e o toque gélido de seu corpo arrepiou a chefe de enfermaria, tão íntimo e poderoso quanto uma língua enrolada na outra. Estava ainda mais atraída por ele. - O que temos pra comer?
- O senhor pode escolher entre bife de panela e filé de peixe, temos saladas de alface e de chicória, sei que o senhor adora chicória, mas se quiser pode misturar tudinho, sem problema algum – respondeu ela, tagarelando livremente, como uma típica puxa saco. - Seu celular tocou uma porção de vezes, quase me esqueci de dizer... antes que me pergunte quem ligou... eram seus amigos lá de Niterói. Digo, 2 deles são de lá, a maioria mora ali na Camerino e na rua do Ouvidor.
- Então você tá falando do Alexandre, Pepê, Brandino e do Hermes, faz tempo que não vejo estes caras – disse ele, roçando o dedo indicador no queixo. - Tô devendo mesmo uma saída com eles, a última vez que marquei algo foi com Marcelo, Luís e o Júlio, recente, mas parece que faz uns 3 ou 4 meses. Estou sendo um mau amigo, preciso retornar as mensagens deles, me passe o celular, por favor.
- Não está sendo um mau amigo, normalmente uma pessoa em sua posição é deveras ocupada, então, eles entenderão se você não poder respondê-los hoje, amanhã ou neste século – disse Geórgia, passando o pequeno aparelho para seu chefe. - Tem uma coisa também que preciso tratar... com você, mas estou esperando que termine tudo antes, porque não quero atrapalhá-lo, sabe.
- E que coisa é essa? - indagou ele, sorrindo de forma safada. - Aliás, já faz um tempo que eu percebo que minha moreninha aqui está aflita, querendo falar ou fazer alguma coisa, mas tá faltando um empurrãozinho para tal, certo? - ao dizer “minha moreninha” Geórgia corou de imediato. - E hoje você me parece tão passiva, não costuma ser assim. É uma mulher forte, pelo menos é o que mostrou desde a primeira vez que nos vimos.
- Sim, exato, sou uma mulher forte mesmo – confirmou ela, sorrindo constrangedoramente. - O que eu quero te falar é sobre... uma saída. Queria falar isso contigo em um ambiente melhor que este, sem contar que estamos trabalhando...
- Fica tranquila, amore, eu sou o patrão aqui, pode falar o que quiser. Você está muito tensa, sabe disso – Sidney aproximou-se dela por trás e com suas mãos massageou as costas da mulher, excitando-a. Seus dedos faziam o trabalho rodopiando pelos poros da pele de Geórgia, além de estarem pressionados nas articulações, que a chefe de enfermaria não falou nada enquanto ele trabalhava em seu corpo. Seus pensamentos se dividiam entre a permissão do prazer proporcionado por aquela massagem repentina e pelo compromisso que Sidney viria a ter, mas este mesmo aparentava não se preocupar. Cada vez mais Geórgia queria tê-lo em sua cama e com o corpo colado no dele, mesmo que fosse uma rapidinha, uma transa fugaz e sem compromisso (o que era especialidade do indiano), mas não queria se entregar ali, não tão rápido, não tão rápido. Abriu e fechou os olhos, virou seu rosto para Sidney e este acompanhou seus olhos aflitos, que gritavam alguma coisa.
- Não faz isso agora – murmurou ela, de encontro a ele, que parecia confuso. - Olha, vamos descer para comer, não vai querer atrasar o prefeito, não vai querer ficar mal com ele, você tem uma longa vida pública pela frente, claro que vai querer ser amigo de pelo menos todos os políticos cariocas, certo?
- Errado – respondeu ele, sorrindo. - Se eles não entenderiam um simples atraso, problema deles, ora. Mas, você tá certa, vamos descer que eu estou morrendo de fome.

Geórgia e Sidney desceram as escadas do gabinete em direção ao refeitório. No caminho – como sempre – o indiano cumprimentou os demais funcionários e parou para dar atenção a uma menina de aproximadamente 5 anos, lourinha e de madeixas muito finas, que queria porque queria falar com ele. Esta pequena garota era uma das residentes do morro do Castelo, obviamente acompanhada por sua mãe, uma ruiva de cabelos ensebados e de roupas sofríveis que sempre que tinha oportunidade acenava para Sidney quando este passava em seu Modelo T. Tão sardenta quanto a mãe e quanto Bonnie, a guriazinha envolvia seus bracinhos gorduchos no pescoço do chefe da clínica explicitando a alegria que sentia ao estar com ele – Sidney pelo menos uma vez por mês dava cestas básicas à família pessoalmente, adentrando em seu barraco, que já estava em vias de ser demolido, para construírem uma casa. Geórgia acompanhava tudo enquanto a menina abraçava e jogava seu hálito doce em Sidney, e este se via indeciso entre dar atenção à mãe dela e a almoçar. Até que teve a ideia de convidá-las para comer.

O refeitório já estava vazio e as cozinheiras já preparavam os próprios pratos. Cumprimentaram Sidney e algumas fitaram a mulher ruiva com semblante surpreso e conversaram com ela, que era colega de longa data das criaturas – e Sidney não estava nem aí para isso, queria tirar a barriga da miséria. Logo após sentar no banco branco uma das faxineiras deu uma limpeza rápida na mesa e uma cozinheira negra e rechonchuda, com seios imensos e apetitosos, o serviu. “Ei, sentem-se perto de mim, gente!”, disse ele para a mulher ruiva e para a criança, que correu em direção ao indiano como se quisesse abraçá-lo ainda mais. Então, as demais funcionárias sentaram em um banco distante e puseram-se a papear, colocar as fofocas em dia, enquanto Geórgia não sabia o que fazer e só se preocupava em colocar Sidney no carro em direção à prefeitura. Teve de se contentar em aguardá-lo terminar de comer – e ele parecia querer fazer hora para tal. Sidney notou que a ruiva sardenta envolvia-se em uma aura de vergonha, pois nunca conversara com ele em um ambiente aberto como aquele, sentia-se muito melhor em casa, onde pudesse falar e fazer o que quiser. Parecia não ter traquejo algum com o mundo exterior.

- Não vai adiantar eu dizer para você se abrir mais, até porque não precisa. Mas, coma sua comida, querida – disse Sidney serenamente para a mulher. Apontou afetadamente para a criança, que comia tudo categoricamente e ainda sorria para eles, com os dentes empapuçados com caldo de carne. Uma graça. - Veja sua filha, como está comendo direitinho.
- Estou vendo – sussurrou ela, fitando sua filha de soslaio, fazendo brilhar seus olhos verdes. - Me desculpe interrompê-lo, mas é que viemos aqui porque...
- A situação da casa? - indagou ele, de boca cheia. - Já falei, não se preocupa. O procedimento que estamos fazendo na sua casa faremos com todas as outras moradias irregulares. Pelo amor de Deus, você morava à beira do precipício. Creio que você não iria querer o corpo de sua filha estirado na Praia de Santa Luzia, né? Sem contar que aquela pocilga não tinha um mínimo de saneamento básico, vocês não comiam quase nada... algo me diz que você tá querendo voltar àquela vida de merda.
- Não, não é isso, é que eu estou realmente sem ter para onde ir, senhor – disse ela, demonstrando súplica em seu olhar baixo. - Meus parentes moram em Joinville e não querem saber de mim, e minhas amigas aqui... não são minhas amigas de verdade. Não sei o que fazer.
- Cê vai acabar falecendo de tanta preocupação. Seguinte, agora mesmo entrarei em contato com uma conhecida minha e ela vai poder ajudá-la na questão da moradia por 1 ou 2 meses, tempo suficiente até você ter a nova casa. O engraçado é que todos os que tiveram a casa demolida para dar lugar a uma decente receberam uma grana. Eu pessoalmente dei esta grana a eles para que se virassem por pelo menos 1 mês e eu lembro de ter te dado, também. O que você fez com o dinheiro?
- Eu... eu... - murmurou ela, abaixando ainda mais sua cabeça. A criança prosseguia na comilança. Sidney percebera que coisa boa não foi. Moveu sua mão até o queixo dela e levantou-o delicadamente. Abrandou ainda mais o tom de voz: - O que você fez com o dinheiro, meu anjo?
- Eu comprei bebida – respondeu a ruiva, lacrimejando, aguardando a reação dura do indiano.
- Puta que pariu... - lamentou ele, com o rosto imerso na comida. - É por isso que nunca te dou dinheiro algum, porque você vai e faz isso. Lembro que também já vendeu as cestas básicas que dei em troca disto... por isto que não tinha porra nenhuma na sua casa, além de madeira podre e comida mofada. Como você sabe, eu odeio clichê, mas vou te perguntar uma coisa: é esse futuro que tu quer dar para a sua filha? Vai querer morrer na miséria, nessa forma deplorável? - Geórgia acompanhava tudo escorada na parede e com os braços cruzados, estudava Sidney e sabia que ele estava discutindo com a ruiva – Vai querer jogar todo o meu propósito no lixo? Porque eu tô querendo tirar todo mundo de lá da miséria, porque o Estado não tá nem aí para vocês, só aparecem nas Eleições, se eu te perder vou perder todo o meu propósito, também. E eu me preocupo realmente contigo, embora não pareça.
- Me desculpa... - balbuciou ela, não conseguindo mais segurar suas lágrimas quentes e salgadas.
- Cê não tem que pedir desculpa pra mim, peça pra sua filha – disse ele, delicadamente. - Você é tudo o que ela tem, se você morrer como vai ficar a pequena? Por que suas amigas não são suas amigas de verdade?
- Por... por causa da bebida...
- É claro. Faz um tempo que eu estive pensando em uma coisa, foi até bom você aparecer: terei de te colocar em uma clínica...uma clínica de reabilitação, você topa? O que você tem é uma maldita doença e ela – Sidney tentava falar, mas fora interpelado pela menina, que já acabara de comer, deu a volta na mesa e subiu em seu colo, tentando se encaixar ali. Sidney falava enquanto suas mãos se mantinham ocupadas nas coxas roliças e na cintura da garota, ajeitando-a entre ele. - vai acabar te matando algum dia. Sei que você manja do riscado, não é nenhuma inocente.
- O-onde fica... essa clínica? - perguntou a ruiva, com seus lindos olhos brilhando.
- No distrito de Campo Grande, bem longe daqui, na Zona Rural – respondeu ele. - E não se preocupe com sua filha, vai me dizer que ela não pode ficar com algum conhecido seu, qualquer conhecido que...
- Não tenho conhecido algum que me dê tanta confiança assim... eu estive pensando em me internar por uns meses até estar seca, mas sempre declinei por causa da Grace Kelly.
- O que é normal, você não sabe onde colocá-la, normal – disse ele, acariciando os cabelos da menina. - Advinha com quem ela pode ficar? - Sidney sorriu como um panaca ao dizer isto, dando a chance para a ruiva matar a charada. Ao descobrir, assombrou-se.
- Está falando sério? Está querendo ficar com ela? - indagou ela, abrindo uma boca do tamanho do mundo. Aquilo chamou a atenção de Geórgia. - Tá... tá certo que o senhor seria perfeito em ficar com ela, mas é bastante ocupado, como cuidaria dela, seria impossível dar um cuidado integral pela vida corrida que o senhor leva! O que poderia...
- E para quê existem babás? - indagou ele, sorrindo. - Você acabou de me dizer que nenhum de seus conhecidos são tão confiáveis a ponto de poderem cuidar da menina, mas eu sou e posso provar, mesmo sabendo que você sabe disso. Relaxe, posso providenciar babás, ainda mais, você sabe que tenho uma filha de 12 anos e ela adorará ter uma “irmãzinha”, mesmo que por tempo limitado. Não continue com essa ladainha de “mas, não vai atrapalhar, não quero dar trabalho para o senhor”, porque não está dando. Quando te dei a grana achei que você gastaria em algum aluguel, mas como resolveu encher a cara...”alguém” está te dando uma segunda chance, e como estou te acompanhando há um bom tempo vou te dar mais este empurrãozinho. Mas, não conte a ninguém, está bem?
- Está bem, se ela não irá dar problema algum fico mais aliviada – respondeu a ruiva, enxugando as lágrimas. Neste momento algumas cozinheiras fitavam-na. - Cuida... cuida bem dela, por favor. Eu... eu fico muito feliz por ter o senhor no meu caminho... é sinal de que realmente “alguém” está me guardando... céus...
- Ei, isso acontece, mas você tem persistido muito na burrice – disse Sidney, acariciando seu rosto. - Tá certo, você tem uma vida de merda, não consegue emprego e nem uma casa decente, mas ainda tem gente do seu lado e que pode te ajudar. Tô fazendo uma parte, sou um deles. Mas, quero saber que você não vai tentar fugir da reabilitação ou coisa parecida.
- Não, não vou fugir, você tem a minha palavra! - disse ela, quase gritando.
- Olha que sua palavra já não serviu de muita coisa há algum tempo, eu lembro – disse ele, aproximando seu rosto no dela, como se fosse examiná-la friamente. - Tô aí pra ajudar todas as pessoas, especialmente os que moram no nosso bairro, mas também precisam fazer por onde. Vou aproveitar e passar uma ligação pra minha chegada, a pastora Leci, a dona da casa de reabilitação, espere um instantinho. - Sidney sacou o celular e, desvencilhando-o dos dedos macios de Grace, efetuou a ligação para a mulher. “Boa-tarde”, disse a pastora, com uma voz tão fina e baixa quanto um miado. Sidney foi direto ao ponto e resumiu o problema que a ruiva passara, emendando na pergunta: a senhora pode recebê-la? Geórgia não tirava os olhos deles.
- E então? - Perguntou a ruiva, aflita. Sua aflição tornou-se em contentamento quando Sidney fez um final positivo com o polegar. Fechou o celular e pôs no bolso.
- Ela me disse que amanhã de manhã você pode aparecer por lá, mas evidentemente que eu te levarei. Hoje você ficará em um hotel. Geórgia! - bradou ele para a chefe de enfermaria, que mais parecia uma assessora. - Deixe ela aqui esta tarde, quando eu retornar da conversa voltarei para cá e levarei ela, certo? Geórgia assentiu com a cabeça. - e coloque Grace no Berçário, ficará melhor lá do que zanzando por aqui. Pode quebrar essa pra mim?
- Sem problemas, chefe – respondeu a morena, deitando seus olhos castanhos nos olhos ainda mais escuros de Sidney, que virou-se para a ruiva. - Não te preocupa, sabe que meu trabalho é sério, não vou te deixar na mão.
- Tudo bem...muito obrigada. - e a ruiva curvou a cabeça, em sinal de gratidão enquanto, com a mão direita, acariciava as costas da mão esquerda de Sidney, e o fitava tão firme como se quisesse devorá-lo com os olhos. Deixou a ruiva passar a mão em seu pulso, com relativa lascívia. Enquanto o olhava tão fortemente começara a morder os lábios. - Quero...quero realmente vê-lo, ainda hoje.
- Está certo.

Sidney terminou seu prato com rapidez, enquanto a ruiva era encaminhada por Geórgia para o quintal do hospital. Lá ela sentou em uma cadeira confortável e a menina permaneceu com o indiano por mais um tempinho – este tratou de pedir para que ela se comportasse bem na ausência dele, como se tivesse mais importância que a mãe. Grace foi afagada carinhosamente por ele, que concluiu os mimos daquela hora dando-lhe um abraço. Geórgia levou a menina para perto da mãe, Sidney trocou de roupa rapidamente e andou depressa até o carro. Lá dentro estava Riana – que tascou um beijo em sua boca logo quando chegou – e a motorista, também conhecida de Sidney. Geórgia deixou seus serviços para uma enfermeira menor e esta prometeu tratar bem daquela ruiva e da filha como uma irmã. Geórgia foi para o banco de trás, sozinha e pensativa, aflita porque Riana tinha uma relação mais estreita com seu chefe e este não se importava em beijá-la, além de outras coisas – até porque os carinhos eram mútuos, significando que ela poderia entrar na dança que seria bem recebida, mas era agarrada na timidez e no ciúme, queria tê-lo só para si, sem o trabalho de lidar com outra boca e com outro corpo, algo que Sidney já tinha conhecimento. A interação que o indiano tinha com a mulata insuflou-lhe um assomo de inveja e o desejo louco de desfiar o rosto de Riana segundo após segundo. Não sabia até quando iria se segurar, portanto, desistiu de acompanhá-lo, saindo do carro e caminhando rápido para o interior da clínica. Sidney desvencilhou-se dos beijos ardentes de Riana e fitou Geórgia, perguntando o que estava acontecendo. “Não acredito que deixou de perceber o óbvio, cara”, disse a mulata, acariciando seu peito. “Ela está com ciúmes”. E se estava com ciúmes era porque gostava dele. Finalmente ele percebeu e a partir daquele momento viu sua subordinada com outros olhos. Deixou Riana sozinha nos bancos da frente e rumou até a clínica. Geórgia já se preparava para dizer à ruiva que desistira de ir, preferindo fazer companhia para as duas, além de retomar seus trabalhos, até que seu chefe materializou-se na porta. “Ei, o que está fazendo, venha com a gente”.

- Me desculpa, mas não quero passar a viagem de ida e de volta inteira vendo vocês se pegando, na boa – disse ela, desviando seu olhar. – Estou evitando coisas que em traumatizem, portanto prefiro continuar aqui, sem sair com você e com as demais funcionárias que você tanto adora. Não mereço isso, mereço?
- Não, não merece – respondeu ele. – Foi mal, vou pedir para que ela se comporte durante toda a viagem.
- Não significa nada, sei que vocês dois, mais a irmã dela andam se comendo por aí – disse a mulher. – Está certo que não é da minha conta, só não quero ver este tipo de coisa.
- Não quer ver este tipo de coisa porque não está misturada, né? – indagou ele, tocando em seus ombros. – Antes que pergunte porque, sei que gosta de mim. Vai ter a cara de pau de negar isso? Que está apaixonada?
- Não... não estou apaixonada. Gosto de você, mas não passa de uma atração... uma atração como qualquer outra – disse ela, gaguejando.
- E que tipo de atração é essa?
- Hum... carnal – respondeu Geórgia, enquanto olhava para os lados. Como ninguém estava presente, prosseguiu. – Aliás, foi até bom que estejamos conversando sobre isso, então quero deixar bem claro, chefe: eu gosto de você, mais do que Rihanna, Riana e as outras sentem por ti. Tá, não é apenas carnal, porque na maioria das vezes penso em você em mais do que um corpo que eu poderia usar – ao explicitar seus sentimentos, tentou a todo o custo tocar as mãos de Sidney, conseguindo, pois não passou pela cabeça deste impedi-la – , quero realmente ter algo contigo. Nossa, este é um lugar muito inapropriado para revelar isso, mas mais cedo ou mais tarde eu assumiria, certo? Agora, pense duas vezes antes de sair aos beijos com aquelas duas irmãs ou com qualquer outra mul...
- Eu tenho namorada – disse ele.
- Mas, quando isso foi problema para você? – indagou a mulher, sorrindo constrangedoramente. – Você sempre teve todas nas mãos, sempre pôde escolher, elas te amam e você também as ama. Mas, se namorássemos obviamente queria que abraçasse a fidelidade...
- Mas, você não sabe se quero ficar contigo, Geórgia – disse ele, provocando um baque forte no coração da chefe de enfermaria. – Sinceramente, não sei o que dizer.
- Sério? Não sabe o que dizer? – Geórgia ficara nervosa, suas pernas bambeavam e ela precisava sentar. A cadeira estava há centímetros de seus quadris, mas não queria se sentar antes de resolver o impasse com seu patrão. Seu corpo não a obedecia direito, além da respiração começar a entrar em pane. – Não creio...
- Tá, tá, depois a gente fala sobre isso, eu tô super ocupado, depois a gente conversa sem falta, certo? – perguntou ele, repentinamente segurando-a pelas bochechas, metendo um selinho em sua boca. – Não me esquecerei do nosso assunto.

Geórgia viu Sidney voltar correndo para o carro e o mesmo tomar rumo, saindo da frente da clínica. Seu coração foi tomado por um negrume desagradável, representando seu temor e desgosto, pois sabia que aproximadamente ele iria nomeá-la como mais uma amante, mais uma em seu harém. Matutou habilmente e concluiu que não teria como fazê-lo extirpar a promiscuidade de sua vida – tinha ciência de que Sidney namorava CL, mas esta permanecia tanto tempo sumida que parecia não se importar com o que acontecesse no Brasil, incluindo as numerosas puladas de cerca do parceiro – , algo impossível para uma mulher como ela. Não tinha outra opção de tê-lo em sua cama além de aceitar dividi-lo com outras mulheres. Neste caso, o melhor seria esquecê-lo – algo impossível, pois trabalhavam juntos – ou aceitar esta condição. Geórgia sentia-se uma moleca, uma menina imatura por explicitar o seu desejo de forma aberta e constrangedora como aquela. Mas, cedo ou tarde falaria. Acabou que não sentia-se preparada para tal, mas a necessidade de compartilhar o que sentia para o pivô da situação a devorava por dentro. Uma adolescente atormentada e que provavelmente não conseguiria trabalhar direito a partir daquele momento. O que faria para arrancar o fardo de suas costas?

O carro com Sidney, Riana e a motorista cortava as ruas do Centro com habilidade espantosa, passando pelos bondes e diligências tão rápido que poucos viam. Estavam quase atrasados e embora o prefeito fosse uma bicha um tanto abraçada nas questões liberais não gostaria de esperar por muito tempo. Político nenhum gostaria. Em todo o trajeto o indiano observava a paisagem tão deslumbrado quanto um cão debruçado na janela, ignorando as carícias de Riana, que se aborrecia por estar sendo ignorada, e resolveu jogar sujo metendo as unhas afiadas nas partes íntimas do sujeito. “Foi mal, tô pensando na melhor forma de bandear o prefeito pro nosso lado”, mentiu. “Achei que ele é que te queria do lado”, disse a mulata, sorrindo. “Deixe de pensar nele por um momento, quero ver como você depilou os peitos, deixa”. Enquanto Riana verificava seu peitoral Sidney fitava o prédio da prefeitura e o morro de São Carlos atrás. O prédio dos Correios situava-se à esquerda, e em uma porta larga entravam e saíam caminhões amarelos apinhados de encomendas, com funcionários correndo apressados para a caçamba dos veículos, como se estivessem tão ou mais atrasados que Sidney, em seus compromissos. O próprio indiano se maravilhara com aquele vai e vem, tão prazeroso quanto arrancar a unha do pé com a mão e arranhar o quadro negro.

A motorista (uma oriental de cabelos curtos e quepe brilhoso prateado) fizera um contorno para estacionar o carro no estacionamento da prefeitura, como sabiam, estavam sendo esperados até pelo manobrista, que logo se prontificou em cuidar do possante enquanto eles se dirigiam de elevador ao gabinete do prefeito. A motorista, orgulhosa, recusou os serviços do manobrista, permitindo que os dois (Sidney e Riana) desembarcassem primeiro para depois levar o veículo até o estacionamento. Acabou que o manobrista ficou sem ter o que fazer. Riana parecia estar preparada para ver o administrador da cidade, trajava um vestido branco e bastante curto, evidenciando suas deliciosas curvas, e uma blusa curta negra bastante brilhante, que mais chamava atenção do que inibia - aliás, seu corpo realmente provocava um frisson entre os homens, até mesmo nos funcionários assumidamente nerds e tímidos, o que não eram poucos. Sidney andou com ela de mãos dadas até o elevador, recusaram acompanhamento dos guias, já que o indiano conhecia aquele prédio de cabo a rabo, e que também necessitava gozar de uma privacidade com a mulata, e clicaram o último andar da prefeitura. Aproveitaram a solidão entre aquelas estreitas 4 paredes e se agarraram, independente de quão estavam sendo vigiados pela câmera. Se beijaram ardorosamente, Riana o cobria de beijos e chupava seu pescoço tal qual uma vampira enquanto o indiano mergulhava seus dedos grossos nas nádegas da mulher, afundando os dedos médios no fundo do ânus de sua parceira, proporcionando prazer imediato. Foi só fixar seus olhos negros na câmera que se recompôs, cessando a putaria para se consertar toda, e ele a seguiu, quando percebeu que alguém poderia estar se masturbando com sua ajuda (o que deixou de ser prazeroso quando a outra parte se aquietou). O frio do elevador invadia seus pulmões e assim, suas personalidades. Sidney abraçou a compostura exatamente ao sair do elevador com Riana e esta cessou seus passos após a entrada na sala de espera, sentando-se em uma poltrona reclinável enquanto via Sidney sendo bem recebido pelo assessor do prefeito. Não estava nervoso, apenas queria acabar com tudo para levar a morena para o hotel e depois dar um trato na ruiva que dependia dele mais do que tudo.

"Nossa, como o senhor parece mais jovem... Seja bem vindo, Sidney Silvestre, não sabe quanto o Sr.prefeito quer conversar contigo", disse o assessor, um moreno alto musculoso, com cabelos negríssimos penteados para trás e radiantes olhos azuis. Dava para ver a felicidade transbordando naqueles olhos, a vontade de trabalhar e de receber bem as pessoas. Sidney não sabia, mas aquele moleque o amava. Certamente não saberia que o sujeito fora fã de seus discursos inflamados e de sua vida de amante, de gozador nato, de um homem que vive se divertindo a todo momento e que aproveitava todas as situações como únicas. O amava justamente por este espírito gostoso e invejável, mas que ao mesmo tempo vivia observando quando estava passando dos limites. O assessor era evangélico - o contrário do prefeito - , mas isto não impediu que nutrisse uma admiração pelo estilo de vida do quarentão indiano. Sidney acenou para Riana, pois preparava-se para entrar na grande sala, ela acenou de volta e assentiu seu distanciamento com a cabelça. Jogou um sorriso e um beijo, rapidamente. Ele estava ainda mais preparado.

Sidney adentrou à sala descontraidamente. Olhou para a frente e viu duas pessoas: um homem de porte atlético enfurnado em um terninho preto, calçando um All Star Basket Low de cano longo igualmente preto. Seus cabelos eram lisos e meio grisalhos, penteados para a frente formando uma franja desajeitada, e sua gravata era rosa com bolinhas brancas. Tinha o tamanho do indiano, era bronzeado de sol e seus olhos castanho-escuros esbanjavam vida. Estava olhando o que seriam recibos - nas mãos de sua subordinada - , assinou-os rapidamente com uma caneta dourada e ergueu a cabeça para Sidney, que estava recostado em uma cadeira. Este viu o sorriso do prefeito crescer inocentemente, como o de uma criança, ao vê-lo. "Bom-dia, querido", disse o prefeito. "Que felicidade em vê-lo, sabia?".

- A felicidade é minha, prefeito - devolveu Sidney, aproximando-se dele para apertar sua mão. Após fazê-lo, recebeu um abraço gostoso e aparentemente sincero do político. - Nossa, você está com um perfume que raramente usam aqui no Rio de Janeiro. Acho que é...
- Humor & Love, criado pela Margo Zane, da Sara - disse o prefeito, cheirando o próprio pulso. - É muito gostoso, não? Gastei uma nota por ele... e não foi com o dinheiro do contribuinte, huahaha.
- Sei que não. Júlio Valeretto me disse que venderam pouquíssimas unidades na última Semana de Moda de Munique - disse Sidney.
- Exatamente, edição limitada apenas para as celebridades de primeira linha, como eu - assentiu o prefeito. - Valeu a pena e estou pretendendo passar uma conversa na Margo, porque muitos atores estão querendo um frasco desta essência, estão reclamando horrores.
- É um dos melhores perfumes que existe, combina o frio com o doce, não deixando que o doce dê aquele cheiro cítrico horrível - explicou Sidney, gesticulando. - Eu só uso perfumes à base de limão, são perfeitos até para manter as axilas intactas, posso passar uma gotinha e me mantenho fresquinho em 10 dias inteiros.
- Qual você usa, que mal lhe pergunte?
- Totori Monou, da Kafka's girls - respondeu o indiano. - Uma nota, também. Estive pensando em pintar as unhas de jade, mas apenas o mindinho, sabe como é, não quero que pensem...
- Sei que você não joga no nosso time, nem um pouquinho, hahah - disse o prefeito, rindo abertamente. - Jade é tendência aqui e lá fora. Bom, sente-se, vai beber alguma coisinha?
- O que vocês têm pra beber?
- Água, suco, café...sei que não bebe café, adora um chá. Posso pedir um chá e uma água, ou prefere algo mais forte? - perguntou o prefeito, estalando os dedos. Segundos depois uma serviçal caracterizada chega como um raio para perto dele.
- Uma cerva. Cerveja preta. Sei que vocês tomam as artesanais aqui, quais sabores estão disponíveis?
- Chocolate, rapadura, cannabis, canela...
- Dá uma sabor cannabis, por favor - disse o indiano. A serviçal retirou-se da sala sem ao menos virar o corpo. - Bão, vamos pôr os babados em dia. Por que me chamou aqui?
- Ah, sim, eu já estava me esquecendo... - disse o prefeito, enrolando o cabelo com o dedo e olhando para o lado. - Antes mesmo destes anos em que estou à frente da prefeitura eu ando observando o seu belíssimo trabalho feito no morro do Castelo. Como você, Deus e o mundo sabem, os "poderosos" não estão se importando com aquele lugar, quando se importam é porque querem dar um fim àquele povo, mandá-los para o interior, nem que seja para conviver com os tamoios, mas claro que você não quer isto. Nem você e nem a maior parte das pessoas. Seria mais ou menos desumano jogá-los com os selvagens, embora estes mesmos selvagens estejam mais civilizados que muito homem branco...
- Então, por que ainda os chama de selvagens? - perguntou Sidney, acomodando-se na poltrona.
- É força de expressão. Eu penso que deveríamos ser um pouco mais gratos ao que o morro do Castelo proporcionou à civilização carioca do século XIV para cá. Lá onde começou de fato a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Custou para descerem para a área conhecida como Várzea, você sabe, o entorno. Aquele quadrilátero entre os morros do centro não passava de pântano, cercado de jacarés e histórias malditas passadas pelos índios. Sabe que assim como você mantenho uma identidade histórica e o que eu mais quero é manter este tesouro que a cidade tem intacto. O quanto que tenho de aturar os depredadores, as pessoas que não estão se importando com a história de nossa cidade, é um custo muito grande. Não apenas o financeiro, mas o sentimental. Sabe que possuo um sentimento enorme por tudo isso. Amo, assim como você.
- Eu sei. Pelo menos uma vez por ano você faz uma espécie de festival destinado a relembrar os momentos históricos de nossa cidade... opa, a cerva chegou. Obrigado, linda - disse ele, pegando a bandeja com o copo e a garrafa de cerveja. - Para mim, é mais do que a obrigação fazer com que todos se lembrem do solo onde pisam, todos precisam saber da origem de nossa cidade. E eu sempre participo destes festivais...
- Sim, eu recordo...
- … mesmo quando não dão a atenção devida ao morro do Castelo. O cerne, como você sabe, o primeiro local onde os malditos portugueses, aquela gente de merda, se instalou. Particularmente, eu achava que a Franca deveria comê-los vivos, mas infelizmente eles não venceram. Também sei que desejava isto e que até poderia ajudá-los a vencer os portugas e os temiminós, seus olhos dizem isto.
- Isso mesmo, mas este enfoque não falta por minha causa. É culpa de um de meus assessores. Muitos deles não gostam do morro do Castelo, sem contar que boa parte da população, embora defenda a permanência de seus habitantes lá, não comparece e não se interessa quando falam deles!
- Mesmo assim, todos deviam saber - disse Sidney, enchendo o copo. - Eles têm de agradecer, apesar dos portugas aquele lugar é sagrado!
- Certo, concordo contigo, mas convenhamos que há uma espécie de complô sobre aquele lugar. E um complô contraditório, porque as mesmas pessoas que não querem demover os habitantes dali não se interessam por eles - explicou o prefeito. - E então, como fica?
- Como fica o quê? - indagou Sidney. - Te digo para não se importar tanto com os moradores de lá, porque estou cuidando deles, fazendo algo que o Estado deveria fazer e se acha que é uma boa ideia retirar-me do meu posto, pode apostar que...
- Não estamos querendo fazer isso, apenas quero que o Estado volte a abraçar aquele lugar, como deveria ter feito e nunca mais ter largado! E você é a melhor pessoa para nos ajudar nisso. Seus trabalhos são reconhecidos e regularizados, você é a pessoa que prefere fazer do que falar, e isto nos orgulha, mas com a ajuda do Estado você poderia ajudá-los ainda mais, não entende?
- Entendo perfeitamente, mas veja bem se isso não é uma tentativa de pegar carona no meu sucesso. Sim, faço um ótimo trabalho, eu sou fodão ali, e sou mesmo, mas você não conhece aquele ditado? Tá, eu odeio clichê, mas vai: "não se mexe em time que está ganhando..."
- Mas, tudo o que estou querendo é dar um reforço de peso em seu time.
- Não, você quer é substituí-lo, vai me desculpar, mas eu conheço estes tipos - disse Sidney, desferindo um olhar sacana sobre o prefeito. - Eu poderia deixar vocês fazer o que quiserem que com certeza eu seria chamado depois, mas não o faço porque não me deixariam retomar meu posto. Eu conheço aquela geração do morro como a palma de minha mão, conheço cada grama de terra e grama daquele lugar, meu coração bate dentro do morro do Castelo, começando da ladeira da Misericórdia até o fim da ladeira do Seminário, entendo perfeitamente o que querem fazer, mas...me deixem continuar o trabalho.
- Mas, nós vamos deixar, isso é que você certamente não está entendendo. O Estado, minha prefeitura, não vai falhar. Não vai falhar contigo e nem com ninguém. Sei que está fazendo um excelente trabalho, mas este mesmo trabalho precisa ser retocado, precisa ser polido, e com nossa ajuda você terá tudo, seus habitantes terão tudo.
- Olha, foi mal, mas não dá para acreditar - disse Sidney, tomando um gole fundo de cerveja. - Antes que me pergunte, não me acho um xerife ali, quando eu ver tudo legal, tudo consertado ali, todo mundo vivendo bem irei me recolher à minha vidinha. Mas, por enquanto aquele povo clama meu nome, e eu preciso deles tanto quanto eles de mim. Eu já sabia que iria ser chamado aqui por isto e eu agradeço, pois assim conversamos sobre nossos pontos de vista cara a cara.
- É, é ótimo, mas por que você tem medo da ação do Estado?
- Não é medo, é desconfiança, simplesmente. E eu não estou sozinho nessa, querido. Seu trabalho na prefeitura é ótimo, bato palmas legal, urbanizou uma porrada de locais decrépitos, levantou mesmo. O que o Palácio Monroe seria sem sua administração? E a Avenida Beira Mar, que está aquela belezura? Mas, a administração do morro do Castelo está em minhas mãos, minha influência ali é tanta que estou querendo me candidatar a vereador este ano.
- Eu sei disso, e eu tentarei me re-eleger, mas... tudo bem, por enquanto não tem como chegarmos a um denominador comum agora - disse o prefeito, com as pernas cruzadas. - Te dou um tempinho pra pensar.
- Cuma? "Tempinho"? Cara, não me dê tempo algum, eu não posso deixá-los tomar as rédeas do local!
- Mas, com todo o respeito, não é seu lugar. Tá, é seu, mas ao mesmo tempo é dos outros habitantes.
- E estes outros habitantes me querem. Pergunte para cada um deles. Eles me amam, eu os amo.
- Você sabe que podemos entrar sem...
- Ok, façam isso e serão chutados por eles. Seguinte, vocês tiveram um tempo imenso para urbanizar o local e melhorar a vida das pessoas. Séculos de oportunidade. Estamos em 2011, vocês não tiveram, e aí? Entrou alguém com interesse nisso, eu gosto de me relacionar com gente e de ajudar as pessoas, absolutamente sem anda em troca. É um sentimento mútuo, cara. E eles não serão obrigados a votar em mim.
- Tudo bem, mas você não quer pelo menos tentar?
- Vocês vão se ferrar.
- Deixe que tentemos, pelo menos - suplicou o prefeito.
- Por que só agora tem o interesse de cuidar do Castelo?
- Simplesmente estou fazendo o que o Milcíades de Sá não fez - disse, mencionando o prefeito anterior. - E eu estive muito ocupado nestes anos.
- Esteve ocupado nas festinhas em Paris que eu sei...
- Todas estas festas foram no fim de semana, querido. Sou considerado um dos 3 melhores prefeitos que o Rio já teve, e não foi à toa. Não brinco com o dinheiro público, entre outras coisas...


Última edição por Admin em Dom Nov 28, 2010 10:46 pm, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Admin Seg Ago 23, 2010 1:11 am

- Tudo bem, mas me desculpe, “mate”, não posso quebrar esta para você... pelo menos não agora. E mesmo se eu quebrar, o povo clamará meu nome novamente, porque, quer queira ou não eu tenho a maior influência naquele lugar. Os amo verdadeiramente e se depender de mim estarei com eles até poder andar com as próprias pernas. Tô falando sério, não posso deixá-los na miséria. Fui incumbido de cuidar daquela galera assim como cuido dos meus amigos, eles são meus amigos. Queria que você finalmente pudesse entender o meu lado.
- E por que você não entende o meu? - indagou o prefeito. - Vamos ser sinceros: você tem um curral eleitoral e tanto ali no Castelo. Não quer perdê-lo, o que é natural. Mas, o que está fazendo é viciá-los, não quer que eles finalmente sejam beneficiados pelo Estado e um dia isto irá se voltar contra eles, pois nem sempre você estará lá para cuidá-los. Vamos fazer assim, você tem 2 meses inteiros para pensar em minha proposta, está bem?
- E se eu recusar?
- Não seja malcriado, menino, nós entraremos ali de qualquer jeito. Mas, te respeito muito porque te adoro e reconheço o bom trabalho que tem feito ali. Só não queremos discutir, muito menos brigar. Amo o seu jeito.
- Ok, você me ama – disse Sidney, enchendo mais um pouco do copo – , se me ama mesmo me deixe fazer meu trabalho.
- Muitas pessoas me cobram atitude, muita gente quer o morro do Castelo tinindo de novo, como o resto do Centro. O bairro da Misericórdia já está recebendo nosso trabalho, você deve ter visto... não podemos deixar fazer todo o trabalho sozinho. Entenda que de dependesse apenas de mim eu o deixaria em paz. Sabe que não tenho esse poder – disse o prefeito, levantando-se. De súbito, envolveu o pescoço do indiano em seus braços, como se disposto a aplicar-lhe um carinho de irmão. - E você vivia reclamando de nossa omissão, e quando realmente chegamos a nos interessar pelo morro você pretende nos enxotar. Tá, você não quer perder a mama...
- Não há mamata alguma, cara – interpelou Sidney, olhando-o no alto de sua cabeça. - Deixe-nos em paz, sim?
- Acabei de dizer, eu deixaria, não fossem os pedidos para que eu deitasse minha administração ali. Eu lhe suplico, não perderás nada, nada mesmo. Do contrário, com nossos trabalhos unidos o povo só terá a ganhar. Não expulsaremos você ou o seu trabalho do morro, apenas se sujeitará a um refinamento. Pense nisso. Você tem 2 meses inteirinhos para refletir sobre o assunto.
- Não refletirei sobre nada, me desculpe. Resolvamos agora.
- Não, me desculpe, mas eu me recuso a resolver isto agora com você. Vejo que está de cabeça quente. Sério, pense com carinho sobre isto – disse o prefeito, erguendo o corpo. Logo após retirou um bilhete dourado do bolso. - Veja, este é um convite para a minha festinha hoje à noite. Está certo que ainda estamos na quarta-feira, mas este pessoal estará no Rio até amanhã. Fique com isto, se não tiver nada para fazer compareça. E claro, não pense que estou comprando você com este convite.
- Tudo bem, tudo bem, vou pensar – disse Sidney, verificando minuciosamente o papel plástico. - Antes... antes mesmo de 2 meses te darei uma resposta.
- É assim que se fala, toca aqui – disse o prefeito, estendendo a palma da mão para ele. Ficou no vácuo.
- Depois a gente se fala – concluiu Sidney, levantando-se e rumando em direção à porta. O assessor ajudou-o a abrir a porta e o indiano pediu que Riana se levantasse, pois já estava de saída. César Sampaio recostou-se na porta de seu gabinete, com os braços cruzados e engolindo seco, porque queria muito que o assunto terminasse naquele momento, e estava temeroso em uma possível recusa de Sidney, mas constatou que seu “adversário” possuía o ego do tamanho de um bonde. Previa uma batalha sangrenta, do tipo que só matando Sidney ou espremendo seus recursos até o osso é que abraçaria o morro do Castelo como se devia.

Sidney desceu o elevador com Riana sem emitir uma palavra, mas seu rosto não estava sério. Esbanjava uma indiferença que incomodava sua acompanhante e ela resolveu quebrar o silêncio tocando em sue rosto. “E então, como foi a conversa? Tá, não vamos falar agora, você diz quando estivermos lá fora, tá bem?”, perguntou ela. Ele nada respondeu. Ao chegarem no estacionamento a motorista fora flagrada tomando cerveja e Sidney não teve saco para repreendê-la – já que seus pensamentos prosseguiam imersos na conversa fugaz que teve com César. Apesar do indiano gostar de um goró detestava que seus motoristas guiassem um veículo movidos pela birita – , e caiu preguiçosamente no banco da frente.

- Deixa eu dar uma olhada aqui – disse Riana, virando parte do paletó de Sidney e retirando um pequeno dispositivo circular. - Ah, grampeei um gravadorzinho em você, no caso dele ter dito alguma coisa todos nós ficaremos mais espertos.
- Tivemos uma conversa bem amistosa, querida – disse Sidney, observando Riana colocar o gravador no bolso. - Me deu 2 meses para pensar, disse que tem gente de cima pressionando ele, essas coisas. Nem é preciso dizer que pensarei bastante antes de ceder nossos “domínios” ao Estado. Vamos pra clínica.
- Eu te diria para não ficar nervoso quanto a isto, mas não adiantaria – disse ela, passando a mão em sua testa - , o que pretende fazer agora?
- Resolver um probleminha com uma ruiva, depois pego minha filha na escola e dou atenção total a uns colegas que não vejo há um tempo.
- Não precisa de minha ajuda em nada? - indagou a mulata.
- Não. - A partir disto Sidney calou a boca, disposto apenas a deixar seus pensamentos trabalharem e Riana percebeu que queria um momento só dele. Sentiram o vento acariciar suas madeixas e seus rostos jovens e ele mal percebeu quando estavam de volta à clínica, no bairro da Glória. Ali o vento açoitava seus corpos, pois estavam próximos à praia do Russel, há dezenas de metros da Baía de Guanabara e do Largo do Machado. Sidney pediu a si mesmo para descansar, mas antes de tudo queria ver a ruiva moradora do morro do Castelo. Flagrou a mulher dormindo em uma rede feita por ele mesmo, nos fundos do local. Estava junto com a filha, que também dormia, além de Geórgia, que estava sentada, sendo vencida pelo sono, quase deixando cair um livro grosso no chão. Tal livro intitulava-se “O Desaparecido ou Amérika”, da autoria de Franz Kafka. O livro preferido de Sidney, que aproveitou a deixa para alisar os cabelos longos de Geórgia. Esta despertou surpresa.
- Me... me desculpa, acabei caindo no sono – murmurou ela, recompondo-se. - Como foi a reunião com o César?
- O que eu previa – respondeu ele, rapidamente. - Não precisa se desculpar. Estou levando as duas para a minha casa, depois encaminharei a mulher para o centro de reabilitação, acho que você já conhece sua história.
- Sim, ela me contou... quase tudo. Está pretendendo mesmo cuidar da filha? Não terá problema com Bonnie?
- Não, porque Bonnie sempre gostou de crianças – respondeu ele, abaixando-se, indo de encontro ao rosto pálido da ruiva sardenta. - E eu contratarei uma babá. Aliás, farei isto agora mesmo e aproveitarei para contatar de novo uma velha conhecida da reabilitação.
- Sim... - Sidney voltou a conversar com a pastora Leci, que confirmou a ida da ruiva para a casa no dia seguinte. Tudo o que podia agora era levá-la em sua casa após aproveitar para pegar Bonnie no colégio. Marcavam 16:35 no relógio e ele já devia se preparar para arrebatá-la do liceu e logo após enchê-la de perguntas sobre como foi a relação com os alunos, entre outras coisas. Geórgia não queria cobrá-lo sobre a resposta dele quanto ao seu pedido de namoro, então ficou quieta. Deixou para depois. Sidney despertou a ruiva com um beijo na testa, o que a fez levantar-se de um salto. A criança despertou e o rosto marrom e oleoso do médico foi a primeira coisa que viu. Sorriu com gosto e avançou sobre ele, desferindo um abraço e beijos. Sidney disse: - Vamos para casa hoje, mas antes preciso pegar minha filha no colégio, sim? E seguiu-se assim.

Pegou seu Modelo T da garagem da clínica, pôs as duas lá dentro e despediu-se de Geórgia, partindo dali com velocidade. Quase colidiu o veículo com uma carruagem. A ruiva – ao seu lado – olhava para ele e chegou com sua cabeleira para perto, jogando-lhe um charme. Respirou fundo, antes de sentir a criança lourinha meter a cabeça entre os dois. “Nossa, nós parecemos uma família”, disse a mulher, sorrindo. “Eu adoraria ter uma família contigo”. Sidney não disse nada, pois sabia que a primeira coisa que iria falar era que desejava sim ter uma família, mas com Vlada Deslyakova, e aguardava pacientemente seu retorno.

Em 15 minutos chegaram ao colégio de Bonnie. Observaram a zeladora abrir o portão e aquela enxurrada de crianças e pré-adolescentes irromperem o recinto com as gritarias e risos habituais, abraçando e beijando seus pais. Sidney tinha controle total em seu nervosismo, mas sua língua retangular não parava quieta no céu de sua boca, queria presentear a guria por ter participado de seu primeiro dia escolar, mas fora tão apressado que esta ideia chegou com atraso em sua cabeça. A ruiva mantinha-se sentada na parte da frente do caro e a criança olhava tudo com curiosidade radiante. Os olhos castanho-escuros de Sidney varreram todo o perímetro, procurando a ruivinha, até que a achou e fitou-a caminhando normalmente entre aquela turba, não sendo tocada, agindo como um lindo e perfeito espectro amarelo em meio à neblina – pois o local fora tomado pela névoa formada pelo frio. Marcavam 17:08 da quarta-feira. Os cabelos da garota tomavam vida naquela brisa, rubros, grossos e esvoaçantes, dividindo a atenção com seus olhos pequenos e azuis. Sua boca carnuda arroxeava em contato com o frio e tanto ela quanto seu corpo clamavam pelo aperto do tronco e membros de seu pai. Bonnie olhou para Sidney, Sidney olhou para Bonnie, e eles se estudaram rapidamente, sorriram docemente como os apaixonados que eram. Se espremeram num abraço forte e gostoso.

- Ai, que saudade desse abraço – suspirou a menina, afundando seus dedos pequenos nas costas do pai. - Que bom...
- Você fala como se estivéssemos separados há meses, querida – disse Sidney. - Mas, vejo que o horário integral te fez um certo mal, ou estou errado?
- Está certo, mas vou me acostumar com isso – respondeu ela. - O primeiro dia sempre é péssimo, não? Agora, eu só quero ir pra casa descan... quem são aquelas pessoas?
- Ah, deixa eu te apresentar – disse ele, aproximando-se com a filha. - Patrícia, esta é Bonnie Silvestre, minha única filha e Bonnie, esta é Patrícia Lazaroni e sua filhinha, Grace Kelly. Estou ajudando-as particularmente, Patrícia será encaminhada à casa de reabilitação da pastora Leci e Grace ficará conosco até ela se recuperar.
- Muito prazer, encantada – cumprimentaram as duas. Depois, Bonnie afagou a menininha nas bochechas. - Que bonitinha, vou gostar de ter uma irmãzinha.
- Eu sei, sabia que você iria gostar – disse ele. - Bom, vamos para casa, hoje sou eu quem fará a comida!

Bonnie vibrara, mas com desconfiança. Sidney fora comunicado que a clínica fechara o expediente. Geórgia queria vê-lo, mas ele recusou, com delicadeza. Todos subiram o morro do Castelo debaixo de neve, que começara a dar as caras novamente. Não se podia ver o crepúsculo, pois o clima embranquecia todo o céu e parte da terra. Abriram o portão e o Modelo T foi posto de volta à pequena garagem, para logo depois ser coberto pela lona. O frio apertava, a neve também e eles correram até o interior da casa, fechando a porta rapidamente para não pegar tanto frio. Sidney acionara a lareira da sala de estar e Patrícia permaneceu em pé, esperando o pedido dele para que se sentasse no sofá. Já sua filha pulava em um dos sofás como se fosse brinquedo e pulou sobre Bonnie, agarrando-a alegremente. Patrícia pediu para que ela se aquietasse, mas Bonnie disse que não era necessário, pois divertia-se verdadeiramente com a criança. Sidney deixou suas roupas estiradas no chão e verificou o que tinha para comer na geladeira. Com a cara enfurnada lá dentro, chamou a convidada, que deslizou com extrema timidez até ele. Bonnie prosseguia brincando com a criança e aproveitando a solidão fugaz entre os dois na cozinha Sidney tomou Patrícia nos braços e a beijou ardorosamente. Patrícia não se desvencilhou, sequer moveu um músculo para trás, porque ela queria ser beijada por ele, mas não pedia. Sua língua triangular enrolou-se na língua retangular dele, fluídos foram trocados e seus lábios foram afastados quando pequenos passos foram ouvidos indo em direção à cozinha. Bonnie carregava Grace no colo e perguntou se precisavam de ajuda para qualquer coisa que fosse. “Obrigado, coração, só estamos vendo o que vamos preparar para a janta”, respondeu o indiano, despachando a menina. Ao retirar seu corpinho pálido do recinto os dois voltaram a se beijar, e aproveitando a entrega sincera destes Bonnie pôs Grace no chão e pediu para que esperasse na sala de estar. Fitou os dois entrelaçados e encarou-os com raiva transbordando em seus olhos azuis como safiras.

Bonnie ficou em seu quarto, despindo-se enquanto via a criança brincar com as bonecas, seus velhos brinquedos guardados no fundo de seu armário negro, e Grace não preocupou-se em retirar as teias de aranha que estavam encrustadas nelas. A ruivinha se entreteve enquanto trocava suas roupas, mas a ira assomou-lhe a cabeça como nunca, mandando às favas o prazer que sentia ao ver a pequena hóspede se divertindo. Ela não tinha culpa das safadezas do anfitrião, que enganara mais a si mesmo, falando uma coisa e fazendo outra, como quase sempre. Tinha o dom de magoar qualquer um de um jeito único e novamente agia conforme a cartilha. O que a ruivinha poderia fazer? Sentou a bunda na borda da cama e tentou arquitetar a melhor maneira de Sidney tornar-se um adulto fiel, mas era praticamente impossível. E há quanto tempo preocupava-se com as puladas de cerca do pai? Devia convencer-se de ele que não possuía o menor respeito por si mesmo.

Sidney colocou a mão na massa cortando os legumes e verduras enquanto Patrícia cuidava dos filés que seriam assados. Colocaram o arroz e o feijão para cozinhar e o cheiro bom das carnes atiçou o estômago da criança, que correu para baixo e invadiu a cozinha sorrindo, esfaimada. Bonnie permaneceu sentada de corpo inteiro em sua cama fofa, pensativa. Um tímido raio de sol tocou seus olhos, fazendo-os reluzir em absoluta beleza, algo que devia ser visto pelo pai e por qualquer outra pessoa, mas ninguém estava ali além dela mesma. Recolheu-se à solidão com dedicação, uma solidão que procurava na sala de aula, mas não achava. Detestara aquele lugar e os demais alunos, inclusive o carequinha, no qual pareceu se dar tão bem. Lembrou que depois do incidente com a lourinha cacheada todos a olharam feio, praguejado tantas vezes que perdiam a conta. Poderia pedir para que Sidney a transferisse ou contratasse uma professora particular, mas temia pela paciência dele, até quando iria se sujeitar aos seus caprichos, mesmo a amando de forma arrebatadora. O cheiro forte do aroma saído da cozinha fazia seu estômago revolver, mas a fome primitiva batia de frente com a vontade de ficar no quarto. Patrícia já era considerada por Bonnie uma “piranha”, mesmo sabendo que provavelmente Sidney quem a seduzira – pois quase sempre ele tomava a iniciativa – , como todo bom safado. Sumido o misterioso raio de sol o ar do quarto fora invadido por uma onda gélida e a neve lá fora não parava de cair. Queria perguntar ao pai como fora a conversa que teve com a bichona da prefeitura, mas... não arredaria o pé lá de cima. Uma hora Sidney a chamaria e, percebendo a insistência da filha se enfurnar no quarto, rumaria até seu encontro, querendo saber o que estaria acontecendo. “Deixe ele vir, então”, pensou ela. A porta estava entreaberta e a inglesa não tinha forças para mover seu corpo e fechar. Fechou os olhos, reclinou sua cabecinha no travesseiro e acomodou-se em sua cama. Abraçou a comodidade, tentando aconchegar a alma. Respirou fundo.

40 minutos depois a comida estava pronta. Sidney colocou os pratos na mesa e Patrícia concluía o preparo do suco que fazia. Pôs na mesa junto com o sal e os copos e a criança não queria esperar Bonnie descer do quarto para juntar-se a eles. Sidney lembrou dela e subiu as escadas para chamá-la. Gritou por seu nome sem sair do meio dos degraus: “Bonnie, a janta vai começar, venha, não vamos começar sem você!”. O brado despertou Bonnie, que queria descer para vê-lo, mas retornou à sua vontade de ficar aqui, não queria descer para olhar para a cara de Patrícia, pois não queria trincar os dentes de raiva e ter um ataque, seu maior desejo era não afundar seus caninos naquele pescoço magro que a ruiva tinha. Não queria magoar o pai, obviamente, apesar dele mesmo tê-la decepcionado uma penca de vezes. Pegou o cobertor e pôs em seu corpo. Sidney voltou à sala de estar e Patrícia perguntou sobre ela. “Acho que ela está dormindo”, e o indiano subiu novamente as escadas, desta vez disposto a falar com a ruivinha pessoalmente. A porta estava entreaberta, mas cessou seus passos e deu batidinhas na porta. “Você está aí, querida?”, perguntou docemente. Claro que estava. Bonnie queria vê-lo insistir mais um pouquinho. “Se estiver se trocando eu volto depois, sim?”, indagou o homem, e assim sua filha abriu a porta para ele.

- Papai, eu gostaria que o senhor mandasse essa mulher embora – suspirou Bonnie, encostada na porta e enfurnada em um casaco de lã vermelho e amarelo feito por Sidney, tão grande que escondia suas partes íntimas (usava apenas o casaco e a calcinha branca) – Por favor.
- Por que, se ela mal chegou? Ela irá embora amanhã – disse ele, abrindo os braços.
- Por que toda a mulher que o senhor conhece o senhor tem que levá-las para a cama? - indagou a menina, o que provocou certo baque no pai. - Está certo que sou sua filha, mas não tem uma mulher que o senhor pretende ficar até o fim? Não está preparado para ficar com...
- Eu já entendi, coração, já entendi – disse ele, com impaciência. - Depois conversamos sobre isso, pode ser? Estamos com uns filés prontos para ser comidos e simplesmente não posso ficar batendo boca contigo aqui sobre isso. Juro que depois a gente conversa.
- Não...
- Vamos jantar, vamos lá, vista uma calça, uma saia e vamos jantar – disse ele abraçando-a. Bonnie entristeceu-se, e quando Sidney virou-se para descer as escadas a pré-adolescente debruçou-se na parede, arfando como se tivesse corrido a cidade inteira, sendo devorada pelo ciúme, a visão de seu corpo sangrando de tanto que sofria pelas safadezas do pai. Nada que não pudesse suportar, mas que sofria, sofria.

Bonnie pôs uma calça jeans e voltou para a cama. A janta estava sendo servida e Sidney fez um pratinho para sua filha e subiu com ele até o quarto da menina, que escondeu o sorriso quando ele entendeu que queria ficar sozinha. O cheiro da refeição fez doer o estômago de Bonnie, que tomou o prato das mãos de seu pai sem cerimônia. Sentou na cama, ajustou o garfo em sua mão e atacou a comida. Sidney cruzara os braços, observando a dedicação com que a guria comia – metendo os olhos no prato, como se não tivesse comido na escola – , e seu rosto mal aparecia, pois fora parcialmente coberto por seus cabelos. Ele queria deixá-la em paz naquela noite, mas ao mesmo tempo pensava em conversar, queria perguntar sobre como foi a experiência na escola, além de outras coisas. Precisava dizer sobre a relação que tinha com Vlada e sobre o que resolveria com a norte-coreana CL. Um dia ela iria saber, mas Sidney decidiu que fosse por ele e de um modo menos traumático. Sentou-se na cama da filha, colocando os pés no caixão desgastado da mesma.

- Não vou perguntar o que foi – disse ela, de boca cheia – , porque sei que está doido para me dizer alguma coisa, né?
- Isso mesmo, mas não fale de boca cheia, coração – respondeu Sidney, calmo e sorridente. – Apenas ouça o que eu tenho a dizer. Você sabe que CL está voltando para esta casa, me mandou um bilhete dizendo que voltaria e tudo mais, mas como você já deve ter sacado não confio nela tanto quanto antes. Tem que ter alguma vergonha na cara, né não? Eu estou esperando outra pessoa, ela virá em novembro e você com certeza irá conhecê-la, passará a conviver com ela. Antes que pergunte, não é mais uma piranhazinha que coloco aqui em casa ou como você mesmo deve pensar, uma mulher indefesa na qual aliciei, não, é uma jovem séria que está trabalhando duro para ter uma vida confortável no futuro. Em matéria de conforto ela também pode contar comigo, mas quero que ela se torne parte da casa.
- Hum... – grunhiu Bonnie, engolindo com pressa o bolo de comida que levou à boca. – Não é a primeira vez que o senhor fala nisso. Tem certeza de que não vai se enganar depois?
- Não, desta vez é sério, e por ela estou tentando me abster de ficar fisgando uma mulher aqui, uma mulher ali, eu já estou ficando velho e não vou poder ter esta disposição natural por muito tempo. E também, em respeito a você.
- Sei... – Bonnie o fitou seriamente, engolindo a comida. – O senhor sabe que estou farta deste bando de mulher que aparece aqui. Apenas quero que o senhor tenha uma vida normal com uma mulher decente e quero muito me orgulhar, como filha. Não posso eternamente aguentar esta situação, o senhor me entende? Então, não irá ficar com CL? E quando ela voltar, o que pretende fazer?
- O que pretendo fazer além de mandá-la embora de volta? –indagou ele, cruzando os braços. – Eu a adoro, mas assim como você detesto a falta de compromisso dela, que em certo ponto chega a ser pior que a minha. Eu até estou querendo mudar, mas não sei sobre ela em relação a isto, CL é uma mulher imprevisível, desde que ganhou o reality show as coisas só pioraram entre a gente. Eu também quero ficar na minha, até pelas minhas pretensões políticas, não quero mais ser conhecido como um maluco que faz o bem, mas que vive pendurado em boates, angariando novos relacionamentos, com gurias ainda mais novas, sexo, escândalos, todas estas merdas...desculpe, você está comendo, huehe. E isso em respeito a você, também, pois eu te amo, mais do que qualquer outro ser humano neste mundo. Não quero te fazer sofrer. Claro que sofrimento torna as pessoas mais maduras, manda os mimados para a puta que pariu, mas não quero te fazer sofrer. Eu, não e não dessa forma. É...está gostosa a comida? Eu que fiz...com a ajuda da Patrícia, claro.
- Está boa, sim. Esta mulher...acho que já vi ela.
- Provavelmente viu. Patrícia morava aqui no Castelo, num barraco de madeira perto de um precipício. Como você sabe que estou fazendo casas populares pra galera queria fazer um para ela, mas enquanto isto vou encaminhá-la para um centro de reabilitação na Zona Rural. Amanhã eu despacho ela pra lá, mas ficarei com a criança por uns tempos até ela se recuperar, contratarei uma babá e estará tudo certo. Como você gostou da Grace tudo fica mais fácil pra mim.
- E qual o nome dessa mulher que o senhor está esperando? – indagou Bonnie, enchendo o garfo novamente.
- Vlada Deslyakova – respondeu ele. – É uma modelo russa meio famosa, rica, que acabou conversando comigo 1 dia antes de eu subir a serra para te pegar em Paty do Alferes. Júlio me apresentou, algo que agradeço a ele imensamente e ela está mudando meu jeito. Até conversamos algumas vezes pelo computador e...
- Desculpe interromper o senhor, mas pode ser uma aproveitadora ou algo assim. Ela pode estar enriquecendo, mas deve ser totalmente sozinha, modelos quase sempre são...
- Ela vai casar comigo justamente para deixar de ser sozinha. E não estamos falando de uma neo-CL, a Vlada é mais séria, muito mais. Bom, depois conversamos mais sobre isto, não quero deixar as duas jantarem sozinhas, sim? Beijocas – Sidney beijou a testa de sua filha e se mandou, fechando a porta do quarto. Bonnie terminou sua janta sem dizer uma palavra, apenas matutando sobre como seria a mulher que Sidney dizia gostar. A curiosidade lhe dava ainda mais fome, o que a fez romper seu isolamento para descer até a mesa onde todos estavam jantando para colocar mais comida. Assim o fez, ignorando a presença de Patrícia, ciente de que era o primeiro e último dia dela na quinta. Retornou ao quarto e comeu devagar. Após perceber que os três estavam na sala de estar vendo televisão, foi sorrateiramente até a cozinha dar uma lavada no prato e em seu garfo. Permaneceu trancafiada no quarto, até que bateram a porta. Era Sidney novamente. – Esqueci de dizer: como foi seu primeiro dia de escola?
- Quer primeiro a notícia boa ou ruim? – perguntou a menina.
- A ruim.
- Agredi uma garota lá, pois achei que ela iria começar a implicar comigo, me olhava esquisito, sem contar que antes disso me mandou para aquele lugar quando pisei em seu pé sem querer – disse a ruivinha. – Passou o primeiro tempo de aula inteiro me olhando, o que eu poderia pensar?
- E... ?
- Ela é a filha da diretora – disse ela, sussurrando.
- Que coisa, eu recebi um email dela falando sobre isso, hoje. Me pediu para vê-la na sua casa neste sábado, me deu o endereço e tudo mais...estou pensando a respeito. Sinceramente não achei que você cometeria uma besteira dessas logo no seu primeiro dia de aula. E a notícia boa?
- A notícia boa é que estou sendo temida pelos valentões do colégio, que viram a briga, viram a pessoa que bati a cabeça na parede e resolveram não se meter comigo – respondeu Bonnie, não escondendo seu sorriso. – Pelo menos para isto serviu, né?
- E por que alguém iria se meter contigo?
- Sempre existe um engraçadinho ou uma engraçadinha, papai – disse Bonnie. – Está muito frio, entre no quarto, não fique falando da porta. Tem sempre alguém disposto a acabar com o nosso dia. Quanto ao senhor ir à casa da diretora...não faça isso. Sei muito bem o que aconteceria lá.
- Sabe mesmo? Tá, não vou te fazer de tola. Eu não vou, certo? Inclusive vou ligar agora para ela dizendo que não vou, veja só. – E Sidney realmente pegou o celular de seu bolso.
- Não adianta ligar para dizer que não vai, se o senhor pode ligar novamente para dizer que sua recusa foi um mal entendido, etc.
- Quer dizer que a senhorita ruivinha não acredita em mim? – indagou ele, expressando espanto no rosto.
- Me desculpe, mas... é isso mesmo – respondeu ela, desviando seus olhos azuis dele.

Sidney retirou-se do quarto, trancando a porta com delicadeza, não querendo explicitar seu incômodo. Bonnie retirou seu velho caixão debaixo da cama e deitou-se nele, de bruços e com o rosto na direção da janela, triste e chorosa. Retornando seus pensamentos escolares, não se achava com capacidade de enfrentar as pessoas, muito menos de agredi-las, algo que não aprendera com seu pai. Respirou fundo, relaxou o corpo e fechou os olhos. “Mais uma candidata à mãe para mim, e tem um monte de gente que não tem uma sequer”, pensou. “A verdade é que papai não sabe o que quer. Esta decepção toda vai acabar me matando”.

Sidney pensara em como convenceria Patrícia de que não dormiria em uma cama, mas num caixão. Claro, ela não precisava acompanhá-lo, dormiria em uma cama comum, a cama que o indiano deixava mais para as mulheres que adentravam à sua casa do que para si mesmo. Se permanecesse com ele por muito tempo Sidney também pensaria em como convencê-la de que costumava sair à noite – não todas as noites, mas saía – monitorar os animais que circundavam as dependências da quinta, além de passar parte das horas noturnas bancando o explorador, algo que não fazia há tempos, mas era uma prática que seria ressuscitada com fervor. A ruiva terminara com a lavação de pratos e rumou até ele com leveza, secando a mão com o pano de prato, colocando-o nas proximidades da pia e depois retomando seus passos delicados até ele, que fitava a paisagem pela janela, com a visão borrada pela pequena nevasca. Os cabelos de Patrícia estavam soltos, libertos. Seu casaco quadriculado era aberto no meio e justamente num momento como aquele deixou seus seios e o sutiã rosa estrategicamente visíveis. Queria arrancar um pedaço do corpo do anfitrião naquela noite, como quase todas as mulheres que passaram por aquela casa.

- Está por demais pensativo – sussurrou ela, indo de encontro ao rosto quadrado e moreno do indiano. – Não pode ser a hora exata para dizer, mas...me sinto muito feliz por estar aqui e pelo senhor estar disposto a ajudar minha filhinha.
- Sem problemas, tenho certeza que você faria por mim, se eu estivesse no seu lugar – disse ele, sorrindo com sinceridade. – A sua casa estava um trapo, arrebentada, sabe que quando ela estiver pronta te colocamos aqui novamente, mas antes se você já estiver reabilitada. Aguentaria passar uns 3 ou 4 meses seca e enfurnada dentro da casa de reabilitação, aguentaria?
- Sim, já aguentei coisa pior – respondeu Patrícia, aproximando-se dele. Pôde sentir o calor do outro corpo por centímetros. – E seria para o meu bem, eu não aguento mais beber. Gastar a indenização em cachaça e cerveja foi a última loucura que fiz.
- E foi uma grana boa, hein? – disse ele, sorrindo. – Bom, como você já está vendo sua filha terá do bom e do melhor, mas minha intenção é proporcionar esta sensação segura e reconfortante para todos os demais habitantes do nosso bairro. Eu amo pra caralho esse lugar, nunca deixaria o morro do Castelo, sei que você também ama e vai voltar.
- Sim, meu primeiro lar aqui no Rio de Janeiro. Pensar nisso tudo me deixa bastante nervosa, veja como meu coração está batendo forte – disse Patrícia, pegando a mão direita de Sidney e levando-a ao seu peito. O indiano avistara os dois seios cobertos pelo sutiã rosa, pulsando de forma excitante entre a abertura do casaco, Sidney fitando os olhos nervosos de Patrícia e sua boca entreaberta segurando o fio de saliva.
Ele não retirou a mão acima do seio esquerdo de Patrícia, do contrário, apertou carinhosamente. Chegou seu rosto no dela e a beijou gostosamente...até pensar no que Bonnie acharia daquilo. E quando pensou, afastou seu corpo do corpo da visitante.
- Boa-noite, pode dormir, se quiser – disse Sidney, apontando para seu quarto. Patrícia estranhou-o, fitando-o perplexa, pois imaginava que ele iria ceder. A passos largos andou até o recinto, deixando a porta entreaberta. A criança já estava dormindo na cama dele, provavelmente desfrutando do quinto sono. Sidney não estava com sono. Queria sair, mesmo na nevasca. Não apreciara tanto da quarta feira como queria. Passou uma ligação para a diretora da ruivinha e prontamente esta permitiu sua visita à sua casa, 23:00.

Acharia inusitado transar com uma mulher feia e gorda como aquela diretora. Este gesto seria feito com base na curiosidade, mais do que o prazer. Por outro lado Sidney pensava que seria interessante agir como uma espécie de “modelo” para estas mulheres, que normalmente não teriam a oportunidade de transar com um sujeito bonito, aparentemente jovem e forte como ele sem pagar – e como se achava. Se achava ainda mais disposto a investir nesta empreitada, romper a rotina um pouquinho, romper o costume rotineiro de meter em mulheres jovens e mais bonitas para se abraçar às feias, as horrorosas e repletas de gordura e flacidez pelo corpo. Ter a diretora na cama seria o primeiro passo e depois poderia paquerar, jogar seu charme nas demais, combinar pelo menos uma ou 2 vezes por semana para ter o corpo delas e elas o seu. Estava convencido de que mulher alguma recusaria. Considerava estas umas perdedoras, mulheres geralmente frustradas, de baixa alto estima e enfurnadas em suas próprias decepções, tendo de babar por um modelo de revista e tendo de desembolsar certa quantia para tocar seu peitoral, para ele fazer o que quiser com ela. O costume de ir para a cama com mulheres consideráveis “intocáveis” por boa parte dos homens era tão corriqueiro que ele tinha ciência de que um dia enjoaria. Não que tivesse enjoado naquele momento, mas o encontro com a diretora da escola municipal Franz Kafka azeitaria suas ideias relacionadas a sexo. Em sua cabeça ainda martelava o pedido de Bonnie para que se abstivesse de puladas de cerca – em respeito a ela e sua futura esposa – , mas ele não se aguentava. Talvez poderia mudar de ideia no caminho – no momento Sidney cortava a Ladeira do Seminário com seu Modelo T, as rodas queimando a neve que persistia em se encrustar em seu caminho – , pois não tinha domínio total sobre sua própria mente. O tanto que transou com algumas das mulheres mais belas daquela cidade, momentos inesquecíveis – bom, nem todos – e que abrilhantavam os dias, bocas carnudas, outras bocas finas, hálitos dos mais diferentes odores, seios pequenos, médios e grandes, alguns gigantes, bundas pequenas, grandes, firmes e flácidas, embora se divertisse tanto e com as mais diferentes mulheres achava pouco. Insuficiente. Enquanto dirigia Sidney recordou os momentos mais prazerosos e até inusitados que teve, ou melhor, os momentos inusitados eram raros. Chegou a conclusão de que vivenciara quase sempre as mesmas coisas. As numerosas transas pareciam as mesmas, uma repetição excitante que não o feria, mas até quando? Até quando não se tornaria maçante? Bonnie queria freá-lo a qualquer custo, mas mesmo e conseguisse repelir suas investidas sua mente e vontade de ir para a cama com as mais diferentes mulheres (em alguns momentos, as mesmas) seria carcomida, regurgitada. Se achava o “FODAUM”, auxiliado por seu imenso patrimônio pessoal, por sua popularidade e traquejo com as pessoas, mas simultaneamente se via tão vazio...e quantas vezes pensou a mesma coisa, pensou ser um boneco vazio, portando um cérebro igualmente vazio, que o colocava no mesmo patamar – ou até menor – de seu melhor amigo Cristiano... o quão referia-se a este descendente de japoneses com escárnio não estava no gibi, mas no fundo estava convencido de que era tudo uma máscara, uma emulação quase perfeita que blindava seus sentimentos. O amava tanto quanto amava Bonnie, mas não admitia isto nem para si mesmo. Daí, concluiu que dar “uma chance” para as feias e gordas seria uma perda de tempo, uma brincadeira prazerosa que poderia ter um troco no futuro. Estas transas inusitadas juntariam-se às transas “comuns” feitas com as mulheres lindas e gostosas, essa vontade de se divertir às custas alheias o colocaria em uma baixa qualificação, do tipo que depois não teria o direito de apontar seu dedo pardo para os outros e lhe dar conselhos. Sidney reconhecera que era cheio, carregado de mentiras, dedicações em prazeres fugazes e que até podiam render boas e masturbáveis lembranças, mas ele não podia ser só aquilo. Bonnie o queria como um homem decente. Cristiano também – onde quer que ele estivesse – e ele não era.

Uma idéia louca irrompeu de sua mente. Ele não poderia ir ao encontro da diretora, mas poderia curtir a noite com seus colegas. Ligou para o mais fraco deles, Marcelo. O celular estava desligado e sem ele, Sidney pensou que poderia se divertir com outros caras, Marcelo não funcionava sem a presença da dupla Luís e Júlio Valeretto, o gordo estilista que chefiava Vlada Deslyakova. A lista e colegas escrita em sua agenda era numerosa, muitos homens, muitas mulheres e garantia de muita diversão. Seus melhores companheiros eram Marcelo, Luís e Júlio, mas na falta deles podia contar com outras pessoas para ajuda-lo a embriagar-se na diversão. Deu uma olhada rápida em uma das páginas e deu de cara com duas pessoas que não via há um bom tempo: Marquinhos Santos e Mauro Gomes. Tremendamente bairristas e que viviam para zoar, eram ricos e trabalhavam em uma multinacional, enriquecendo ainda mais ao não fazerem absolutamente nada além de gastar sua grana em festas, drogas e mulheres. Os ricos que mereciam ser ricos e que faziam por onde, como todo jovem rico. Sidney pôs um fone em uma de suas orelhas e passou a falar com Marquinhos, sob o som de “White flag”, da cantora inglesa Dido, algo que não combinava com seu estilo nem em 1000 anos. “Quinho, há quanto tempo não nos falamos, hein? O que é, quer que eu vá aí na sua casa tirá-lo à força? Deixe de perder tempo correndo atrás de cantoras vagabundas como a Kesha, vem curtir comigo, faz um tempão que não saímos para beber, fofocar e conversar. Qual restaurante você quer que eu marque? Dorsia? Sem problemas, filhão, já farei, pode crer”, disse o indiano, sorrindo abertamente como uma hiena. As rodas furiosas de seu Modelo T percorriam as ruas parcialmente vazias e gélidas do Rio de Janeiro até que ele chegou com seu veículo ao bairro da Tijuca, Zona Norte, mais longe de sua parada habitual da boemia. A euforia sobre rodas era tanta que quase bateu de frente em um bonde, mas isso não foi o suficiente para escurecer o brilho de seus olhos. Pensou em Bonnie, em Patrícia e na filha, mas elas poderiam segurar as pontas. Era só uns goles nas cervas, uma conversa amiga aqui e ali e pronto. Estacionou seu automóvel no meio fio, pagou 5 pilas ao guardador e pulou feliz, saltitou até a porta do restaurante e cumprimentou o segurança como se fizesse troça deste, depois recompôs-se. “A melhor mesa está vaga?”, indagou ao maître, que disse delicadamente que a “melhor mesa estava esperando um dos melhores clientes”, referindo-se a ele, Sidney. Já este, deslizou como uma geleia entre os demais clientes, entrando no embalo pedindo um drinque como entrada, embora não precisasse – o Dorsia sempre presenteava os clientes mais assíduos com 2 rodadas de vodca e “ice” gratuitas. Ainda com o fone no ouvido, acionou Mauro Gomes com uma voz estridente, propositalmente, para irritá-lo. “Seu maldito, vem já para o Dorsia, estou querendo conversar contigo há tempos, aparece nessa porcaria agora!”, bradou como um adolescente. Ao deparar-se com a mesa branca como neve e as 4 cadeiras em estilo vitoriano circundando o móvel tinindo de novas – além dos vasos com rosas negras e brancas enfeitando o local – Sidney excitou-se, soltando gritinhos como uma bicha velha. Mesmo assim, retornou aos seus pensamentos. Combinou para si mesmo que trancafiaria suas loucuras sexuais, mas não abriria mão de sua putaria gastronômica e alcoólica com seus amigos. E lá estava, sentado à beira da sacada, observando a quantidade de gente que debatia com os seguranças, querendo negociar uma vaguinha em algumas das mesas e falhando duramente. Ria como uma criança ao presenciar as expressões frustradas e tristonhas daquelas pessoas, um mais exaltado querendo peitar os seguranças e tomando empurrões e porradas por isto. A boca de Sidney abria como a de um hipopótamo ao gargalhar gostosamente às custas das pessoas, seus olhos tornavam-se oblíquos e suas orelhas ruborizavam. O garçom aproximou-se com uma bandeja contendo 2 taças cheias de vodca e “ice” e perguntou se seu cliente já poderia ser servido. “Depois, antes me vê uma Coca Cola, quero refrescar a garganta de qualquer jeito”. Bebericava para tomar tempo, até que ambos chegaram ao mesmo tempo.

- Bebendo antes da gente? Não acredito – disse Marquinhos, com cabelos negros e encaracolados, magro e vestindo um terno cinza e uma camisa negra por baixo. Seus olhos eram granes e verdes, possuía uma pinta abaixo da boca e sua pele era pálida, tanto quanto o de Bonnie. – E isso é uma Coca cola, né? Porque juramos não cometer um destes pecados imbe...
- Fique frio, é Coca cola mesmo – respondeu Sidney, sorrindo. – Mas, combina contigo, pois não lembra que em todos os nossos encontros você só bebeu isso, temendo vomitar e dar mais um vexame pra gente?
- Ah, nem lembre – disse Mauro, sorrindo de forma sacana para Marquinhos. Mauro era dotado de cabelos crespo e castanho-claros, mulato e alto. Trajava um paletó bege, uma camisa regata vermelha e uma calça jeans um tanto folgada. Seus olhos eram pequenos e castanhos.
- Não acredito que vão inaugurar a sessão de fofocas falando de mim, com a diferença de que estou aqui.


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Mensagem  Admin Qui Ago 26, 2010 2:12 am

E a conversa se estendeu durante 3 horas, recheada obrigatoriamente com os risos de sempre, cantadas na esposa dos outros, até que Sidney começou a se sentir mal: tal aflição irrompeu a partir de sua barriga, de tal forma que se imaginou estar sofrendo uma diarréia. Para não preocupar os amigos, disse que estaria fora de ingressar à boate com eles naquela hora, o que acabou preocupando-os ainda mais. Ele não teve escolha. Sidney despediu dos amigos, e quando aproveitou a solidão comprou uma garrafa de vinho de abacaxi, que bebeu durante todo o seu trajeto. Pensou em tantas coisas... em sua relação com o prefeito, em como iria tirar proveito disto – pois sabia que o alcaide iria aproveitar-se também – , no calor de seu caixão e em Cristiano. Ele não podia ignorar os apelos do Rokurokubi. Cris sofria, ele sabia disso e tinha em mãos todos os recursos para ajudá-lo.

Chegou em casa entrando pela janela. Entrou em seu caixão rastejando como uma lesma.


Última edição por Admin em Seg Nov 29, 2010 9:14 pm, editado 4 vez(es)
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Mensagem  Admin Qui Set 02, 2010 5:30 am

Se aboletou em seu caixão e adormeceu rapidamente, enfurnando suas preocupações em um local inóspito, escuro e aterrorizante. Esperava mais do que nunca curar-se dos males que levava consigo, mesmo que tivesse de matar alguém por isto. Recordou o momento em que se olhou no espelho antes de encarar o chuveiro: seus olhos estavam vermelhos, ardiam em brasa, como duas labaredas, como estivesse recém-saído do inferno. Sua pele ainda adquirira uma aspereza e uma escamação medonha, do tipo que era impossível encontrar nos seres humanos mais imundos, além das unhas negras e pontiagudas. Não sabia se Cristiano havia passado por isso, se alguém de sua família havia passado ou até mesmo Bonnie, que era a pessoa mais próxima que tinha. Conhecia tanto a si, mas não exatamente o que vivia dentro de seu corpo. Já ocorreu uma vez e seu método de cura salvara seu rabo. Não sabia até quando poderia domar a situação.

Sidney começara a se recuperar com o passar das horas. Sua mente era envolvida em sonhos doces, algo diferente do que costumava passar, na maioria das vezes os momentos oníricos de seu cérebro à noite e aos dias manifestavam-se em lembranças tortuosas do passado, intercalando com o sexo feito com milhares de mulheres, escritores de merda, a busca incessante por Deus – para ver a sua face – ou por se importar com meninas autodestrutivas, do tipo que só Cristiano tomaria um tiro por elas. “Ele tomaria um tiro por muitas pessoas, o contrário de mim”, criancinhas desaparecidas, crenças sobre o fim do mundo – “O mundo não acaba, nós acabamos” – predileção por novelas brasileiras e mexicanas e algumas séries norte-americanas. Sua cabeça agia melhor OFF que ON, sua alma manifestava-se livremente em seu cérebro como uma criança em uma loja de doces, uma liberdade que o próprio Sidney invejava, pois ele faria de tudo para ser tão enérgico lá fora quanto lá dentro. Ele sabia o porque de sofrer o que sofreu naqueles dias, todos os olhos negros como grafite, as unhas igualmente negras, a cabeça explodindo, a pele escamada como a de um lagarto. Sabia, mas não lembrava. Se ele se achava melhor por estar supostamente “domando” o mal que lhe acometia, como aquilo tudo acontecia? E como Cristiano agiria se estivesse no seu lugar? Esta já passara por uma considerável carga de sofrimento, talvez até pior e mais devastadora – o que não quer dizer que ele tiraria de letra uma situação daquelas - , mas como Cristiano encararia aquilo? A saudade era tanta... algo que até não poderia admitir, mas estava convencido de que sentia. Se considerava tão diferente do melhor amigo, mas eram tão semelhantes, a partir da doença, em primeiro lugar. E em segundo, pela família. E foi Cristiano quem reinara em seus sonhos no momento atual.

Bonnie levantou-se de súbito e caminhou para o meio da sala de aula. Pediu licença para a professora – que calou-se – e obviamente tornou-se mais uma vez o centro das atenções naquele local. Tanto Roni quanto Margaux firmaram seus olhos nela e Bonnie abriu a boca, após respirar fundo e bem gelado.:

“Peço sinceras desculpas aos alunos de nossa classe e especialmente, desculpas à querida Margaux Roth, por ter sido vítima da minha agressividade. Desculpa, querida, eu pensava que iria arrumar uma inimiga, pois fui xingada por você quando esbarramos ontem. Pode me desculpar?”. Margaux assentiu prontamente, esboçando um sorriso largo no rosto. Roni mostrou os dentes alegremente, mas dividido entre a hipótese de sua nova colega estar dissimulando ou explicitando um gesto de sinceridade com grande pesar. Logo depois Bonnie moveu seus olhos e pernas em direção à sua carteira, caminhando até lá ignorando os olhares dos alunos. Roni deu um sinal de positivo com o polegar, além do sorriso aberto, então ela se sentiu calmamente em sua cadeira. Havia feito sua parte com franqueza, mas com uma pitada de desconfiança. Pensava que Margaux não engoliria a retratação tão rápido assim, nem ela e nem os demais alunos. Normalmente um peso seria descarregado das costas de uma pessoa que pedisse desculpas, mas no momento não era o caso. Bonnie estava convencida de que a pendenga não terminaria ali e que a vingança cairia para cima dela mais cedo ou mais tarde, não podia baixar a guarda tão facilmente. Seu objetivo dali em diante era retomar os estudos até a hora do recreio e ver o que seria preparado para ela no momento. A tranqüilidade deu lugar è tensão, novamente.

No início do recreio, Bonnie chegou a ser uma das primeiras a sair da sala, indo de encontro ao carequinha e outros alunos de outras salas. Roni entendeu que sua nova colega precisava de um tempo sozinha, não queria conversar, algo que já imaginava que iria acontecer. Cortou o corredor junto com os outros alunos e rumou com relativa calma até o refeitório, onde permaneceu na fila do almoço. Roni estava há poucos metros de distância da garota, com as mãos na bandeja de metal e os olhos na ruivinha. Margaux comentava o ocorrido na sala de aula com as amigas e todas riam freneticamente, até que uma das garotas, maior e mais forte, cessou seus risos, fechou a cara e pediu licença para elas, avançando mais alguns metros na fila sem pestanejar – sob os protestos dos alunos ultrapassados. Bonnie preparava-se para receber sua comida, e agradeceu a cozinheira quando o feijão preto e o arroz soltinho foram depositados nas partes mais fundas da bandeja. E logo após, o macarrão com ovos cozidos e salada de alface. A menina mais velha e forte acompanhou Bonnie retirar-se da fila com o olhar em brasa, mordendo os lábios e murmurando algo inaudível enquanto abria e fechava os punhos gordinhos. Roni fora chamado a atenção pela movimentação da guria, que armava-se como uma cobra cascavel, provocando olhares atentos de todos. Bonnie olhava para a frente, andava em direção à mesa, onde iria colocar a bandeja cheia – além do copo com suco de caju – e apreciar o gosto da comida. Roni notou os movimentos furtivos da amiga de Margaux com mais afinco e finalmente soube que ela preparava-se pra atacar sua colega. Quando o careca percebeu suas intenções e gritou para a ruivinha – “Bonnie, olhe para trás, cuidado!” – era tarde. Ligeiramente, a menina deu um impulso pesado e, com o cotovelo, desferiu um golpe certeiro nas costas da pequena, sendo jogada violentamente em cima de alguns alunos. Margaux emitira um gritinho afetado no momento do impacto e Roni, revoltado, arremessou a bandeja na cabeça da menina, que urrou de dor e cambaleou como uma bêbada. O refeitório transformou-se em um imenso alvoroço, com pessoas gritando para todos os lados, correndo e circundando os envolvidos na confusão, Roni acudindo Bonnie – que desmaiara – e alguns defensores da guria ferida partindo para cima dele, tentando acertá-lo com socos e chutes, até que o acertaram. Os funcionários afastavam os alunos gritalhões – pois estes atrapalhavam seu caminho até o pivô da confusão – e viram Roni sendo linchado pelos moleques, enquanto protegia Bonnie a qualquer custo. Chegaram os professores, que afastaram os agressores de Roni com violência, desferindo empurrões poderosos em seus peitos e rasteiras. Gritaram tanto quanto eles e obtiveram controle da situação em alguns minutos. Margaux era protegida por um dos professores, sua mãe – a diretora – interveio e chegou até a lourinha cacheada, confortando-a enquanto seus olhos mantinham-se vidrados na situação. Uma professora acudiu Bonnie e um professor ficou com Roni, levando-o todo estropiado para a sala de enfermaria. “Não acredito que as coisas chegaram a este ponto”, murmurou a diretora, que não largou Margaux mesmo quando foi se aproximar de Bonnie. “Quem começou isso, como isso começou?”, indagou ela, gritando. Fitou a ruivinha inconsciente e nos braços da professora de Matemática, que tentava despertá-la. Um médico fora chamado e quando este apareceu a diretora retomava total controle sobre tudo: os moleques que iniciaram a agressão à Roni foram postos de castigo enquanto aguardavam a Polícia – já que tendo 15 anos de idade podiam responder como adultos – e seus pais, a guria maior que dera o ponto de partida fora encaminhada à Direção e Margaux prosseguia livre, leve e solta, suportando com alegria os comentário referentes ao que ocorrera, dentro da sala de aula.

A diretora foi aflita até a enfermaria verificar o estado de Bonnie. Esta já recobrara a consciência e no momento estava curvada, tendo as costas massageadas pela enfermeira. Os olhos azuis da pré-adolescente marejavam insuportavelmente, sempre enxugava-os até perceber que o líquido que irrompia de sua vista eram vermelhos. Seu coração estava batendo mais forte do que nunca, manifestando-se juntamente com a alteração de sua pele – adquiria um verde-claro a partir de suas veias – e as unhas cresciam consideravelmente. Olhou-se no espelho da enfermaria e assustou-se com o tom totalmente rubro de seus olhos. Proporcionava medo e pavor a si mesma, embora tenha passado por situação semelhante há alguns anos atrás. Estava ciente de que seu pai também sofrera do mesmo mal, mas ela não recordava da melhor forma de extirpar os sintomas. Sentada no leito como uma criancinha, fitava a si mesma no espelho em um misto de pavor e fascinação, dado pela visão animalesca que adquirira. Seus olhos ardiam como se tivessem de ser acostumados a serem usados, seus caninos cresceram em centímetros, assustadores o suficiente para provocar repulsa em qualquer pessoa, sua pele endurecia cada vez mais, e ela temia a possibilidade de assemelhar-se a um crocodilo ou serpente. Cada vez mais que estudava a metamorfose de seu corpinho a vontade de sair daquele recinto e retornar aos braços do pai aumentava cada vez mais – embora estivesse convencida de que seu pai não estaria em casa naquelas horas, estaria dando duro no trabalho – , então, desceu da cama com um salto e verificou a porta da sala de enfermaria, temendo que fosse vista daquele jeito pela enfermeira ou por qualquer outro funcionário e aluno, pensando no susto que daria a estas pessoas. Ninguém ainda a vira com os olhos fervendo em vermelho como naquele momento, incluindo no impacto que sofrera no refeitório. Suas costas não mais doíam, a dor dissipara-se em poucos minutos – mesmo no local onde foi desferida a cotovelada – , logo, julgava-se inútil naquele lugar. A enfermeira estava em uma saleta, vasculhando alguma coisa. Havia uma aluna que gemia baixinho de dor de barriga, oriental de cabelos curtos, esta não conseguira avistar o semblante de Bonnie, que deu mais uma olhada curiosa no espelho e contemplou a mistura genuinamente adolescente, feminina e bizarra pulsando em seu corpo e rosto. Mais do que verificar cada mudança tintim por tintim de seu corpo ela teria de retornar para a quinta, assim teria o tempo todo para fazê-la. A quinta significava mais do que tudo naquele momento. Estar em um local só seu, sua casa, seu caixão – mesmo todo estropiado – , seu refúgio, o refúgio perfeito de uma menina-animal, próprio para a sua cura. A escola não significava mais nada além do palácio do sofrimento, onde com certeza Bonnie não mais teria uma boa convivência, mesmo embora pudesse se aproveitar do “oásis” personificado por Roni e mais umas poucas pessoas – estas poucas pessoas sem uma opinião formada dela – , o melhor era sair.

Embora a diretora tivesse manifestado uma certa preocupação, seu interesse era abocanhar Sidney e transar com ele, tê-lo ardorosamente na cama como seu maior troféu, como todos já sabiam. Incidentes como o que ocorreu no refeitório só prejudicariam a relação entre diretora e médico, e ela morria de medo em ter de perdê-lo, sem ao menos fazer amor com ele uma vez.

Bonnie retirou-se da enfermaria. Precisava retornar à sala de aula para pegar suas coisas, sua mochila que deixara embaixo da carteira, obviamente seria vista pelos alunos e obviamente eles se assustariam com seu semblante, mas era o único jeito de pegar suas coisas. Iria ser vista de qualquer forma, caso não fosse dar a volta pelo jardim e tentar pegar sua mochila pela janela – isso se não tivesse que adentrar pela janela, não havia outro jeito. Trotou no corredor, tentando identificar o caminho para a sua sala, até que conseguiu, pelas vozes reconhecidas. Bonnie cessou os passos e observou pelo espelho da porta o que estavam fazendo: nada mais além de comentar o incidente no refeitório, uns comentaram sobre o estado de Bonnie, comentaram sobre a covardia cometida, sobre como ela caiu em cima dos outros, comentaram sobre a suposta indiferença de Margaux, entre outras coisas. Foi fato que Margaux ao fez nada além de olhar e comentar, mas todos estavam convencidos de que seu dedo estava na reação de sua amiga. Alguns censuraram a atitude da maior, assim como a da lourinha cacheada, e estas respondiam ignorando-os. Bonnie metia os olhos nas duas garotas com raiva, queria vingar-se, rasgando os membros das duas garotinhas – e faria muito bem, caso tomasse como decisão certa – e tomaria seus fluídos como vinho, caso fosse dotada de real instinto assassino. Não podia matá-las, mas podia feri-las. Direcionou seus pensamentos em Sidney, como ele reagiria caso a ruivinha sangrasse as meninas. Logo, eles triam de se preparar para os processos, os reformatórios, as prisões. Com toda a certeza seu pai ficaria muito orgulhoso.

Adentrou à sala de aula e de imediato – duh! – foi vista pelos alunos. A professora deu um gritinho quando deu de cara com o rosto cinzento e os olhos rubros da guria quando esta dirigiu-se rapidamente à carteira e pegou seus pertences. Fitou o rosto de Margaux com desprezo. Esta a observava escondendo o riso, movendo a boca estranhamente. A guria mais velha, que prostrava-se no lado da lourinha cacheada, trincava os dentes e lambia os beiços, possivelmente querendo uma repetição do gesto que cometeu no refeitório. Cerrava os punhos assim como sua inimiga também cerrava e ambas se mordiam com os olhos, como se estivessem prestes a arrancar pedaços uma da outra com os dentes. Bonnie não emitiu uma palavra, Roni quis lhe falar, mas fora solenemente ignorado. A ruivinha retirou-se do recinto com sua mochila e sem fechar a porta. Todos comentaram o ato, zumbindo como abelhas, até que, minutos depois, Bonnie reapareceu como um relâmpago munida de um rodo e desferiu uma pancada forte no rosto da agressora do refeitório e meteu um chute no queixo de Margaux, que tombou no chão como se estivesse sido morta instantaneamente. Já a grandona, urrou de dor, firmando as mãos na ferida aberta na têmpora. Todos foram movidos pelo acontecimento, gritaram e correram. Bonnie largou o rodo quebrado no chão e encarou a professora com seus olhar raivoso, intimidador, deixando-a desconcertada. Correu dali com sua mochila, pulando a janela e cortando o amplo jardim da escola, pulando e fincando os dedos e a palma da mão no muro de 3 metros, escalou-o e saltou até a calçada da rua. Fora objeto de visão dos pedestres e rapidamente recobrou-se, andando com ligeireza até o ponto do bonde, cortando a esquina.

Ao tomar o veículo, sentou-se no banco de trás e verificou se tudo estava em ordem em sua mochila. Depois, viu o estado de seu corpo pós-fuga: os joelhos estavam ralados, ruços, seus cabelos despenteados, suas mãos ardiam e seu tronco parecia estar mais pesado do que antes, sentia a massa aumentar gradativamente, como se daqui a algumas horas não poderia andar – o que lhe recordou dos momentos em que pegou uma artrite pesada há 2 anos. Chorava compulsivamente ao se ver inutilizada, prostrada em uma cama, não podendo mover suas pernas e muito menos seus braços. Pensou que devido os acontecimentos podia chorar à vontade no fundo daquele bonde, mas não tinha vontade. Retirou um espelhinho circular de sua mochila e fitou novamente a si mesma, encarando seus olhos com mais calma, contemplando-o como uma pedra preciosa, dois malditos rubis. Não via a hora de retornar para a casa, mas como o coletivo não subiria o Castelo, soltou em frente à ladeira do Carmo, preparando-se para subir o aclive. Fora cumprimentada por algumas mulheres, retornando mais tranqüila à quinta por conta disto. Chegando lá, lembrou-se de que não tinha a chave, mas não precisava, pois podia pular a alta cerca do local quando desse na telha. E o fez.

A porta da frente – que dava para a sala de estar – estava aberta, então ela não podia fazer esforço tentando subir a janela ou coisa semelhante. A babá cozinhava alguma coisa e dava para ouvir os gritos alegres de Grace Kelly na cozinha, certamente brincando com a comida enquanto o prato estava sendo feito. Bonnie tivera o desejo de chamar a atenção da mulher, mas a preguiça impediu de sequer balbuciar qualquer palavra. Seu corpo estava pesado e seus pés pareciam pregar-se ao chão. Teria logo de subir para o seu quarto – algo que fez de imediato, após esquivar-se no corredor, tentando não ser vista por qualquer pessoa. Adentrou ao quarto de Sidney e notou a respiração deste percorrendo silenciosamente o recinto. Respiração fraca e gelada, capaz de empestear todo o local. Afinal, aquele era o quarto de Sidney, onde ele mantinha total controle. Uma parte de sua mente clamara pelo pai, queria acordá-lo para contar o ocorrido na escola, a última confusão instalada no liceu, mas em sua maioria pedira que se entregasse ao sono, a vontade de dormir transpassava todo o seu jovem corpo, algo tão perceptível e incômodo quanto uma dor de barriga, algo que não podia deixar de lado. E Bonnie retirou seus sapatinhos e jogou sua mochila no chão, entregando-se de corpo e alma ao sono, sua consciência se despedido após o bater da portinha de sua arca. Seus olhos fecharam serenamente, sua boca manteve-se entreaberta, suas madeixas se acalmaram e seus músculos se enervaram. Adormeceu tranquilamente.

O celular de Sidney estava desligado, logo ele não estava para ninguém e qualquer compromisso estava descartado naquele dia. Riana e Rihanna preocuparam-se e cogitaram aparecer em sua casa, mas lembraram que Sidney se aborreceria bastante com suas visitas indesejadas – embora quase sempre tivesse oportunidades de fazê-lo nas pessoas. Sidney já percebera que claramente seu jeito de ser estava sendo moldado pelo mal que o acometeu, remoldado para uma personalidade mais calma, aturável, menos faladeira e mais lesada. Por um lado este seu novo jeito agradaria a uma maior parte de seus conhecidos – embora não o suficiente para deixá-lo bem centrado – , do outro, demonstrava uma personalidade sem graça para os acostumados e simpatizados com a verve anterior. Sidney queria retornar ao estado atual, portanto apostara todas as suas fichas na dormida daquela manhã. A babá observou os caixões no quarto dele após ler o bilhete “não nos acorde para nada, por favor” escrito pela garota ruiva, que imaginara mergulhar no mundo do sono juntamente com seu amor durante todo o dia. Precisavam recuperar o bom andamento de seus organismos, fazer reviver a humanidade de seus corpos, retomar e abraçar de novo a normalidade, a escola não significava mais nada para ela e ao acordar teria uma boa conversa com o pai em relação a isto e certamente o indiano faria suas vontades.

Riana subiu o morro do Castelo e surgiu na casa dos Silvestre. A babá pediu para que se identificasse, mas era nada mais que uma subordinada de Sdidney e mostrou isto ao passar o crachá de identificação. A mulata entrou na residência e aguardou em uma poltrona importada, indiana, construída pelo pai do sujeito na infância deste. Estava visivelmente preocupada, tanto que nem lembrava exatamente o que aguardava, visto que a babá apenas disse que “ele estava dormindo e demoraria com isto”, e embora Riana tivesse um tempo extenso para esperar a jovem não conseguiria, pois em 40 ou em 50 minutos levantaria o bundão e subiria as escadas, procurando o semblante de Sidney para meter um beijo e um abraço, talvez algo mais – o motivo de sua visita. A babá preparava a janta enquanto Grace Kelly mantinha-se ocupada assistindo Flapjack na tv à cabo, quietinha, quietinha. Queria fazer companhia para a criança – até para desvencilhar os olhos das paredes - , mas lembrou que não tinha o menor trato com crianças, na verdade detestava-as. Acompanhar Grace Kelly na sala de estar seria uma experiência angustiante para ela, mas, ao observar bem os fios de cabelo louros da pequenina se manterem suspensos no ar em razão do vento, pensou: “o que essa menina está fazendo aqui?”. Mil coisas pairaram sobre sua cabeça. “Uma nova criança adotada?”, pensou ela. Pensou em perguntar para a babá, mas esta estava tão entretida no preparo com a comida que preferiu deixar quieto. Minutos depois a mulher lhe ofereceu um lanche – sanduíches de presunto e queijo com suco de laranja – e Riana abasteceu o bucho sem dizer uma palavra além dos agradecimentos costumeiros. Tornava a olhar para a menina, que virou o rosto para ela e sorriu docemente. Riana virou a cara num misto de raiva e constrangimento, manifestado principalmente na mastigação frenética. Concluiu que, se dependesse deles mofaria por mais tempo naquela poltrona, portanto subiu as escadas, ignorando os avisos de “não suba!” da babá.

Entrou no quarto de Sidney e deparou-se com os dois caixões Queria fazer alguma coisa, abri-los para acordá-lo, mas sua decisão foi de encontro com o pedido de Sidney, não queria ser incomodado e se acordasse, além de desferir uma “chamada” em sua subordinada poderia dispensar a babá. Riana não queria culpar-se por este desfecho, então, deixou de lado e desceu as escadas. Perguntou a ela: “porque não me disse sobre eles estarem dormindo?” e sem receber a resposta, se retirou. Marcavam 17:55.

Quando Bonnie despertou já anoitecera, marcavam 20:57 no relógio do quarto. Seus músculos voltaram ao normal, assim como sua respiração e seu corpo por inteiro adquirira o bem estar de sempre. Nada mais doía em seu corpo, então ela podia sair do caixão sem problemas, retornando à sua vida normal. Abriu a porta da arca e a mesma bateu levemente no caixão de Sidney, que ela flagrou estando vazio e aberto. Direcionou seus olhos para a janela oval e notou como nevava novamente, abrilhantando o breu noturno e tornando a paisagem ainda mais linda. Levantou do caixão estalando os dedos das mãos e dos pés, deu uma última olhada severa na urna de Sidney e saiu do quarto dele. Não podia mais sentia sua respiração no local, obviamente. O odor que a enfeitiçara no momento vinha da cozinha, certamente preparavam um cozido, o que estimulou o estômago da menina, a urrar de fome. Desceu as escadas freneticamente gritando o nome do pai. Sidney apareceu de avental e de espátula na mão, sorrindo espontaneamente para sua filha. “Oh, achei que a senhorita acordaria amanhã, espere, não me abrace agora, este avental está bem sujo”, disse ele, impedindo a investida de Bonnie. Os lábios desta foram umidecidos pela própria língua, queria comer a qualquer custo, mas o pai disse: “Lave as mãos, já estarei colocando a comida na mesa, querida” e ela atendeu sua ordem sem pestanejar. A babá já não estava ali – tinha sido dispensada – e demorou para Bonnie acreditar que seu pai havia feito a comida toda sozinho. Grace Kelly assistia televisão e antes da ruiva sentar-se à mesa foi até a sala de estar e acariciou o topo de sua cabeça, assustando a guriazinha. Grace sorriu abertamente e a abraçou, grudando o abdome em sua perna – embora Bonnie estivesse passando por aquilo em nada seus movimentos foram bloqueados – , a intenção de Grace era justamente colocá-la ao chão, executando uma brincadeira fora de hora, e sentiu-se impressionada pela “irmã” conseguir andar normalmente com o peso de seu corpinho. Mesmo assim a inglesa não estava convencida de que tinha retomado suas forças, pois realmente não estava. Dera uma olhada em seu reflexo no espelho, constatara que o rubro medonho de seus olhos sumiu, mas as “garras” mantinham intactas, apesar da pele ter retomado a normalidade. Não queria voltar a dormir – até porque não sentia sono – , logo, teria de “beber” para conseguir atingir a perfeição anterior de seu corpo. Encontrou o pai fazendo os últimos preparativos da janta, como fosse uma refeição especial: carne assada acebolada com arroz, macarrão e salada de alface. Para beber, um suco vermelho e outro suco que, pela cor e espessura podia ser manga. “Sentem-se, meninas”, disse o indiano, muito sorridente.

- Precisamos orar? – indagou Bonnie, observando Grace acomodar-se sozinha na cadeira.
- Se você quiser... – respondeu Sidney. – Tá achando que ainda tô no Hinduísmo?
- Claro que não, está comendo carne numa boa – respondeu Sidney, servindo-se. Grace prostrou-se à sua frente com o prato estendido e o sorriso amarelo e descarado. Sidney riu gostosamente por isto. – Estranho o fato do senhor não ter me convertido quando passamos os primeiros meses juntos... naquela época o senhor ainda era hindu.
- Mais ou menos, pra falar a verdade, desde a adolescência ando comendo carne escondida dos meus pais, não sabem até hoje. Provável que se soubesse, levaria umas palmadas do meu pai mesmo sendo adulto – disse Sidney, servindo à pequena lourinha. – Pegue o quanto quiser, dá para ver nos seus olhos que está morrendo de fome... não comeu o lanche que te preparei hoje? Achei que curtia torta de limão com...
- Eu curto, mas aconteceu uma coisa muito ruim na escola – interrompeu ela, visivelmente trêmula. Ainda mantinha grande temor ao pai.
- Sei de tudo – disse ele, retornando ao seu lugar na mesa. – Você feriu suas duas coleguinhas de classe, tipo, deu um chute na filha da diretora e uma porrada com rodo em quem tinha te acertado no refeitório. Claro que particularmente eu entendo sua vingança, mas a própria vingança é algo ruim. Acabou prejudicando mais o corpo delas que o seu. Falando nisso, suas costas não estão doendo mais, não é?
- Não, não estão – respondeu Bonnie, acariciando sua omoplata, outrora ferida. – Pelo jeito, nem adianta me defender, se o senhor está a par de tudo o que aconteceu. Mas creio que também deve estar ciente de que não poderei voltar àquela escola, depois dessa...
- Não tem como voltar mesmo – concordou Sidney, juntando um pouco da comida com seu garfo. – Sinceramente, eu não imaginava que você aprontaria a ponto de chegar a isto, logo você, uma menina tão bonita e comportada, que nunca me deu trabalho...mas claro que escola é diferente da casa da família, só que o que eu posso fazer por ti? Contratar uma professora particular? Você detestaria permanecer aqui o dia inteiro todos os dias, mesmo adorando este lugar, que também é sua casa. Né?
- É – respondeu a guria, cabisbaixa. – Er... tem como me instalar em outra escola?
- Claro que tem, mas você já passou da idade de arrumar briguinhas – respondeu Sidney, antes de comer. – Enquanto você estava sonhando com o Daniel Radcliffe estive conversando com a diretora por telefone e ela está aborrecida com o desfecho disso tudo, ainda mais por me querer mais do que tudo nesse mundo, haha. Ela disse que você ferrou com os planos dela, mas não ferrou não. Vou dar uma passada hoje mesmo, combinamos.
- Mas... eu achei que o senhor não faria...
- É só para calar a boca dela, a gorda age como se apoderasse do meu corpo, mas disse a ela que só iria dar o gostinho hoje. Bom, não falemos mais sobre isso. Tome seu suco, você ainda não está forte o suficiente, preparei uma quantidade pra ti e pra mim, que ando bastante fraco, o que não quero é ser confundido com um monstro aidético, vamos, encha o seu copo e coma sua comida. – Sidney percebeu Bonnie curvar-se para encher seu copo e o dele. Grace Kelly encheu o seu, quase derramando em sua límpida camisa branca, por fim dera um sorriso para dizer que estava tudo bem. Tanto o copo da ruivinha quanto do pai estavam cheios até a boca do suco vermelho, que adquirira um tom negro no fundo. Tomou um gole após comer um naco da carne assada e Sidney prosseguia com a conversa. – Te juro que depois dela só a que estou apaixonado. Mudando de assunto mesmo, amanhã de manhã contatarei outra escola, espero que dessa vez você não me decepcione. É uma menina inteligentíssima, mas que precisa trabalhar suas relações interpessoais. Sabe que não vai poder ficar sob minhas asas por muitos anos, já tá com 12 anos...
- Sim, eu sei e peço desculpas pelo ocorrido – disse ela, antes de meter mais um pedaço de carne à boca, complementando com mais um gole de suco.
- Obviamente não irei te deixar sem estudar, preciso de uma herdeira à altura para a nossa família, sem contar que mesmo se não fosse você estudaria do mesmo jeito. Algo me diz que, se você já está me dando problemas agora, imagine na adolescência, que considero a pior fase da vida, muito pior que a velhice, muito pior que você ter de ficar limpando a bunda de um bebê todos os dias... - desabafou Sidney, enquanto comia. - Deve saber que eu detesto adolescentes, mas sei que se esforçará para ser uma menina muito legal comigo e com os outros. Bom, mudando mais uma vez de assunto, espero que você não encrenque com CL quando esta reaparecer aqui neste sábado. Sério, querida.
- Sem problemas, vou tentar não te decepcionar – disse Bonnie, comendo. - Vou fazer um tremendo esforço, mas o senhor sabe como esta mulher é, vai querer entrar no meu caminho, me provocar...
- Duvido que será dessa forma agora, quando ela reaparecer não fique esperando que ela faça isso, siga sua vidinha normalmente. Ei, deixa metade desse suco pra mim, já que Grace está se esbaldando na outra jarra – disse ele, vendo a pequena enchendo o copo com o suco de manga de 5 em 5 minutos – Você já está bem?
- Sim – respondeu a menina, fitando os punhos enquanto cerrava-os. Sentiu um calafrio que quase lhe arrancou a espinha, a cor normal de sua pele retornou e já podia esticar e estalar qualquer um de seus membros com perfeição. O estado comum de Bonnie Wright Silvestre adquirira a posse de seu corpo e mente como antes, estava 100% perfeita para qualquer coisa. Tanto a dormida reconfortante quanto o líquido fizeram voltar à vida. - Como está meu rosto, papai?
- Bem mais corado, seus olhos idem, agora você pode sair à rua sem problema algum – respondeu ele, enquanto pusera o garfo em riste – Bom, esqueci que fiquei de terminar de responder algumas pessoas por telefone, preciso dar umas ligadinhas antes de terminar este prato – Sidney levantou-se da cadeira e rumou para a sala de estar, onde efetuou algumas ligações. Estava preocupado em resolver seus negócios, prestar contas pelos trabalhos efetuados no serviço social e em sua clínica, além de mandar mensagens de volta, pelas mensagens de agradecimento que recebera durante todo o dia. Mesmo estando imerso no seio de sua casa tinha de dar satisfações às pessoas, algo que Bonnie ainda não participara, por enquanto podia gozar de sua pouquíssima idade e das facilidades relacionadas a isto. Ao ver o pai enfurnado no telefone, entre risos e papos animados Bonnie começara a desejar aquele destino para sua vida. Desde sempre sentia uma fascinação pelo trabalho do indiano, o de ajudar as pessoas em obter nada em troca (pelo menos era o que aparentemente mostrava), além de angariar numerosas amizades. Tudo isto era mais interessante que a escola e em sua opinião seria mais interessante que a universidade, se chegasse lá. Trabalhar seria melhor que estudar, ser chefe melhor ainda, pois podia enxotar qualquer subordinado inconsequente e incompetente, seu salário seria melhor que eles, teria seu canto, seu trono, o fato de simplesmente poder mandar e ter seu lugar no mercado de trabalho constituía em uma coisa tentadora e especial. Por isto que a partir daquele momento a vontade de estar no lugar de seu pai foi considerado um objetivo alcançável. Mas claro, precisava estudar. Por isto mesmo, Bonnie decidiu não mais protagonizar briguinhas na escola, precisava ter o terreno fértil e tranquilo para o preparo de seu sucesso, seus objetivos podiam ser alcançados caso facilitasse ainda mais para sua própria vida. “O meio” era mais sensível e delicado que o “Começo” e o “Fim” e estava convicta de que não seria fácil chegar ao estágio de Sidney, mas que tentaria até o fim.

Após a janta Sidney sentou-se na poltrona em frente à televisão, aconchegando-se com Grace, que aboletou-se em seu colo, exalando o típico cheiro natural de criança – não o ruim – , para ele. Ainda segurava um copo do suco e em um braço do sofá estava um grande saco de pipocas, onde Grace não cansava de pôr a mãozinha, enchendo a pança logo depois. Sidney perguntou no pé do ouvido dela se poderia dizer alguma coisa, já que mal emitia frases enquanto estava na quinta, até que ela respondeu exatamente “alguma coisa”, fazendo-o gargalhar. Sua voz era doce e bastante fina, algo que o indiano já esperava ouvir.

Como Bonnie não tinha sono, sentou-se em uma poltrona na sala de estar para ler algumas revistas que o pai assinava. Atendendo ao seu gosto não tratavam-se de revistas esquerdistas, muito menos calcadas no pop, no básico e no frugal, com notícias sempre atualizadas em sua cabeça involuntariamente. Queria comer mais ainda, embora esteja cheia até o ossos de tanta carne assada e arroz com feijão. Logo, o sono veio e a ruivinha adormeceu sentada no sofá, minutos depois de Grace ter adormecido nos braços de seu pai postiço – este acompanhava um documentário sobre sovacos fedorentos, chulés, bafos de onça e outros odores desagradáveis próprios dos seres humanos. Estava muito interessado e a cada “break” para o comercial se enchia de comida. Falando em comida, Bonnie sempre acompanhava o crescimento das plantas cultivadas por seu pai, situadas no pomar e na horta construídas por ele. Retirava o que havia de maduro para o consumo da família, além de doar aos necessitados do morro quando sobrava. Naquele momento nevava pouco, a impressão era de que a neve dera uma sossegada definitiva, incluindo o frio. Sidney torcia para que não fossem mais fustigados pela nevasca, não naquele mês - “e olhe que ainda nem chegamos em dezembro” - pensou, enquanto se empanturrava de pipoca. Viu que o petisco chegou ao fim e ao caminhar até a cozinha para fazer um sanduíche – e colocar Grace na cama – quando observou Bonnie sentada na poltrona e adormecida. Primeiro, pôs a lourinha na cama, depois retornou e pegou Bonnie com facilidade, deixando-a confortável em sua cama. Depois, retornou à sua negra poltrona com quatro sanduíches de presunto e queijo no colo. Apagou as luzes e recostou-se no móvel preguiçosamente. Combinara consigo mesmo de que não sairia dali naquela noite. Seria assim até receber a ligação da diretora.

“O que está fazendo em casa, tínhamos combinado de você aparecer aqui hoje à noite”, disse ela, em tom de ordem. “Já colocou sua filha para dormir?”. Sidney respondeu: “Sim, estou, não se preocupe que estarei aí em pelo menos uma hora”. Não obstante a perturbação na madrugada apresentava bom humor na conversação. “Tudo bem, tudo bem”, disse Sidney, que desligou a televisão e rumou até seu quarto, para se arrumar. “Não precisa se arrumar, só quero que venha até aqui, pode ser com a roupa do corpo e tudo mais”, bradou a gorducha, explicitando ainda mais o desejo de tê-lo em seus braços o mais rápido possível. Acabou que Sidney fechou a casa e desceu o Castelo em seu Modelo T, justamente como a diretora queria: com a roupa do corpo.

A casa da diretora situava-se no bairro das Laranjeiras, Zona Sul carioca, um sobrado branco preso nas encostas de uma montanha. A mulher o recebeu aos beijos e abraços, já arrancando sua camisa e mordendo o lóbulo de sua orelha – não dando tempo de guardar o carro do visitante. Sidney demorou para entrar no clima da situação, sendo coberto pelos beijos e abraços, além de ser jogado na cama com certa violência. A diretora estava querendo devorá-lo vivo. Sidney pôs a camisinha e permaneceu deitado na cama enquanto a parceira fazia o trabalho sozinha. Sentou-se em cima dele e iniciou os movimentos de cima embaixo, cansando-se rapidamente. Trocaram de lugar. A diretora manteve-se deitada de pernas abertas e Sidney enganchou suas pernas fortes contra as pernas flácidas e cheias da mulher e beijou sua boca sem lábios no mesmo tempo em que enchia a mão direita em seus seios fartos. Antes mesmo de penetrá-la mamou seus seios até sentir o gosto do leite em sua boca. Estava na cara que a diretora desgostava das preliminares, mas temendo que seu parceiro pudesse se afastar por conta de um protesto seu, manteve-se quieta, engolindo o momento. Depois disto, Sidney iniciou

Coxa com coxa, uma respiração engolindo a outra, os braços fortes de Sidney embaixo dos gordos e flácidos braços da diretora, o movimento de vai-e-vem do indiano socando forte na mulher, com o corpo grande tremendo e suando assustadoramente – enquanto Sidney não suava em nada, ainda mais estando abastecido – e logo vieram os gemidos, sensuais e baixos demais para uma mulher enorme como aquela, algo inusitado, pois para Sidney as gordas e obesas sempre gemiam mais algo, embora estas sempre colaboravam na transa e faziam de tudo, inclusive sexo anal. Sidney esperava eu a diretora pedisse um pênis na bunda daqui a pouco, e ele não recusaria, pois para aparecer ali àquela hora da noite a parceira teria de aceitar pelo menos isto. Durante o ato sexual o sujeito não sentiu tão prazer quanto ela – que sentia obviamente o oposto, contorcendo o rosto, entortando a boca sensualmente, colocando a língua para fora pedindo um beijo “desentupidor de pia”, mais um. E Sidney atendeu ao seu desejo, sentindo sua língua circular enrolar-se na dela, que permaneceu estática em sua boca como um bife cru. Não se incomodou com isto, meteu ainda mais fundo em sua vagina e levantou sua cabeça quando ela começou a gritar. Perguntou se sua filha estava em casa, rapidamente a diretora respondeu que não, que sua filha tinha dormido na casa de uma amiguinha e que o indiano deveria se desfazer de todas as suas preocupações e neuras no momento, que ela deveria continuar se apoderando dele como um troféu a ser desfrutado naquela noite. Assentiu e colocou seu rosto próximo o do dela, que queria meter a língua em seu pescoço, tal qual uma gorda vampira ávida por sangue. Logo, o prazer veio para Sidney, que já sentia com clareza a pressão oleosa da vagina da gorda, massageando seu pênis numa boa. A diretora sentiu ainda mais prazer e agarrou-se a ele firmemente na hora do orgasmo. Ao contrário dos que tinham ido para a cama com ela Sidney não caiu em cima da mulher neste estágio – quando ela estava por baixo do parceiro – e suportou com relativa calma o peso dos seus braços e pernas. Gozou, emitindo um urro amedrontador, fazendo o rapaz pensar: “puta que pariu, imagine quando ela tiver um marido”. Observou bem o semblante suado e retorcido da mulher, que também o fitava, seus olhos encontrando-se com o dele e a boca totalmente aberta, como se esperasse uma ejaculação dentro dali.

Sidney ainda não havia chegado ao orgasmo, por isto pediu para que virasse a bunda para ele. “Tudo bem, dê o seu melhor desta vez”, sussurrou a mulher, que ficou de quatro, assemelhando-se a um frango bem alimentado, jogou seus cabelos para o rosto e lambeu os beiços. Retirou a camisinha, pôs outra e começou a meter atrás da diretora, moderando sua força, segurando os seios dela até que a mulher iniciou a gemeção novamente, desta vez sem o mesmo escândalo anterior. Toda a sua bunda – seu tamanho, largura, a abundância de estrias e pele sobrando proporcionaram uma visão inusitada e fascinante, uma bunda gorda e flácida como ele não via há muito tempo. Por isso mesmo pensou que deveria dedicar-se melhor a ela. A pressão sobre a diretora naquele momento – com as coxas dele roçando as dela – injetava grande alegria a ele, passando a abrir o sorriso, curvando-se e beijando o rosto dela. Chegou o momento em que não podia mais retardar seu orgasmo – mantendo-se lerdo nas metidas, no intuito de apreciar mais o momento - , então movimentou-se freneticamente e ao dizer “eu vou gozar”, a diretora exigiu que ejaculasse em sua boca, movendo o quadril para encará-lo, mas em vão: Sidney gozou dentro de seu ânus, e emitiu um gemido extremamente duro e posteriormente relaxante no mesmo tempo. Demorou para “descolar-se” da mulher, pois montou em seu corpo e beijou suas costas enquanto acariciava seus seios grandes, apertando carinhosamente os mamilos.

Finalmente a diretora virou-se, escondendo a todo o custo sua frustração. Sidney virou-se para ela e a beijou ardorosamente, acostumado com aquela boca elástica. “Não fica assim, não sabe como eu queria gozar dentro, da próxima vez podemos fazer direito, mas vai me deixar fazer do meu jeito em outros dias, certo?” Deixara de lado propositalmente o juramento dito para Bonnie e para si mesmo.

- Ai...não vai haver outro dia, porque eu estou pensando em viajar com meu marido – disse ela à Sidney, que não imaginava estar com uma casada, embora já tivesse com muitas anteriormente. – Estamos pensando em nos mudar para a Índia, porque sempre nos sentimos interligados com aquela cultura.
- Mesmo? Sabe que sou indiano, né? – perguntou ele, a abraçando. Sabe-se lá porque sentia-se tão solto com aquela mulher. – Eu poderia te ensinar algumas coisas, mas como você já estará de saída, o que posso fazer?
- Eu sei, mas você sabe que eu não gostei de ti por causa disso – respondeu a mulher, acariciando seu peito. – Nossa, olhando assim você parece ter 20 e tantos anos, nem parece um quarentão, é tão cheio de disposição...
- Quando exatamente você irá para a Índia? – perguntou ele.
- Semana que vem. Já preparei tudo, ele também. Claro que Margaux também irá com a gente, poderá começar uma nova vida escolar em Mumbai – respondeu a mulher, enquanto Sidney beijava seu pescoço e alisava suas coxas. – Nossa, você ainda tem disposição para transar? Não posso acreditar nisso...

Mas, Sidney parou por ali. Precisava retornar para casa e para o seu caixão – estava ficando com sono – , mas após tomarem um banho juntos a diretora queria tê-lo dormindo em sua cama. O indiano recusou e disse que precisava retornar para a filha. “Ah, falando nela, não se preocupe pois tanto Margaux quanto a amiguinha dela mereceram o que aconteceu. Sempre disse para ela não ficar se metendo com quem não presta, aquela maiorzinha já foi expulsa da Franz Kafka uma vez, mas elas insistem em ficar juntos... sua filha está livre para outra escola”. Sidney mudou bruscamente de assunto perguntando se não podiam transar mais uma vez antes dela sair fora e a diretora assentiu, dizendo que a próxima segunda feira à noite seria uma boa. Sidney secou-se, pôs suas roupas e despediu-se da mulher com um beijo e um abraço singelos, e saiu da casa imaginando como conseguiria driblar CL no dia marcado.

A sexta feira iniciou pontuada por complicações.

Além de procurar uma nova escola para sua filha, tratou de dar um ponto final em um desafio que batera em sua porta. Acordou bem – tanto ele quanto ela e a pequena Grace – e seu celular já pipocava de mensagens de texto gritando compromissos para serem feitos. Na contramão disto, Sidney esbanjara bom humor e sorriso radiante, contagiando instantaneamente sua pequena hóspede, que grudou em sua perna num abraço bastante caloroso. Eles ainda não haviam tomado banho, Bonnie despertara tarde – visto que as preocupações referentes à Escola Municipal Franz Kafka vaporizaram por completo – sob gritos e risos do pai e da guriazinha, que insistia em beliscá-lo nas pernas. Por um momento sua mente fora assaltada por um grão de ciúme, já que visivelmente seu pai e Grace se davam tão bem em tão pouco tempo, que fazendo uma comparação, tratava-se de uma menininha mais adorável que Bonnie, que se deu bem com o novo pai nos primeiros dias – todavia, sem tanta química assim. A cabeça enorme, loura e pálida de Grace era afagada pelo indiano, que se encantava com as “janelinhas” em sua minúscula arcada dentária e suas bochechas rosadas. Sidney estava sem camisa e de cueca, pronto para banhar-se, até que, minutos depois, ao tomar uma ducha sozinho, Grace adentrou ao boxe do banheiro e lhe aplicou um susto mordiscando atrás de suas coxas. Ambos riram tão alto, chamando a atenção da ruivinha, que furtivamente entrou no banheiro para escovar os dentes. No espelho pôde presenciar as silhuetas – uma de 1,80m e a outra de 1,38m – se divertindo, Sidney erguendo a guria para seu ombro e rodando, esta rindo docemente, seus cabelos lisos tampando parte de seus olhos, músicas cantadas de forma desajeitada, a despreocupação rondando o recinto de forma esmagadora para Bonnie. Esta não queria juntar-se à eles, queria estar no lugar de Grace, pois o pai era seu e o amor dele também. Compartilhar o amor dele com outra menina não estava nos planos da pré-adolescente, além disto, temia que o resultado manifestasse no óbvio, com a atenção do homem sendo disputada. O desejo de não querer sangrar Grace era genuíno, mas algo devia ser feito. Pensou que seria pior caso Sidney não trabalhasse – ficaria brincando com Grace o dia inteiro, revezando com os cuidados da babá - , ela ainda teria chances de virar a mesa, bem antes de Grace retornar para os braços de Patrícia, que só começava com seu tratamento na casa de reabilitação. Certo que iria enquadrá-lo após o retorno da clínica.

Sidney estava tomando chá com as duas meninas, pão, chocolate quente, frios e manteiga. Como sempre, Grace comia sem dizer uma palavra, mas não cessava seu sorriso. Sidney também não deixava de sorrir, mas falava, e como falava. Bonnie estava quieta e para não denunciar a sua tristeza soltava algumas frases vez ou outra. Sidney vestia um terno cinza com camisa branca de manga curta sem estampa e calça jeans clara, casando com os mocassins beges. Seus cabelos estavam penteados para a frente. A conversa com Bonnie prosseguia morna até que o carteiro passou na porta da quinta – podiam ouvir seus passos. Bonnie comeu o último pedaço de pão com queijo prato e salame e correu até o carteiro, que entregou a correspondência para ela. Engolira a vontade de rasgar a carta naquele momento, pois não era sua, portanto andou até seu pai e entregou, desejando que Sidney abrisse logo. E foi isto que ele fez.

“Caro Sidney Silvestre,

Eu, Jamie, irmão mais velho de Joana, estou te desafiando para um duelo. Há muito o senhor vem ferindo os sentimentos de minha irmã, assediando a coitada, ludibriando-a e usando a menina como um brinquedo – confundindo totalmente os papéis – , portanto, ao ferir a honra de minha parente, venho querendo vingá-la pelos atos cometidos pelo senhor.

O duelo será realizado no dia 07 deste mês, às 11:00, no ponto 3 da Praia de Santa Luzia, em frente a paróquia homônima. Usaremos sabres, floretes ou espadas, à sua escolha. Joana estará lá, para presenciar a luta, além de alguns outros dos meus parentes. Há um bom tempo venho recebendo queixas da menina sobre suas investidas, cuidarei para que nunca mais aconteça.

Obs: não fuja, pois caso ocorra irei persegui-lo até o fim.

Assinado, Jamie Campbell Boyer.”

Sidney emitiu uma gargalhada tão grande que assustou sua filha, além de ecoar nas dependências da quinta. Lacrimejou de tanta alegria – teve de secar o rosto – , o que intrigou a pequena hóspede, que ainda comia. Voltou os olhos castanho-escuros para o conteúdo da carta e dera alguns risinhos. Logo após mostrou para Bonnie, que se mordia de curiosidade. Sidney olhava de esguelha o relógio de parede, marcava 9:30. Terminando de ler, Bonnie arregalou os olhos azuis e virou-se para o indiano totalmente estupefata.
- Não entendo do que o senhor está rindo, ele te desafiou para um duelo, vai querer matá-lo! – exclamou Bonnie, mantendo os olhos azuis. – Consegue imaginar isto, ele não vai querer contar piadinhas e beber uma cerva com o senhor, entende?
- Entendo perfeitamente, minha linda, mas quem disse que ele vai conseguir me matar? – indagou Sidney, ainda sorrindo genuinamente. – Ele pode tentar, claro, mas se quer que as coisas terminem desta forma o que posso fazer? Veja bem que ele podia tentar... como você mesmo disse...conversando comigo, tomando uma cervejinha, comendo uma porçãozinha de lingüiça, batatinha frita, essas coisas, mas tem gente que só vai aprender levando fumo, o que não me impressiona.
- Mas, o senhor tem como reverter essa tensão justamente para este clima decente – disse Bonnie, tocando os ombros de seu pai, como se suplicasse por algo. Na verdade, suplicava mesmo. – Não precisa necessariamente fazer dessa forma...
- Falando sério, acha que ele toparia bebericar alguma coisa comigo a essa altura do campeonato? E está convencido de que fiz e aconteci com a Joana, não é o tipo de pessoa que se convence no papo.
- O senhor poderia ao menos tentar falar com ele. Vá a este duelo, mas não para destruí-lo, pode muito bem armar este plano b pra cima dele. Não vale a pena se sujar com o sangue del...
- Ora, há poucos minutos você pensava em querer esquartejar a Grace, vai me dizer que não? – indagou Sidney, sorrindo como um safado. – Dentre nós dois você é a quem tem mais sede de sangue por aqui, então como vem falar isso para mim? Mas, beleza, eu te juro que vou tentar fazer do seu jeito, se não der... vou agir como ele sugere aqui na carta.
- Não é assim que as coisas se resol...
- Pelo amor de deus, Bonnie, a gente vai resolver isso da sua forma, primeiramente – disse ele, voltando a sentar-se na cadeira. Fez um sanduíche com salame e manteiga e mastigou-o em 3 bocadas. – Se não der, terei que engrossar, como provavelmente vai terminar. Vamos torcer para que tudo saia do seu jeito, mas mudando de assunto, vou resolver agora o problema da sua escola – Sidney sacou o telefone fixo do criado mudo e abriu a lista telefônica, verificando as escolas particulares do Centro e adjacências.

Bonnie não conseguira suprimir sua tensão naquele café da manhã. Tomava o chá quieta, mas suas mãozinhas tremiam, tinha ciência da capacidade do pai em se sobressair em ebates, mas temia a falha dele. Sidney sempre bancava o invulnerável, o impenetrável, intangível, mas estava convicto de que tinha limitações. Para ele, estas limitações manifestavam-se em especial nos debates, onde desde pequeno quase sempre perdia e sempre era ridicularizado por isto. Na época tratou de melhorar sua capacidade de argumentação, do “bate pronto”. Aprendera a subjugar seus argumentadores na porrada, em uma centena de vezes. Bonnie tinha certeza de que Sidney pularia as conversinhas para a ação pura e simples, côo estava acostumado a lidar. Um bicho do mato, um “sarninha” na briga, indivíduo de uma resposta só. Provável que, se ganhasse o embate não se contentaria apenas em feri-lo, mas iria matá-lo. Bonnie não era a única pessoa sedenta de sangue naquela família. Claro, acompanharia o duelo de camarote.

Sidney concluiu sua busca por escolas particulares ao terminar o assunto com o diretor de um colégio religioso, metodista. Este instituto situava-se no Rio Comprido, já conhecido por Sidney – há alguns anos visitou o liceu quando foi pegar a filha de uma amante. Recordou que se deparara com alunos uniformizados de paletó negro, broche e gravatas. Um colégio aparentemente direito, sem a bagunça básica e óbvia das escolas públicas. Eles tinham até psicóloga, o que seria perfeito para sua querida filha ruivinha. Logo, o melhor seria colocá-la para estudar ali. Acertou tudo com o diretor, marcou a inscrição da matrícula após o almoço, às 14:00. A babá chegou e Sidney virou-se para Bonnie, que não conseguia cessar sua tremedeira. O indiano chegou por trás e abraçou-a amorosamente, tentando dar fim ao seu nervosismo. “Eu odeio clichês, por isso não teria coragem de dizer ‘não fique assim’, mas estou querendo passar mais ou menos coisa semelhante para ti”, disse ele, beijando o rosto dela. Bonnie aproveitou o momento para se aconchegar nos braços do indiano, respirou bem fundo.

- Não faz isso – murmurou ela. – O senhor não vai ter piedade dele.
- Bom, eu farei o possível, se ele não aceitar resolver comigo civilizadamente. Você sabe que alguns caras só aprendem desse jeito, eu também era como ele, você sabe. O cabra deve estar com sangue nos olhos, igual quando tivemos ontem literalmente, hahaha!
- Então porque não...
- Ele vai me perseguir “até o fim” como afirmou na carta. Será ele ou eu. Entendo perfeitamente que morra de medo de que ocorra algo comigo ou que eu acabe com ele, mas não acontecerá nada, não. Fique tranqüila.
- Não posso – disse Bonnie, fitando o chão como se quisesse arrebenta-lo com os olhos.

A hora H chegava e Sidney abrira a porta do porão, procurando armas brancas usadas por seus parentes – mais especificamente seu pai e seu antigo mordomo, o Ganesh. – Não achou nada além de pistolas velhas e enferrujadas, além de um escudo e lança medievais que podiam muito bem ser postos na parede da sala de estar. Fora isto dera de cara com inúmeras teias de aranha, mas nenhuma aranha. Subiu as escadas de madeira, fechou a porta e pôs a chave no mural feito para elas. Teria de comprar sua arma em alguma loja, por isto, verificou os endereços de alguns antiquários na Rua da Alfândega. Ligou e afirmaram que armas brancas estavam à venda. O antiquário “Starman” possuía diversos tipos de sabres e floretes. Sidney recordava-se de seus treinos adolescentes com estas armas na prática da esgrima, considerados por ele “perda de tempo”, pois desinteressara-se pelo esporte em pouco tempo. Mas, treinou. O jeito era reviver os manuseios e os movimentos relacionados. Do antiquário partiria para a Praia de Santa Luzia junto com Bonnie, onde encontraria o desafiante e iniciaria o combate. Despediu-se da babá e de Grace Kelly, que teve a testa beijada. Rumaram até o Modelo T, onde desceram o morro do Castelo em direção à rua da Alfândega. Disse á Geórgia que “não estava para ninguém” naquele dia.

A rua da Alfândega era caracterizada por uma via estreita para carros – assim como boa parte das ruas naquela área do Centro, como a Senhor dos Passos – , portanto teve de guardar o veículo na Uruguaiana e de lá caminharam a pé. Foram recebidos pelo senhor Jackson (nada mais que um jovem de jaqueta de couro e óculos escuros) e ele os levou até a prateleira de armas brancas. Lá estavam espadas, sabres e floretes, dos mais diversos modelos. Bonnie largou do braço de seu pai e observou fascinada as armas, katanas, escudos tribais e medievais, capacetes samurai, além de armaduras completas, que custavam obviamente o olho da cara.

- Você deve se divertir muito trabalhando aqui. Também tem espadas Jedi? – indagou Sidney, brincando.
- Não, estas já foram vendidas – respondeu o jovem, rindo. – Mas, nem sempre temos público, ultimamente as pessoas andam querendo coisas novas. Então, se importa em dizer o porque de procurar armas brancas?
- É uma coisinha particular...tá, posso falar. Terá um evento de anime e manga e minha filha quer usar uma destas espadas para combinar com a fantasia que ela usou.
- Ah, então vai alugar?
- Não, pra comprar mesmo. Ela simulará um duelo com um personagem, sabe como é estas merdas de Concursos de Cosplay, cada retardado fingindo ser um desenho, andando de fantasia por aí...
- Não, não sei.
- Ok, huehhe. Me dê um sabre – Sidney disse e Jackson saltou, mostrando a ele com o dedo a variedade de sabres que tinha, todos estavam presos em pé em uma superfície fofa.
- Dê uma olhada – disse Jackson, abrindo a porta da prateleira, onde tocou o sabre e apresentou-o ao indiano, que segurou a bainha da arma, chamando a atenção de Bonnie, que acompanhou todos os seus movimentos. Sidney firmou a lâmina da arma com a mão, bambeou-a e verificou se não havia sinais de ferrugem. – Perfeito. Vou levar.

O jovem Jackson ajeitou sua jaqueta negra e rapidamente embrulhou o sabre. Sidney pagou a quantia “R$ 90 reais) com seu cartão de crédito dourado, despediu-se e encaminhou-se à praia de Santa Luzia, onde estacionou seu carro próximo da paróquia. Marcavam 10:40 e, ao caminhar com sua filha até a faixa de areia notou a presença de algumas poucas pessoas em volta de uma árvore, há poucos metros da dupla. Bonnie irrompeu numa tensão crescente e precisou segurar-se no braço do pai, que caminhou calmamente até o grupo, esboçando um sorriso. No braço direito carregava o sbre embrulhado. Pararam há poucos metros deles e reconheceu alguns: Joana estava lá, com uma canga e um biquíni azul claro, os cabelos louros presos. Jamie Campbell Boyer, seu irmão, fazia a linha de frente, com seus cabelos louros cobrindo a testa, a bermuda florida de surfista, o peito pálido desnudo e a espada firme em sua mão direita. Usava um chinelo de dedo bastante flexível. Seus olhos azuis fitavam o semblante naturalmente moreno de Sidney com tanta ira que quisera arrancar sua cabeça. Além dos dois, estavam 2 primos e o tio, um barbudo atlético e intimidador. Sidney entregou a carta ao seu remetente, que segurou e segundos depois esmigalhou-a simultaneamente ao trincar seus dentes.

- Está com muita raiva, não? – indagou Sidney, tranqüilo.
- O que você acha? – indagou Jamie, observando Sidney olhar para Joana rapidmente. – Não olhe para ela, seu negócio é comigo. Pensei que não viesse.
- Pensou realmente isto? – Bonnie começou a pensar que seu pai deveria começar a convencer o adversário de que brigar não era a melhor coisa a fazer, etc. – “covardia” nõ está no meu dicionário.
- E nem no meu. Vamos começar isso de uma vez, seu safado – bradou o homem, que sacou sua espada e pediu para a irmã afiar. O tio fitava o indiano firmemente, de cima embaixo e Joana afiou a arma fitando seu ex-chefe, engolindo seco. Seus grandes seios brilhavam nos raios de sol, deixando o riquinho excitado. Escondeu consigo que deveria provar de seu corpo pelo menos uma vez na vida.
- Veja bem, não estou querendo arregar nem nada, mas...como minha filha disse, não é a melhor forma de acabar com um problema. Digam quanto querem – e Bonnie estapeou a própria cabeça.
- Isso não tem nada a ver com dinheiro, mas claro, um podre de rico vaidoso e convencido como você nunca pensaria nisso, é impossível, certo? – disse Jamie, cerrando os punhos. – Tem a ver com a honra de minha irmã, seu desgraçado. Você não a teve na cama, mas tentou durante um bom tempo, aproveitou-se de que era sua subordinada para fazer o que quisesse com ela, você é um filho da puta, um puto, filho da puta e safado, um sem mãe que vai morrer agora.
- Veja bem, você está com a cabeça quente, não precisamos resolver dessa forma, venha, vamos tomar algumas cervas e...
- Ele sairá daqui direto para casa e com seu sangue na lâmina dele – interrompeu o tio, em uma voz grave que amedrontou Bonnie. – Não convencerá ninguém com essa merda.
- Ei, peraí, vocês podem me processar, assim ninguém sai machucado...
- Acha que valeria a pena não arrancar um naco de sua carne? – indagou Jamie, terminando com a afiação da espada. – E não viemos aqui para brincar contigo, imbecil.
- Ok, já entendi. Bonnie, eu tentei – disse ele à filha, que tremeu como vara de bambu. Após isto, retirou do bolso um papel vermelho-claro, que ofereceu aos desafiantes.
- Que merda é essa? – bradou Jamie.
- É um documento, preciso que assine, no caso de se eu vencê-lo, seus familiares não me encherão o saco, nem o meu, nem o de minha família e nem o de meus amigos – respondeu Sidney, sério.
- Tudo bem, irei assinar, claro – bufou o louro, tomando o papel com força, retirando uma caneta da bolsa de Joana e assinando. Logo após, entregou ao oponente, que entregou para a filha. – Você tem razão, sua filha e seus amigos não tem porra nenhuma a ver com suas perversões, estuprador.
- Está certo, então. Afaste-se, Bonnie – disse Sidney, e a ruivinha correu até os arbustos. Observou Joana, que também olhou para ela, as duas emanavam aflição e queriam se falar, embora não pudessem, o tio estalava os dedos. Para a menina ele estava preparado para vingar o sobrinho caso este levasse a pior, então, Bonnie também teria de se preparar para vingar Sidney caso este morresse, o que era virtualmente impossível, segundo a guria.

Bonnie sentou-se na areia. Sidney retirou seu sabre – bastante fino e flexível, o contrário da espada grossa e dura (ui!) de Jamie – e verificou seu fio. Tirou os sapatos e as meias, contatando a ária da praia com seus pés. Joana observou-o lacrimejando e o tio já segurava uma pequena faca serrilhada. Sidney queria cumprimentar o adversário, mas este recusou com um soco na palma do indiano, que sorriu e lambeu os beiços. Jamie afastou os braços e pôs-se em posição de luta. Sidney levantou o braço direito acima da cabeça e relaxou os dedos, com o braço esquerdo segurou firme o sabre à frente de seu corpo, semi-esticando. “Agora!”, bradou o tio, que viu o sobrinho tomar a linha de frente, tentando rasgar o corpo de Sidney logo no primeiro ato, mas este moveu-se de um jeito sobrehumano e como um chicote partiu a mão direita do louro e seus dedos, todos caíram na areia, empapados de sangue. Bonnie arregalou os olhos enquanto Joana dera um grito e o tio tremeu na base, soltando uma interjeição inaudível. Jamie já não tinha a mão direita e precisou passar dezenas de segundos para que desse conta disto, gritou e caiu esperneando no chão, como uma criança. Sidney não fora sequer arranhado, saiu de sua posição de luta e quis ajudá-lo, mas o louro pegou a espada com a outra mão e avençou em cima dele, cego de ódio. Sidney moveu-se novamente com o sabre, mas recuou um pouco devido ao ataque desesperado do jovem, que não oferecia brechas visíveis, até quando virou o braço para desferir mais um ataque ao vento. Foi aí que o indiano entrou com mais agilidade e procurou ferir o braço do adversário, mas este forçou velocidade no último momento, bloqueando parte do ataque do mulato, mas por outro lado – devido a alta flexibilidade do sabre – a ponta e a parte superior (centímetros abaixo da ponta) feriram o cotovelo do rapaz, deixando-o impossibilitado de dobrar o braço. “Merda, estou ficando velho”, disse o médico.

Muitas gotas de sangue pontilhavam a areia da praia e para Sidney o assunto estava encerrado, a guerra havia acabado. Bonnie mordia as mãos de pavor e Joana chorava bastante, o tio lacrimejava e Jamie, enfurecido e lacrimoso, prosseguia. Sidney o fitou bem fundo e ao observar seu oponente erguer a espada deu o golpe final, desferindo uma estocada funda e certeira no coração. Jamie soltara a língua para fora, babando como um lunático e de olhos arregalados. Jamie Campbell Boyer prostrou-se de joelhos na areia, olhando para o céu e deitou a frente do tronco no solo, morto.


Última edição por Admin em Seg Nov 29, 2010 9:43 pm, editado 1 vez(es)
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Mensagem  Admin Sáb Set 11, 2010 4:56 am

Sidney já observava a futura reação do tio de Jamie quando o mesmo homem usou de toda a sua rapidez puxando uma pistola das costas, uma arma prateada e bastante limpa, apontou para o indiano , e este virou-se para a filha, gritando “atenta!” antes de mover o corpo para os lados. Queria confundir o atirador, seus olhos passaram por uma Joana ajoelhada e empapada de lágrimas, querendo segurar o tio, mas este estava decidido, disposto a limpar a honra de sua sobrinha de qualquer forma, querendo destruí-lo nem que fosse a última coisa que fizesse, daria seus dois braços e suas duas pernas para isto. Sidney gingou como um joão bobo ao ser movido pelas laterais quando o barbudo efetuou o primeiro disparo. Sidney desvencilhou-se, jogando o corpo para a direita, sem observar o projétil atingindo o vazio. A ira do homem aumentara cada vez mais, bufava e babava como um cão raivoso, suas pupilas ruborizaram e pronunciava palavras impronunciáveis. Bonnie pôs a mão dentro da mochila e novamente o homem efetuou um disparo, desta vez para a ruivinha. Pensou que acabar com a vida da filha de seu inimigo seria uma forma mais criativa e capaz de fazê-lo sofrer do que propriamente matá-lo, e foi isto que ele fez, atirando em Bonnie uma, duas e três vezes. Sidney irrompeu em um estado de nervosismo genuíno e alerta, sua filha morta significaria realmente a perda da vida dele também. Joana – que sabia disso mais que ninguém, agarrou-se ao tio, que desferiu uma cotovelada em seu rosto, fazendo-a desmaiar. Bonnie fora atingida na barriga – Sidney poderia ver claramente a mancha de sangue crescer no ventre de sua filha – e ofegava, mais por tensão que por qualquer outra coisa. Arqueou o corpo e fez uma careta, explicitando a sensação lancinante que sentia. O tio de Joana apontara novamente a arma para ela, mas no último momento virou a pistola para Sidney e atirou, atingindo seu ombro. O indiano demonstrou fragilidade com o ataque, ocultando sua mente ainda acesa. O tio aproximou-se apontando a pistola para ele ao mesmo tempo em que fitava Bonnie respirando fundo e arreganhando os dentes, estes afiados como navalhas, e em todos os segundos a pré-adolescente praguejava contra ele, queria trespassar sua garganta com seus dentes, devorar toda a carne de seu tronco, entre outros desejos carniceiros que nunca seriam compartilhados em mentes infantis. Tinha iniciado e abraçado uma espécie de tara e aparentemente não podia deixar de citar, certamente um dia poria em prática. Ou significava apenas um desejo fugaz, como qualquer pessoa sentiria? Sidney fixou seus olhos no dedo do gatilho da pistola e notou que o tio de Joana preparava-se para atirar. 1... 2... 3 segundos. Sidney arquitetava diversos planos neste meio-tempo. Joana novamente levantou-se e tentou imobilizar o homem, que atirou diversas vezes a esmo quando foi segurado por trás. “É a chance”, Sidney catou o sabre pelos dedos indicador e polegar e rapidamente aproximou-se há centímetros do atirador – que ainda se debatia com Joana às suas costas – e executou o golpe final, rasgando-o do pescoço até o fim do pulmão direito, profundamente. Sangue jorrou, Sidney sorriu triunfante e Joana tornou a cair no chão, impagavelmente amedrontada. Litros de sangue pintaram as areias da Praia de Santa Luzia e Bonnie observava a tudo dando pequenos risos. Sidney emitiu um sonoro “Covarde filho da puta!” chutando o rosto do louro barbudo com toda a força, quebrando diversos dentes e o nariz do já defunto. Definitivamente a guerra terminara.

- Não queira vingá-los – disse Sidney à Joana. – Me perdoe, não tinha como evitar este duelo.
- Eu... eu... – balbuciou a menina, enxugando as lágrimas.
- Bom, acabou. Este foi o resultado – concluiu Sidney, que recolheu o sabre e caminhou para socorrer a filha. Bonnie levantou-se com sua ajuda, em dificuldade, gemia baixinho, mas seu rosto não podia deixar escapar um sorriso de satisfação. Observaram Joana ainda sentada na areia, estupefata. Alguns curiosos apareceram no ambiente cessando seus passos e parando para ver o que havia ocorrido com tudo aquilo. Certo que captaram dois deitados, dois mortos. Uma loura de cabelos longos e olhos azuis mergulhados em lágrimas destacava-se daquele cenário de horror. Revezavam seus olhos arregalados e multicoloridos neles e na dupla que se afastava vagarosamente do local. Sidney cessou a caminhada de volta ao morro do Castelo quando uma viatura policial encostou à frente dos dois. Os policiais observaram impressionados quão os dois estavam ensangüentados, todavia, ainda não sabiam que todo aquele líquido não era deles. Sidney respirou fundo e Bonnie quase entrou em pânico, sendo fortemente segurada pelo pai, temendo ser presa por tudo o que aconteceu.
- O que está acontecendo aqui? – indagou um dos policiais, olhando-os de cima em baixo, além de fitar o ambiente desolador. Sidney respirou fundo e percebeu que teria um longo dia pela frente.

“Escreva, imbecil”.

“Sidney Silvestre é um indiano de nascimento, nascido na cidade de Thiruvananthapuram, capital do estado de Kerala, sul da Índia. Filho de Ram e Jesminder Banerjee, tem 40 anos de idade, pele morena escura, cabelos ondulados negros e mede 1,79m, pesa 84 quilos. Mudou-se para Mumbai (antiga Bombaim) aos 20 anos de idade, apenas para se preparar para morar na cidade de Bristol, onde conheceu sua futura filha, Bonnie Francisca Wright Silvestre, ruiva e pálida, atualmente com 12 anos. Simultaneamente construía certa fama no Rio de Janeiro, seguindo os passos do pai embrenhando-se nos trabalhos sociais na localidade do morro do Castelo, no centro da cidade. Tanto a dupla quanto sua mãe eram genuinamente queridos pelos moradores, em especial por não aliarem-se com qualquer políticos locais. Faziam o trabalho independente, atuando onde o Estado deveria atuar. Sidney já gozara de alta fortuna – herdado dos pais – , mas desvencilhou-se da sombra de Ram gradativamente, conquistando suas coisas, construindo sua estrada. Voltou para o Brasil após resolver os assuntos referentes à adoção de Bonnie, estabelecendo morada fixa na casa antiga dos pais, no Rio de Janeiro – e os pais retornaram à Mumbai. Sidney Silvestre tem um patrimônio estimado em...”

O computador entrou em pane repentinamente e o digitador precisou fazer alguns ajustes. Naquele momento, Sidney prestava os esclarecimentos juntamente com sua filha – Bonnie retirou-se da enfermaria, onde a bala foi extraída e um curativo foi feito, pouco doía, não sentia nada. Sidney acionou seu advogado – um homem negro e alto, óculos fundo de garrafa e terno marrom. Este apareceu tão misteriosamente que os policiais se impressionaram. Sidney prosseguiu a conversa sentado em uma cadeira reclinável. Como todos sabiam duelos ainda estavam permitidos no Brasil e em caso de descontrole de algum adversário a melhor opção – enquanto tinha tempo – a melhor coisa seria chamar a polícia. O advogado de Sidney tratou de recordar o delegado sobre esta possibilidade, de dar um fim ao acompanhante do desafiante. Joana também estava na delegacia e concordou com todo o relato feito por Sidney e a pequena Bonnie. Sidney sorriu para ela, logo, após tudo aquilo, eles não tinham mais nada para fazer naquele lugar. Enquanto na praia de Santa Luzia os demais policiais limparam o local do embate e Joana retornou para cuidar da certidão de óbito de seu irmão e de seu tio. Guardava imensa mágoa por seu ex-patrão, entretanto, não desejava visar sua vida. Sidney e Bonnie trocaram de roupa – o próprio advogado trouxe algumas mudar limpas e perfumadas quando apareceu – e se mandaram da delegacia direto para a casa. Ambos tinham ciência de que não completariam o trajeto sem trombar com alguns curiosos, especialmente os jornalistas sedentos por notícias referentes ao duelo. Essencialmente, não condenavam a atitude dele – “era matar ou ser morto”, pensaram 9 entre 10 profissionais da imprensa - , mas queriam saber de tudo ouvindo de sua boca. Bonnie retirara-se da delegacia olhando para baixo, aparentemente desolada, desligada externamente. Perdera sangue e embora estivesse devidamente medicada ainda vivia em choque por tudo o que aconteceu. Sidney sentou-se no banco de trás de seu Modelo T abraçado à sua filha e o advogado tomou a direção, rumando para fora do estacionamento e desvencilhando dos jornalistas e curiosos até livrar o carro de qualquer obstáculo. Bonnie adormeceu durante todo o trajeto e seu pai, ao chegarem nas dependências da quinta, tentou acordá-la, mas sem sucesso. Tratou de pegá-la no colo e pô-la em seu caixão. Ele estava cansado, portanto, antes de cair no caixão tirou a roupa e tomou um bom banho gelado. Grace Kelly ainda continuava nos braços da babá e ficou explítico que o indiano não suportaria brincar naquele momento.

Bonnie adormecera docemente, a despeito de tudo o que aconteceu. Olhos entreabertos – permitindo uma visão milimétrica de sua vista azul brilhosa – , a boca carnuda fechada e a respiração tão calma e quase imperceptível, parecia tão ter passado o que passou. Já Sidney retirou-se do box e sentou na cama que deixava para as amantes, respirando fundo até um ponto, pensativo e de olhos fixados lá fora. “Quão esta coisa iria se estender se eu não tivesse dinheiro”., pensou o homem, entrelaçando os dedos à altura do rosto, curvando-se. Por um momento esquecera do cansaço, mas seu corpo pedia o aconchego do caixão, o escuro e o descanso por algumas horas, hoje não podia trabalhar, sequer pensar em se aventurar por aí. Por isto mesmo, pegou o celular e reforçou o que todos já sabiam. Enquanto papeava pelo aparelho, começou a chover. Quase toda a neve havia sido derretida e por mais que lutasse contra o aconchego do caixão o ruído da chuva o entorpecia. Rendeu-se totalmente, retirando seus sapatos e pondo seu pijama, logo após atirou-se em sua arca como um selvagem e fechou-se nela. Adquiriu o mesmo ritmo de respiração de sua filha, buscando assim a tranquilidade perfeita.

Joana tomou posse de seu sonho, entretanto quase nada de novo fora pintado em sua mente naquele momento. Não significava nada além de uma retrospectiva do que aconteceu, com a diferença de que Joana estava no lugar de seu irmão Jamie, emulando sua ira e sua ginga. Sendo Joana, Sidney baixou a guarda e respirou lentamente, como se entregasse a luta. Estava claro que seu desejo sexual ainda pulsava forte e Joana presenciara a excitação observando o aumento do volume da calça dele! O suficiente para envergonhá-la e enfurecê-la posteriormente. Joana tomou a iniciativa, cortando-o de cima embaixo e Sidney não reagia, nada permitia, como se permitisse sua destruição. Daí, Joana percebera a mudança súbita da expressão facial de seu adversário: Sidney fechara os olhos e gemia baixinho. A cada corte feito em seu corpo, seus gemidos alcançavam a maior nota, até que fora atingida pelo cansaço e ajoelhou-se, estafada em demasia. “Você não é páreo para o meu desejo”, disse Sidney, sorrindo abertamente a ela. Fim do sonho.

O indiano despertara. Rapidamente dera uma olhada no relógio, e viu que marcavam 18:40. Bonnie já tinha saído e deixara o caixão aberto – a porta da arca pendurada para por apenas um prego pendendo para fora. Retirou-se de sua arca espreguiçando-se e coçando a cabeça. Deu uma olhada em seu outro celular e constatou que apinhara de mensagens de texto, seus colegas implorando uma balada, mas tendo duas crianças para cuidar ficava bastante difícil. O modo melhor de resolver esta pendenga seria não aceitando os pedidos por ora, até que o indiano ao menos despachasse a pequena loura para a mãe, todavia, todos sabiam que a mulher demoraria para se recuperar. Então, deveria buscar seus parentes no Sul do Brasil? Mas, como ficaria o trabalho – isso é, se ele trabalhasse de fato – ? Não trabalhando como seus subordinados trabalham – nem 10% da massa que eles pegam nos ombros – ele então teria um bom tempo para fazer o que quisesse relacionado à filha postiça: poderia deixá-la lá, prosseguindo com o papel de pai emprestado ou então pegar o avião no dia seguinte até o endereço da casa dos parentes de Patrícia, para devolver a criança aos seus semelhantes em sangue. Grace não incomodava de forma alguma – seu jeito brincalhão e simultaneamente sombrio enchia a casa de cor, algo que Bonnie não conseguiu cumprir por inteiro – , porém, como Patrícia custaria a sair da casa de reabilitação Sidney já podia preparar-se para passar anos com a criança, ao menos até conquistar a pré-adolescência, quando sua filha ruivinha já abraçaria a vida adulta e possivelmente vivesse sua vida longe do seio familiar, longe dos braços do pai, o que era normal – já que ele estava criando a guria para o mundo e não para si mesmo.

Sidney verificou as mensagens mais expressivas. Uma delas vinha de Marcelo, um olhudo de cabelos castanhos lisos que sempre saía com o indiano na companhia de Júlio e Luís, fazendo as vezes de mais novo – cronológica e mentalmente – , o sujeito que sempre precisava das coisas, de ajuda e de conselhos sobre como cantar uma mulher, como comer uma boceta. Por um lado Sidney aproveitava-se da companhia jovem para deitá-lo com suas tiradas irônicas e zoações propriamente ditas, por outro, Marcelo sempre era auxiliado por ele. Mais uma vez o sujeito precisava conversar, pois só faltava assumir a pecha de dependente de uma vez por todas. Sidney não iria ajudá-lo por muito tempo, mas um encontro na noite cairia bem, pois não conseguiria permanecer em casa em horário nobre, mesmo com Grace instalada ali, decidira isto. Mandou uma mensagem de resposta: “Aceito, me ligue às 7 da noite, tô realmente querendo sair, vê se não venha com aqueles ‘mimimis’ de sempre, vou procurar um local legal pra gente”. Daí, Sidney abriu o criado mudo, espanou a lista telefônica do quarto e efetuou algumas ligações nos restaurantes afim de reservar vagas. Marcelo não merecia uma atenção especial – por demais coitado – , mas Sidney não conhecia coitado mais carente que ele. O que podia sair dessa conversa provavelmente soporífera?

Verificou diversos restaurantes de segunda linha – já que Marcelo não merecia um ingresso no primeirão Dorsia, um dos 3 melhores da cidade, mesmo assim as possibilidades de não conquistar uma reserva naquela noite eram enormes – e escolheu o Johnson, bastante conhecido pelo indiano, mais que isto, a história da diretoria do Johnson mesclava-se com a de Sidney por certos anos. Reaparecer no recinto daria vazão para bons momentos passados. Encontrar pessoas que não via há um porrilhão de meses traria novas experiências, independente de serem boas ou ruins. Pensando nisto, carimbou o Johnson como o restaurante a ser freqüentado àquela noite.

Mas claro, Sidney não permaneceria sozinho com um coitadão daquele gabarito. Ligou para Carli, uma loura de 23 anos estudante de medicina da UFF e ex-amiga de escola do mesmo Marcelo. Carli geralmente freqüentava os melhores bistrôs cariocas – seus pais estavam entre os melhores epidemiologistas do Brasil – e gozava de um séqüito de seguidoras fiéis, que até podiam ser escolhidas para participar do jantar. Sidney podia bancar o cupido e juntar Carli a Marcelo, mas estava certo de que mudaria sua operação para querer tê-la em sua cama, desrespeitando um possível “apaixonamento” do amigo. Então, o melhor era não convidá-la, mas Carli era muito interessante para ser rejeitada. Ele podia aproveitar-se dela naquela noite, a véspera do retorno de CL e claro, ninguém precisaria ficar sabendo. Sidney pouco estava ligando para o juramento feito para Bonnie, já estava vencido pela carne e pelo menos seria assim até o retorno da norte-coreana. “O que custa comer uma no último dia de liberdade?”, pensou consigo. Marcelo com certeza atrapalharia os planos de Sidney para traçar Carli, logo, o melhor seria combinar outro dia com Marcelo e dedicar este à Carli, pois ela merecia mais do que ele, naturalmente. E assim foi.

Sidney imediatamente ligou para a loura, que aceitou de pronto seu convite. “É sexta feira mesmo e a gente não se vê há um bom tempo, vamos lá!”, bradou a mulher, com sinais de embriaguez mesmo ao telefone. Que merda. Sidney gostava de levar suas amantes sóbrias para a cama, no intuito de que elas estejam cientes de todo o ato que protagonizariam. E também detestva bafo de bebida ou cigarro, embora fosse um bebedor não costumava entornar todas até tornar-se um bêbado insuportável –apara si e para os outros. Carli merecia um bom prato num dos primeirões da cidade – exceto no Dorsia - , mas a noite passando junto com ele deveria ser no mesmo nível do que ingeriam no bistrô. O negócio era “meter bastante até mancar” pelo menos naquela noite. A despedida definitiva de uma vida piranhuda.

Deslizou até o banheiro e tomou um banho gelado. Após a ducha, pôs uma calça social, paletó cinza e camisa de manga comprida preta, se absteve da gravata e pôs um cinto Breaking de 300 dólares. Penteou os cabelos para trás e passou um hidratante no rosto, leite de magnésia nas axilas e calçou meias coloridas. Lembrou-se de que Carli apreciava meias coloridas, aquelas arco-íris, obviamente homossexuais rivalizando com o resto da roupa totalmente masculina. Estalou os dedos da mão e dos pés, soltou-se, sentindo-se ainda mais relaxado. Todas as tensões referentes ao duelo pela manhã desapareceram e sua mente tornou-se a mesma de sempre: feliz, despreocupada – nem tanto – e preparada para a transgressão. Mas claro, precisava ver Bonnie e Grace antes de descer o morro.

Bonnie fazia um lanche sentada: mastigava um pedaço do sanduíche de doce de leite que ela própria fizera e tomava um copo de leite. Seus olhos aprofundados no vazio aguardavam a presença de seu pai e quando este apareceu em seu campo de visão a menina parou tudo para levantar-se e abraça-lo fortemente. Feito isto, demorou para que a ruivinha descolasse as mãos pálidas e pequenas das costas do indiano. Seus olhos estavam mergulhados no peito dele e se podiam ouvir ruídos sigerindo choro. Certamente mancharia sua roupa, se ele vestisse branco, mas Sidney procurava suas vistas azuis erguendo o rosto dela. Fez, acariciou seu rosto e constatou que era altamente penosa e atraente a expresão sofrida que Bonnie trazia para ele. “Onde o senhor vai?”, perguntou baixinho. “Eu preciso do senhor aqui, preciso estar com o senhor, assim como sempre quis”. Mesmo fitando os olhos lacrimosos da filha, sentia a presença de Grace, assistindo a televisão, quieta. “Olha, eu preciso sair hoje, voltarei de madrugada, pode deixar que não passarei a noite toda, sabe que tem comida e bebida à vontade para vocês duas, por favor, eu preciso me divertir pela última vez”, ele disse, recebendo a rápida mensagem de Bonnie: “O senhor me deu sua palavra de que...”, e Sidney não esperou ela completar a frase, apressou o passo e pulou a janela tal qual um lobo.

Desceu o morro do Castelo dirigindo, começou a chover. Havia marcado com Carli o encontro no Johnson às 20:00 e pelo o que lembrava, sua futura acompanhante nunca se atrasava. Sidney pôde deslizar com seu veículo nas ruas da cidade, executando manobras arriscadas, assustando pessoas e animais – especialmente cavalos. Ele podia fazer hora, pois chegaria adiantado e ele não estava indo em direção ao Dorsia, portanto, fez um tour por sua área de abrangência, até chegar na hora certa. Carli o aguardava sob um guarda chuva negro, que casava com seu vestido decotado cinza claro, repleto de estampas de plantas negras. Fora isto, usava um salto alto preto, ostentava três anéis na mão direita, pulseirinhas prateadas e três colares de pérolas. O louro de seus cabelos fora misturado ao castanho natural de seu couro cabeludo e o batom muito vermelho enfeitava seu rosto, além da maquiagem feita às pressas. Sidney pediu que um manobrista estacionasse o carro e apareceu na frente da mulher, sorrindo de forma sincera. Carli o abraçou de imediato, comprimindo seus seios no peito dele, involuntariamente massageando seu tórax – permaneceram 1 minuto abraçados – enquanto Sidney cheirava seu cangote para identificar o tipo de fragrância que a garota usava.

- Não precisava ter usado Nabokov, da Sara só para me ver – disse o indiano, tendo seu corpo envolvido pelos braços fortes e pequenos de Carli, que o observava em alegria genuína. – Está muito deliciosa.
- Não me importei em gastar uma grana com isso, se bem que usar Nabokov é garantia de simpatia em qualquer lugar – disse a loura, massageando as costas do parceiro. – Você deu uma emagrecida, sabia?
- É, muito trabalho e muita preocupação, mas as coisas estão se resolvendo, amor – respondeu o homem, escondendo os dentes em seu sorriso. – Você está muito deliciosa mesmo com este perfume, estou...
- Vai me dizer que está pensando em dizer à CL para comprar? – indagou ela, fazendo uma careta.
- Claro que não, nem pense nela. Vamos voltar, há quanto tempo não comemos juntos? – Sidney pegou-a pelo braço direito e encaminharam-se ao interior do restaurante, sendo bem recepcionados. Deu um tapa suave na bunda da baixinha, que soltou um hilário ganido. O vestido parecia ter aumentado a bunda da loura, que naturalmente já estava de bom tamanho.

Sidney perguntou ao maître se sua mesa prosseguia à espera do casal e o profissional respondeu que sim. Era a mesma mesa que utilizava há tempos atrás, semi-isolada do pátio principal do restaurante, mas longe do banheiro e próximo da janela da rua. Sidney e Carli pediram um peixe assado, ela parecia estar morta de fome, tanto que mordiscara o guardanapo, como se nunca tivesse pisado em um restaurante.

- Está bem na cara que você não comeu nada – disse Sidney para ela, que imediatamente afastou os dedos da mesa – Continua fazendo aquele regime, aquela “dieta solar”? Não está bebendo água e comendo alguma fruta ou verdura, pelo menos?
- Tô comendo uma maçã aqui, um melão ali, mas onde você está vendo que tô comendo o guardanapo, só dei umas beliscadas...tava pensando em uma torta de limão maravilhosa... – respondeu a mulher, que cumpria contorções à boca quando falava.
- Falando em melões, os seus ainda se mantém firmes mesmo assim – disse Sidney, fitando os seios da baixinha, que por instinto escondeu-os. – Eu não pude ver quando você se formou em Medicina, uma pena, pois eu estava pensando nos tempos em que curtia quando gerenciava este lugar junto com sua mãe. Os melhores tempos enquanto era um novato aqui no Rio de Janeiro.
- Claro que seriam bons momentos, eu tenho uma série de fotos nossa no meu site de relacionamento, mas obviamente meu paquera não sabe, quando soube um dia que eu fiquei contigo quase se mordeu todo.
- E quem é seu “paquera”, alguém que eu conheça? – indagou Sidney, tamborilando na mesa.
- Não, é um espanhol que anda passando uns tempos em Santa Cruz, gosta muito dos tamoios, quer fazer um documentário com eles, etc. – respondeu ela. – Meio nerd, vive perdendo tempo em um fórum de quadrinhos.
- Ah, faz o tipo tranqüilo, então. Provavelmente, um corno manso, como todo nerd é, haha – disse Sidney, gargalhando enquanto inclinava o corpo para trás. – Ei, espero que não deixe comida no prato, hein?
- Tá, prometo, mas ele não é um imbecil, como todos os outros nerds, ele é sensível, sabe entender as mulheres mais do que ninguém, é uma pessoa muito boa e te ajudaria se você perdesse toda a sua fortuna e estivesse na merda.
- Espero que isto não seja uma previsão, huehe – disse Sidney, observando o garçom colocar na mesa uma tigelinha de limões e o tabuleiro com o peixe assado e sem cabeça. Carli apressou-se, retirou um grande pedaço e pôs na boca, mastigando com satisfação. Sidney pôde rever a tatuagem em cruz situada embaixo do pulso direito, já a maquiagem deixava seu rosto medonhamente brilhoso, e seu rosto quadrado combinava com seu pequeno tórax, que fora tão besuntado com alguma coisa que emulava (involuntariamente) suor. O indiano demorou a pegar um pedaço do peixe, pois estava vidrado pela imagem brilhante, suja de comida e afobada de Carli, que comia fitando seus olhos azul-escuros para ele e sorria de constrangida. – É muito bom te ver comendo dessa forma. Já dá para imaginá-la gordinha e mais gostosa ainda.
- N-não acredito que veio aqui só para falar do meu corpo – disse a loura, entre uma mastigada e outra.
- Mas é a coisa que mais me impressiona em você – rebateu Sidney, sorrindo. – Cê come de uma forma tão selvagem e graciosa que me excita cada vez mais. Que tal deixar este babaca de lado e se casar comigo?
- Ah, não acredito – grunhiu ela, entre espinhas e carne branca percorrendo em sua boca grande. – É meio tarde pra você falar isso, certo? Sem contar que, pelo o que eu sei, você queria se casar com a CL há um tempão, vai deixar ela pra ficar com uma...
- Você sempre foi acostumada a se auto-depreciar – interrompeu Sidney, comendo e falando. – Mas, eu agüento. Digo, nem tanto, tem psicóloga à vontade pra você fazer. Sabe que eu seria um marido mais presente que seu nerdzinho...
- Mas, não seria o mais fiel.
- E você seria fiel? – indagou ele, sorrindo. – Sejamos sinceros. A gente podia fazer uma porrada de coisa juntos, mas eu também não seria liberal o suficiente pra te deixar transar com um cara, se fôssemos casados ou noivos, sei lá.
- Hum, então você tem uma veiazinha ciumenta, que bom que estamos nos descobrindo mais nessa conversinha... – disse Carli, rindo. – Achei que sempre fosse aberto a qualquer coisa, nem eu consigo ser como você, mas acabei ficando surpreendida agora, querido. Acabou que não pediu nada para bebermos.
- O garçom de merda... ops, desculpe. O garçom não “cantou a bola” – disse ele, que com um estalo forte chamou a atenção do profissional. Carli pediu um vinho branco de qualquer marca, só queria tragar o peixe com a boca molhada. – É, eu não tenho sangue de barata, tenho minhas limitações, sendo casados ou noivos ficaríamos restritos a provar o corpo um do outro, somente isso. Eu não pularia a cerca e nem você.
- Eu não acredito que você conseguiria. Ah, qual é, te conheço de muitos anos, sempre te vi com diversas mulheres, sei que as pessoas podem mudar, mas se nos casássemos não seria garantia de que você não me colocaria um par de chifres. Eu podia ser sua irmã, de tanto que nos conhecemos bem.
- Não quer tentar? – perguntou ele, sem observar o garçom trazendo um vinho Muscadet, e tratou de servi-los. Carli provou e sentiu um arrepio na garganta, passando pelo corpo todo.
- Você é louco. Tá, sempre foi. Creio que você não está no momento comprometido só com CL ou estou enganada? – indagou ela, lambendo os beiços sujos de carne.
- Só estou com ela – mentiu, terminando de comer mais um pedaço. – E eu não estou falando com uma pessoa, digamos, “sã”.
- Sei...olha, eu me ausentarei por algum tempo, depois a gente conversa sobre isso, não dá pra dar uma resposta agora. Sinceramente, achei que iria me dizer isso algum dia, mas como demorou demais acabei procurando outros caras... mudando de assunto, o que achou do meu vestido? Comprei em Munique.
- Muito bonito, especialmente porque brilha na luz forte – respondeu ele. – E a sua calcinha, também comprou em Munique?
- Não, numa liquidação daqui da feirinha de Ipanema – respondeu ela. Observava Sidney morder os beiços sensualmente para ela, sugerindo sexo. Ela já estava cheia e ao receber dedadas (do pé) de Sidney no entorno de sua vagina tratou de tomar metade da garrafa junto com ele rapidamente, para saírem do recinto direto para um hotel.

Carli queria chupá-lo enquanto Sidney dirigisse, mas este repeliu, dizendo que deixaria tudo quando estivessem entre quatro paredes. Ela assentiu, um tanto chateada, até que a pequena tristeza dissipara-se quando o indiano revezava a mão direita na alavanca e nas coxas da mulher, que sentiu-se ainda mais instigada a chupá-lo ali – mas não o fez. Sidney podia ver o estado do rosto de Carli de soslaio ao dirigir: sua cara prosseguia emanando tristeza, porém, não a tristeza de não poder aplicar uma felação em seu parceiro naquele momento, mas por outra coisa ainda mais preocupante e clara. Era fato de que não encontrara a felicidade – ou algo semelhante a isto – com o nerd, talvez estes fossem mais pragmáticos e sem vida que os homens comuns, os “civis”, portanto já se podia tirar e esperar alguma coisa deste relacionamento. Obviamente que existiam mulheres que os considerava maridos próximos da perfeição, mas se realmente Carli sentia infelicidade com os rumos dados em sua vida – e possivelmente na relação existente entre ela e o indigenista – o que podia fazer para melhorar além de se jogar nos braços de homens mais felizes, de bem com a vida em todos os sentidos e que podiam com toda a tranquilidade passar esta felicidade a ela? Não, talvez a origem de sua tristeza fosse em algo ainda maior que o relacionamento que vivera, mas Sidney cansara de chutar e perguntou o que estava acontecendo. “Simplesmente, as coisas não vão andando de uma forma apreciável, embora eu tenha dito tudo aquilo sobre meu namorado vejo que não conseguiria uma vida plena com ele”, respondeu ela, olhando para a frente. “Acho que irei me aconselhar com a Tila”.

- Eu achei que não tivesse mais nada com ela – disse Sidney, recordando situações passadas com Carli e sua então namorada, a ex-participante de reality show Tila Montilla, uma nipo-brasileira que ganhava um troco como modelo e jornalista em um jornal de quinta, um tablóide carioca denominado “Meio-Minuto”. Quando esteve em terceiro lugar no reality show tal publicação permaneceu 6 meses estampando seu corpo curvilíneo e bronzeado na capa, além de pedidos para que posasse nua (cumprido uma vez) e participações em filmes pornô (nenhuma vez). Tanto Carli quanto Tila eram bissexuais e se encontraram de forma fácil: batendo cabeça nas boates por aí.
- Lembro da época em que você queria tê-la, especialmente para realizar uma fantasia, um “ménage à trois” com nós três, porque a achava muito gostosa. Você estava sedento pelo corpão dela, mas nunca se mostrou tão sedento assim com o meu corpo. Por que? Por ser branquelo demais, comparado com o dela?
- Não, querida, mas convenhamos que ela era bem gostosa mesmo. Tudo o que houve foi eu ficar atraído por um corpaço bronzeado simplesmente por ser bronzeado. Imagine ela besuntada de óleo ou leite condensado? Mas, eu também consigo imaginar seu corpo dessa forma também. Tá me dizendo que nunca te desejei como a desejei?
- Isso mesmo, gênio – respondeu Carli, que ainda tinha a mão de Sidney acariciando sua coxa esquerda. - Imagine se a gente estivesse casado, você nunca se sentiria satisfeito se não tivesse a Tila entre a gente na cama. Sei que um de seus maiores sonhos é ter duas mulheres simultaneamente. Não sei como não enxotou sua filha de casa para se aproximar ainda mais de seu desejo.
- Eu posso ter duas mulheres ao mesmo tempo sim, é só pagar um hotel e colocá-las lá comigo...
- Você entendeu o que eu disse, não se faça de bobo – disse Carli, encaretando com seus lábios vermelhos e sensualmente grossos. - Se caísse no seu colo uma oportunidade de se casar comigo e com ela você casaria, aliás, como quase todo homem o faria. Só não digo que vocês são todos iguais porque não conheço todas as 6 bilhões de pessoas do mundo. Ah, falando na Tila, sabe que eu fechei aquele jornal de merda que ela fazia?
- Hahahahahaha! Sério? Claro que era um jornaleco de merda, mas porque fez isso?
- Primeiro, por ser isto mesmo, um jornaleco de merda. Segundo, que minha mãe era sócia majoritária dali e colocou nas minhas mãos a chave para mandar todo mundo ali à merda. Terceiro, que Tila concordou com nossa ideia, já que ela comeu o pão que o diabo amassou lá dentro. Sabe que ela ganha uma grana bacana como modelo, então o que são R$ 1,600 reais para ela hoje? É o que o jornal pagava, salário besta, hoje um auxiliar de serviços gerais ganha aproximadamente isto, um salário mínimo, ela era formada em Jornalismo e ganhava um salário de auxiliar de serviços gerais, de um limpador de janela! Vê se isso não é comer o pão que o diabo amassou?
- É mesmo, mas o que ela anda fazendo recentemente, onde está?
- Não vou dizer. Mesmo se você souber, pelo menos não será de minha boca – respondeu Carli, fazendo beicinho para ele. - Viu como você não é de confiança?
- Eu... só perguntei – disse Sidney, olhando sério para ela. Carli o examinou rapidamente, procurando algum traço de cinismo vindo de sua expressão... - Bom, chegamos, vou ver se eles servem champagne aqui, sim?

Sidney lembrou de que devia sair no meio da noite para voltar à quinta, achava que entendera os sentimentos de Bonnie e não gostaria de decepcioná-la mais do que a decepcionou nestes últimos dias. Mandou à merda o seu juramento de que não transaria com outra mulher além de CL – e de Vlada Deslyakova, que corria por fora – , mas mesmo assim não se entregara totalmente à gandaia, pois lembrou dos olhos aflitos e molhados de sua filha ao fitá-lo de baixo, não se esquecera do teor de seu drama e da importância disto, portanto, transaria com Carli Etelvina Johnson naquele hotel e depois iria embora. Sua companheira já estava alta por conta da bebida, nunca conseguira se segurar em relação às doses, mas tomara muito vinho para impressionar o parceiro. Teve de andar com seu querido do pequeno estacionamento até o quarto, passando obrigatoriamente pela recepção, pegando a chave e rumando de elevador até o andar indicado por eles. Sidney observou a expressão cansada e suada de Carli, considerando que não deveria fazer amor com ela naquele estado, mas seu pensamento piedoso caiu por terra quando a loura aproximou seu rosto do dele, o beijou na boca – há muito Sidney desejava sentir aqueles lábios grossos nos seus, aproveitara tanto o momento que mordeu-os carinhosamente, provocando risos na mulher – e logo após disse a ele que não deveria negar fogo só porque estava bêbada. Durante quase toda a viagem esfregou seus cabelos, como se estivesse disposta a retirar um inseto enfurnado ali, um piolho ou coisa semelhante. Ele pôde ver que o seio esquerdo da mulher pendia para fora do decote, mostrando um mamilo rosa e singelo, sendo rapidamente posto por ela para dentro – novamente seguiam-se risos, ocultando algo que seria visto por ele por mais vezes naquela noite. Chegaram ao quarto do quinto andar.

Sidney trancou a porta e viu Carli jogar-se na cama de casal do quarto, de bruços e braços abertos. Respirava lentamente, como quisesse dormir, mas ainda guardava certo tesão em ser estimulada por Sidney no restaurante, queria transar com ele, afinal eles não deram as caras no hotel apenas para dormir. Já o indiano retirava seus sapatos chulezentos com toda a calma, como se tivesse a noite inteira para ter a mulher dentro de si. Carli, na mesma posição, retirou com os pés o salto alto que calçava e empinou ainda mais a bunda. Sidney não agüentou e andou até a mulher, desferindo um sonoro tapa em suas nádegas, fazendo a guria emitir um grito grave e monossilábico. Ele montou em cima da mulher – controlando metade de seu peso – , afastou os longos cabelos louros e beijou e lambeu a nuca da mulher enquanto roçava suas pernas no quadril de sua parceira, que inclinou um pouco o corpo,aproveitando para ter os seios apalpados por ele. Virou para a frente. Sidney retirou as alças dos ombros da moça e mamou seus seios enquanto ela permaneceu estática, sem emitir palavra alguma além de gemidos imperceptíveis. Tentou a todo o custo extrair leite deles, até que conseguiu chupar o do seio esquerdo, sorveu como uma criança e Carli riu ao presenciar o momento. Depois teve sua calcinha retirada por ele com os dentes e ele excitou-se ainda mais ao vê-la abrindo suas grossas pernas. O membro do indiano estava rijo, então ele pôs a camisinha e meteu dentro de Carli, bem abraçado à ela. O odor desagradável do álcool saído da boca da loura – que tinha os olhos entreabertos, como se estivesse em transe – não incomodava o sujeito, que rechaçara o abraço forte da baixinha e ergueu o tronco até a cintura, na intenção de atingir maior prazer. Carli envolvia as coxas do companheiro nas suas e se contorcia no intuito de querer a mesma coisa que ele, acariciou os peitoral dele e fazia beicinho, como se quisesse mais um beijo. Recebeu um “colante” e permaneceram com os troncos ligados até atingirem o orgasmo, quase ao mesmo tempo. Sidney murmurou para si mesmo: “que sem graça” e tivera suas costas e peitoral novamente acariciados pela mulher, que não queria desgrudar-se dele. A transa fora tão rápida e sem vida que o médico achou que o problema fosse ele e um suposto desgaste de seu corpo na hora do sexo. Passou lamentavelmente a mão nos cabelos e considerou que esta podia ser uma verdade. Planejou dar as caras no hospital no dia seguinte e verificar, mas aparentemente tudo estava tão bem com seu corpo que tudo isto não podia passar de neura – sem contar que não queria preocupar Carli. Esta fechou os olhos e posou sua mão direita na barriga. Respirou fundo e não fez mais nada, qualquer gênio saberia que ela estava tentando dormir daquele jeito. Sidney levantou-se e rumou para o banheiro, tomando um banho. Quando retornou Carli estava de lado e dormindo. Deve ter considerado a prática sexual tão enfadonha que mesmo sendo feito junto com um sujeito que a devotava – mesmo de forma superficial – não se dedicaria. Sidney queria sair, mas estava tão tentado a abraçá-la por trás que acabou fazendo. O corpo de sua parceira nunca esteve tão deliciosamente quente, com o suor misturado à maquiagem, todo o tronco pedindo um banho – além das partes íntimas – , mas ela não ligava para aquilo. Dormia tranquilamente. E por isto Sidney fora enfeitiçado, enroscou-se nela e adormeceu.

2 horas depois despertou de seu sono tranqüilo ouvindo gemidos, gemidos femininos e bem próximos. Abriu o primeiro olho e depois o outro, procurando o corpo quente de Carli, mas ela não estava à sua frente. Sidney tremeu na base, moveu todos os músculos do rosto e seus dedos percorreram a cama até a borda, alcançando apenas alguns centímetros. Presos à borda, o indiano moveu o resto de seu corpo e os gemidos femininos cada vez atingiam uma nota maior cada vez que seu rosto mulato buscava o cerne de tudo aquilo. Deparou-se com Carli toda contorcida e gemendo como um animal agonizante. Os lhos castanhos do homem brilharam, seu cérebro notou que precisava ajudá-la, fazer alguma coisa, mas primeiro teria de saber o que estava acontecendo com a criatura.

- Sid... Sid... – murmurou ela, como se estivesse com um tijolo entalado no esôfago. – To com do... o...dor de barriga... tô com diarréééééia...
- Agüenta aí – gritou ele, que correu para o pequeno armário abaixo da geladeira do quarto e pegou açúcar e sal, misturando e diluindo em um copo grande com água. Retornou rapidamente e deu para ela beber, colocando a cabeça da loura em sua coxa. Carli não queria ser tocada, relatou que a diarréia a deixava ainda pior quando seu corpo tocava alguém ou alguma coisa, precisava estar totalmente livre para tentar aplacar a dor, por isso mesmo tirou a calcinha e se contorcera no chão, totalmente nua.
- Está se sentindo melhor? – indagou ele, após retirar com cuidado o copo com soro caseiro. Carli pegou sua mão e empurrou o copo com o resto da água com sal e açúcar para dentro de sua grande boca. Logo após beber tudo pediu para não ser tocada e estirou-se de costas no chão, onde ficou respirando bem fundo, tentava controlar a dor e a tontura. Sidney levantou-se, sacou seu celular e chamou um médico.
- Já... já tô melhorando... – murmurou ela.
- Mesmo assim, chamei uma ambulância pra ti, minha amiga irá cuidar de você – disse ele, sentado na cama. Sentiu-se excitado ao presenciá-la respirar fundo, as nádegas de sua companheira tremendo de forma tão sensual que ele teve de se segurar para não penetrá-la mesmo com aquele estado. Até que viu Carli virar parte do rosto para ele e balbuciar: “me agarra... me agarra, por favor”. Sidney estranhou a mulher fazer um pedido tão improvável na situação em sua estava, logo ela, que há poucos minutos não queria ser tocada... será que finalmente conseguira atingir uma excitação à sua altura, mesmo agonizando com a diarréia? Sidney mantivera o desejo de meter em seu ânus, mas cumprir o ato daquele jeito era o cúmulo da bizarrice. Sem contar que enquanto esteve no quinto sono Carli talvez estivera dando uma visitinha no banheiro.
- Pode vir... pode vir, quero ser abraçada – insistiu a mulher. O indiano pensou que ela talvez estivesse apenas querendo ser amparada, abraçada sem descambar para o sexo. Concluindo que seria bastante sem graça se entrelaçarem sem transarem ele recusou. Carli desferiu um soco no chão, o que faz o sujeito mudar de idéia. Sidney pôs uma outra camisinha, virou o corpo da mulher para a frente e meteu em sua vagina enquanto chupava seu pescoço. Controlou seu peso contra a barriga dela, e Carli, não obstante a dor que persistia em seu ventre, seguiu o que fora indicado. A boca de Sidney procurava toda a parte do pescoço de sua parceira, o queixo, a língua e os lóbulos das orelhas. Transavam com melhor gosto que antes, bem abraçados, como dois malditos caracóis (com a diferença de que não eram hermafroditas), fluídos corporais espalhavam-se por todo o lado, seus gemidos prazerosos subjugaram os gemidos de dor, Sidney concentrava-se na metida e gemia quando seu membro alcançava ainda mais as entranhas de Carli que arranhava suas costas como uma gata. Ele não dava tudo de si, pois preocupava-se com a saúde da loura, entretanto, não podia deixar de satisfazê-la. E ao perceber a chegada da ambulância Sidney apressou-se, mas Carli chegou ao orgasmo antes dele, contorcendo as pernas tão forte a ponto de derrubá-lo.
- Ah... foi muito bom... – disse ela.
- Você não estava mentin..
- Não... eu preciso ir ao banheiro... quero fazer o número... 2...
- Quê? HAHAHAHAHAHAHAHHAHHA!!! – Sidney gargalhou abertamente. Carli riu, mas em menor intensidade, e arrastou-se sozinha até o banheiro. O indiano sentira os passos dos médicos subindo para o apartamento deles e a campainha fora tocada. Viu pelo olho mágico e abriu a porta. Era Geórgia e mais um profissional, ambos de jaleco branco. Tentou se desvencilhar do olhar reprovador de sua amiga, mordendo-se por dentro. – Eles já chegaram, querida! – e Carli demorou, pois foi tomar um banho.
- Pronto, pronto – murmurou ela, após 10 minutos. Neste meio tempo Geórgia não emitiu uma palavra além dos habituais “o que aconteceu exatamente?” e “como ela está?”. A loura não conseguia se mover direito, logo foi amparada pelos dois médicos e Sidney caminhou junto com eles, rumando para a Emergência de sua clínica. Teria de passar algum tempo com sua amiga até ser dispensado por ela e pelo estado de seu estômago.
- A noite com ela foi boa pra você? – indagou Geórgia, ironizando.
- Ótima, mas podia ter sido excelente, não fosse a dor de barriga – respondeu ele, cruzando os braços.
- Sua mulher não está voltando pra tua casa hoje?
- Sim, e ela já sabe de tudo – mentiu, esboçando um sorriso debochado. – Agora, vamos mudar de assunto, você não acha que eu deveria me candidatar a vereador em 2012?
- Claro, o senhor tem todos os predicados necessários, tem liderança natural e sabe como persuadir e envolver as massas – respondeu ela, circundando-o. – Mas, como o povo agiria se soubesse que vive em casos extraconjugais?
- Huaha, e você acha que estou casado com a CL? – indagou ele, segurando a gargalhada. – Mesmo se estivesse, não seria de sua conta, seria?
- O povo vai cair de pau se o senhor...
- Ei, na minha vida mando eu – disse Sidney, com o dedo em riste e adotando a seriedade. – Você não seria chamuscada de forma alguma se isto acontecesse, então fique na sua. Sabe-se lá porque está agindo dessa forma comigo, sempre fomos amigos e sempre nos respeitamos...
- Estou falando assim porque sou apaixonada por você! – bradou Geórgia, que andou rapidamente par a enfermaria, onde Carli estava instalada. Sidney recostou o corpo na parede alva e respirou fundo. Entendera o que Geórgia sentira por ele e começou a remoer-se por dentro ao perceber que nunca dera trela para a mulher, mas o que não desejava era ser protagonista de um maldito drama romântico. Já estava certo de que dispensaria CL e namoraria Vlada Deslyakova, desejaria que retornasse rápido, para acabar logo com essa situação.

40 minutos depois Carli saiu da clínica Bhaga abraçada a Sidney. Não disse nada além de um “espero que você consiga resolver sua vida sentimental, mas se eu mudar de idéia quanto ao casamento te dou uma ligada”, que o fustigou a ponto dele se sentir um adolescente de merda. Geórgia acompanhava tudo de longe e voltou para dentro quando o táxi que apanhou a loura se foi. Sidney não perdeu mais tempo e voltou ao estacionamento para pegar seu veículo, até que seu nome fora entoado por uma voz feminina.

- Sidney... Sidney, o que está fazendo zanzando pela rua há essa hora? – perguntou a tal voz. Sidney virou o rosto em direção à fonte, e notou que havia uma mulher de estatura baixa, trajando bota vermelha, saia preta, meia calça preta, camisa vermelha e sobretudo amarelo. Vinha em sua direção, usando enormes óculos escuros de aro vermelho, seus cabelos eram tingidos de louro, longos. Em sua mão direita tinha um celular vermelho, a outra mão estava livre.
- Não acredito... puta que pariu, você realmente chegou – disse Sidney, boquiaberto por estar há poucos metros à frente de CL. Chae Rin Lin. Esta sorria genuinamente.

Atravessou a via embriagada por sua felicidade, quando foi violentamente atropelada nas costas por uma moto. Sidney presenciou o momento do impacto, até esta voar como uma boneca em sua direção, caindo pesadamente em seu peito como um meteorito. Segurou-a e não pôde largá-la enquanto via o motoqueiro pisar fundo, fugindo desesperadamente.

CL arfava, sua boca sangrava de dentro para fora, enquanto Sidney pedia para que ela se acalmasse. Com a mão direita livre pôs a mão no bolso, tirando o celular, e rapidamente ligou para uma ambulância. Ele lacrimejava, todos seus pensamentos direcionavam-se a ela (óbvio, dããããã!), tirou seus óculos, os olhos oblíquos da norte-coreana piscavam debilmente, seu rosto assustadoramente quadrado e espaçoso era tomado pelo sangue. “Fica tranquila, eles tão chegando, amor, fica tranquila, não vai me deixar agora, não dessa forma, não faz isso comigo, CL...” disse ele.

- Ai... acho que não vou agüentar... – sussurrou a mulher. – Me dá um beijo... me dá um beijo, meu gostoso...
- Espera, eu...
- Não... não me transforma. Você prometeu... não me transforma.

Sidney constrangeu-se de imediato, mas não podia desobedecê-la. Ele podia torná-la uma pessoa semelhante a ele, mas recusou, pois pensou que poderia se arrepender da decisão. A beijou. CL meteu sua língua empapada de sangue entre a língua dele e enquanto ela acariciava suas costas e vasculhava seu cangote com beijos a ambulância chegara. Sidney sentiu os motores há metros dali. Tão logo os médicos chegaram e colocaram CL na maca Sidney sentou-se ao seu lado no interior do carro, segurando sua mão.
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